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Financiamento imobiliário.

Possibilidade de reajuste pelo CUB mesmo após a conclusão da obra

Financiamento imobiliário. Possibilidade de reajuste pelo CUB mesmo após a conclusão da obra

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O Custo Unitário Básico (CUB) da construção civil, divulgado pelas entidades regionais deste ramo empresarial, pode ser utilizado para o reajuste dos contratos de compra e venda de imóveis, desde que não vinculados ao Sistema Financeiro de Habitação e tenham prazo de pagamento de 36 meses ou superior, ainda que a obra já encontre-se concluída na data da aquisição, a partir do advento do art. 15 da Medida Provisória 2.223/2001, mantido em vigor pelo art. 2º da Emenda Constitucional 32/2001 e depois absorvido pelo art. 46 da Lei 10.931/2004.

Tal conclusão decorre da análise da evolução da legislação e da jurisprudência sobre o tema, tendo em conta as Leis 7.774/1989, 7.989/1989, a Medida Provisória 2.223/2001 e a Lei 10.931/2004.

Com efeito, o art. 1º da Lei 7.774/1989, objetivando fomentar o mercado imobiliário na época de sua prolação, determinou que os ajustes versando sobre compra e venda de imóveis, não vinculados ao Sistema Financeiro de Habitação (o qual possui regras próprias de cunho bancário), deveriam ser reajustados por índices nacionais, regionais ou setoriais dos custos de produção, in verbis:

Art. 1º Nos contratos em execução cujo objeto seja a produção ou o fornecimento de bens para entrega futura, a prestação de serviços contínuos ou futuros, a realização de obras (Lei nº 7.730, de 31 de janeiro de 1989, art. 11) e naqueles relativos a operações de alienação de bens imóveis não abrangidos pelas normas do Sistema Financeiro da Habitação, o índice de reajustamento com base na Obrigação do Tesouro Nacional - OTN será substituído por índices nacionais, regionais ou setoriais de custos ou preços que reflitam a variação do custo de produção ou do preço dos insumos utilizados.

Esmiuçando o preceito legal acima transcrito, foi editada a Lei 7.989/1989, de cunho interpretativo, a qual possui o seguinte teor:

Art. 1º Para efeito de aplicação do disposto no art. 1º da Lei nº 7.774, de 8 de junho de 1989, o reajustamento do valor das obrigações relativas aos contratos de alienação de bens imóveis não abrangidos pelas normas do Sistema Financeiro da Habitação será efetuado na forma desta Lei.

§ 1º Para os efeitos desta Lei, considera-se bem imóvel o prédio urbano ou rural, edificado ou em construção, assim como o lote de terreno ou gleba, urbano ou rural.

§ 2º Entende-se por alienação de bem imóvel a compra e venda, a promessa de compra e venda ou qualquer outro contrato firmado com pessoas físicas ou jurídicas, que objetivem a aquisição de bem imóvel definido no parágrafo anterior.

Art. 2º O reajustamento será calculado, sem retroação, sobre o valor das obrigações relativas aos contratos de alienação de bens imóveis não abrangidos pelas normas do sistema Financeiro da Habitação:

I - ao imóvel que na época da contratação da alienação, já tivesse sido habitado e contasse com mais de 90 (noventa) dias da data da concessão do habite-se, ou aceitação das obras de construção ou loteamento, bem como lotes urbanos e glebas rurais, aplica-se o índice de variação do Bônus do Tesouro Nacional - BTN, nas seguintes condições:

a) até fevereiro de 1989, pela OTN de NCz$ 6,17 multiplicada pela fator de 1,2879:

b) a partir desta data, pela variação do BTN.

II - imóveis não abrangidos pelo inciso anterior:

a) até fevereiro de 1989, pela OTN de NCz$ 6,17 multiplica-se pelo fator de 1,7028;

b) a partir dessa data, pela variação do BTN.

Parágrafo único. No caso de o contrato prever índice substitutivo à OTN, prevalecerá este.

Art. 3º O valor das obrigações será reajustado na forma do artigo anterior, devendo a prestação assim calculada prevalecer a partir da vigência desta Lei.

Art. 4º Se as obras de construção ou loteamento do imóvel de que trata o inciso II do art. 2º desta Lei tiverem sido objeto de financiamento com recursos provenientes de agentes do Sistema Financeiro da Habitação, concedido diretamente ao incorporador, loteador ou construtor, e, se vier o Poder Executivo a desvincular a variação desse financiamento do Índice de Preços ao Consumidor - IPC, aplicar-se-á, a partir da data da desvinculação, o mesmo índice para a correção das parcelas vincendas dos preços das respectivas unidades imobiliárias, desde que seja comprovada ao adquirente a substituição do índice de reajuste do financiamento.

Art. 5º Caso o Poder Executivo cesse a emissão do BTN, aplicar-se-á, aos contratos previstos no art. 3º, a variação do IPC.

Consoante o disposto no diploma legal acima colacionado, os ajustes de alienação de imóveis não vinculados ao Sistema Financeiro de Habitação poderiam ser reajustados pelos índices setoriais até a conclusão da obra e, após, pelo Bônus do Tesouro Nacional (BTN).

Isso porque, enquanto o art. 1º da Lei 7.774/1989 admitia a utilização dos índices setoriais, os arts. 2º, I, e 4º da Lei 7.989/1989 determinavam que, após a conclusão da obra, deveria ser utilizado o BTN.

E, depois, a Lei 8.177/1991 extinguiu a BTN, de sorte a fazer incidir a regra contida no art. 5º da Lei 7.989/1989, acima transcrito, determinando que os contratos imobiliários desvinculados do SFH fossem atualizados pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC), suplantado pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) em fevereiro de 1991, consoante regras de cálculo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que divulga tais índices.

Tal entendimento, no sentido de que poderiam ser aplicados os índices setoriais até a conclusão da obra e o BTN posteriormente (até a substituição do BTN pelo IPC e, depois, pelo INPC), encontra-se expresso nas decisões do Superior Tribunal de Justiça acerca da temática.

Com efeito, o STJ definiu que, para os contratos firmados sob a égide das Leis 7.774/1989 e 7.989/1989, admitia-se o emprego dos índices setoriais apenas enquanto perdurasse a edificação do imóvel, devendo, após, ser aplicado o BTN (e, após sua extinção, o IPC e, então, o INPC).

Explicitando tal entendimento, veja-se o RESP 185975, relatado pelo Ministro Menezes Direito, julgado em 25.10.1999, bem como o RESP 49137, relatado pelo Ministro Barros Monteiro, julgado em 17.12.1998, cuja ementa possui o seguinte teor: "Estando a obra finda, inadmissível apresenta-se a pretensão de reajustar-se as prestações pelo índice setorial da construção civil, por inaplicável à espécie o disposto no art. 1º e § 1º da Lei nº 7.774, de 08.06.89".

Todavia, a legislação anterior, que embasa os mencionados precedentes do Superior Tribunal de Justiça, foi suplantada pelo art. 15 da Medida Provisória 2.223/2001, que passou a admitir a utilização dos índices de preços setoriais, a exemplo do CUB/SC, sem as mencionadas ressalvas, haja vista o entendimento sobre a adequação de tal fator para reajustar o valor dos financiamentos, na medida em que reflete com maior precisão os aumentos dos custos de produção e as variações de preço do setor imobiliário, nos seguintes termos:

Art. 15. Nos contratos de comercialização de imóveis, de financiamento imobiliário em geral e nos de arrendamento mercantil de imóveis, bem como nos títulos e valores mobiliários por eles originados, com prazo mínimo de trinta e seis meses, é admitida estipulação de cláusula de reajuste, com periodicidade mensal, por índices de preços setoriais ou gerais ou pelo índice de remuneração básica dos depósitos de poupança.

O preceito legal acima transcrito permaneceu em vigor, por força do art. 2º da EC 32/2001, até sua revogação prevista pelo art. 67 da Lei 10.931/2004. Mas, neste mesmo diploma legal, restou reproduzido o mesmo conteúdo jurídico, consoante se extraí do art. 46 da Lei 10.931/2004:

Art. 46. Nos contratos de comercialização de imóveis, de financiamento imobiliário em geral e nos de arrendamento mercantil de imóveis, bem como nos títulos e valores mobiliários por eles originados, com prazo mínimo de trinta e seis meses, é admitida estipulação de cláusula de reajuste, com periodicidade mensal, por índices de preços setoriais ou gerais ou pelo índice de remuneração básica dos depósitos de poupança.

Outrossim, verifica-se que, a partir da entrada em vigor do art. 15 da Medida Provisória 2.223/2001, restou superada a incidência das Leis 7.774/1989 e 7.989/1989, no ponto atinente ao reajuste dos contratos imobiliários não vinculados ao Sistema Financeiro de Habitação, passando-se a admitir a utilização de índices setoriais ou gerais, ou ainda de remuneração básica dos depósitos de poupança.

Destaca-se que, pela mesma razão (superação das Leis 7.774/1989 e 7.989/1989), também não faz qualquer sentido continuar seguindo a orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça sobre os pactos daquela época (que admitia o índice setorial somente até a conclusão da obra), porquanto a legislação recente passou a expressamente autorizar a utilização dos índices setoriais sem tais ressalvas.

Ademais, o art. 15 da Medida Provisória 2.223/2001 e seu sucessor, o art. 46 da Lei 10.931/2004, revelam-se adequados e razoáveis, haja vista que, ao admitirem a utilização dos índices setoriais ou gerais para correção monetária dos contratos imobiliários firmados fora do SFH, permitem que os débitos referentes aos ajustes firmados sob sua égide sejam atualizados de acordo com a variação dos preços no mercado de imóveis, refletindo com maior precisão a valorização dos bens negociados.

Ora, não se justifica a utilização do INPC/IBGE, cuja base de cálculo envolve bens diversos (gasolina, aluguel, condomínio, serviços etc), se a valorização imobiliária é especificamente aferida por índices setoriais (a exemplo do CUB/SC), que com muito maior precisão expressam a alteração dos preços praticados naquele determinado setor (compra e venda de imóveis e custos de edificação) e naquela mesma área geográfica (Estado de Santa Catarina, no caso).

Sem embargo, não se pode perder de vista que o índice de reajuste que melhor se aplica a um dado contrato é exatamente aquele que mais fielmente expressa a alteração de preços do objeto negociado. Exatamente por isso que os mútuos feneratícios (empréstimos onerosos de dinheiro) devem sofrer atualização de acordo com a variação do custo do dinheiro (objeto negocial mediato), enquanto que os contratos de alienação imobiliária, por versarem sobre imóveis, devem prever índices que reflitam fidedignamente os custos da construção civil e a valorização imobiliária.

Por tais razões, a interpretação sistemática, histórica, cronológica e teleológica dos arts. 1º da Lei 7.774/1989, 2º, I, e 4º da Lei 7.989/1989, 15 da Medida Provisória 2.223/2001 e 46 da Lei 10.931/2004 indica que os contratos imobiliários não vinculados ao Sistema Financeiro de Habitação, celebrados a partir da entrada em vigor da mencionada norma provisória (04.09.2001), podem ser reajustados segundos os índices setoriais, a exemplo do Custo Unitário Básico (CUB), divulgado pelas entidades regionais atuantes no setor.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZANON JUNIOR, Orlando Luiz. Financiamento imobiliário. Possibilidade de reajuste pelo CUB mesmo após a conclusão da obra. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1554, 3 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10478. Acesso em: 19 abr. 2024.