Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/103894
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Devido processo substantivo

Devido processo substantivo

Publicado em .

O devido processo substantivo ultrapassa a barreira do texto constitucional, chegando à ideia de direitos implícitos.

Resumo: Este artigo investiga origem, fundamentos e idéias da Doutrina do Devido Processo Substantivo, verificando que surgiu na Inglaterra e foi sistematizada e consolidou-se nos Estados Unidos da América. O princípio do Devido Processo foi utilizado, a partir de sua inserção na Magna Carta, para conter o exercício arbitrário do poder. Nos Estados Unidos da América, a Doutrina foi absorvida pela Suprema Corte e decisões avançadas e controvertidas são inspiradas por ela, como as referentes a aborto, práticas homossexuais voluntárias, uso de contraceptivos e suicídio assistido. A Doutrina do Devido Processo Substantivo (i) afirma a existência de limitações implícitas ao poder e, assim, quebra a barreira textual-constitucional, chegando à idéia de direitos implícitos; (ii) teoriza a questão da identificação dos direitos fundamentais não enumerados; (iii) afirma que o princípio do Devido Processo é fonte de limitações substantivas e também de novos direitos materiais; (iv) defende a mobilidade constitucional; (v) preconiza a independência e força do Poder Judiciário como mecanismo de contrabalanço ao princípio da maioria e, portanto, indispensável à idéia democrática; (vi) parte do exame de razoabilidade - o mais simples - e explicita inumeráveis e mais perfeitos padrões de escrutínio da lei e atos governamentais.

Palavras-chave: Devido processo legal; devido processo substantivo; doutrina do devido processo substantivo.

Sumário: Introdução. Noções históricas básicas e indispensáveis. Substantive Due Process. Padrões de escrutínio. Vias de ampliação do controle de constitucionalidade. Economic Substantive Due Process. A Substantive Due Process e as liberdades e direitos civis. Críticas à Doutrina do Devido Processo Substantivo. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.


Introdução

Na América Latina, a idéia de um alcance substantivo do princípio do Devido Processo suscita, na melhor hipótese, estranheza. Vigora nesses países, excetuada a Argentina, uma noção eminentemente procedimental do princípio, como ensina Arturo Hoyos1. No entanto, a idéia está assentada na jurisprudência norte-americana e, nos últimos 150 anos, tem feito do Devido Processo o fundamento de polêmicas decisões da Suprema Corte2. Observe-se, ainda, que tal visão não apenas se fixou. Ela tornou-se preponderante a ponto de Peter J. Rubin afirmar que “[...] o próprio direito a um procedimento justo é um direito substancial”3.

Ora, o constituinte originário brasileiro de 1988, ao incluir o inciso LIV, no artigo 5º, da vigente Constituição, afirmou textualmente que se cuidava “ [...] de explicitar na Constituição o princípio do devido processo legal, oriundo da Cláusula anglo-saxônica ‘due process of law’4. Isso exige que o estudioso do dispositivo necessariamente se desloque ao solo do nascimento e sedimentação do princípio, para captar-lhe o alcance, conforme procedimento recomendado por Paulo Bonavides para um eficaz exercício de hermenêutica constitucional5.

Entender como e por que o Devido Processo também se ocupa de aspectos materiais, e não puramente procedimentais, não é tarefa simples, como informa Cândido Rangel Dinarmarco6. Por outro lado, captar o imenso alcance das conseqüências dessa afirmação, é tarefa mais ingente ainda. Para ter sucesso na empreitada, é indispensável, desde logo, dar o passo recomendado por Laurence H. Tribe e abandonar o tentador e habitual caminho semântico: as dificuldades com “ [...] a ginástica textual argumentativamente necessária para encontrar a proteção dos direitos substantivos na disposição cujas palavras parecem mais preocupadas com processo – diz ele - tornaram-se insuperáveis.”7

Este artigo propõe-se a lançar algumas luzes sobre tão contagiante questão e visa a provocar o leitor a pensar sobre a força do Devido Processo, substantivamente tomado, quando sentir que, embora estando num Estado Constitucional de Direito, violações de direito pareçam não ter um caminho de reparação contemplado na lei ou no próprio texto constitucional. Há 150 anos os norte-americanos têm feito do Devido Processo o instrumento, sempre presente, para garantir interesses substantivos fundamentais quando assomam dúvidas a respeito da existência ou não de guarida constitucional para eles.

Duas ilusões devem ser desde logo espancadas: a) que neste pequeno artigo seja possível transmitir uma visão ampla, abrangente e completa da complexa doutrina constitucional do Devido Processo Substantivo e b) que a migração das idéias, conceitos e aplicações da cláusula Due Process, do sistema do Common Law para o Direito brasileiro, vinculado ao Civil Law, seja tarefa simples ou imediata; há, no entanto, um campo fértil a ser trabalhado e um dever a ser cumprido, pois não se pode esquecer, como tem ocorrido até agora, que ali no inciso LIV, do artigo 5º, da Constituição em vigor, foi introduzida, pela vez primeira, em nossa constituição formal, a cláusula milenar.


Noções históricas básicas e indispensáveis

Se, para alcançar o sentido substantivo do Devido Processo, se impõe o abandono do “aguilhão semântico” – expressão de Ronald Dworkin8 - , inicie-se então pela observância da recomendação de Paulo Bonavides, muito própria para a empreitada. Afinal, como ratifica Paulo Márcio Cruz9, “O Direito Constitucional é fruto de uma evolução histórica, cujas etapas principais foram desenvolvidas em muitos e diferentes países”.

Inglaterra

Em 1215, o rei João Sem-Terra (da linhagem invasora normanda que reinava na Inglaterra desde 1066), pressionado pelos barões ingleses, assinou a Magna Carta. Esse documento, escrito em latim, representou a primeira imposição histórica da supremacia de uma lei à vontade de um monarca, o que lhe deu o status mundialmente reconhecido de antecedente direto das modernas constituições10. Nasceu ali o conceito de “governar sob as leis” e não meramente “governar pelas leis”11, tantas e variadas vezes ainda esquecido no Brasil. Pelo documento, impuseram-se preceitos compulsórios que nem mesmo o soberano podia violar12.

No artigo 39, pouco depois alterado para 29, formalizou-se a cláusula conhecida traquigraficamente pela expressão latina per legem terrae, traduzida para o inglês como by the law of the land, e que tinha a seguinte redação:

39 - Nenhum homem livre será detido ou aprisionado, ou privado de seus direitos ou bens, ou declarado fora da lei, ou exilado, ou despojado, de algum modo, de sua condição; nem procederemos com força contra ele, ou mandaremos outros fazê-lo, a não ser mediante o legítimo julgamento de seus iguais [ e/] ou de acordo com a lei da terra [sem grifo no original]. 13

O primeiro e mais importante ponto a fixar, desse nascedouro, é que a cláusula veio à luz como um instrumento de contenção do poder, natureza com a qual se perpetuou e ganhou espaço no universo constitucional dos séculos seguintes.

Atente-se, ainda, para as duas expressões – mediante o julgamento de seus iguais [e/ou] de acordo com a lei da terra. Muitos autores utilizam o conectivo ou e não e, pois, na versão latina, utilizou-se a palavra vel, que permite as duas traduções. Mas a análise contextual-histórica evidencia preocupações de dois gêneros, sem dúvida: procedimentais e materiais. Por lei da terra deve-se entender, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, ” (…) o direito assente e sedimentado nos precedentes judiciais, os quais exprimam a common law”14. Os soberanos franceses dominadores comprometeram-se, a partir da Magna Carta, a só atuar contra o baronato inglês dominado mediante “o julgamento de seus iguais” e aplicando a “lei do país”, na expressão de Edward S. Corwin15. Doravante, até mesmo a adjudicação da justiça pelas cortes reais far-se-ia sem aplicação do Direito do país de origem dos soberanos invasores.

Em 1354, no reinado de Eduardo III e numa lei conhecida como Statute of Westminster of the Liberties of London, as expressões originais foram substituídas pela expressão única By Due Process Of Law16. Carlos Roberto de Siqueira Castro adverte para o fato de que, embora essa expressão não tenha constado na Magna Carta, no “ [...] período da primeira infância do nosso instituto, as expressões law of the land, due course of law e due process of law, que acabou se consagrando, eram tratadas indistintamente pela mentalidade jurídica então vigorante.”17 Por isso, “a expressão Law of the Land é tida [...] unanimemente, como a predecessora direta e equivalente, em sentido e alcance, de Due Process of Law”18. Para John V. Orth, a jurisprudência assentou que as frases significam identicamente a mesma coisa 19. Como ensinava Thomas McIntire Cooley20, em 1880, perguntar “o que é o Law of the Land?” é outra forma de perguntar “o que é o Due Process of Law”? Do que decorre, já, certa compreensão da possibilidade de o Devido Processo também ocupar-se da substância dos atos governamentais.

Estados Unidos da América

As cartas das colônias norte-americanas, no século XVII, continham as expressões originais21. No período dos Estados independentes, entre 1776 e 1788, o mesmo aconteceu. A própria Declaração da Virgínia traz, na seção 8, as expressões “[...] pelo Direito da terra ou pelo julgamento de seus iguais22 e não Due Process of Law.

A Constituição norte-americana, de 1787, nasceu sem declaração de direitos e, portanto, não continha a cláusula, sob qualquer dicção. Somente em 1791 foi ratificado o conjunto das dez primeiras emendas constitucionais que constituem tal declaração, chamada de Bill Of Rights. Na 5ª emenda, os constituintes incluíram a cláusula com a expressão de Eduardo III – Due Process of Law - e voltada à contenção do governo central, ou seja, podia ser oposta às ações da União mas não às ações dos governos estaduais, conforme assentou a própria Suprema Corte na decisão do caso Barron v. Baltimore23, de 183324.

Somente em 1868, após quase um século de desmandos dos governos estaduais, aos quais estava entregue a tarefa de legislar processual e materialmente, foram formuladas e ratificadas as chamadas “emendas da reconstrução” – que sucederam à guerra civil – entre as quais, na 14ª emenda, introduziu-se, novamente, na Constituição norte-americana, a cláusula due process of law, agora voltada à contenção das ações dos governos estaduais. Finalmente o cidadão norte-americano, de qualquer estado federado, podia invocar a cláusula Due Process para se proteger dos atos arbitrários de todos os níveis de governo. Há, portanto, duas cláusulas Due Process levemente diferentes na Constituição dos EUA, uma na 5ª Emenda, aplicável ao governo federal, e a segunda na 14ª Emenda, aplicável aos Estados25.

Desde 1868 a cláusula ganhou força, procedimental e materialmente, transformando-se no principal baluarte de defesa do indivíduo frente às ações governamentais. A Suprema Corte norte-americana desenvolveu ao máximo as aplicações da cláusula, dando ensejo a duas doutrinas marcantes, denominadas Procedural Due Process e Substantive Due Process26. Desta última ocupa-se, ainda que rapidamente, o presente artigo.

Brasil

Em 1988, a cláusula do Devido Processo ganhou formalidade na Constituição da República Federativa do Brasil, com status de direito fundamental, ao abrigo de investidas futuras de qualquer legislador, mesmo o constituinte derivado. E, pela exposição de motivos do Deputado Vivaldo Barbosa, sua origem é induvidosa: trata-se da mesma cláusula, quase milenar, do direito anglo-saxônico.


Substantive Due Process

Esta expressão – Substantive Due Process - denomina uma poderosa e polêmica teoria fundamental constitucional vigente nos Estados Unidos da América27. Alguns autores a denominam de doutrina e outros de filosofia. Adota-se aqui, porque prevalente, a nomenclatura de doutrina. Nela se baseiam decisões históricas da Suprema Corte, como, entre muitas outras, as atinentes aos direitos de controlar a concepção28, de abortar29 e de adultos voluntariamente se envolverem homossexualmente30. A primeira decisão da Suprema Corte que a utilizou diretamente a expressão data de 1948 embora a Doutrina, em si, já viesse sendo utilizada com força desde a segunda metade do século XIX.

A Doutrina do Devido Processo Substantivo afirma, em primeiríssimo lugar, que a cláusula do devido processo não apenas impõe a observância de procedimentos retos – garante direitos procedimentais básicos – mas que também exige que o poder se contenha diante de direitos subjetivos básicos substantivos, como os direitos de liberdade de expressão e de religião, por exemplo.

O indivíduo tem o poder de possuir ou fazer certas coisas, mesmo que o desejo do Estado seja em sentido contrário. E isso exprime a idéia de substantividade.

Sobre a distinção de direito material e processual, vale a antiga lição do saudoso Délio Maranhão, inspirada em Calamandrei e Carnelutti, juristas do Civil Law mas que aqui são esclarecedoras: as normas de direito substancial são, para o juiz, “temas de indagação in judicando; as de direito processual, regras de conduta in procedendo.”31 Assim, os direitos procedimentais, garantidos pelo Devido Processo, ocupam-se de “como” o Estado pode juridicamente ir contra a vida, a liberdade ou a propriedade da pessoa. Mas apenas se o Direito, anteriormente, também lhe concedeu o poder para isso, o que remete o aplicador ao âmbito da substância da norma a aplicar. O que a Doutrina do Devido Processo Substantivo enfatiza é, primeiro, que o rigor in procedendo não pode substituir, jamais, as exigências das indagações sobre a norma in judicando32. E, chegando ao pondo nevrálgico da Doutrina, ela assevera que há substâncias que podem estar na lei (statute, obra do legislador infraconstitucional) mas que não se coadunam com o Direito (Law). E, portanto, não podem orientar o juiz in judicando. Atenção: veja-se que a referência é o Law (Direito) e não apenas o texto formal constitucional.

Embora essa idéia pareça trivial, para não dizer simplista, diante de todo o rico e portentoso esquema de controle de constitucionalidade vigente no Brasil e do detalhadíssimo texto da Constituição, não é bem assim, como se verá. A título de exemplo, realce-se, por ora, que, a partir dela: foram quebrados os limites textuais constitucionais (há direitos substantivos a proteger que estão além das previsões expressas da Constituição); negou-se a possibilidade de se afirmar que “tal direito” não existe porque não está contemplado na Constituição formal33 (idéias de limites implícitos ao poder e de direitos implícitos); negou-se a natureza meramente programática dos princípios, dando-lhes efetiva normatividade (movimento que o Civil Law, ao embalo do pós-positivismo e da Nova Hermenêutica, só vai fazer, a muito custo, na segunda metade do século XX)34; fez-se um ajuste fundamental do esquema tripartite-funcional montesquieuano/lockeano do poder, com o abandono da prevalência do Princípio da Supremacia Parlamentar – vigente na Inglaterra e, de forma geral, no continente europeu - em prol de uma efetiva aplicação do Princípio da Supremacia Judicial, pelo qual se repudiou peremptoriamente a figura do “juiz boca da lei” em favor de um juiz ativista, co-construtor do ordenamento jurídico; a idéia reducionista, difundida no Brasil, de equiparação entre as idéias do Devido Processo Substantivo e de razoabilidade foi, permita-se a expressão, “melhorada”, e o teste de base racional (a verificação pura e simples da razoabilidade) veio a ser considerado o “teste frouxo” de exame de constitucionalidade, incapaz de, só por ele, garantir uma efetiva proteção dos direitos fundamentais35. Esses, como se disse, são apenas alguns exemplos das muitas implicações do reconhecimento de um alcance substantivo do Devido Processo, implicações essas que, com lógica e estrutura muito próprias, denominam-se Substantive Due Process.


Padrões de escrutínio

A cláusula do Devido Processo da 14ª emenda (1868), determina que “nem deve qualquer Estado privar qualquer pessoa da vida, liberdade ou propriedade, sem o devido processo legal [...] “. A palavra legal é muito criticada nessa tradução, pois ela reduz o alcance do termo Law dos anglo-saxões. Vários tradutores utilizam outras expressões como trâmites legais36 ou julgamento justo37.

O sentido claro e mais evidente desse comando constitucional extrai-se diretamente do seu texto. O estado tem de valer-se de procedimentos sufientemente retos e justos para legalmente – isto é, com respeito ao ius - , tomar a vida, a liberdade ou as posses de uma pessoa. Tais direitos são ditos procedimentais ou processuais.

Entretanto, sob a Substantive Due Process, a Suprema Corte desenvolveu uma interpretação mais ampla da cláusula, como já visto, para garantir a proteção de direitos subjetivos substantivos básicos, assim como o próprio direito subjetivo ao processo.

Para impor um ônus à vida, à liberdade ou à propriedade, segundo a Doutrina, é necessária uma justificação governamental apropriada. A nova baliza, adotada pela Suprema Corte, fez a cláusula do Devido Processo tornar-se uma cláusula da devida substância38 também e, portanto, ela exige que o Estado justifique adequadamente qualquer movimento da direção daqueles bens fundamentais.

Atente-se para o que está dito: a) a razoabilidade da norma ou do ato governamental é insuficiente para legitimar imposição de ônus aos bens da vida e da liberdade, por exemplo, protegidos pelo Devido Processo; b) o Estado deve justificar sua ação (norma ou ato), o que significa que o ônus da prova lhe é transferido acerca da necessidade, da oportunidade e da adequação dos meios utilizados para o alcance dos objetivos colimados; c) a justificação feita pelo Estado deve ser “apropriada”, um juízo complexo que cresce em exigência segundo o direito envolvido e grau do impacto provocado pela ação estatal ao direito em questão.

À idéia do exame de razoabilidade agregam-se, assim, exigências novas, muito mais rigorosas, para construir o que os norte-americanos denominam de padrões de escrutínio39 de todos os atos infraconstitucionais, legislativos, executivos e até judiciais. As próprias sentenças não escapam ao exame, como ficou evidente na decisão da Suprema Corte do caso State Farm Mutual Automobile Insurance v. Campbell, 538, U.S., decidido em 7 de abril de 2003. Tratava-se de uma indenização punitiva que a Corte julgou excessiva, em confronto com a indenização compensatória imposta. A Corte estabeleceu que indenizações punitivas que excedam em mais de 10 vezes a indenização compensatória são suspeitas e, portanto, ferem direito subjetivo substantivo protegido pelo Devido Processo, no caso a propriedade (patrimônio). A desconstituição de sentença porque o procedimento conduziu a um resultado “incompatível” com o Law não é uma idéia nova nem revolucionária40.

A disposição de gerar padrões de escrutínio diferenciados, para o exame de leis/atos, segundo a matéria e os direitos envolvidos, foi extremamente significativa porque, por esta via, o poder de revisão judicial se expandiu muito, na esteira do que preconizava a Doutrina do Devido Processo Substantivo.


Vias de ampliação do controle de constitucionalidade

Do que ficou dito, verificam-se dois mecanismos básicos dessa ampliação. Conforme a pregação doutrinária, as Cortes Federais e a Suprema Corte ganharam plena discrição para decidir quais direitos fundamentais e até onde estão ao abrigo do Devido Processo, mesmo não estando enumerados no texto constitucional. Na realidade, a 9ª emenda, que lembra o parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 198841, exprime bem esta idéia: “A enumeração de certos direitos na Constituição não será interpretada de modo a negar-se ou restringir-se outros retidos pelo povo.”42 Essa emenda foi inspirada pelo temor existente, na época, de que se aplicasse o princípio consagrado de interpretação estrita (não ampliativa) das enumerações. Mas ela também deixou evidenciada a abertura plena da declaração de direitos. A Doutrina do Devido Processo Substantivo, por outro lado, rompendo uma doutrina interpretativista textual que vigorou nas primeiras décadas de vida dos Estados Unidos da América (textualismo marshalliano), deu às Cortes, com exclusividade, o poder de “identificar” e positivar tais “outros direitos retidos pelo povo” para ampliar o universo dos direitos fundamentais expressos no Bill of Rights.

Às primeiras indagações – quais direitos merecem a guarida constitucional e até onde – a Corte respondeu de duas maneiras: a) Lembre-se que a declaração de direitos, o Bill of Rights, constituído pelas dez primeiras emendas, restringia apenas a ação do governo federal. O próprio texto constitucional continha certas restrições aos estados-membros (Art. I, § 10º e no art. VI), mas todas se mostraram inadequadas para um efetivo controle da produção legislativa estadual.43 Era necessário estender, então, a todos os estados federados, a própria declaração de direitos (Bill of Rights). Isso foi feito por uma doutrina chamada “da incorporação seletiva”44, mediante a qual a Suprema Corte, pela via do Devido Processo da 14ª Emenda, selecionou a maioria das proteções substantivas do Bill of Rights e as tornou obrigatórias para todos os estados-membros e b) utilizando três metodologias de identificação de novos direitos fundamentais, não enumerados na Constituição - alguns autores as denominam teorias dos direitos fundamentais -, a Corte pode dar o status e a proteção constitucionais a quaisquer direitos substantivos que considere sejam tão básicos, naturais e fundamentais a ponto de merecer tal proteção. As metodologias denominam-se: 1) da tradição histórica; 2) do julgamento racional e 3) dos valores nacionais emergentes45. Em todas elas, a Corte vincula o novo direito a uma das três palavras básicas do Devido Processo: vida, liberdade e propriedade. Ou seja, todas as diferentes teorias estribam-se, de alguma forma, na Doutrina do Devido Processo Substantivo. Nas últimas e mais contundentes decisões da Corte, a fonte tem sido a palavra liberdade (direito de privacidade, aborto, prática voluntária de atos homossexuais).

Respondidas aquelas indagações, as Cortes utilizam, então, a revisão judicial para promover a congruência de toda a legislação dos estados-membros com tais direitos substantivos, num fenômeno que Daniel O. Conkle denomina de nacionalização.


Economic Substantive Due Process

Esta expressão é utilizada para denominar uma vertente, um viés ou uma fase da Doutrina do Devido Processo Substantivo, que vigorou entre o final do século XIX e até o final da década de 1930. A Doutrina, nesse período, passou a ser conhecida pelo nome da mais famosa e controvertida decisão expedida na época – Doutrina do Devido Processo Substantivo de estilo Lochner46 - mas no Black´s Law Dictionary ela é chamada de Doutrina do Devido Processo Substantivo Econômico porque preponderava, naquelas décadas, a defesa dos interesses ligados à propriedade e aos contratos, estes vistos como expressão da liberdade (liberdade de contratar). Lochnerizar (to lochnerize) disseminou-se entre os juristas norte-americanos como um verbo para exprimir o modo de ação da Corte naquele período.

Lembre-se que se trata das décadas em que o mundo viu: a) as Constituições ganharem contornos sociais (welfare state), abandonando-se o modelo liberal do Estado moderno e b) estruturar-se a Ciência do Direito em termos formais-estruturalistas kelsenianos, avessa à preocupação com a substância do Direito.

Como não poderia deixar de ser, a Suprema Corte cedeu na aplicação da Doutrina com aquelas preocupações econômico-sociais. É o que anunciam Jerome A. Barron e C. Thomas Dienes, em texto cujo original se encontra na nota de rodapé para maior clareza: “As doutrinas constitucionais em geral não morrem de uma vez só, mas lentamente vão demonstrando sinais de mortalidade. Assim ocorreu com a substantive due process de estilo Lochner.”47 Com se verá mais adiante, entretanto, certos juristas têm alegado que parece haver um ressurgimento daquela Doutrina (ou da Doutrina com aquele viés) em algumas decisões recentes da Suprema Corte.


A Substantive Due Process e as liberdades e direitos civis

Num caso de 1938 (Carolene Products48), anunciou-se a mudança de rumos da Suprema Corte em relação à revisão judicial das leis de caráter econômico e social. Não mais seria aplicada a Doutrina com o viés da era Lochner, dando-se máxima deferência às decisões legislativas no campo econômico e social. As leis desta área não mais seriam submetidas aos severos padrões de escrutínio até então aplicados, no controle de constitucionalidade, bastando que passassem pelo teste básico da razoabilidade e perseguissem um objetivo legítimo do Estado.

Mas, na nota de rodapé de número 4, anunciava-se, também, que a Doutrina do Devido Processo Substantivo continuaria plena em relação aos direitos e liberdades civis. A utilização de dois Padrões de Escrutínio da lei, segundo a matéria tratada, ganhou o nome de duplo-padrão49.

A atuação firme nesta outra direção, entretanto, levou mais de uma década para mostrar-se com força, na década de 1950 (corte Warren). Nesse vácuo da aplicação da força de contenção substantiva do Devido Processo, após 1939, leis e atos governamentais violaram gravemente os direitos civis e passaram incólumes pelo exame de constitucionalidade. Exemplifica-se com os programas de lealdade50 (para ser servidor público tinha-se de jurar não ser membro de nenhum partido ou organização política que advogasse a destruição do governo), com a utilização ilegal de exposição à mídia para dobrar o pensamento de opositores51 (admissão do tribunal da opinião pública, claramente inconstitucional) e a esterilização de criminosos sexuais contumazes.52

Mas os avanços da Doutrina, na segunda metade do século XX e neste início de milênio, são notáveis. Vários direitos, inimagináveis nas décadas anteriores, sem qualquer enumeração no texto constitucional, ganharam guarida e têm sido afirmados pela Suprema Corte. Além dos já mencionados anteriormente, vale citar: direitos das minorias, preservação dos mecanismos básicos do regime democrático, manutenção do equilíbrio federativo como condição protetora do indivíduo etc. A palavra liberdade tem sido o grande guarda-chuva de uma variada gama de novos e surpreendentes direitos substantivos e o conceito de propriedade, por exemplo, foi ampliado para contemplar os “benefícios sociais”.

Mesmo no âmbito econômico-social, parece haver uma volta da Doutrina. Recentes decisões da Suprema Corte têm feito autores se perguntarem se não estaria havendo, de fato, um retorno da Economic Substantive Due Process em algumas áreas atinentes ao desrespeito à propriedade e ao patrimônio (indenizações punitivas, por exemplo, como já comentado anteriormente)53.


Críticas à Doutrina do Devido Processo Substantivo

Como não poderia deixar de ser, as críticas à Doutrina do Devido Processo Substantivo são abundantes e tão duradouras quanto a própria Doutrina.

Os críticos alegam que, em vez das leis que ela derruba, é ela mesmo, a Doutrina, que é inconstitucional. Ela viola o princípio da tripartição dos poderes e, pior, usurpa o poder dos legislativos estaduais quando derruba lei sem expressa violação a texto constitucional. Dizem, ainda, que a interpretação do princípio, feita pela Doutrina, é um verdadeiro oximoro, pois não há como ver nada além de garantia de direitos procedimentais na leitura da cláusula. E aduzem que os direitos não enumerados, reconhecidos pela Corte, são direitos pseudo-constitucionais que não poderiam ser positivados a não ser pelos legisladores estaduais. Finalmente, entre muitos outros ataques, afirmam que só porque algo é um direito humano básico não o torna um direito constitucional que, por definição, é um direito enumerado e não implícito.

Entre os adeptos da Substantive Due Process nascem muitas defesas: a persistência histórica e a habilidade dinâmica da Doutrina na luta pela defesa de direitos humanos básicos, de forma nacional, de modo a neutralizar os riscos da pulverização federal dos poderes legislativos; não se pode conceber, como determinadamente prega a Doutrina, que um procedimento possa ser considerado justo se injustamente priva uma pessoa de suas liberdades fundamentais; dizem, ainda, tais defensores, entre outras coisas, que a abertura conceitual do Devido Processo é intencional para deixar com as Cortes o poder de interpretá-la.


Considerações Finais

A expressão Substantive Due Process denomina, precipuamente, uma Doutrina constitucional que, partindo de antigas idéias inglesas, afirma que o Devido Processo não se ocupa apenas de procedimentos, mas também da parte substantiva ou substancial de leis e atos estatais. O ocupante do poder, num Estado Constitucional de Direito, está controlado quanto ao que pode fazer e, quando e se autorizado, deve seguir procedimentos que se afinem com o Direito.

A partir da afirmação do alcance substantivo do Devido Processo, a Doutrina estrutura-se num conjunto lógico de recomendações consideradas essenciais para dar efetividade máxima ao princípio. Algumas delas foram objeto de consideração acima. Muitas outras mereceriam menção como: a mobilidade constitucional54, o ativismo judicial, o combate à tirania das maiorias, a proteção das minorias, o papel crucial político-moral entregue ao Poder Judiciário num verdadeiro Estado de Direito, a vinculação necessária do Direito com a idéia de correção normativa e a moralidade55 etc.

Desde 1988, o Devido Processo faz parte do universo constitucional formal do Brasil, trazido das ordens jurídicas anglo-saxônicas.

Este artigo procurou trazer algumas idéias essenciais sobre a visão do princípio, substantivamente tomado, visando a provocar o jurista brasileiro para contemplá-lo pelo ângulo considerado mais relevante nos Estados Unidos da América. Do conhecimento das idéias, de sua lógica e propósitos e das ricas e fecundas aplicações feitas pela Suprema Corte norte-americana, certamente se abrirão caminhos para que se faça, também no Brasil, deste princípio maior da proteção individual, um efetivo instrumento a serviço dos direitos humanos fundamentais.


Referências Bibliográficas

BARRON, Jerome A.; DIENES, C. Thomas. Constitucional law in a nutshell. St. Paul:West Group, 1999. 595p.

BONATO, Gilson. Devido processo legal e garantias processuais. São Paulo:Lumen Juris, 2003. 207p.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 9.ed. São Paulo:Malheiros, 2000. 793p.

BRASIL. Constituição[1988]. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 6 jan. 2005.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6.ed. Coimbra:Almedina, 1995. 1506p.

CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova constituição do Brasil. Rio de Janeiro:Forense, 1989. 417p.

CONKLE, Daniel O. Three theories of substantive due process. In:____ Legal studies research paper series. Bloomington:Indiana University School of Law, Research paper n. 53, jun. 2006. Disponível em: https:srn.combstract=911628. Acesso em: 03 nov. 2006.

COOLEY, Thomas McIntyre. Princípios gerais de direito constitucional. Tradução de Alcides Cruz. 2.ed., reprodução fac-similar parcial da edição de 1909. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982. 304p.

CORWIN, Edward S. A constituição norte-americana e seu significado atual. Prefácio, tradução e notas de Lêda Boechat Rodrigues. Rio de Janeiro:Zahar Editores, 1959. 373p.

CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. 2.ed. Curitiba:Juruá, 2003.

DAVIES, Thomas Y. Adamson v. California. In:_____.The Oxford guide to United States Supreme Court decisions. Oxford:Oxford University Press, 1999. 428p.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 3.ed. São Paulo:Malheiros, 2003. v.1. 708p.

DOUGLAS, William O. Uma carta viva de direitos. Trad. De Wilson Rocha. 2.ed. São Paulo:Ibrasa, 1976.

DUARTE, Écio Oto Ramos. Teoria do discurso e correção normativa do Direito. São Paulo:Landy, 2003. 246p.

DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo:Martins Fontes, 1999. 513p.

______. A virtude soberana. A teoria e a prática da igualdade. Tradução de Jussara Simões. São Paulo:Martins Fontes, 2005. 689p.

GARNER, Bryan A . Black´s law dictionary. 7.ed. Saint Paul, Minn:WestGroup, 1999, 1738p.

HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro:Tempo Brasileiro, 1997, v.1. 354p.

HALL, Kermit L. (Ed.) The Oxford guide to United States Supreme Court decisions. Oxford:Oxford University Press, 1999. 428p.

HART, H. L. A. O conceito de direito. 2ª ed., Lisboa:Fundação Calouste Gulbenkian, 1994. 348p.

HOYOS, Arturo. El debido proceso. Santa Fe de Bogotá: Temis, 1998. 106p.

JOHNSON, D. Barnabas. Due process of law. Disponível em https://www.jurlandia.am/due process.htm. Acesso em: 25 out. 2005.

MARANHÃO, Délio. Direito do trabalho. 13.ed. Rio de Janeiro:FGV, 1985.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 15.ed. São Paulo:Malheiros, 2002.

NEWMAN, Edwin S. Liberdades e direitos civis. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro:Forense, 1967. 113p.

NOWAK, John E.; ROTUNDA, Ronald D. Constitucional law. 17.ed. Saint Paul:West Virginia State Board of Education v. Barnette, 319 U.S. 624 (1943). Group, 2004. 1652p.

ORTH, John V. Due process of law: a brief history. Lawrence:University of Kansas Press, 2003. 116p.

PEREIRA, S. Tavares. Devido processo substantivo (Substantive due process). Florianópolis:Conceito Editorial, 2007. 266p.

PEREIRA, Sebastião Tavares ; ROESLER, Claudia Rosane. Princípios, Constituição e Racionalidade Discursiva. In: II Mostra de Pesquisa, Extensão e Cultura do CEJURPS, 2006, Itajaí. Produção Científica CEJURPS/2006. Itajaí-SC : Editora UNIVALI, 2006. p. 225-235.

REHNQUIST, William H. The Supreme Court. New York:Vintage Books, 2002. 302p.

RUBIN, Peter J. Square pegs and round holes: substantive due process, procedural due process, and the bill of rights. In:____Columbia law review. New York, v.103, n. 833, p.833-892, maio 2003.

STRONG, Frank R. Substantive due process of law. Durham:Carolina Academic Press, 1986. 306p.

TRIBE, Laurence H. American constitucional law. 3.ed. New York:Foundation Press, 2000.


Notas

1 HOYOS, Arturo. El debido proceso. Santa Fe de Bogotá: Temis, 1998. p. 22.

2 TRIBE, Laurence H. American constitucional law. 3.ed. New York:Foundation Press, 2000. p. 1334-1335.

3 RUBIN, Peter J. Square pegs and round holes: substantive due process, procedural due process, and the bill of rights. In:___ Columbia law review. New York, v.103, n. 833, p.833-892, maio 2003. p. 848.

4 Emenda Aditiva nº ES24488-4, do deputado Vivaldo Barbosa. In.___ CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O Devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição do Brasil. Rio de Janeiro:Forense, 1989. p. 418.

5 BONAVIDES , Paulo. Curso de Direito Constitucional. 9.ed. São Paulo:Malheiros, 2000. p. 427.

6 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 3.ed. São Paulo:Malheiros, 2003. v.1. p. 247-248. Para o processualista, trata-se de idéia “amorfa e enigmática”.

7 TRIBE, Laurence H. American constitucional law, p. 1317.

8 DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo:Martins Fontes, 1999. p. 55.

9 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. 2.ed. Curitiba:Juruá, 2003. p. 35

10 PEREIRA, S. Tavares. Devido processo substantivo (Substantive due process). Florianópolis:Conceito Editorial, 2007. p. 36-37, inspirado em BONATO, Gilson. Devido processo legal e garantias processuais. São Paulo:Lumen Juris, 2003. p. 9.

11 JOHNSON, D. Barnabas. Due process of law. Disponível em https://www.jurlandia.am/dueprocess.htm. Acesso em: 25 out. 2005.

12 SCHWARTZ, Bernard apud BONATO, Gilson. Devido processo legal e Garantias Processuais, p. 9.

13 “Utiliza-se o texto traduzido da versão inglesa de G. R. C. Davis, com pequenas alterações de Sir Ivor Jennings, in JENNINGS, Sir Ivor. Magna carta and its influence in the world today. London:British Information Services, 1965. 44-7. Os tradutores informam ter atuado com base no exame comparativo das versões inglesas de MCKECHNIE, in POUND, Roscoe. The development of constitucional guarantees of liberty. Yale:Yale University Press, 1957 e de J. J. BAGLEY, J.J.; ROWLEY, P.B. A documentary history of England (1066-1540). Harmondsworth, Middlesex: Penguin Books Ltd, 1966. A versão aqui utilizada é referida, também, por STRONG, Frank R. Substantive due process of law. Durham:Carolina Academic Press, 1986. p. 5, nota 8.” PEREIRA, S. Tavares. Devido processo substantivo, p. 36, nota 55.

14 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15 ed. São Paulo:Malheiros, 2002. p.106.

15 CORWIN, Edward S. A constituição norte-americana e seu significado atual. Prefácio, tradução e notas de Leda Boechat Rodrigues. Rio de Janeiro:Zahar Editores, 1959. p. 263.

16 PEREIRA, S. Tavares. Devido processo substantivo, p. 39-40.

17 CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O Devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova constituição do Brasil, p. 10.

18 PEREIRA, S. Tavares. Devido processo substantivo, p. 41.

19 ORTH, John V. Due process of law: a brief history. Lawrence:University of Kansas Press, 2003. p. 8.

20 COOLEY, Thomas McIntyre. Princípios gerais de direito constitucional. Tradução de Alcides Cruz. 2.ed., reprodução fac-similar parcial da edição de 1909. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982. p. 201.

21 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, p. 107.

22 Disponível em https://www.archives.gov/national-archives-experience/charters/virginia_declaration_of_rights. html. Acesso em: 15 fev. 2006.

23 Barron v. Baltimore, 7 Pet. 243 (1833).

24 Sobre o Bill of Rights, a 5ª. Emenda e a cláusula Due Process of Law para a União, veja-se PEREIRA, S. Tavares. Devido processo substantivo, p. 57-64.

25 A Suprema Corte as interpreta como idênticas em sentido e a Doutrina do Devido Processo Substantivo aplica-se às duas. Em verdade, elas se complementam, porque na 5ª Emenda existe a Cláusula Takings – inexistente na 14ª – e nesta última existe a cláusula Equal Protection – inexistente na 5ª. Nas questões de discriminação racial, por exemplo, resolvidas no Distrito de Colúmbia e onde se aplica a 5ª Emenda, a Corte recorre diretamente ao Devido Processo, por entender que a igual proteção é apenas um dos primeiros desdobramentos do princípio e que, pelas circunstâncias vigentes por ocasião da ratificação da 14ª emenda, o constituinte entendeu pertinente explicitar para os Estados. O inverso ocorre nas questões atinentes à desapropriação e que demandam a justa compensação. Recorre-se diretamente ao Devido Processo da 14ª Emenda, porque a cláusula Takings, explicitada com a 5ª emenda, também é vista como decorrência obrigatória do princípio e, em 1791, as preocupações com a proteção da propriedade eram as que prevaleciam.

26 Note-se que já há uma história da Substantive Due Process nas jurisprudências americanas federal e estaduais bem anteriores à adoção da 14ª Emenda em 1868. E a fonte das idéias é inglesa, como adverte Laurence H. Tribe: “Tem-se argumentado que, mesmo em 1791 (quando a Cláusula do Devido Processo da Quinta Emenda foi ratificada), o devido processo era largamente entendido como tendo conteúdo substantivo.” TRIBE, Laurence H. American constitucional law, p. 1333. Essa idéia está muito bem fundamentada em STRONG, Frank R. Substantive due process of law, p. 3 e seguintes, num capítulo denominado pelo autor de Seedtime in the Mother Country e extensamente examinado em PEREIRA, S. Tavares. Devido processo substantivo, p. 76-87.

27 Ver, nesse sentido, GARNER, Bryan A . Black´s law dictionary. 7.ed. Saint Paul, Minn:WestGroup, 1999; BARRON, Jerome A.; DIENES, C. Thomas. Constitucional law in a nutshell. St. Paul:West Group, 1999; CONKLE, Daniel O. Three theories of substantive due process. In:____ Legal studies research paper series. Bloomington:Indiana University School of Law, Research paper n. 53, jun. 2006. Disponível em: https:srn.combstract=911628. Acesso em: 03 nov. 2006; TRIBE, Laurence H. American constitucional law; NOWAK, John E.; ROTUNDA, Ronald D. Constitucional law. 17.ed. Saint Paul:West Group, 2004 e HALL, Kermit L. (Ed.) The Oxford guide to United States Supreme Court decisions. Oxford:Oxford University Press, 1999. p. 352, que se transcreve como representativo de todos: substantive due process “refers in the Fifth and the Fourteenth Amendments to the doctrine that requires the justices to examine whether the right being denied or the ob­ligation being created is reasonable rather than whether it has been imposed in a proce­durally appropriate way. The doctrine gives the justices broad powers to adapt consti­tutional law to changing social circumstances.” [sem grifo no original]

28 Griswold v. Connecticut, 381 U.S. 479 (1965).

29 Roe v. Wade, 410 U.S. 113 (1973).

30 Lawrence v. Texas, 539 U.S. (2003).

31 MARANHÃO, Délio. Direito do trabalho. 13.ed. Rio de Janeiro:FGV, 1985. p. 373.

32 Há coisas que o governo não pode fazer, mesmo seguindo os procedimentos próprios. ORTH, John V. Due process of law: a brief history, p. 8.

33 Esses traços têm sido amplamente reconhecidos pelos neoconstitucionalistas. Como realça Habermas, o primado técnico-jurídico da constituição diante da lei integra a sistemática dos princípios do Estado de Direito, embora ela signifique apenas uma antecipação relativa do conteúdo das normas constitucionais. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro:Tempo Brasileiro, 1997, v.1. p. 166.

34 “A necessidade de dar aos princípios o tratamento de Direito foi demonstrada por Dworkin, segundo Bonavides, deixando de lado as velhas concepções positivistas e reconhecendo ‘[...] a possibilidade de que tanto uma constelação de princípios quanto uma regra positivamente estabelecida podem impor obrigação legal.’ Neste momento especial para o advento do pós-positivismo, continua o constitucionalista cearense, é preciso entender o desenvolvimento doutrinário a respeito dos princípios, ‘[...]desde a tibieza inicial de Betti e Esser em reconhecer-lhes a normatividade, até as posições mais recentes e definidas do constitucionalismo contemporâneo e seus precursores, que erigiram os princípios a categorias de normas, numa reflexão profunda e aperfeiçoadora.’ Esse movimento se deu pela mão do jurista alemão Alexy e de publicistas espanhóis e italianos, ‘[...] receptivos aos progressos da Nova Hermenêutica e às tendências axiológicas de compreensão do fenômeno constitucional, cada vez mais atado à consideração dos valores e à fundamentação do ordenamento jurídico.’ Os princípios, portanto, cuja normatividade já não se discute, foram erigidos à condição de paradigmas dos ordenamentos jurídicos.” PEREIRA, Sebastião Tavares ; ROESLER, Claudia Rosane. Princípios, Constituição e Racionalidade Discursiva. In: II Mostra de Pesquisa, Extensão e Cultura do CEJURPS, 2006, Itajaí. Produção Científica CEJURPS/2006. Itajaí-SC : Editora UNIVALI, 2006. p. 225-235.

35 DWORKIN, Ronald. A virtude soberana. Tradução de Jussara Simões. São Paulo:Martins Fontes, 2005. p. 653-654.

36 HART, H. L. A. O conceito de direito. Tradução de A. Ribeiro Mendes. 2ed. Lisboa:Fundação Calouste Gulbenkian, 1994. p. 17 e nota do tradutor informando a opção feita ao traduzir a obra. Parece evidente que ele vislumbrou muito especificamente o lado procedimental da cláusula centenária, como exatamente conviria para um livro escrito pelo último grande positivista.

37 NEWMAN, Edwin S. Liberdades e direitos civis. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro:Forense, 1967. p. 60-62.

38 Conforme a ampla discussão da Corte no caso Roe v. Wade, 410 U.S. 113 (1973).

39 Sobre a matéria, aliás complexa, veja-se PEREIRA, S. Tavares. Devido processo substantivo, p. 197-223. E também: GARNER, Bryan A . Black´s law dictionary, p. 820, 1269 e 1435; HALL, Kermit L. (Ed.) The Oxford guide to United States Supreme Court decisions, p.357; DWORKIN, Ronald. A virtude soberana, p. 653-663. Destacam-se os padrões de escrutínio mínimo (rational basis test ou teste da razoabilidade), de escrutínio elevado, de escrutínio estrito (o mais severo), o do ônus indevido etc.

40 Veja-se TRIBE, Laurence H. American constitucional law, p. 1337, nota 31; também REHNQUIST, William H. The Supreme Court. New York:Vintage Books, 2002. p. 89-90, que comentando o caso Gelpcke v. Dubuque, de 1860, após alegar que a Corte teve de lançar mão de razões formais para desconstituir a decisão das cortes inferiores - ( a Doutrina do Devido Processo Substantivo, ainda em gestação, passava por um momento crítico, na época, após a desastrosa decisão do caso Scott v. Sandford (Dred Scott Case), 60 U.S. 393 (1857) ) – o ex-presidente da Suprema Corte informa que a Corte “[...] really had no better reason for doing it than that it thought the decisions were unfair to bondholders who had invested their money in reliance on the validity of the bonds.” E, para mais detalhes, ver, ainda, PEREIRA, S. Tavares. Devido processo substantivo, p. 93-94, sobre a imposição da parte substantiva a despeito do rigor procedimental.

41 “Os direitos e garantias expressos nesta Constitução não excluem outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” BRASIL. Constituição [1988]. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 6 jan. 2005.

42 CORWIN, Edward S. A constituição norte-americana e seu significado atual, p. 229.

43 PEREIRA, S. Tavares. Devido processo substantivo, p. 131-138.

44 Sobre as doutrinas da “incorporação total” e da “incorporação seletiva”, que acabou prevalecendo, veja-se: PEREIRA, S. Tavares. Devido processo substantivo, p. 170-174; BARRON, Jerome A.; DIENES, C. Thomas. Constitucional law in a nutshell, p.169-170; Gitlow v. New York, 268 U.S. 652 (1925); DAVIES, Thomas Y. Adamson v. California. In:_____.The Oxford guide to United States Supreme Court decisions. Oxford:Oxford University Press, 1999. p. 5.

45 CONKLE, Daniel O. Three theories of substantive due process. In:____ Legal studies....Veja-se, também: PEREIRA, S. Tavares. Devido processo substantivo, p. 164-167; RUBIN, Peter J. Square pegs and round holes: substantive due process, procedural due process, and the bill of rights. In:____Columbia law review, p. 841-842.

46 Lochner v. New York, 198 U.S. 45 (1905).

47 Texto original: “Constitucional doctrines usually do not die all at once but slowly show signs of mortality. So it was with Lochner-style substantive due process.” BARRON, Jerome A.; DIENES, C. Thomas. Constitucional law in a nutshell, p. 176.

48 United States v. Carolene Products Co. 304 U.S. 144 (1938).

49 Sobre o chamado “duplo-padrão”, veja-se PEREIRA, S. Tavares. Devido processo substantivo, p. 213 e seguintes.

50 DOUGLAS, William O. Uma carta viva de direitos. Trad. De Wilson Rocha. 2.ed. São Paulo:Ibrasa, 1976. p. 35-39.

51 DOUGLAS, William O. Uma carta viva de direitos, p. 39-40.

52 PEREIRA, S. Tavares. Devido processo substantivo, p. 140-141.

53 BARRON, Jerome A.; DIENES, C. Thomas. Constitucional law in a nutshell, p. 180.

54 Noção que aproxima, pelas visões atuais dos constitucionalistas do sistema do Civil Law, os dois sistemas, e que J.J. Gomes Canotilho realça referindo-se ao sistema jurídico do Estado de direito democrático português, afirmando-o um sistema normativo aberto de regras e princípios. A juridicidade advém da dinâmica inerente ao sistema de normas que o representa. É aberto porque “[...] tem uma estrutura dialógica (Caliess), traduzida na disponibilidade e ‘capacidade de aprendizagem’ das normas constitucionais para captarem a mudança da realidade e estarem abertas às concepções cambiantes da ‘verdade’ e da ‘justiça’ [...]”.CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6.ed. Coimbra:Almedina, 1995. p. 1145.

55 Outra idéia que se espraiou pelo sistema do Civil Law, pois se assentou que as constituições dos Estados democráticos de direito incorporam princípios como o da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da igualdade, da democracia e do Estado Social, que estabelecem uma forçosa relação entre direito e moral e exigem, em casos de colisão ou vaguidade, lidar com as noções de Direito, como é, e Direito como deveria ser. DREIER, Ralf apud DUARTE, Écio Oto Ramos. Teoria do discurso e correção normativa do direito, p. 151-152.


Abstract: This article investigates the origin, the basis and the ideas of the Substantive Due Process Doctrine, confirming that it emerged in England and it was systematized in the United States and, therefore, consolidated. The Due Process clause were incorporated to the English Magna Carta with the purpose of restraining the arbitrary use of power. In the United States, the Doctrine has developed and been absorbed by the Supreme Court. It has inspired advanced and controversial decisions concerning, for example, the abortion, voluntary homosexual practices, the use of contraceptives, and the assisted-suicide. The Substantive Due Process Doctrine (i) confirms the existence of implicit limitations to the power and, therefore, breaks the textual-constitutional barrier, coming up to the implicit rights idea; (ii) theorizes the matter of the identification of the unenumerated rights, (iii) states that the principle of the Due Process is the source of both substantive limitations and new substantive rights; (iv) stands up for the constitutional mobility, (v) prioritizes the independence and strength of the Judicial Power as a mechanism of counterbalance of the majorities and, therefore, essential to the democratic idea; (vi) starts out from the rational-basis test – the simplest one– and specifies countless and most perfect law scrutiny patterns.

Key words: Due process of law; substantive due process; Economic Substantive Due Process.


Resumen: Este trabajo investiga el origen, los fundamentos y las ideas de la Doctrina del Debido Proceso Sustantivo, verificando que surgió en Inglaterra y fue sistematizada y se consolidó en los Estados Unidos de América. El principio del Debido Proceso fue utilizado, a partir de su inserción en la Carta Magna inglesa, para contener el ejercicio arbitrario del poder. En los Estados Unidos, la Doctrina fue absorbida por la Suprema Corte. Inspiró decisiones avanzadas y controvertidas, por ejemplo, sobre el aborto, prácticas homosexuales voluntarias, uso de anticonceptivos y suicidio asistido. La Doctrina del Debido Proceso Sustantivo (i) afirma la existencia de limitaciones implícitas al poder y así, quiebra la barrera textual-constitucional, llegando a la idea de los derechos implícitos; (ii) teoriza la cuestión de la identificación de los derechos fundamentales no enumerados; (iii) afirma que el principio del Debido Proceso es fuente de limitaciones sustantivas y también de nuevos derechos materiales; (iv) defiende la movilidad constitucional; (v) preconiza la independencia y fuerza del Poder Judicial como mecanismo de contrabalance de las mayorías y, por lo tanto, indispensable a la idea democrática; (vii parte del examen de razonabilidad – lo más simple- y explicita innumerables y más perfectos padrones de escrutinio de la ley.

Palabras claves: Debido proceso legal; debido proceso sustantivo; doctrina del debido proceso sustantivo.


Autor

  • S. Tavares-Pereira

    Mestre em Ciência Jurídica pela Univali/SC e pós-graduado em Direito Processual Civil Contemporâneo. Autor de "Devido processo substantivo (2007)" e de <b>"Machine learning nas decisões. O uso jurídico dos algoritmos aprendizes (2021)"</b>. Esta obra foi publicada em inglês ("Machine learning and judicial decisions. Legal use of learning algorithms." Autor, também, de inúmeros artigos da área de direito eletrônico, filosofia do Direito, direito Constitucional e Direito material e processual do trabalho. Várias participações em obras coletivas.

    Teoriza o processo eletrônico a partir do marco teórico da Teoria Geral dos Sistemas Sociais de Niklas Luhmann. Foi programador de computador, analista de sistemas, Juiz do Trabalho da 12ª região. e professor: em tecnologia lecionou lógica de programação, linguagem de programação e banco de dados; na área jurídica, lecionou Direito Constitucional em nível de pós-graduação e Direito Constitucional e Direito Processual do Trabalho em nível de graduação. Foi juiz do trabalho titular de vara (atualmente aposentado).

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor

    Site(s):

Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, S. Tavares-. Devido processo substantivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7244, 2 maio 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/103894. Acesso em: 13 maio 2024.