Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/10482
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Silêncio administrativo

uma análise dos seus efeitos

Silêncio administrativo: uma análise dos seus efeitos

Publicado em . Elaborado em .

1 INTRODUÇÃO

Não raro o administrado, ao exercitar seu direito de petição previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, depara-se com a situação de inércia da Administração Pública que, contrariando seu dever de resposta, mantém-se silente frente ao pleito que lhe foi dirigido.

Tal comportamento, implicando violação a preceitos constitucionalmente tutelados e indo de encontro à concepção de Estado Democrático de Direito, deve ser extirpado da realidade social. No entanto, a despeito do seu flagrante vilipêndio ao Ordenamento Jurídico, não se pode olvidar as repercussões práticas da referida inação.

Em que pese a relevância do tema, sobretudo ao se considerarem os efeitos sentidos pelos administrados, ao silêncio da Administração não se dispensa a atenção devida, quer pela doutrina, legislação ou jurisprudência pátrias, que se mantêm tímidas no que concerne à questão.

Todavia, visando amparar o administrado que se encontre vitimado pelo silêncio, há casos em que a lei prevê a atribuição de efeitos fictos, concessivos ou denegatórios, à apatia estatal, configurando as situações conhecidas como de silêncios positivo e negativo, respectivamente.

Na hipótese de não haver qualquer previsão legal, no entanto, não poderá o administrado ficar desorientado diante da incúria administrativa, pelo que emerge a necessidade de se fixarem, doutrinária e jurisprudencialmente, quais conseqüências serão atribuídas à apatia administrativa.

Em que pese a utilidade prática dos efeitos fictos do mutismo, capazes de minimizar os prejuízos sentidos pelo particular, tal ficção não será capaz de esgotar as pretensões do administrado, que tem direito não só a uma resposta, mas a uma resposta motivada, pois só assim será possível atuar na fiscalização do cumprimento dos deveres da Administração.

Assim, restará, ao particular, a possibilidade de recorrer administrativamente ou socorrer-se ao Judiciário, a fim de obter a motivação da providência ficta ou, a depender da hipótese, requerer a própria reforma do quanto deliberado por ficção.

Em tais casos, sentir-se-á a carência de instrumental especialmente desenvolvido para tanto, razão pela qual invocaremos mecanismos trabalhados no direito comparado, sugerindo a implementação daqueles aspectos que se afigurem úteis no combate ao pernicioso mutismo estatal.

Nesse passo, sustentando a inexistência de qualquer margem de liberdade do administrador quando lhe é solicitada uma providência discricionária, tentaremos demonstrar não haver distinção entre a atuação da Função Judiciária, chamada a decidir acerca da inércia da Administração Pública relativa a solicitações de natureza vinculada, e aquela atuação nas hipóteses em que inércia administrativa refira-se a matéria discricionária.

Ademais, na tarefa de combate ao silêncio, avulta de importância a efetivação dos mecanismos de responsabilização não só do Estado – que seguirá a teoria objetiva –, como do administrador negligente, o qual deve ser sancionado nas esferas cível, penal e administrativa.

Em linhas gerais, é sobre tais repercussões do silêncio da Administração que nos dedicaremos neste trabalho, tecendo considerações sobre a natureza jurídica da apatia estatal e projetando a necessidade de discussões mais profundas sobre a temática em foco. Antes, no entanto, tentaremos afastar as controvérsias terminológicas sobre a questão, apontando nossa visão acerca de alguns dos princípios constitucionais aplicáveis à Administração Pública e propondo uma releitura da teoria da separação dos poderes.


2 TERMINOLOGIA ADOTADA

Volta-se o presente estudo à análise de situações de inércia administrativa, ou seja, hipóteses em que, a despeito de se esperar da Administração determinado comportamento, esta se mantém apática, descuidando dos deveres que lhe são legalmente impostos.

Pode o Estado, todavia, manter-se inerte nas mais variadas situações, pelo que se nos afigura necessário apontar com maior precisão quais hipóteses de inércia administrativa importarão ao presente estudo, sob pena de, ao se tentar abraçar todas as situações de apatia estatal, não se conseguir discorrer, com o mínimo de cuidado necessário, sobre as facetas que o tema sugere.

Assim, não se cuidará, neste trabalho, das hipóteses em que a inércia do Estado se revela pela não implementação de políticas públicas ou pela negativa da prática de atos que se fazem necessários à concretização de projetos socialmente imprescindíveis – apesar de reconhecermos os problemas acarretados por esta omissão. Deter-se-á, em verdade, às situações em que, instada a se manifestar, a Administração esquiva-se de decidir o quanto lhe foi posto à apreciação pelo administrado, negando-lhe o direito de resposta. Cuidar-se- á, portanto, da inatividade formal a que se refere Horacio D. Creo Bay. [01]

Impõe-se, portanto, apontar a denominação pela qual identificaremos as hipóteses de inércia objeto deste estudo. Assim, descarta-se, de logo, a expressão "omissão administrativa", invocada por alguns doutrinadores pátrios, a exemplo de Hely Lopes Meirelles [02], uma vez que carece de especificidade, servindo para identificar não só a negativa de resposta ao pedido do administrado, como as situações em que a Administração Pública se omite por deixar de atuar positivamente em questões sociais.

Isso porque, o vocábulo "omissão", sendo antônimo perfeito da idéia de ação, conduz-nos a imaginarmos uma ausência de atuação positiva daquele que deveria se manifestar por uma ação material, servindo à identificação de situações mais amplas do que as que aqui se abordarão.

Da mesma forma, parece-nos inapropriada a denominação, costumeiramente invocada nos estudos portugueses, no sentido de tratar a inércia da Administração frente às pretensões do administrado como um "ato tácito" [03] ou, como preferem alguns, como um "ato implícito" ou " ato presumido".

Isso porque, como se pretende esclarecer oportunamente neste trabalho, cuidando-se de situações marcadas pela inércia, ou seja, pela inatividade do Estado, não entendemos haver qualquer ato jurídico da Administração, mas meros fatos relevantes para o Direito. Assim, ao se utilizar o significante "ato" acompanhado de qualquer um dos adjetivos supramencionados para denominar o objeto deste estudo, incorre-se no equívoco de posicioná-lo, quanto a sua natureza jurídica, em classificação que entendemos inapropriada.

Aplaudimos, então, a iniciativa de Odete Medauar [04], designando a inércia da Administração frente aos pleitos do administrado como um "não ato". Tal expressão, todavia, em que pese atenta à natureza jurídica do tema que aqui se propõe estudar, revela-se por demais genérica, servindo a identificar todas as hipóteses em que a Administração Pública não pratica um ato, mas mero fato jurídico. Não é capaz, portanto, de particularizar a situação que se propõe analisar neste trabalho.

Assim, somos pela utilização da locução "silêncio da Administração", por vezes substituída por "silêncio administrativo", para descrever a situação trazida a debate, já que capaz de encerrar as nuances que a temática em foco comporta.

Ora, quem silencia nada diz. Dessa forma, por "silêncio" identifica-se a exata situação da inércia da Administração, consubstanciada não na sua omissão genérica, mas no seu mutismo frente às pretensões do administrado.

Registramos, ainda, não vislumbrarmos, a distinção apontada pela doutrina espanhola [05], segundo a qual as expressões "silêncio da Administração" e "silêncio administrativo" guardam uma relação de gênero e espécie, respectivamente, sendo aplicáveis para situações distintas. Assim, no presente estudo, tomar-se-ão como sinônimas as mencionadas expressões.


3 NATUREZA JURÍDICA DO SILÊNCIO

Consoante se depreende dos estudos propedêuticos do Direito, analisar a natureza jurídica de algo é tentar dizer qual o seu significado para o Direito, encontrando sua posição na taxonomia construída pelo saber jurídico.

Nesse passo, impõe-se conceituar o que vem a ser fato jurídico que, em sua acepção mais ampla, compreende todo "evento que produz o nascimento, modificação ou extinção de direitos e deveres". [06]

O conceito de fato jurídico enquanto gênero, todavia, abarcando todos os eventos que se apresentam relevantes ao Direito, carece da especificidade que um estudo taxonômico requer, de maneira que cumpre situá-lo de forma mais precisa, agrupando os citados fenômenos de acordo com suas características comuns.

Nessa tarefa, os autores de Direito Privado costumam identificar duas, por vezes três, categorias em torno das quais entendem dever serem agrupados os eventos relevantes para o Direito, quais sejam: fato jurídico stricto sensu, ato jurídico lato sensu e, para os que apontam uma terceira categoria [07], o ato-fato jurídico. Para o que se propõe este trabalho, todavia, limitar-nos-emos às duas primeiras classificações, apontando em linhas gerais suas peculiaridades.

Assim, nas lições do civilista Sílvio de Salvo Venosa [08], fato jurídico em sentido estrito compreende "os eventos que independentes de vontade do homem, podem acarretar efeitos jurídicos", ao passo que são "atos jurídicos (que podem também ser denominados atos humanos ou atos jurígenos) aqueles eventos emanados de uma vontade, quer tenham intenção precípua de ocasionar efeitos jurídicos, quer não."

Como se afirmou, todavia, tal classificação é oriunda do Direito Privado, em que a autonomia da vontade se afigura a excelência das relações. Assim, a tentativa de importação de tal lógica – nascida, repita-se, das relações privatísticas, sem que se promova o desbaste das suas múltiplas arestas – para situações regidas pelo Direito Público, em que só se é dado fazer o que a lei expressamente autoriza, afigura-se medida fadada ao insucesso.

É verdade que para a conformação de um comportamento administrativo, faz-se necessária a participação de um agente humano. Nesse sentido, até mesmo quando se tratar da atuação de uma máquina, há que se reconhecer a existência de um prévio comando humano a orientar a operação mecanicamente realizada.

Todavia, no exercício de sua função, o administrador será apenas um intérprete da vontade da lei, não lhe sendo dado manifestar qualquer volição particular, nem lhe sendo permitida qualquer margem de arbítrio.

Isso porque, ao contrário do que sucede no Direito Privado, em que é permitido fazer tudo o quanto a lei não vedar, em sede de Direito Público, regido pelo preceito da estrita legalidade, só será dado ao administrador atuar em conformidade ao quanto determinado em lei.

Quem ad ministra, ministra para alguém, de maneira que apenas lhe será possível atuar tendo em vista o interesse público a ser atendido. Assim, o elemento da vontade do agente público não pode ser tomado em consideração na finalização das medidas administrativas, sob pena de se incorrer na patológica situação do desvio de finalidade [09], negando-se a própria essência do conceito "ad ministração".

Saliente-se, oportunamente, que mesmo nas situações em que haja atribuição identificada como discricionária, não será dado ao agente público atuar de acordo com seus interesses particulares, sobrelevando sua vontade à da coletividade, devendo sempre perquirir os juízos de conveniência e oportunidade relativos aos administrados.

Sem ousarmos adentrar na questão da discricionariedade, matéria bastante à elaboração de um outro estudo monográfico, registramos estarmos afinados ao quanto entende Dr. Celso Luiz Braga de Castro, para quem o que ocorre na atribuição discricionária, longe de ser a conferência de liberdade para o administrador atuar de acordo com suas conveniências, é o deslocamento do instante de identificação da solução que melhor satisfaz o interesse público, avaliando-a de acordo com o instrumental disponível para cada situação em concreto, cotejada ao juízo de conveniência e oportunidade do administrado e não, do administrador. [10]

Assim, seja na conduta vinculada ou na discricionária, não há que se falar em qualquer manifestação de vontade individual do agente a interferir na formação do comportamento da Administração. Dessa maneira, a definição do que vem a ser ato jurídico administrativo há que considerar tal particularidade, restando inútil, portanto, o modelo importado dos estudos privatísticos, que adota, como núcleo da distinção entre fato jurídico stricto sensu e ato jurídico, a concorrência da vontade do agente.

Em outras palavras, sabendo-se que a atuação do administrador há que ser sempre coincidente com o quanto previsto na legislação, sua vontade jamais deverá interferir no comportamento adotado em nome da Administração Pública, quer quando harmoniosa aos preceitos legais – hipótese em que não terá qualquer notoriedade, por se confundir com os comandos normativos – quer quando não coincidente àqueles – desenhando-se as hipóteses patológicas dos desvios de conduta, que devem ser extirpadas do universo jurídico.

Dessa forma, restando aclarado que o elemento volitivo do agente não há que ser considerado na manifestação da Administração, insta redefinirmos, para fins de análise do tema em comento, inserto no âmbito do Direito Público, o que viria a ser ato jurídico administrativo. Nesse sentido, afirma o ilustre Celso Antônio Bandeira de Mello [11]:

Atos jurídicos são declarações vale dizer, são enunciados; são falas prescritivas. O ato jurídico é uma pronúncia sobre dada coisa ou situação, dizendo como ela deverá ser. Fatos jurídicos não são declarações; portanto, não são prescrições. Não são falas, não pronunciam coisa alguma. O fato não diz nada. Apenas ocorre. A lei é que fala sobre ele. Donde a distinção entre ato jurídico e fato jurídico é simplíssima.

Nessa esteira de raciocínio, o ato jurídico administrativo seria identificado nas manifestações do Estado através das quais efetivamente seja enunciado seu posicionamento sobre algo.

Para quem, todavia, resistindo ao quanto dito, identifique a voluntariedade como sendo a marca do ato jurídico administrativo stricto sensu, importando os conceitos nascidos do Direito Privado, irrefutável admitir que tal vontade há que ser identificada como uma volição da Administração Pública - e não, do seu agente. Assim, considerando que a Administração, enquanto entidade desmaterializada, há que obedecer estreitamente os comandos normativos, sua "vontade" há que ser identificada com o atendimento aos preceitos legais.

Restaria, então, mais uma vez, obviada a irrelevância de se perquirir a volição do agente, impondo-se, sob essa ótica, a definição de ato jurídico administrativo como sendo aquele orientado pelo comando legal.

Ilustrando o quanto dito, oportuna a invocação da figura do servidor público louco [12] que tenha praticado um ato previsto em lei. Nesse caso, em que pese o Direito não perquirir a vontade dos inimputáveis, na hipótese do comportamento adotado pelo servidor estar de acordo com o quanto previsto em lei, poder-se-á entender perfeccionado um ato – e não mero fato - da Administração, restando ratificado nosso posicionamento acerca da irrelevância da vontade do agente público na configuração dos atos administrativos.

Feitas tais considerações, cumpre identificarmos qual a natureza jurídica do silêncio da Administração Pública.

Quem silencia, nada diz, nada enuncia, nada declara. Assim, nítido não se poder identificar, na linha da conceituação de Celso Antônio Bandeira de Mello, à qual nos afinamos, qualquer fala prescritiva, ou seja, qualquer declaração no silêncio da Administração Pública. O que se verifica é a inércia do Estado que, provocado a se manifestar, mantém-se apático. Acompanhamos, dessa forma, Horacio D. Creo Bay que, cuidando do silêncio, sustenta, in verbis:

No existe acto. Es, sencillamente, una técnica instrumentada para favorecer a los administrados. Más que una función, es una técnica consistente en una presunción legal. La presunción es un elemento que completa la realidad, mientras que la ficción es "una situación imaginaria que, em muchos casos, se encuentra em condicción com la realidad". [13]

Sabe-se que o direito de petição, previsto no artigo art. 5º, inciso XXXIV, da Carta Magna, traz como seu corolário o direito de resposta – o que será abordado neste estudo em momento oportuno. Assim, o mutismo do Estado, quando não responde aos pleitos que lhe são formulados, não se nos afigura um ato jurídico, já que não há qualquer declaração da Administração. Todavia, por se tratar de evento relevante ao Direito, conforma um fato jurídico administrativo.

Nesse passo, registramos nossa discordância com o entendimento de Renato Alessi, professor da Universidade de Parma que, segundo Marcelo Sciorilli, malgrado negue o silêncio da Administração genericamente como um ato jurídico, admite tal natureza sempre que a lei lhe atribua determinados efeitos. Transcreve-se:

Ainda assim, porém, o silêncio administrativo não pode ser considerado, via de regra, um verdadeiro e próprio ato administrativo (provvedimento), posto que falta nele o elemento referente à determinação volitiva. Sustenta o insigne jurista, no entanto, que a lei pode atribuir um determinado efeito ao silêncio, quando se teria, então, uma manifestação presumida da Administração. Em tais hipóteses, o silêncio corresponderia a uma manifestação administrativa e poderia, portanto, ser tido como um ato administrativo (provvedimento) tácito ou presumido. [14]

Há que se registrar que a previsão legal de efeitos para as hipóteses em que a Administração mantém-se inerte não é capaz de transmudar suas naturezas jurídicas, tornando-as atos. Isso porque, quando a legislação aponta dada conseqüência para a apatia estatal, longe de legitimar a não atuação administrativa, visa promover a minimização dos prejuízos que poderiam advir ao particular.

Ademais, sabendo-se que é dever do administrador se pronunciar sobre os pleitos que lhe são dirigidos, não admitimos a interpretação do silêncio como uma inércia proposital, pois, em tal hipótese, estar-se-ia valorizando o elemento psicológico do agente público, como se este importasse ao fenômeno jurídico em comento. Em outros termos, mesmo que não seja esta a vontade do agente, a Administração, por determinação constitucional, há que responder aos pleitos que lhe são dirigidos, de maneira que, se não é a "intenção" da Lei Maior a negativa de resposta ao administrado, não se pode permitir haver esse tipo de propósito do administrador.

Nem se diga haver no silêncio um pronunciamento tácito, ou um ato omissivo da Administração Pública, como preferem alguns, forçando-se sua alocação enquanto um ato jurídico. Isso porque, consoante se estudará adiante – abordando-se a aplicação dos princípios constitucionais ao tema em comento – a forma, em Direito Administrativo, longe de ser um elemento extrínseco à relação jurídica, é uma garantia para o administrado. Assim, valendo-nos da máxima utilizada por Dr. Celso Castro, "a forma do ato administrativo é conteúdo da liberdade do administrado". [15]

Ora. É verdade que na esfera privada a autonomia de vontade das partes confere àquelas relações possibilidade de modificação por acordo entre as partes. Entretanto, quando se cuida de Direito Público, marcado pela heteronomia, ou seja, pela determinação unilateral das regras pela Administração – sempre com vistas ao atendimento do interesse público –, a forma com que previamente se defina a adoção de determinado comportamento será uma garantia ao administrado de que, sem a utilização daqueles meios indicados, não poderá haver atuação administrativa.

Além disso, em harmonia ao que entende o professor Celso Castro, se a essência do existir da Administração é prover os interesses da coletividade, ou, como se disse, "ministrar para alguém", é no cumprimento de tal dever que a função administrativa se nos revela. Assim, impõe-se que o administrado tenha mecanismos incontroversos de identificar o cumprimento dos deveres da Administração, donde a forma previamente firmada para os atos por ela praticados representará mecanismo através do qual o cidadão poderá acompanhar a atuação administrativa, preservando sua liberdade.

Nessa linha de raciocínio, não seria possível concebermos a existência de manifestação da Administração através de atos omissivos, pois na omissão não seria possível ao administrado vigiar o efetivo cumprimento dos deveres do Estado. Ademais, como será melhor esclarecido no momento oportuno, na omissão não se consigna a motivação da atuação administrativa, o que cerceia os direitos de defesa do administrado.

Ainda no que pertine à natureza jurídica do silêncio administrativo, adiantamos não estarmos alinhados ao quanto sustenta Ernesto Garcia ~Trevijano Garnica, renomado doutrinador espanhol, para quem o silêncio administrativo manifestaria naturezas jurídicas diversas a depender das conseqüências – positivas ou negativas – que ele possa acarretar.

Para o citado autor, o silêncio a que se atribuem efeitos negativos consubstanciaria mero fato jurídico, ao passo que, havendo efeitos positivos, deferindo-se o quanto pleiteado, identificar-se-ia verdadeiro ato jurídico administrativo. Observemos sua sustentação:

Se ha puesto de manifesto la dificultad de dar una definición unitaria del silencio administrativo en sentido estricto, debido fundamentalmente a las diferencias intrínsecas (especialmente de naturaleza) que existen entre el negativo y el positivo. [...]

La operatividad del silencio administrativo positivo da lugar al surgimento de un acto presunto, y, como tal, a um verdadeiro acto administartivo. [16]

E continua o citado autor:

El administrado se encuentra ante um acto (presunto) investido de idênticas garantias y efectos que e lacto expreso. [...]

Por el contrario, del silencio negativo no surge estrictamente acto alguno (ni sus efectos tienen el valor de un acto en toda su amplitud), pues ni concurre la vontad (por presunción) de la Adminstración, ni la ley la sustituye directamente, a diferencia de los que ha expuesto en relación con el silencio positivo. [17]

Coadunar com tais colocações, todavia, implica tentar-se apontar a ontologia do instituto do silêncio, adotando-se suas conseqüências como ponto de partida, percorrendo-se, portanto, o caminho inverso do que entendemos razoável: saber o que o silêncio representa para, então, ponderar seus inegáveis efeitos.

Pelo expendido, entendemos irrefutável a natureza jurídica do silêncio enquanto um fato administrativo, não obstante se possa identificar, como conseqüência prevista legalmente para o fato da inércia administrativa, a conformação de um ato jurídico. Não se pode, entretanto, confundir a ontologia do instituto em comento, com os efeitos que inegavelmente ele venha a acarretar.


4 Estado Democrático de Direito

Considerando que a Carta Magna pátria, em seu artigo 1°, qualifica o Estado brasileiro como sendo um Estado de Direito, oportuno analisarmos o significado que tal conceito encerra.

Nos primórdios da humanidade, o poder estava associado àquele que detinha força física, capaz de intimidar um rival em eventuais embates corporais. Posteriormente, mas ainda em tempos pretéritos, antes do surgimento do Estado de Direito, aos monarcas era permitido impor suas vontades de forma absoluta, não havendo nada capaz de se sobrepor aos poderes reais.

Nessa época, o Poder se justificava como sendo um atributo de origem divina ou como um mero resultado de uma imposição pela força, de maneira que os indivíduos a ele submetidos deviam amoldar-se a seus comandos.

Com a alteração da realidade política, todavia, surge a necessidade de se controlar a tirania dos governantes, os quais, até então, não sofriam quaisquer limitações, senão as impostas por preceitos divinos. Emerge, então, um Estado que, abandonando o rótulo de absoluto, passa a submeter-se a limites impostos pelo Ordenamento Jurídico: o Estado de Direito.

Assim, marcadamente difundido no mundo hodierno, ainda que assuma contornos diferenciados em atenção aos cenários político-sociais em que se apresente, o Estado de Direito é uma garantia dos administrados, que poderão esperar e cobrar dos governantes atitudes concretizadoras das finalidades previamente definidas em lei – em sentido amplo.

Nesse modelo de Estado, considerando-se que a lei, que se propõe geral e abstrata, é apontada como moldura do comportamento da Administração, restam vedadas manifestações estatais casuísticas, antes tão comuns quando não se impunham limites à vontade real. Em síntese, o Ordenamento Jurídico passa a funcionar como autorizador e limitador do comportamento da Administração, que só poderá atuar em conformidade a seus preceitos.

A Carta Magna, todavia, além de adjetivar o Estado brasileiro como um Estado de Direito, o afirma "Democrático", pelo que se impõe a análise da dimensão de tal qualificativo.

Assim, por Estado Democrático entende-se aquele em que o poder emana do povo e é exercido em nome desta coletividade; aquele que, distanciando-se dos regimes oligárquicos – em que se busca a satisfação dos interesses privados de uma minoria –, visa o atendimento dos interesses da coletividade, verdadeira titular do poder que, no modelo da democracia indireta, é exercido por seus representantes.

Resta, portanto, fixada a supremacia dos interesses públicos sobre os privados como marca do Estado Democrático, de maneira que todos os programas de atividade da Administração hão que estar orientados pelos preceitos constitucionalmente tutelados, com vistas a se realizarem os fins efetivamente públicos.

Dessa maneira, um Estado que se pretenda Democrático e de Direito será aquele em que a Administração, além de se manifestar de acordo – e tão-somente - com as autorizações conferidas pelo Ordenamento Jurídico, o faz com vistas ao atendimento da supremacia dos interesses públicos sobre os privados. Nesta tarefa, avultam de importância os princípios norteadores da atuação administrativa, sem os quais o plano do Estado Democrático de Direito não pode ser cumprido em sua integralidade.

Assim, a despeito de poderem ser identificados diversos princípios inscritos em outras passagens da Carta Magna, bem como um sem número de valores, não menos importantes, que podem ser inferidos do próprio texto constitucional, por lhe serem implícitos, enfocaremos, nos limites do interesse do presente estudo, os preceitos indicados no artigo 37 da Constituição Federal.

Dispõe, o citado artigo, que "A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]." [18]

Considerando o alcance do princípio da legalidade [19], capaz de irradiar efeitos sobre outros preceitos orientadores da atuação administrativa, tomá-lo-emos como ponto de partida desta breve análise sobre a principiologia aplicável à Administração.

Nesse passo, fornecendo-nos os contornos para a conceituação de legalidade, Hely Lopes Meirelles ensina que "Na Administração não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza." [20]

Assim, a noção de legalidade, coincidindo com a vinculação da atuação administrativa ao quanto previsto em lei, encontra-se identificada com a própria essência de um Estado de Direito, que, como se afirmou, é hostil ao vilipêndio do interesse público por ingerências indevidas da vontade do agente administrativo.

Isso porque, não estivesse o administrador subordinado à fiel observância do quanto determinado em lei, legitimando-se sua atuação para além do legalmente autorizado, a função administrativa estaria inteiramente vulnerável a interferências do agente, capazes de ultrajar a conduta administrativa.

Nesse passo, impõe-se registrar que quando se fala em obediência à "lei", está-se a referir a sua acepção ampla, abarcando-se variadas espécies normativas. Todavia, a previsão legal só será capaz de orientar o comportamento da Administração quando for – e na exata medida em que o for – cumpridora da noção de proporcionalidade [21].

Em outras palavras, determinado preceito legal apenas atenderá ao interesse público – podendo, assim, guiar a conduta administrativa - quando atender a uma relação de custo-benefício. Com isso, indispensável que, qualquer que seja a previsão legal, haja o prévio sopesamento dos interesses por ela feridos e daqueles por ela preservados, só se podendo considerar atendido o interesse público quando estes se afigurem mais relevantes que aqueles.

Do quanto dito, verifica-se que a legalidade, guiando a atuação de uma Administração avessa ao Estado Absolutista é, assim, um caminho encontrado para se assegurar a impessoalidade do agente público. Assim, ao se pretender que o exercente da função administrativa dispense a todos os administrados tratamento isento de percepções que lhe sejam particulares, ou seja, tratando a todos não de forma idêntica, mas enxergando suas diferenças com base em critérios prévios e sustentáveis, segundo a exata medida contida na dicção legal – que haverá sempre que perseguir o interesse público –, está-se zelando pela impessoalidade da Função administrativa, princípio também tutelado em sede constitucional.

Aliás, recobrando-se o quanto dito acerca do significado do "ad ministrar", invocando-se, neste turno, a lição de Ruy Cirne Lima, para quem "a Administração é a atividade do que não é senhor absoluto" [22], tem-se que qualquer atuação do administrador que sobreleve suas impressões pessoais em detrimento do interesse legalmente tutelado configurará manifestação do pernicioso desvio de comportamento, passível de responsabilização, até mesmo pessoal, do agente.

De nada valeriam, no entanto, os preceitos supra-referidos, se não fossem conferidos aos administrados mecanismos para fiscalizar seus cumprimentos. É nesse contexto que avulta de importância o princípio da publicidade.

Quando se diz ser dever da Administração tornar públicas suas decisões, o que se pretende, em verdade, é conferir à função administrativa a transparência que se faz necessária a que o administrado compreenda os caminhos que foram percorridos até a adoção de determinada providência. Por tal razão, na esteira do que sustenta Odete Medauar [23], entendemos ser apropriada a denominação do princípio em comento como "princípio da transparência".

Ora, num Estado que se pretenda Democrático e de Direito, não se pode admitir – salvo em hipóteses excepcionais [24] – que haja o ocultamento de informações inerentes à atividade da Administração Pública que, como se afirmou, volta-se à satisfação dos interesses coletivos.

Nesse contexto, emerge como imperativo que a Administração não só permita ao administrado conhecer o conteúdo das suas decisões, como que revele, com absoluta transparência, todas as justificativas das providências adotadas – estejam elas insertas na sua atribuição discricionária ou vinculada.

Isso porque, ao dirigir um pleito à Administração, por exemplo, não será possível ao administrado insurgir-se contra a manifestação estatal, caso desconheça as razões (motivos) que conduziram àquela providência. Seria o mesmo que imaginarmos alguém tentando defender-se de uma acusação que não sabe identificar qual seja.

Nesse passo, oportuno registrarmos a distinção, apontada por Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem o motivo do ato compreende "a própria situação material, empírica, que efetivamente serviu de suporte real e objetivo para a prática do ato" [25], ao passo que a motivação, sendo uma espécie de exposição dos motivos, "integra a ‘formalização’ do ato, sendo um requisito formalístico dele". [26]

Assim, num Estado de Direito, não basta a existência de motivos para a atuação administrativa, sendo necessária sua enunciação, ou seja, a motivação que, inexistindo, implica cerceamento de defesa do administrado, vilipendiando direitos que lhe são fundamentais. Aliás, como ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, "o princípio da motivação é reclamado quer como afirmação do direito político dos cidadãos [...], quer como um direito individual a não se assujeitarem a decisões arbitrárias, pois só têm que se conformar às que forem ajustadas às leis." [27]

Dessa forma, não se pode permitir uma fundamentação implícita dos comportamentos da Administração, o que, nas situações descritas, ensejaria a dúvida sobre os motivos que efetivamente conduziram à adoção de determinada providência.

No Direito Administrativo não se pode admitir, como acontece no âmbito do Direito Privado, que pela autonomia das partes, acorde-se, de uma hora para outra, que o silêncio representará a aquiescência ou negativa de dada proposição. Assim, a enunciação expressa dos motivos que conduzem aos comportamentos administrativos, ao tempo em que são para a Administração a simples forma daquela atuação, são para os administrados o conteúdo das suas liberdades, ou seja, a garantia de que, sem a adoção daquela configuração exterior, não poderia a Administração atentar contra suas liberdades individuais.

Dessa maneira, a consignação expressa dos motivos que conduzem a uma decisão administrativa, longe de representar um culto parnasiano, em que se valoriza a forma pela forma, volta-se a assegurar os interesses dos próprios administrados.

Ademais, entendemos necessário que o exercente da função pública, além de consignar expressamente as razões que conduziram a cada uma das decisões, o faça de forma prévia ou contemporânea ao ato, evitando qualquer possibilidade de obscurecer-se o mecanismo administrativo por elementos surgidos a posteriori. Sobre tal questão, registramos o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Parece-nos que a exigência de motivação dos atos administrativos, contemporânea à prática do ato, ou pelo menos anterior a ela, há que ser tida como uma regra geral, pois os agentes administrativos não são "donos" da coisa pública, mas simples gestores de interesses de toda a coletividade [...] [28]

Registramos, ainda, identificarmo-nos com o quanto sustentado por Alberto Ramón Real, citado por Celso Antônio Bandeira de Mello [29], para quem a exigência de motivação é requisito de toda atividade administrativa, não se fazendo distinção, para tal fim, entre o comportamento discricionário ou vinculado [30].

Isso porque, como se afirmou noutra passagem, negamos que a discricionariedade se confunda com qualquer margem de liberdade do administrador – havendo, apenas, em algumas situações, uma insuficiência instrumental. Ademais, se o cidadão é o titular do interesse público gerido pelo administrador, não lhe podem ser impostas restrições à fiscalização da atuação administrativa.

No entanto, na hipótese de atuação vinculada, a despeito de não se afastar a obrigatoriedade da motivação, entendemos, em harmonia ao quanto sustentado por Celso Antônio Bandeira de Mello [31], ser possível a revelação da fundamentação a posteriori. Afirma o citado autor:

[...] em se tratando de atos vinculados [...] se o ato não houver sido motivado, mas for possível demonstrar ulteriormente, de maneira indisputavelmente objetiva e para além de qualquer dúvida ou entredúvida, que o motivo exigente do ato preexistia, dever-se-á considerar sanado o vício do ato.

Entendemos, todavia, que, ainda quando se cuide de hipótese de atuação vinculada, há determinadas situações em que, em decorrência da natureza do ato, resta inafastável a prévia consignação da motivação, exempli gratia, nas hipóteses da atuação administrativa resultar em limitação à esfera jurídica dos administrados, recusa a suas pretensões, aplicação de sanções decorrentes de procedimentos administrativos disciplinares, dentre outros. [32]

No que se refere ao princípio da eficiência, por sua vez, entendemo-no realizado sempre que, traçada uma meta, tenham sido empregados os meios adequados a seu alcance com sucesso.

Assim, no âmbito jurídico, a noção de eficiência deve ser compreendida como um mecanismo de medição da proximidade entre os resultados efetivamente atingidos – ou em vias de serem atingidos, já que a eficiência não pode ser apenas uma noção que sirva a análises pretéritas, mas também às presentes - e aqueles que foram visados pela Administração, ou seja, do atendimento do interesse público, obedecendo-se à legalidade.

Todavia, a tentativa de se compreender a eficiência sob uma ótica meramente legalista afigura-se fadada ao insucesso. Isso porque, a noção de eficiência aplicável em Direito Administrativo confunde-se com a própria concepção da "boa administração" [33], não se podendo afirmar eficiente uma atuação administrativa que, a despeito de satisfazer aspectos técnicos da realidade que inscreve dado fato, não a acompanhe na noção da ética.

Assim, não se pode afirmar eficiente, exempli gratia, a atuação de um gestor público que, na tarefa de ver uma determinada proposta legislativa aprovada, favoreça pessoas entregando-lhes cargos para os quais não se revelem competentes. Ora, ainda que sua meta, qual seja, a aprovação da proposta legislativa, tenha sido atingida, não se pode atribuir eficiência a sua atuação, já que, considerando os mecanismos que foram empregados para a consecução do seu desiderato, revela-se reprovável sob o enfoque ético.

Em outras palavras, na análise da eficiência aplicável à Administração, não nos vale a teoria de Maquiavel [34], para quem os fins atingidos pelos governantes justificam os meios por ele empregados. Isso porque, a asseguração da ampla defesa ao administrado – que só será possível quando houver a larga transparência do comportamento administrativo –, ao tempo em que representa um meio para a Administração conhecer a verdade sobre os fatos, significa um fim em si mesmo para o cidadão, garantindo-lhe o gozo da sua liberdade.

Assim, ratificamos o quanto dito acerca do princípio da transparência, não sendo bastante que a Administração decida os pleitos que lhe são dirigidos pelo administrado – ou seja, realize o fim; necessário que, para além disso, seja demonstrada a lisura nos meios empregados, razão pela qual se faz premente a consignação da fundamentação de modo expresso.

Sobre o princípio da moralidade, por seu turno, entendendo estar identificado como a retidão na gestão da coisa pública, deixaremos de tecer maiores considerações, uma vez que as explicações relativas à ética necessária à eficiência da Administração, bem como à noção de impessoalidade alhures abordada, serão aqui inteiramente válidas.

Como se observa, os princípios aqui aludidos – e ainda aqueles que deixamos de mencionar, mas cuja relevância não se apresenta por isso reduzida – encontram-se de tal forma relacionados, que resta dificultosa a tentativa de analisá-los isoladamente, pelo que se conclui que, ao desatendimento de qualquer destes preceitos, a atuação administrativa encontra-se maculada.


5 A Inconstitucionalidade do Silêncio ADMINISTRATIVO

Tendo o capítulo anterior sido reservado à análise panorâmica de alguns dos princípios constitucionalmente abrigados e sabendo-se que todos eles hão que orientar o comportamento da Administração Pública, sob pena de restar maculada aquela atuação, demonstrar-se-á a inconstitucionalidade do silêncio administrativo.

Como cediço, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXIV, inscreve, no rol dos direitos fundamentais do cidadão, o direito de petição, consubstanciado na faculdade de se dirigir aos Poderes [35] Públicos – dentre os quais se encontra a Administração – petição para a defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.

Nenhuma utilidade prática restaria em tal previsão, todavia, se não se compreendesse que, como corolário do direito de petição do administrado, emerge o dever de resposta da Administração, sendo, na lição de Horacio D. Creo Bay, "las caras de uma misma moneda" [36].

Dessa forma, o silêncio administrativo, não se consubstanciando efetiva manifestação da Administração, sendo, antes, a sua própria inércia, acarreta frontal vilipêndio ao dever de resposta constitucionalmente assegurado, caracterizando-se, por tal fato, como um comportamento desconforme à Ordem Jurídica vigente.

Ademais, sabendo-se que a Administração apenas poderá atuar na exata medida em que se revele transparente, não admitimos que no silêncio se identifique uma resposta implícita, pois, em tal hipótese, restaria cerceado o direito dos cidadãos defenderem-se de eventuais arbitrariedades dos administradores, que deveriam sempre se comportar como os meros servos do interesse público que são.

Assim, não basta que se conceda ao administrado uma resposta, sendo indispensável, em harmonia a tudo quanto se disse acerca da transparência das atuações administrativas, que tal decisão seja acompanhada de um "porquê" inteligível por todos os interessados. Faz-se necessária, portanto, a consignação – expressa e prévia – das razões daquele comportamento, pois só assim será possível ao administrado fiscalizar a atuação da Administração, com vistas a que esta jamais descure dos interesses verdadeiramente públicos.

Ora, não se está diante de uma relação privatística, em que às partes é facultada a possibilidade de acordarem, verbi gratia, que onde se silencia, haverá uma aquiescência ou negação. Assim, não pode, o administrador, contrariando toda uma estrutura legalmente pré-fixada – em que a forma do ato administrativo, como se disse alhures, é o conteúdo da liberdade do administrado –, furtar-se ao dever de manifestar-se expressa e fundamentadamente, pretendendo que sua inação se consubstancie uma resposta. Deverá sempre demonstrar, escoimando quaisquer dúvidas, que seu comportamento deriva da observância estrita de preceitos legais, dever este que, nas situações de silêncio da Administração Pública, não se consegue cumprir.

Sobre tal questão, registramos que quando a lei atribui efeitos ao silêncio – questão que será abordada com mais minúcias no momento oportuno – não o faz como permissão da incúria do administrador, legitimando o descumprimento dos seus deveres. A previsão de efeitos para o silêncio é, em verdade, medida que, invocada posteriormente à inatividade, se presta a evitar - ou minimizar - as perniciosas conseqüências a que fica vulnerável o administrado. Em outras palavras, cuida-se de um remédio tendente a reduzir os sintomas sentidos pelo particular que se depara com o "quadro patológico de extrema gravidade" [37] que é o silêncio paralítico da Administração Pública.

Pode-se, então, afirmar que a previsão de efeitos para as hipóteses em que o exercente da função administrativa mantenha-se inerte é medida que sai em socorro do administrado e não, da própria Administração, de maneira que não é possível ao gestor valer-se de tal previsão para deixar de cumprir seus deveres. Nesse sentido, sustenta Horacio D. Creo Bay:

Pero esta presunción de la ley – lo reiteramos – establecida a favor del particular. Es su facultad, no un derecho de la Administración. Esta no queda eximida de su deber de pronunciarse ni puede escudarse en esta disposición legal para no dictar resolución expresa. [38]

Não bastasse, a Carta Maior, assegurando a todos, em seu artigo 5º, inciso XXXV, a inafastabilidade da prestação jurisdicional, confirma a impossibilidade de se admitir o silêncio como um comportamento administrativo sustentável.

Isso porque, ainda para aqueles que insistem em enxergar no silêncio um ato administrativo, irrefutável admitir-se que o desconhecimento das razões que conduzem a determinado comportamento enseja a inviabilidade do Judiciário avaliar, com a amplitude que se faz necessária, se a atuação administrativa - in casu, inatuação - se ampara em bases razoáveis.

Assim, a ausência de motivação do comportamento administrativo decorrente do silêncio representa óbice ao amplo estudo das questões postas à apreciação pela Função Judiciária. [39]

Ademais, não se faz suficiente apontar uma solução ao petitório, ainda que prévia e expressamente fundamentada. É preciso que tal solução seja encontrada dentro de um prazo razoável [40]. Ora, de acordo com a máxima de autoria de Ruy Barbosa, a "Justiça tardia é a própria injustiça". Do mesmo modo, a resposta tardia ao pleito do administrado não poderá ser interpretada como o fiel cumprimento do dever da Administração. Isso porque, quando o administrador faz o particular esperar, mais tempo do que o que se afigura razoável, por uma resposta – direito subjetivo do administrado que peticiona –, estará infringindo a própria base que sustenta o Estado Democrático, qual seja, a primazia do interesse público, em função da qual foram desenvolvidos todos os princípios de que se cuidou anteriormente, bem como aqueloutros que, nos limites deste trabalho, não se pôde abordar.

Pelo quanto dito, tem-se que o silêncio da Administração é comportamento que, malgrado recorrente nos expedientes administrativos, merece ser extirpado de todo Estado que se pretenda Democrático e de Direito, como é o caso do Brasil.


6 RESPONSABILIZAÇÃO PELO SILÊNCIO

Como se afirmou, o silêncio administrativo é um comportamento que, marcado por inconstitucionalidades, é de todo indesejável na Administração Pública, devendo, portanto, ser eliminado das estruturas do Estado.

Ocorre que, a despeito da sua indesejabilidade, não se pode negar a presença do silêncio, cada vez mais freqüente, como prática da Administração. Todavia, o fato de a inércia administrativa se consubstanciar uma infração recorrente não pode ensejar sua banalização, devendo, aliás, ser motivo bastante à intensificação do seu combate, dada a dimensão assumida por esta prática tão gravosa.

Assim, nas situações de silêncio da Administração, fica o administrado, cujo pleito dirigido ao Estado não encontrou qualquer resposta, vulnerável aos prejuízos advindos da inércia administrativa. Nesse contexto, avulta de importância que sejam aprimorados os mecanismos de responsabilização do Estado – ao menos efetivados os já existentes – que, em última análise, foi o provocador dos danos sentidos pelo administrado. Além disso, não se pode olvidar a necessidade de responsabilização pessoal do agente que, mantendo-se apático, furtou-se de cumprir o dever de responder aos pleitos do administrado.

Ressalte-se, ainda, que as hipóteses de responsabilização não se restringem à ausência de resposta pelo exercente da função administrativa, devendo ser também aplicáveis às situações em que a resposta surja quando já superado o tempo razoável para aquela manifestação.

Ora, se os prazos impostos para a tramitação de um feito administrativo revelam-se peremptórios para o administrado, que não poderá escusar-se de cumprir, naquele ínterim, as diligências que lhe sejam impostas, não se pode admitir que a Administração – que só existe enquanto gestora dos interesses públicos – possa descumpri-los, prejudicando os cidadãos, sem que lhe advenham responsabilizações. Admitir-se tal situação, aliás, seria coadunar com a concepção distorcida de que à Administração tudo seria permitido, contrariando os preceitos decorrentes da noção de legalidade a que todos – inclusive o Estado – estão submetidos.

Aliás, malgrado a necessidade de que o Estado manifeste-se dentro de um "prazo razoável já decorra dos princípios gerais aplicáveis à Administração Pública, tal imposição restou intensificada com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, responsável pelo acréscimo do inciso LXXVIII ao artigo 5º da Carta Magna, segundo o qual "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação". [41]

Dessa forma, os tópicos que seguem prestam-se, nos limites necessários a este estudo, à análise da responsabilização do Estado e de seus agentes nas hipóteses de silêncio.

6.1 RESPONSABILIDADE DO ESTADO

Como cediço, no Estado Absolutista vigia a premissa da irresponsabilidade estatal pelos danos provocados aos cidadãos, de maneira que "Os administrados tinham apenas ação contra o próprio funcionário causador do dano, jamais contra a Administração, que se mantinha distante do problema." [42]

Todavia, com a superveniência do Estado de Direito, em que a Administração, assim como os administrados, estão submetidos à obediência da lei, emergem, como decorrência lógica, as bases da responsabilidade objetiva estatal.

Assim, a despeito de predominar, em nosso Ordenamento, a teoria da responsabilização subjetiva, em que se perquire a culpa do agente para, só então, falar-se em dever de indenização pelos danos causados, a Carta Magna vigente, em seu artigo 37, § 6º, ao cuidar da responsabilização do Estado por danos causados por seus agentes, não faz qualquer menção ao elemento da culpabilidade – indispensável sob a ótica da teoria subjetiva –, pelo que se conclui, com pacificidade, que, por comportamentos comissivos do Estado, está a se consagrar a responsabilidade objetiva da Administração.

Assim, a Administração será responsável pelos danos que seus agentes provoquem na realização das atividades administrativas, sem que para tanto haja que se perscrutar a existência da culpa.

Em se tratando de responsabilização pela omissão estatal, no entanto, a doutrina pátria apresenta-se inclinada, na linha do quanto sustentado por Celso Antônio Bandeira de Mello, a afirmar tratar-se de hipótese em que impera a responsabilização subjetiva do Estado.

Todavia, ao contrário da tradicional estrutura de responsabilização subjetiva, em que se perscruta a culpa do agente causador do dano, a responsabilização aplicável às omissões estatais – a exemplo do silêncio da administração – dispensa a identificação de uma culpa individualizada.

Em outras palavras, tratando-se de responsabilidade subjetiva, é indispensável à aferição do elemento culpabilidade. Contudo, longe de se perquirir a culpa ou dolo da conduta específica de determinado agente, a responsabilidade pela inação estatal será possível sempre que ocorrer a "falta do serviço", caracterizando uma culpa anônima.

Desse modo, em que pese não restar dispensada a demonstração da culpabilidade – o que apenas seria possível na hipótese de responsabilidade objetiva –, a responsabilização pela inércia do Estado, malgrado caracterize-se como subjetiva, apenas exigirá do administrado a comprovação de que o serviço ou a prestação solicitada à Administração não se realizou ou se verificou fora dos padrões recomendáveis à atuação administrativa eficiente.

Nesse sentido, leciona Celso Antônio Bandeira de Mello:

(...) em inúmeros casos de responsabilidade por faute du service necessariamente haverá que ser admitida a "presunção de culpa", pena de inoperância desta modalidade de responsabilização, ante a extrema dificuldade (às vezes intransponível) de demonstrar-se que o serviço operou abaixo dos padrões devidos, isto é, com negligência, imperícia ou imprudência, vale dizer culposamente. [43]

Assim, havendo silêncio da Administração perante os pleitos do administrado, situação que, como aclarado, implica violação ao dever de resposta, corolário do direito de petição, indubitável a configuração da negligência do Estado, caracterizando, portanto, situação de presunção da culpabilidade nos moldes indicados.

Tal construção teórica que, respeitando as peculiaridades do Estado, invoca, em situações de inércia, a culpa anônima pela inatuação da Administração, representa avanço inigualável no mecanismo da responsabilidade civil.

Isso porque, não se pode negar que a estrutura da Administração, marcada pela sua complexidade organizacional, acabaria por dificultar a identificação do agente causador do dano, bem como a colheita das provas acerca da sua culpabilidade individualizada. Haveria, assim, óbice à indenização dos administrados, que terminariam suportando as violências da Administração, sem conseguirem a pertinente compensação pelos comportamentos ilícitos que lhes tenham provocado danos.

Ademais, o desprezo pela teoria da culpa anônima na esfera estatal, na medida em que tornaria dificultosa a responsabilização do Estado, acabaria por reduzir as possibilidades de indenização do administrado à capacidade econômica do agente público que, ao menos diante das possibilidades da Administração, revela-se diminuta, consubstanciando mais um complicador para o ressarcimento do administrado.

Dessa forma, adotada a teoria da responsabilização com base na faute du service, fica facultado ao cidadão acionar o agente administrativo, reunindo os elementos comprovadores da sua culpabilidade, ou insurgir-se diretamente contra a Administração, que se responsabilizará sob o fundamento da culpa anônima – assegurado seu regresso contra o agente causador dos danos, em caso de dolo ou culpa –, bastando a demonstração do nexo de causalidade e dos prejuízos sofridos pelo administrado, presumindo-se a culpabilidade de Administração pela ausência ou ineficiência da sua atuação.

Assim, adotada a responsabilização subjetiva do Estado nos moldes apontados, na hipótese de ocorrer a paralisia ou retardo da Administração frente aos pleitos dos administrados, situações cujas ilicitudes – diga-se, com precisão, inconstitucionalidades - tenta-se demonstrar neste estudo, impor-se-á o pronto ressarcimento pelos efeitos perniciosos que atinjam o administrado.

Não se pode perder de vista, contudo, que a consagração da responsabilização nos moldes apontados não implica o necessário dever de a Administração indenizar o administrado pelos danos que lhe forem provocados no desempenho da Função Administrativa.

Isso porque, independente da construção teórica adotada, para que se possa falar em responsabilização é necessária a comprovação do nexo de causalidade. Assim, não estará caracterizada hipótese de responsabilidade do Estado em caso de superveniência de caso fortuito, força maior, atos praticados por terceiros ou pela culpa exclusiva do administrado.

Assim, por exemplo, se a inércia administrativa deve-se ao fato de se estar no aguardo de uma diligência que tenha sido imposta ao administrado e que, até aquele momento, não tenha sido cumprida, a culpa exclusiva do peticionário afasta a responsabilização da Administração.

Registramos, neste passo, que a indenização pelo mutismo estatal, em que pese muitas vezes não ser capaz de restaurar o status quo ante do administrado [44], propõe-se a compensar os prejuízos por ele sentidos com a paralisia administrativa.

Saliente-se, ainda, que a responsabilização da Administração não está descartada mesmo quando, em lei, estejam previstos efeitos para o silêncio, já que, em tais hipóteses, também poderão advir danos para o administrado. Nesse sentido, discordamos do quanto sustentado por Ernesto Garnica, para quem a responsabilidade patrimonial do Estado encontra-se diminuída quando operados os efeitos legalmente atribuídos ao silêncio.

Cuidando das situações em que se operam os efeitos positivos do silêncio, sustenta o citado autor que "no habrá lugar a la responsabilidad patrimonial de la Administración por causa de demora toda vez que se habrá concedido por silencio lo solicitado." [45]

Tal assertiva, no entanto, não se revela subsistente, já que, ainda quando aplicável o remédio legal, é possível advirem prejuízos aos administrados, que podem deparar-se, por exemplo, com uma situação em que, afirmando-se titulares de um direito que lhes tenha sido concedido pelo "silêncio positivo", encontrem resistência para exercerem-no, em virtude das implicações inerentes a tal ficção legal [46]. Em tal hipótese, ainda que posteriormente consigam reunir elementos comprovadores do direito afirmado, a resistência inicial sofrida pelos administrados já pode ter sido bastante a lhes prejudicar, forçando-os a despender tempo para reunir elementos de prova, sofrendo, assim, prejuízos que poderiam ter sido evitados se a Administração houvesse cumprido o dever de responder expressamente o pleito que lhe foi formulado.

No que pertine às hipóteses em que se operam os efeitos negativos do silêncio, por sua vez, com mais razão entendemos cabível a responsabilização da Administração, de sorte que, por não serem aplicáveis ao nosso sistema jurídico, repelimos as colocações do citado autor espanhol, in verbis:

Respecto al silencio negativo, la posibilidad que se concede al interesado de poder denunciar la mora a los três meses de la petición, para poder entenderla denegada transcurridos otros tres meses, disminuye de alguna manera la responsabilidad que em su caso pudiera ocasionar la demora em la tramitación y contestación expressa a dicha petición. [47] (Grifos nossos)

Não se pode perder de vista que os instrumentos jurídicos com os quais se operam o silêncio administrativo no sistema espanhol – assim como no argentino, sobre o qual teceremos breves comentários adiante – possuem elementos próprios que não se aplicam ao Brasil.

Assim, a denunciação da mora [48] da Administração, que no Direito Espanhol consubstancia-se mecanismo indispensável à abertura do prazo para que se operem os efeitos do silêncio, não sendo um mecanismo presente no ordenamento nacional, não pode ser apontada como elemento redutor da responsabilização administrativa.

Ora, sabe-se que é possível ao administrado, a todo tempo, percebendo a morosidade da Administração, atravessar petição insurgindo-se contra a paralisação de dado procedimento. No entanto, considerando que a apresentação de tal petitório não é um dever do administrado, sua ausência será incapaz de impor-lhe qualquer ônus, ou de reduzir – que dirá aniquilar – a responsabilidade da Administração, que se escusou de cumprir seu dever de ofertar resposta fundamentada.

Além das situações de silêncio – inércia absoluta do Estado –, a Administração também será objetivamente responsável quando advierem danos conseqüentes da demora em ofertar resposta. Cuida-se da hipótese em que a Administração, a despeito de se pronunciar expressa e fundamentadamente, o faz após decorrido prazo razoável.

Insta, neste passo, analisarmos a partir de que instante a demora em ofertar resposta se consubstancia conduta viciada da Administração, ou seja, a partir de que instante o prazo para oferta de uma solução deixa de se afigurar razoável, noção esta inscrita dentre os conceitos juridicamente indeterminados.

Um conceito jurídico será indeterminado quando, abstratamente, não possa ser apurado com um mínimo de precisão, de maneira que, para seu preenchimento, avultam de importância os dados emergentes da realidade fática. Todavia, a despeito de provisoriamente indeterminados, tais conceitos sempre serão determináveis, sob pena de se aniquilarem suas próprias utilidades.

Nesse sentido, coadunamos com o quanto sustentado por António Francisco de Sousa que, citando Tezner, ensina que "a diferença entre os chamados conceitos legais indeterminados e os conceitos legais determinados consiste apenas numa diferença do grau de insegurança da palavra." [49]

Ousamos, entretanto, discordar do professor Celso Antônio Bandeira de Mello [50], para quem o administrador, ao preencher os conceitos indeterminados, poderá optar por uma dentre as soluções contidas no intervalo entre uma zona de certeza positiva e a zona de certeza negativa, restando-lhe, assim, uma margem de liberdade em tal tarefa.

É verdade que há uma gama de elementos que se pode afirmar, de imediato, estarem excluídos do conceito indeterminado, assim como se pode identificar um núcleo rígido distante do qual o preenchimento do conceito não terá qualquer validade. Todavia, discordamos que, no intervalo compreendido entre essas zonas, haja qualquer liberdade do administrador.

Isso porque, como já mencionado na oportunidade em que se ventilou a questão da discricionariedade, o administrador, cingido que está ao dever legal de adotar as alternativas ditas "ótimas" para as situações em concreto, não gozará de qualquer "liberdade" para "escolher" solução diversa.

Assim, no preenchimento dos conceitos indeterminados, o intervalo compreendido entre a zona de certeza positiva e a zona de certeza negativa, mencionadas por Celso Antônio, não torna possível a atribuição de mais de uma significação para o conceito. Em tais intervalos, o que equivocadamente se chama de "margem de liberdade" decorre, em verdade, – assim como se dá com as atribuições discricionárias [51] – da ausência de instrumental capaz de preencher, com absoluta precisão, o conceito em análise.

Aplicando-se o quanto dito à espécie em estudo, haverá prazo razoável sempre que estiver preservado um lapso temporal mínimo dentro do qual a Administração possa analisar satisfatoriamente os pedidos que lhe são dirigidos pelos administrados. A identificação específica do que vem a ser prazo razoável, então, haverá que levar em conta elementos que são apuráveis diante de cada hipótese em concreto.

Dessa maneira, a identificação do prazo razoável haverá que tomar em consideração o tempo necessário para a prática de todos os atos que conduzem à solução do petitório, incluindo-se, portanto, o tempo despendido com as diligências que se façam imprescindíveis à apreciação do pedido, variáveis de acordo com a complexidade da causa.

É verdade que em algumas situações a lei dispõe em que prazo dado petitório deve ser apreciado. É o caso, por exemplo, da Lei nº 9.784/99 que, regulando o processo administrativo no âmbito federal, dispõe, em seu artigo 49, que "Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada." [52]

Nesses casos, a despeito da Administração haver que orientar suas atuações de forma a cumprir o prazo determinado legalmente, não se pode desprezar que, nas situações em que a complexidade do pedido exija determinadas diligências, haver-se-á que flexibilizar tal previsão prazal, dentro da noção do razoável.

No exemplo apontado, aliás, o dispositivo mencionado já traz a possibilidade de dilação justificada do prazo, o que demonstra a intenção do legislador em efetivamente identificar não um prazo estanque, mas realizar aquele dito razoável. Todavia, ainda que lhe faltasse tal sensibilidade, não poderia, ao operador do Direito, falecer tal percepção.

Em outras palavras, se a proposta da disposição legal é a identificação do "prazo razoável", nas situações em que o lapso previsto não alcançar tal fim – por haver elementos complicadores do feito em concreto –, haver-se-á que adequá-lo à realidade que lhe é subjacente.

Não se pretende, aqui, ignorar os prazos já previstos legalmente, já que, quando existentes, eles devem ser tomados como ponto de partida na análise do cumprimento do dever da Administração. Aliás, consoante será melhor aclarado na oportunidade em que se cuidar dos efeitos do silêncio administrativo, entendemos de grande utilidade a identificação de um prazo objetivo a servir de marco para a aferição da apatia estatal.

Tal previsão, todavia, a despeito de sua relevância, não se propõe a ser inalterável, havendo que tomar em consideração não só a complexidade da causa, como a urgência da medida solicitada.

Em outros termos, o que se admite, por tudo quanto se explanou, é que a Administração, justificando devidamente a superação do prazo indicado, demonstre que, para determinado caso concreto, a previsão temporal se revela insuficiente, não preenchendo, portanto, a noção de "prazo razoável".

Assim, quando diante de justificado atraso, não haverá que se falar em solução propriamente tardia, silêncio administrativo ou em qualquer descumprimento dos deveres da Administração. Logo, não havendo qualquer comportamento administrativo irregular, não haverá que se falar em responsabilização.

Deve-se, contudo, estar atento para situações em que a Administração, sob o pretexto de buscar elementos indispensáveis à instrução do pedido, determine que o administrado cumpra diligências inoportunas ou inúteis. Nessas situações, a tentativa de procrastinar o expediente deve ensejar a responsabilização ainda mais veemente da Administração, a fim de coibir tais quadros de desvios de finalidade.

Sabendo-se, no entanto, que a Administração apenas se manifesta através dos comportamentos adotados por seus agentes – sendo dependente, portanto, de uma manifestação humana –, entendemos que a implementação de medidas de responsabilização para os administradores que concorrerem culposamente para a inércia da Administração emerge como medida de grande utilidade na redução da patologia objeto deste estudo, razão pela qual a consideraremos no tópico que segue.

6.2. RESPONSABILIDADE DOS AGENTES PÚBLICOS

No mesmo dispositivo constitucional em que se prevê a responsabilização objetiva do Estado, resta afirmada a possibilidade da Administração regressar contra os responsáveis pelos danos nos casos de dolo ou culpa destes. Tem-se, portanto, nítida a intenção do constituinte de não deixar incólumes os desvios de comportamento administrativo provocados por tais agentes.

Ademais, como já se disse, a despeito da previsão de responsabilização da Administração, pode o administrado optar em acionar o agente público, cabendo-lhe, neste caso, demonstrar o elemento culpa de forma individualizada. Nesse sentido, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello afirma que "a vítima pode propor ação de indenização contra o agente, contra o Estado, ou contra ambos, como responsáveis solidários, nos casos de dolo ou culpa." [53]

Assim, constatando-se prejuízo ao administrado que tenha sido provocado por culpa lato sensu do agente público, impõe-se sua responsabilização patrimonial, seja perante o administrado ou, regressivamente, junto à Administração Pública.

Nas situações de silêncio da Administração, como se acentuou, o administrador incorre no descumprimento do dever de ofertar resposta. É verdade que a ausência de solução de dado petitório pode ter sido provocada por situações que lhe são estranhas, como o da culpa exclusiva da vítima e das demais excludentes de causalidade, mencionadas anteriormente. Nesse caso, estando rompido o nexo causal, nem se atinge o momento de análise da culpabilidade, ensejadora da responsabilização do agente público.

Ressalvadas tais situações, todavia, o mutismo do agente estará indicando um descumprimento dos seus deveres, ou seja, restará configurada a incúria do administrador que, negligenciando suas obrigações, pode provocar prejuízos aos administrados. Dessa maneira, constatados que sejam os danos causados aos administrados, o nexo causal, bem como a negligência do agente público no descumprimento do dever funcional de ofertar resposta, temos por imperativa sua responsabilização.

Todavia, a responsabilidade do agente público, ao contrário do que ocorre com a Administração, não se limita à esfera cível, espraiando efeitos nas instâncias administrativa e penal, a depender da gravidade do comportamento que tenha ele assumido.

Imaginemos a hipótese de um agente público que, tendo o dever de solucionar determinado petitório de um particular, observe tratar-se de um antigo rival seu, deixando de cumprir o dever de responder. Estará, assim, incorrendo na prática tipificada da prevaricação, descrita no artigo 319 do Código Penal, ficando sujeito às penas daquele crime.

Ademais, considerando que a ausência de resposta ao pleito que lhe foi dirigido representa uma infração funcional, a partir do momento em que esteja demonstrado cuidar-se de atuação negligente, a violação a preceitos de ordem ética pelo agente faltoso o sujeitará à apenação administrativa, após o devido processo disciplinar, observados, em todos os casos, o contraditório e a ampla defesa.

Assim, sabendo-se que as instâncias civil, administrativa e penal são independentes, nada impede – aliás, a legalidade impõe – que haja a tríplice responsabilização do agente produtor do silêncio.

Sem embargo, a responsabilidade pessoal do agente público não se limita àquele que, com sua inatuação, tenha deixado de cumprir o dever legalmente imposto de responder ao pleito do administrado, causando-lhe prejuízos. Estarão igualmente sujeitos à responsabilização aqueles que, sendo superiores hierárquicos dos agentes faltosos, tenham tomado conhecimento das suas paralisias, sem adotar as providências que lhe seriam cabíveis. Isso porque, em tal situação, o superior, que tinha condições de determinar a imediata solução do petitório, estará, com sua inatuação, colaborando negligentemente para a violação do dever de resposta do administrado, assumindo, portanto, o resultado danoso produzido.

A responsabilização dos agentes públicos nas hipóteses de silêncio, então, afigura-se mecanismo que não se esgota na apenação do indivíduo faltoso, sendo medida que tem o escopo de inibir a inércia administrativa, efetivando-se os preceitos constitucionalmente tutelados.

Em verdade, para o cumprimento da Constituição, extirpando-se do seio da Administração a patologia do silêncio, urge a mudança de comportamentos dos administradores, que precisam tomar consciência da relevância das suas atuações para dimensionarem as conseqüências de suas inércias.

Em tal transformação comportamental, a despeito da importância, a médio e longo prazos, da implementação de programas de conscientização promovidos pela própria Administração, tem-se que a efetiva responsabilização dos administradores desidiosos é medida cujos efeitos podem ser sentidos de imediato, consubstanciando-se um mecanismo eficaz de combate às inércias administrativas, dentre as quais se situa o silêncio da Administração.


7 EFEITOS FICTOS DO SILÊNCIO DA ADMINISTRAÇÃO

Como se disse, o silêncio administrativo identifica uma situação de inércia da Administração frente ao pleito que lhe é dirigido, descumprindo-se princípios e deveres constitucionalmente tutelados, a exemplo do dever de resposta, corolário do direito de petição conferido aos administrados.

Todavia, ao tempo em que no Direito Privado há uma orientação clara para as hipóteses de silêncio, importando, sob regra geral, em consentimento tácito –ressalvadas as situações para as quais a lei preveja a necessidade de manifestação expressa –, no Direito Público, em que não impera a autonomia da vontade, tal solução não se revela aplicável, de maneira que os significados concedidos ao silêncio carecem ainda de contornos bem definidos.

Assim, avultam de importância os dispositivos legais que tentam atribuir ao silêncio efeitos objetivos, conferindo a tal fato administrativo, por ficção jurídica, uma significação que reduza a insegurança jurídica dos administrados.

No entanto, da mesma forma que não se pode confundir a doença que acomete um organismo, com os remédios que aliviam seus sintomas, não se pode ignorar a distinção entre o fato jurídico da apatia estatal e seus efeitos ficcionalmente constituídos.

Assim, importante não se perder de vista que, quando se refere ao silêncio positivo ou silêncio negativo, a despeito da imprecisão vocabular, está-se, em verdade, cuidando dos efeitos que lhe são legalmente impostos e não, do comportamento ontologicamente viciado do mutismo estatal. Aliás, sabendo-se que o silêncio é a situação de apatia do Estado, ele jamais poderia vir recomendado por dispositivo legal – sendo, antes, repelido pela ordem constitucional – donde se conclui que o que a lei prevê são os efeitos a ele atribuídos.

Entender de modo diverso, aliás, seria confundir-se o mutismo do Estado – fato jurídico administrativo – com os atos que surgem como efeitos atribuídos pela ficção legal ao silêncio. Dessa forma, nos tópicos que seguem, na tentativa de se perseguir maior precisão vocabular, por vezes, em lugar de "silêncio positivo", utilizar-se-á a expressão "efeitos positivos do silêncio", aplicando-a, com as alterações pertinentes, ao "silêncio negativo".

Registramos, ainda, que o presente capítulo se propõe a analisar tão somente os efeitos atribuídos ficcionalmente ao silêncio e não aqueles gerados espontaneamente pela inércia da Administração, tais como os prejuízos advindos para o administrado, ou a responsabilização civil, penal e administrativa do agente público, questões discorridas em capítulos próprios. Em outras palavras, cuidar-se-ão tão-somente dos efeitos atribuídos ao silêncio para remediar suas conseqüências imediatamente provocadas.

Outrossim, a previsão de efeitos ao silêncio da Administração não se consubstancia sanção pela inércia administrativa, sendo, em verdade, mecanismo que se coloca em favor do administrado, tendente a minimizar os prejuízos que lhe seriam provocados pela apatia estatal.

Então, a previsão de efeitos para o silêncio, na medida em que confere ao administrado uma orientação de como ver efetivada sua solicitação – seja através dos efeitos positivos, que, por ficção jurídica, implicam a própria concessão do quanto solicitado, seja por meio dos efeitos negativos, que demovem o administrado da espera angustiante por uma solução que tarda em vir – é um imperativo de segurança jurídica, prestando-se à efetivação da Ordem Constitucional.

No que se refere à operacionalização do "silêncio", todavia, salientamos não nos afinarmos ao quanto sustentado pela doutrina espanhola [54], segundo a qual apenas seria possível a produção dos efeitos fictos do silêncio na hipótese de restar expressamente prevista em lei. Isso porque, seguindo tal construção, deixaríamos de medicar os traumas sofridos pelo administrado com a inércia da Administração, para estender-lhes, também, os males da omissão do legislador infraconstitucional, quando não tenha previsto expressamente qual ficção se aplicar para determinado caso analisado.

Considerando as implicações acarretadas pela produção dos efeitos positivos, no entanto, entendemos, neste caso, ser imprescindível a autorização legal expressa, não havendo tal exigência na hipótese dos efeitos negativos que, em harmonia ao que sustenta o professor Celso Luiz Braga de Castro [55], deve ser a regra aplicável quando não houver lei expressa sobre quais efeitos se produzirão diante do mutismo estatal.

Esse, aliás, é o entendimento esposado pela doutrina Argentina, em que "el silencio de la Administración frente a pretensiones que requieran de ella un pronunciamiento concreto, se interpretará como negativa. Sólo ante texto expreso disponiendo lo contrario, podrá otorgársele sentido positivo [56]".

Ainda como questão preambular sobre os efeitos do silêncio da Administração, impõe-se analisar a partir de que momento podem eles ser considerados produzidos. Assim, como se afirmou no capítulo antecedente, necessário ter decorrido "prazo razoável", sem que tenha havido qualquer manifestação da Administração. Todavia, o preenchimento de tal conceito indeterminado – exaustivamente discutido em momento anterior – é questão que exige grande esforço hermenêutico, devendo ser analisado à luz das situações em concreto.

No entanto, apesar de não se poder falar em um intervalo temporal fixo e imutável para o preenchimento da noção de "prazo razoável", a identificação de um marco a partir do qual se possa avaliar, através de decisão devidamente fundamentada, qual o lapso – para mais ou para menos – que se deve aguardar para a obtenção de uma dada solução administrativa, afigura-se medida salutar para a segurança das interações do administrado com a Administração.

Nessa tarefa, registramos estarmos afinados ao entendimento manifestado por Celso Antônio Bandeira de Mello [57], para quem, nas hipóteses de não haver previsão legal específica de prazo para a oferta de resposta pela Administração, deve-se aplicar, subsidiariamente, o lapso de 30 dias previsto na Lei 9.784/99, responsável pela regulação do processo administrativo no âmbito federal. [58]

7.1 EFEITOS POSITIVOS DO SILÊNCIO

Esclarecido que onde a doutrina escreve "silêncio positivo" hão que se interpretar os efeitos ficcionalmente tidos como positivos daquela inércia, passemos a analisá-los.

Para algumas situações, a legislação dispõe que, mantendo-se inerte a Administração por tempo superior ao razoável para ofertar resposta ao pleito do administrado, haverá que se considerar concedido o quanto solicitado, ficando o administrado legitimado a atuar conforme tenha requerido. Tal previsão, no entanto, a despeito de servir a orientar o particular que se encontre diante do mutismo estatal, bem como de estimular que a Administração, entendendo ser o caso de indeferimento da solicitação que lhe foi dirigida, apresse-se a ofertar a resposta expressa, evitando a produção dos efeitos fictos do seu mutismo, traz, por vezes, implicações tormentosas, já que não enseja suficiente certeza jurídica.

Isso porque, o fato da Administração silenciar não autoriza o administrado a exercer direitos quando não cumpra os requisitos exigíveis para tanto, ou seja, os efeitos do silêncio não serão capazes de conceder aquilo que não esteja autorizado em lei.

Contudo, sabendo-se que as hipóteses em que será necessário invocar-se tal previsão positiva serão justamente aquelas em que o Estado não compareceu para cumprir sua função de examinador do pleito que lhe foi dirigido, restará ao administrado a tarefa unilateral de se avaliar cumpridor ou não dos requisitos autorizadores daquela concessão pelo "silêncio positivo". Dessa forma, como acertadamente observa Royo-Villanova, "la actividad administrativa dejaría de ser obra de la Administración para convertirse en labor de los administrados". [59]

Ademais, a produção dos efeitos positivos do silêncio, além de pressupor a confrontação dos requisitos exibidos pelo administrado, com aqueles exigíveis para o deferimento do seu pedido, não poderá ultrapassar os limites do quanto requerido no pleito não solucionado pela Administração. Assim, só há que se falar em produção dos efeitos positivos do silêncio quando a solicitação for de tal forma nítida que não permita dúvidas acerca do que se pretende obter.

Isso porque, considerando que os efeitos atribuídos ao silêncio são, nos dizeres de Celso Luiz Braga de Castro, "uma construção terapêutica a combater tal desvio administrativo" [60], não se pode admitir que, através deles, seja concedido mais do que se poderia atingir com uma resolução expressa.

Dessa maneira, faltando qualquer documento instrutório do pedido dirigido à Administração – o que, na hipótese de manifestação expressa do Estado ensejaria o indeferimento da solicitação –, não se poderá ter por concedido o quanto requerido. No entanto, sabendo-se que a tarefa de promover tal avaliação caberá, no "silêncio positivo", ao administrado, é possível que surjam abusos, desvirtuando-se a finalidade terapêutica do instituto e ameaçando-se a segurança jurídica.

Ademais, sabendo-se que a providência discricionária implica a análise do caso concreto para se aferir qual a solução dita "ótima", não se poderão operar os efeitos positivos do silêncio em tais situações. Isso porque, nestes casos, estar-se-ia atribuindo ao administrado mais que a já complexa tarefa de aferir se preenche ou não os requisitos para a concessão do que pleiteia, mas, sim, pretendendo-o capaz de apurar qual solução representa o melhor posicionamento da Administração que, como se afirmou nos capítulos iniciais, há que ser sempre identificada à luz do interesse público. Assim, só é possível falar em efeito positivo do silêncio quando a providência negligenciada pelo administrador seja de caráter vinculado.

Não bastassem as complicações referidas, os efeitos positivos do silêncio acarretam, ainda, a dificuldade de serem documentados, ficando, então, o administrado vulnerável na circunstância de necessitar comprová-los.

Assim, por exemplo, imaginemos a hipótese de, por expressa disposição legal, se entender concedido um alvará para realização de reforma num imóvel, por ter a Administração mantido-se inerte frente a tal pedido. Neste caso, poderia o administrado – autorizado que está pelo "silêncio positivo" – iniciar legitimamente a obra.

No entanto, se um vizinho, sentindo-se incomodado com a empreitada, ou até mesmo a própria Administração, através de um dos órgãos integrantes da sua complexa estrutura, questionar a regularidade da reforma, surge a necessidade do administrado comprovar a legitimidade da sua atuação.

Assim, tratando-se de hipótese em que houve inércia administrativa, não haverá, também, qualquer documento expedido pelo órgão estatal que, em mãos do administrado, seja capaz de combater o questionamento, comprovando de plano a concessão do quanto pleiteado.

Ademais, não poderá o administrado, antecedendo-se a eventual questionamento, buscar o Judiciário para ver declarado o seu direito de atuar em conformidade à ficção positiva do silêncio.

Isso porque, como cediço, dentre as condições da ação, elementos sem os quais uma demanda não pode ser constituída e desenvolvida regularmente, identifica-se o interesse de agir, o qual, por sua vez, divide-se no interesse-adequação e no interesse-necessidade. Assim, no caso em apreço, tendo havido a concessão – pela ficção atribuída ao silêncio – do quanto pleiteado pelo autor, não terá o administrado, antes de haver qualquer resistência ao quanto adquirido através do "silêncio positivo", a necessidade concreta – portanto, interesse – de provocar o Judiciário, já que, como se afirmou, o que pretendia já houvera sido concedido pelos efeitos do mutismo.

Dessa forma, apenas se afigura possível a provocação do Judiciário pelo administrado para ver certificado seu direito, quando este reste ameaçado por algum questionamento, nascendo, então seu interesse de agir. Em outras palavras, ao administrado que, em decorrência do "silêncio positivo", tenha tido seu pleito atendido, faltará interesse para, antes de ameaçada sua posição jurídica, socorrer-se ao judiciário para ver declarado aquilo que já lhe tenha sido concedido por lei – lei que previu os efeitos do silêncio para aquela hipótese específica.

Assim, tem-se que os efeitos positivos atribuídos ao silêncio, a despeito da relevância no combate à nocividade da inércia da Administração, acabam contribuindo para alimentar aquilo a que se propõem extirpar: a insegurança jurídica. Dessa maneira, restarão criadas incertezas, tanto para o administrado, que não dispõe de elemento documental capaz de comprovar de pronto sua condição em relação ao bem da vida solicitado, quanto para a sociedade como um todo, que viverá a incerteza do efetivo preenchimento dos requisitos indispensáveis à concessão que, na prática, acabam sendo aferidos pelo próprio beneficiário.

Ademais, importa-nos registrar que, nas hipóteses da Administração deixar decorrer inerte o prazo razoável para se manifestar e havendo previsão legal do "silêncio positivo" – situação em que se operarão aqueles efeitos fictos –, restará a possibilidade da oferta de resposta expressa, ainda que tardia.

Como se afirmou em capítulos anteriores, não é suficiente que o administrado tenha uma solução a seu pedido - in casu, aquela atribuída por ficção legal. Necessário que, para além de consignar uma decisão, consiga-se apurar qual a motivação da medida adotada. Isso porque, não se pode olvidar que a motivação, longe de ser uma mera exigência formal, representa o próprio conteúdo da liberdade do administrado.

Assim, mesmo quando produzidos os efeitos positivos do silêncio, será possível a resposta expressa tardia da Administração, desde que esta sirva a ratificar os efeitos da inércia. Neste caso, aliás, estar-se-á possibilitando não só ao requerente, mas a todos os administrados cujos interesses sejam harmoniosos ou conflitantes àquela concessão, tomarem ciência dos motivos que a fundamentam.

Sintetizando o quanto afirmamos, oportuna a lição de Ernesto Garnica:

"No habría inconveniente, sino todo lo contrario, em admitir resoluciones espresas tardias confirmatórias de lo obtenido a través de aquella técnica, lo que de hecho evitaria muchos de los defectos prácticos proprios del silencio positivo." [61]

No entanto, não poderá a Administração, com a mesma simplicidade que na hipótese anterior, querer impor uma decisão tardia contrária àquela obtida com o efeito ficto do silêncio. Isso porque, sabendo-se que o "silêncio positivo" implica, por uma ficção, a produção de atos jurídicos declaratórios de direitos dos requerentes, o desfazimento de tais atos apenas poderá ocorrer se, em harmonia ao que seria exigido caso fossem eles expressos, houver elementos bastantes a sua revogação ou anulação.

Além disso, não se pode olvidar a necessidade de serem observadas as vias previstas para tal fim, oportunizando-se, inclusive, o direito de defesa àqueles que venham a ser atingidos pela retirada do ato do mundo jurídico, facultando-lhes até mesmo desafiarem os recursos que se revelarem adequados no caso concreto.

Nesse sentido, prossegue o referido Ernesto Garnica, afirmando que "La Administración, de igual forma a como acontece com os atos expesos, no podrá en el caso de los presuntos desconocerlos o retirarlos sin más del mundo jurídico." [62]

Entender-se de outra forma, aliás, seria a consagração absoluta da insegurança jurídica, transformando os efeitos positivos do silêncio, inicialmente pensados para beneficiar o administrado vítima da inércia administrativa, num trunfo em favor da incúria da Administração.

Saliente-se, oportunamente, que na hipótese da decisão tardia contrariar o quanto concedido fictamente, restará a possibilidade de indenização aos terceiros de boa fé, se a eles advierem danos comprovadamente derivados da emissão daquela decisão.

Ainda no que pertine aos efeitos positivos do silêncio, entendemos possível a sua ocorrência quando, a despeito da Administração ter ofertado resposta tempestiva ao pleito que lhe foi dirigido, o administrado imagine estar diante de uma situação de inércia administrativa, por não ter sido notificado daquela decisão.

Nesse aspecto, no entanto, o que importa não é a escorreita publicação da solução, mas a efetiva possibilidade de ciência dos administrados, de maneira que, como acertadamente afirma Ernesto Garnica "la notificación defectuosa no es equiparable normalmente la falta de resolución a los efectos del silencio administrativo." [63]

Assim, não haverá que se falar em produção dos efeitos do silêncio se, apesar de formalmente defeituosa, a publicação da resposta permitir a extração das suas informações essenciais, tomando, os administrados, ciência inequívoca daquela decisão.

Em tempo, considerando as implicações tormentosas advindas do "silêncio positivo", ratificamos o entendimento, já consignado neste mesmo capítulo, de que tal ficção apenas poderá ser operada na hipótese de haver expressa disposição legal. Aliás, atribuir efeito positivo ao silêncio da Administração, quando a lei nada preveja a respeito, seria capaz de gerar situações verdadeiramente aberrantes, indesejáveis, portanto, como integrantes do ordenamento jurídico.

A título de exemplo, enunciamos o caso de Dennis Hope, um americano que, tendo sido vítima da omissão do Estado frente a seu pleito de aquisição da propriedade da lua, entendeu concedido o quanto solicitado, pondo-se a alienar lotes naquele satélite natural. [64] Assim, em entrevista concedida à Rosenildo Gomes Ferreira, da revista Isto É Dinheiro, quando perguntado como alguém poderia se tornar dono do sistema solar, invoca, claramente, a teoria dos efeitos positivos fictos do silêncio, in verbis:

Meu direito é baseado no Tratado Espacial assinado pelos membros da ONU, em 1967. O dispositivo proibiu os países de reclamar a posse de corpos celestes, mas nada disse sobre as pessoas. Enviei carta à ONU e aos governos dos Estados Unidos e da União Soviética contando minha pretensão. Como nada disseram posso dizer que sou o legítimo proprietário das terras. Quem cala consente.

7.2 EFEITOS NEGATIVOS DO SILÊNCIO

Em analogia ao que se definiu como "silêncio positivo", "o silêncio negativo" compreende os efeitos denegatórios que, por ficção, são atribuídos ao mutismo estatal.

Tal instituto assume incomensurável relevância frente os ordenamentos jurídicos em que a esfera judicial se apresenta como instância revisora das manifestações administrativas. É o caso, por exemplo, da jurisdição contencioso-administrativa do Direito Espanhol [65] que, caracterizada pela revisibilidade, exige prévia manifestação da Administração para que se torne possível a apreciação pelo Judiciário de uma questão de cunho originalmente administrativo.

Em tais sistemas, a inadmissão dos efeitos negativos do silêncio implica a absoluta impotência do administrado que, sem uma decisão – ainda que ficta – da instância administrativa, não teria o que ser revisado pela Função Judiciária.

Uma análise do ordenamento jurídico brasileiro, contudo, permite a conclusão de não ter sido homenageando o caráter revisor na nossa jurisdição [66], já que, tendo a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXV, afirmado que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", resta consagrada a inafastabilidade da prestação jurisdicional. Assim, não há que se falar em qualquer condicionamento à exaustão da esfera administrativa para se conduzir um pleito ao Judiciário. [67]

Todavia, malgrado a Justiça Brasileira não tenha caráter revisional, o "silêncio negativo" não perde sua utilidade, sendo medida de grande importância prática para o administrado que se depare com a situação de inércia da Administração. Isso porque, como cediço, o exercício da Função Judiciária nos tempos hodiernos, marcado pelo crescente volume de demandas, sem a correspondente implementação de recursos humanos e tecnológicos capazes de acompanhar a necessidade da população – ou de reduzir o descompasso face esta –, é responsável por uma situação de acúmulo de ações aguardando por um deslinde.

Nesse contexto, avulta de importância a possibilidade de que as questões sejam resolvidas em sede administrativa que, além de menos assoberbada que o Judiciário, é dotada de grau de especialização capaz de proporcionar uma solução mais ágil do quanto pleiteado. Ademais, não se pode olvidar que a esfera administrativa merece ser explorada em todo seu potencial, uma vez que, implicando ônus menores aos administrados, representa alternativa às elevadas custas dos feitos judiciais, por vezes responsáveis pelo cerceamento do acesso à Justiça - já que, nem sempre se logra o beneficiamento com a gratuidade, como pretendeu idealisticamente o constituinte.

A via administrativa, assim, afigura-se de grande contribuição para a satisfação das questões de interesse do administrado, sendo mais econômica e célere. Todavia, estando-se diante de situação marcada pelo mutismo estatal, em que pese estar o administrado autorizado a provocar o Judiciário para ver satisfeita sua pretensão – já que a Jurisdição pátria não se afigura marcada pela revisibilidade –, não poderá interpor recurso administrativo sem que tenha havido uma decisão inaugural.

Dessa forma, a ficta produção dos efeitos negativos do silêncio, malgrado não seja requisito para o ingresso na esfera Judiciária, será imprescindível a que o administrado possa se valer dos benefícios da utilização da via administrativa, repita-se, mais célere, econômica e especializada.

O "silêncio negativo" carrega, então, um caráter eminentemente processual, já que, a despeito de não implicar a concessão de direitos materiais aos requerentes – como acontece no "silêncio positivo" –, serve a abrir as portas da instância processual administrativa subseqüente.

Além disso, ao contrário do que se afirmou quanto ao "silêncio positivo", a produção dos efeitos negativos da inércia estatal não depende da avaliação do preenchimento de quaisquer requisitos ou da suficiente instrução do pedido, já que, não acarretando qualquer declaração de direito – sendo antes sua negação – não requer cuidados tão específicos como os tidos em matéria de "silêncio positivo".

Contudo, da mesma forma que os efeitos positivos da inércia administrativa, o "silêncio negativo" será capaz de provocar abusos, não mais do administrado, que já não terá o papel de analisar o preenchimento de quaisquer requisitos, mas do próprio administrador que, diante de situação em que se imponha a denegação do quanto pleiteado, pode se sentir tentado a manter-se inerte, forçando a produção dos efeitos fictos do mutismo, subtraindo, assim, do administrado, seu direito a uma decisão devidamente fundamentada.

No entanto, será sempre possível a emissão de resposta expressa tardia da Administração, não havendo, em se tratando de "silêncio negativo", as restrições sugeridas quando da análise dos efeitos positivos da apatia estatal. Assim, em matéria de "silêncio negativo", a decisão expressa será sempre desejável, quer quando concessiva do pedido do administrado, hipótese em que resultará desnecessária a utilização dos recursos administrativos ou judiciais pelo requerente, quer quando denegatória, possibilitando a extração dos motivos do comportamento administrativo, permitindo-se a defesa concreta e ampla do administrado.

Ademais, recobrando-se o que se afirmou na introdução deste capítulo, ao inverso do que sucede para o "silêncio positivo", a produção dos efeitos negativos do mutismo estatal prescinde de qualquer autorização legal, sendo medida que deve se operar até mesmo na lacuna legislativa.

Salientamos, todavia, que malgrado entendamos o "silêncio negativo" como regra geral aplicável à inércia administrativa, há situações em que não se afigura possível conferir-se efeitos fictos, quer positivos, quer negativos, à inércia da Administração. Ilustrando tal situação, o professor Celso Castro cita a hipótese de que em uma licitação, cujo resultado não tenha sido declarado, não será possível afirmar qual dos licitantes se afigura vencedor. [68] Em tal circunstância, os efeitos positivos ou negativos atribuídos como remediadores dos prejuízos causados pelo silêncio não se revelam suficientes à solução da questão negligenciada pela Administração.

Por fim, chamamos ainda atenção para a hipótese, também levantada pelo citado professor, da existência de um "silêncio preclusivo, onde o decurso do tempo dispensa pura e simplesmente a prática do ato" [69]. É o que ocorre no direito parlamentar pátrio, em que, deixando uma comissão técnica de opinar sobre dado projeto na oportunidade adequada, este é encaminhado a Plenário, com supressão de instância. Como se observa, em tal hipótese será inteiramente desnecessária a atribuição dos efeitos fictos do silêncio, pelo que a regra que enunciamos também se revelará inaplicável.


8 O DEVER COMO LIMITADOR DO PODER

Como se afirmou, o Estado Democrático é aquele em que o administrador, longe de ser um moldador dos comportamentos do administrado segundo uma vontade a este estranha, há que conseguir captar os intentos da própria coletividade para, em harmonia a estes, conduzir o Estado, gerindo os interesses públicos.

Por Estado de Direito, em seu turno, aclarou-se ser aquele que, sustentado na lógica da legalidade, representa um projeto de combate aos abusos perpetrados pelos delegatários das funções públicas.

Assim, diante da realidade liberal do século XVIII, no cenário da Revolução Francesa, mãe do ideal do Estado Democrático de Direito, Montesquieu, sistematizando as construções até então existentes sobre a necessidade de se impor limitações ao "Poder", enuncia seu sistema tripartite da "separação dos Poderes" [70].

Em verdade, há muito vinham sendo formuladas construções voltadas à necessidade de se impor limitações ao poder. Todavia, foi com a Revolução Burguesa que a teoria da "separação dos Poderes", remodelada por Montesquieu, assumiu notoriedade. Sobre tal questão, leciona José Afonso da Silva:

"Tornou-se com a Revolução Francesa, um dogma constitucional, a ponto de o art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 declarar que não teria constituição a sociedade que não assegurasse a separação dos poderes, tal a compreensão de que ela constituiu técnica de extrema relevância para a garantia dos Direitos do Homem, como ainda o é." [71]

Sustenta, então, o citado pensador francês, que o Poder tende a corromper-se onde não encontra limites, afirmando que "Para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das coisas, o poder limite o poder" [72]

Em apertada síntese, sua teoria consistia em que os "Poderes" do Estado não poderiam concentrar-se nas mãos de uma só pessoa – in casu, de um só órgão -, afirmando a necessidade de estarem divididos de acordo com uma estrutura que possibilitasse suas independências e harmonias, de maneira a se limitarem mutuamente, no sistema conhecido como dos "freios e contrapesos".

Todavia, uma leitura contemporânea do quanto apregoado por Montesquieu obriga-nos a tecer algumas considerações, corrigindo equívocos interpretativos cometidos pela história político-jurídica da "separação dos Poderes" [73], de modo a torná-la coerente aos propósitos do hodierno Estado Democrático de Direito. Sobre tal questão, oportuna a transcrição do entendimento de Dirley da Cunha Júnior, capaz de sintetizar o quanto pensamos:

É necessária, portanto, sob as vestes do paradigma do novo Estado do Bem-Estado Social, uma nova leitura sobre o vetusto dogma da separação de Poderes, a fim de que ele não produza, com sua força simbólica – como lamentavelmente vem produzindo –, um efeito paralisante às reivindicações da sociedade moderna, incomparavelmente mais complexa do que aquela na qual foi originalmente concebido, ‘para poder continuar servindo ao seu escopo original de garantir Direitos Fundamentais contra o arbítrio e, hoje também, a omissão estatal’." [74]

Assim, em que pese ter-se utilizado, durante séculos, a expressão "separação dos Poderes", entendemos necessário deslocar o olhar da noção dos "Poderes", para focarmos nas Funções. [75]

Isso porque, os poderes cedidos pelo povo – no modelo Democrático do Estado de Direito – ao administrador, são, em verdade, meros instrumentos concretizadores dos deveres que o ordenamento jurídico lhe impõe. Em outras palavras, a quem quer que se confiram tais "poderes", não se pode admitir suas utilizações dissociadas dos fins legalmente previstos, consagradores do interesse público.

Nesse contexto, a tradicional lógica montesquiana, hipervalorizadora da noção dos "Poderes" enquanto fins – e não como instrumentos para o exercício das Funções – acaba reduzindo o papel dos deveres, como se fossem meros elementos acessórios da atividade estatal. Assim, a fossilizada teoria francesa, apregoando que os "Poderes" deveriam limitar-se mutuamente, sugere uma contenção exógena às Funções – limitação do "Poder" pelo "Poder" –, desconhecendo que, em realidade, os "Poderes" só ganham sentido à luz dos deveres, havendo, então, que prevalecer uma limitação endógena daquelas Funções. [76]

O ataque ora empreendido contra a tradicional teoria de Montesquieu, no entanto, a despeito de sugerir a inutilidade de uma limitação extrínseca dos "Poderes" - já que haveria contenções que lhe são inerentes, relacionadas a sua própria razão de existir, qual seja, o cumprimento dos deveres –, não pretende negar que o exercício de uma Função seja capaz de, reflexamente, limitar abusos cometidos por outra.

Tal limitação, no entanto, decorre não de uma necessidade de se exercer o poder para além da Função a que sirva, mas, antes, dos efeitos sentidos pela utilização dos poderes para o cumprimento dos deveres em razão dos quais foram atribuídos. Em outras palavras, a ausência de autonomia dos "Poderes" não decorre da inscrição da tarefa de limitação mútua em suas listas de afazeres, mas, sim, do fato de que, ao se utilizarem os "poderes" para o cumprimento dos deveres específicos que lhe são impostos, pode-se provocar uma interferência reflexa – e não finalística – na órbita de uma Função diversa.

Assim, a contenção das arbitrariedades estatais não requer, como apregoava Montesquieu, uma separação dos "poderes" – mecanismos de que o exercente de dada função pública dispõe para cumprir seus deveres –, mas sim, a compreensão de que eles são meros instrumentais utilizáveis no desempenho das Funções Públicas, estas sim, não devendo estar concentradas nas mãos de uma única pessoa ou órgão, pois tal conformação acabaria por prejudicar a própria eficiência do Estado.

Aliás, de posse do conceito de poderes como instrumentais para a concretização das Funções, a pretensão de separá-los, como se a cada Função do Estado correspondesse um feixe de poderes que lhe seriam peculiares, está fadada ao insucesso, já que, por vezes, para o cumprimento das diferentes Funções do Estado, pode ser necessário conferir a seus agentes um mesmo poder.

Não se está a negar a necessidade de que as competências Administrativas, Executivas e Judiciárias sejam exercidas por pessoas diversas, de maneira a se reduzir os desvios provocados pela concentração das atribuições. Apenas se refuta a idéia de que os poderes atribuídos para o desempenho de cada uma dessas Funções do Estado representem um fim em si mesmo, já que é possível – por vezes, indispensável – a instrumentação de um mesmo poder por aqueles que desempenham funções diversas.

Assim, por exemplo, a fim de assegurar o decoro dos parlamentares, são dados, à Função Legislativa, através das suas Comissões Parlamentares de Inquérito, poderes investigativos que, nos termos do artigo 58, § 3º, são "próprios das autoridades judiciais".

Dessa forma, quando se fala em um "Poder Administrativo" – para nós, Função Administrativa –, não se está referindo a uma Função instrumentada tão-somente por poderes executórios, sendo as atividades administrativas apenas aquelas que lhe são preponderantes, razão pela qual recebe tal denominação.

Com isso, tem-se possível que, no exercício da Função Administrativa, o agente público precise valer-se de poderes também utilizáveis pelos agentes da função Legislativa ou Judiciária. Tal fato, todavia, não desnaturará sua atuação, nem poderá ser interpretado – como soe erroneamente acontecer – como ingerência indevida de uma esfera estatal em outra.

Nesse sentido, para o cumprimento da Função Judiciária, qual seja, a de pacificar os conflitos sociais, por vezes, será necessário que o Estado Juiz substitua a atuação da Administração. Tal comportamento, repita-se, não advém de uma necessidade de limitar o outro "Poder", mas sim, de cumprir com seus próprios deveres.

Dessa forma, há situações em que não basta que o Judiciário declare um direito do administrado, pois tal medida não traz, para o universo factível do particular, o bem da vida almejado. Tal questão, observada pelos processualistas, deu causa ao desenvolvimento acelerado por que passam as ações executivas lato sensu e mandamentais, as quais criam mecanismos para a efetivação mais imediata do quanto declarado [77].

Aplicando-se o quanto dito à matéria objeto deste estudo, tem-se que, nas hipóteses de silêncio administrativo, não há que se falar em qualquer ingerência indevida da Função Judiciária quando seu agente, instado a se manifestar [78], para além de afirmar o direito de resposta do administrado, imponha multa à Administração, a fim de provocar sua manifestação ou, até mesmo, oferte a própria resposta a que tem direito o administrado – seja ela concessiva ou denegatória do seu pedido.

Isso porque, sabendo-se que o direito de resposta é corolário do direto de petição – inscrito dentre os direitos individuais fundamentais do cidadão –, integrará ele, também, a noção de cláusula pétrea do sistema constitucional vigente.

Ademais, considerando que a Carta Magna, em seu artigo 5º, inciso XXXV, homenageia o princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional, não há como se negar o dever da Função Judiciária se manifestar, quando instada a tanto, de sorte que o administrado, deparando-se com a inércia da Administração – em que há descumprimento de garantias erigidas à categoria dos fundamentais –, tenha assegurado o direito de ter sua solicitação respondida – o que não implica em necessário atendimento do quanto pleiteado.

Salientamos, por fim, que, em tal tarefa, a eventual necessidade de utilização, pela Função Judiciária, de poderes – instrumentos - também aplicáveis no exercício da Função Administrativa, não enseja qualquer desvio de comportamento, sendo antes o cumprimento do dever de administrar.


9 A FUNÇÃO JUDICIÁRIA NO COMBATE AO SILÊNCIO

Em que pese a utilidade da construção de toda uma teoria acerca dos efeitos atribuídos ao silêncio da Administração, tais ficções nem sempre serão capazes de esgotar a problemática da paralisia administrativa. Isso porque, como se afirmou, tais efeitos fictos não permitem ao administrado – seja o requerente da decisão administrativa ou aqueles a quem a solução do pedido possa interessar direta ou indiretamente – aferir quais os fundamentos do deferimento ou indeferimento do pedido.

Assim, mesmo quando se operem os efeitos fictos do mutismo estatal, será possível o ingresso do administrado no Judiciário, pleiteando a inteira satisfação dos seus direitos.

Nesse passo, recobramos o quanto dito anteriormente [79] acerca da jurisdição pátria que, distintamente do que ocorre em outros países, não traz como característica a revisibilidade quando a discussão tenha origem na esfera administrativa.

Todavia, a despeito de ser facultado ao administrado buscar o Judiciário para ver satisfeitos seus interesses – não sendo condicionante de tal empreitada a prévia decisão administrativa ou a produção dos efeitos fictos do silêncio –, não se pode perder de vista a imprescindibilidade de que haja efetiva lesão ou ameaça de lesão a direitos do particular para que a questão possa ser apreciada pelo Estado-juiz.

Dessa forma, impõe-se identificar o instante a partir do qual o mutismo da Administração consubstancia-se descumprimento de dever, representando, portanto, vilipêndio ao direito de resposta do administrado. Em outras palavras, há que se perquirir a partir de que momento resta superado o "prazo razoável" para a resposta – apurável diante de cada situação em concreto –, antes do que faltará ao administrado o interesse-necessidade para a busca da resolução da questão pela esfera judicial.

Então, a superação do prazo razoável sem oferta de resposta ao administrado implicará, a um só tempo, a produção dos efeitos fictos do silêncio e a autorização para que o administrado provoque o Estado-juiz, uma vez que nasce seu interesse jurídico na modalidade necessidade.

Ultrapassado o "intervalo razoável" para obtenção de resposta, mesmo quando produzidos os efeitos positivos do silêncio, será possível ao administrado vitimado pela inércia provocar a Função Judiciária para obter os fundamentos daquela ficta concessão. Isso porque, consoante já se afirmou, o administrado tem direito não só a uma decisão, mas a uma solução devidamente fundamentada.

Dessa forma, a despeito do "silêncio positivo" só poder se operar na hipótese de atuação vinculada da Administração, não restará dispensado o dever de o administrador motivar a concessão provocada [80]. Em tal caso, no entanto, não se estará buscando demonstrar que a providência adotada consubstancia a "solução ótima", posto que, na atuação vinculada, tal qualidade já resta apontada previamente pelo legislador, mas, sim, enunciar o cumprimento, pelo administrado, dos requisitos que ensejavam a adoção daquela medida indicada.

Com mais razão, o particular poderá, superado o "prazo razoável", buscar o Estado-juiz para obter sua manifestação nas hipóteses em que tenham sido produzidos os efeitos negativos fictos do silêncio. Em tais casos, no entanto, a providência a ser adotada pelo Estado-juiz variará de acordo com a natureza da atuação solicitada administrativamente.

Assim, tendo o particular pleiteado uma atuação de natureza vinculada, entendemos, em harmonia ao quanto sustenta Celso Antônio Bandeira de Mello, que o magistrado chamado a apreciar a questão poderá, suprindo a omissão administrativa, avaliar se o particular reúne os elementos autorizadores da solução pleiteada, deferindo ou não diretamente o quanto solicitado [81]. Em tal hipótese, contudo, não se pode falar em qualquer ingerência indevida da Função Judiciária na esfera Administrativa.

Aliás, como sustentado no capítulo em que se cuidou dos limites ao Poder, o Judiciário estará, em tal caso, cumprindo seu papel de pacificador das tensões sociais, conferindo eficácia aos preceitos constitucionalmente tutelados e não, como poderiam sugerir os amantes do arbítrio administrativo, praticando qualquer "invasão" nas atividades executivas.

Da mesma forma, tratando-se de uma solicitação de atuação discricionária, será dado ao magistrado, quando instado a se manifestar sobre a questão, analisar se a denegação ficta configura ou não a solução dita "ótima" para aquele caso em concreto. Isso porque, adotando-se a premissa [82] de que não há qualquer margem de liberdade na atuação discricionária – havendo, em alguns casos, uma mera insuficiência instrumental –, também a solução das questões marcadas pela discricionariedade apontarão para um único caminho correto, podendo, então, o Judiciário, reformar, de imediato, a negativa administrativa ficta.

Nesse sentido, ousamos discordar da majoritária doutrina [83], segundo a qual, na hipótese da omissão pairar sobre uma solução de natureza discricionária, não seria dado ao magistrado afirmar, de imediato, a inadequação da negativa administrativa ficta, reformando-a. Para os citados autores, em tais casos, apenas seria possível ao magistrado impor prazo para que a Administração, sob pena de cominação diária de multa, oferte a motivação daquela denegação ficta, chegando Celso Antônio a afirmar que o administrado faz "jus a um pronunciamento motivado, mas tão-somente a isto". [84]

Ora, impor tal limitação à Função Jurisdicional, além de colaborar para a perpetuação dos abusos administrativos, faria recair sobre o administrado, já vitimado pela intolerável inércia da Administração Pública, o ônus de, após ofertada a motivação administrativa, ter que ingressar com nova ação a fim de ver reformada a decisão ficta inadequada que, a esta altura, já lhe teria causado danos incomensuráveis. Dessa forma, entendemos possível a concessão do pedido diretamente pelo magistrado.

Ainda cuidando dos mecanismos judiciais de combate ao mutismo, será possível, como já se afirmou neste trabalho, que, mesmo quando produzidos os efeitos fictos do silêncio, o administrador, cumprindo seus deveres funcionais, oferte, ainda que tardiamente, resposta expressa ao pleito do administrado [85]. Entretanto, importa, neste ponto, analisarmos a possibilidade de oferta de tal resposta, ainda quando já se tenha buscado o Judiciário para decidir sobre a matéria.

Em tais casos, tendo sido transferida a questão para apreciação do Judiciário, razoável imaginar-se que a matéria não mais poderia ser solucionada pela Administração. No entanto, sabendo-se que a teoria dos efeitos fictos do silêncio foi desenvolvida em benefício do particular, vez que tendente a minimizar sua situação de insegurança diante da inércia estatal, tal manifestação administrativa tardia ainda será possível quando possa vir a favorecer o administrado.

Nessas situações, a despeito de não entendermos haver um reconhecimento do pedido – ao menos não no sentido processual do artigo 269, inciso II, do Código de Processo Civil, já que os interesses da Administração Pública são indisponíveis –, a decisão administrativa ensejará a perda do objeto da ação, extinguindo-se o interesse processual do autor na manutenção daquele feito, eis que atendida sua solicitação "espontaneamente" pela Administração.

Todavia, em harmonia ao que sustenta Ernesto Garnica [86], em nenhuma hipótese será possível tal resolução expressa se ofertada quando já prolatada a decisão judicial sobre a matéria, pois, em tal caso, não haverá mais que se falar em omissão da Administração, mas em manifestação estatal através da Função Judiciária. Assim, qualquer tentativa de alteração do quanto decidido, ainda que em benefício do particular, não poderá mais ser realizada pela esfera administrativa – já que a competência da decisão restou transferida ao Judiciário –, mas, sim, pelos recursos dirigidos a instâncias superiores do órgão judicial prolator da decisão.

9.1.INSTRUMENTOS PROCESSUAIS CONTRA O SILÊNCIO

Tecidas algumas considerações sobre a atuação da Função Judiciária como minimizadora dos malefícios do silêncio, insta analisarmos os instrumentos dos quais o administrador poderá lançar mão para provocar o Estado-juiz.

No Brasil, a problemática do silêncio da Administração não tem recebido a atenção merecida, de maneira que há uma carência de instrumentais específicos, quer na esfera administrativa, quer na judicial, para romper-se a inércia administrativa. Assim, valeremo-nos do direito comparado, mais especificamente, de instrumentos enunciados no direito argentino, sugerindo a importação daquilo que se afigurar relevante ao desenvolvimento do incipiente regramento pátrio sobre o tema.

Naquele país, dentre as alternativas colocadas à disposição do particular que se depare com o quadro de inércia da Administração, poderá o administrado lançar mão da "queja", espécie de recurso administrativo dirigido ao superior hierárquico do agente silente. Tal instituto, no entanto, padece de graves limitações, não podendo, por exemplo, ser manejado quando a inércia ocorra já em instância recursal, o que reduz sua utilidade prática.

Outra alternativa cabível ao administrado vítima do mutismo estatal argentino será a provocação dos efeitos fictos do silêncio, que, da mesma forma do que ocorre na Espanha, pressuporá que o particular maneje previamente o instrumento da "denúncia da mora" da Administração. Nesse sentido, Horacio D. Creo Bay afirma que "es preciso exteriorizar la denuncia de la mora, mediante la presentación del escrito de ‘pronto despacho’, más el transcurso de un plazo suplementario de treinta días." [87]

Assim, identificado o mutismo, o interessado há que se valer da denúncia da mora, a fim de obter um "pronto despacho" da Administração, após o que, transcorrido mais um lapso temporal sem qualquer manifestação (na Argentina, trinta dias, na Espanha, três meses), considerar-se-iam produzidos os efeitos fictos do silêncio.

Consoante se afirmou, no entanto, a produção de tais efeitos não é capaz de acomodar os direitos dos particulares vítimas da inércia, que, mais do que uma mera decisão, fazem jus a uma solução devidamente motivada. Dessa forma, avulta de importância um terceiro instrumento argentino, este já de natureza judicial, colocado à disposição do particular vítima do silêncio: a ação de amparo por mora da Administração.

Trata-se de ação cujo despontar, nas lições de Horacio Bay [88], surpreendeu e encantou os professores da Escola de Direito de Madrid, sendo de grande utilidade no combate à inércia patológica da Administração e provocando o estremecimento dos burocratas. Consubstancia-se procedimento bastante simplificado, inaugurado com um requerimento dirigido pelo particular ao Judiciário, a partir do qual o juiz determina, de logo, a prestação das informações do administrador acerca do atraso em decidir. Tal despacho terá a marca da irrecorribilidade, além do que as informações prestadas pelo administrador não comportarão qualquer espécie de dilação probatória. Após, o magistrado fixa prazo para que a Administração se manifeste explicitamente.

Como se observa, cuida-se de mecanismo em que, reduzindo-se o contraditório da Administração, minimizam-se seus artifícios procrastinatórios – sem cercear sua possibilidade de apontar as causas do atraso –, tutelando-se, com mais eficiência, o direito constitucional do administrado obter uma resposta a seus petitórios. Não obstante sua singeleza, no entanto, tal instituto reveste-se de grande utilidade prática em razão da especificidade no combate ao silêncio da Administração Pública.

Tal marca de especialidade do rito do amparo por mora, aliás, pode ser constatada por não se exigir o esgotamento das vias administrativas para seu manejo, não obstante seja a Jurisdição contenciosa-administrativa argentina marcada pela revisibilidade.

Assim, na hipótese do particular preferir lançar mão do amparo genérico – e não da via específica do amparo por mora –, necessitará ter esgotado a esfera administrativa [89], obtendo, previamente, uma decisão ficta desencadeadora dos efeitos do silêncio que, por sua vez, pressuporão o manejo da denúncia da mora. Trata-se, portanto, de procedimento muito mais árduo e vagaroso.

Esse, aliás, é o caminho a ser percorrido no ordenamento jurídico espanhol, em que, identificando-se uma jurisdição contencioso-administrativa marcada pela revisibilidade e inexistindo aquela ação específica de amparo por mora argentina, resta indispensável que o administrado provoque, até o esgotamento de suas forças, a manifestação do administrador. Nesse país, constatada a vagarosidade da Administração, faz-se imprescindível a denúncia da mora pelo administrado, sem o que não se produzirão os efeitos fictos do silêncio, restando impossível, portanto, a manifestação do Judiciário, mero revisor. Nesse sentido, Ernesto Garnica ensina que "La omisión de la denuncia de mora tendrá como efecto la inexistencia de ficción legal alguna susceptible de abrir la via contencioso-administrativa". [90]

Assim, o desenvolvimento do instrumental específico do amparo por mora argentino é de grande relevância no combate ao silêncio da Administração. No entanto, tal mecanismo jurídico deixa de avançar alguns passos, por não permitir que a Função Judiciária, a exemplo do que ocorre no sistema norte-americano [91], possa resolver diretamente o quanto solicitado.

Assim, o Estado-juiz, através do amparo por mora, não poderá conceder o quanto solicitado pelo administrado, sendo mecanismo capaz tão-somente de obrigar a uma manifestação administrativa, cominando-lhe multa diária. Nesse sentido, afirma Horacio D. Creo Bay:

No habrá que olvidar, entonces, que el juez no puede indicar el sentido concreto de la resolución cuyo despacho dispone. Que, em consecuencia, la Administración podrá decir que sí o que no. Y que para discutir el fondo de la cuestión, el amparo por mora no resulta la via adecuada. No es, pues, uma panacea que cura todos los males. [92]

No Brasil, por sua vez, necessitando, o particular, ingressar no Judiciário para ver satisfeitas suas pretensões, padecerá com a ausência de mecanismos específicos para cumprir seu desiderato. Contudo, dentre os instrumentos jurídicos de lege lata, o que mais se aproxima daquele enunciado como específico no sistema argentino é o mandado de segurança. Registramos, no entanto, não se tratar de uma exata correspondência, posto que nossa ação mandamental mais se assemelha ao amparo geral argentino – do qual o amparo por mora seria uma especialização – do que desta ação peculiar destinada ao combate do silêncio.

Como cediço, o mandado de segurança é o instrumento cabível para proteger direito líquido e certo atingido por ilegalidade ou abuso de poder, sendo, portanto, passível de invocação para tutelar os interesses violados nas situações de silêncio da Administração que, já se disse, consubstanciam descumprimento dos deveres do administrador.

No entanto, nos termos do artigo 5º, inciso I, da Lei nº 1.533/51, não poderá o writ ser utilizado nas hipóteses em que o comportamento ilegal permitir ainda algum recurso administrativo a que se atribua efeito suspensivo, independente de caução. Assim, a fim de se analisar com maior precisão o cabimento do mandamus, impõe-se o estudo dos efeitos dos recursos administrativos aplicáveis ao mutismo estatal.

Só se pode falar em suspensividade dos recursos administrativos, naquelas situações em que se opere o "silêncio positivo", hipóteses em que, nos dizeres de Ernesto Garcia, "es ya aplicable el regimen general sobre ejecutividad y suspensión de actos administrativos" [93]. Todavia, cuidando-se de "silêncio negativo", cujos efeitos fictamente produzidos nada concedem – representando, em verdade, uma denegação do que se pediu – não existiria o que efetivamente se suspender.

Em outras palavras, não havendo qualquer alteração no status jurídico do administrado em decorrência do "silêncio negativo", já que não lhe acresce qualquer direito, a suspensão da "denegação" não reconstituiria uma situação diversa da já experimentada pelo administrado, qual seja, a da inércia da Administração. Apenas se poderia falar em ampliação dos direitos atribuídos ao administrado caso se impusesse ao recurso um efeito ativo, qual seja, o de conceder o que o administrado, pela decisão ficta recorrida, não conseguiu obter.

Nesse diapasão, posiciona-se Ernesto Garnica:

Admitir a suspensión de la "denegación por silencio" de la petición carece, como se dice, de efecto prático alguno, pues tal hipotética suspensión no dejaría vivo el reconocimiento de un derecho anterior, por tal razón de que en momento alguno se dio tal reconocimiento. [94]

Tal raciocínio, aliás, já desenvolvido pelo Direito Processual Civil, permite-nos, analogicamente, concluir, que, em tais hipóteses, jamais se poderá falar em efeito suspensivo, mas, sim em efeito ativo do recurso [95]. Dessa forma, sabendo-se que o citado dispositivo da Lei nº 1.533/51 apenas impõe limitação à utilização do mandado de segurança quando for possível o manejo de recurso administrativo a que se atribua efeito suspensivo – não cuidando das situações de efeito ativo –, temos que, nas hipóteses de "silêncio negativo", por não ser possível a referida suspensividade, será sempre adequada a via mandamental.

Nas situações de "silêncio positivo", no entanto, existindo a possibilidade de interposição de recurso com efeito suspensivo – seja manejado pelo próprio particular vitimado pela inércia, hipótese em que só terá interesse para pleitear a motivação da concessão ficta, seja por um terceiro, interessado já na reforma do quanto concedido –, não se poderá valer da via mandamental.

Em tais casos, não sendo possível a utilização do mandado de segurança e inexistindo procedimento específico para o combate aos tormentos causados pelo silêncio, a tutela judicial há que ser buscada pelas ações ordinárias que, mais complexas e pouco ágeis, tornam notória a carência de instrumental específico, cujo desenvolvimento se faz imperioso.

Ora, não se está aqui apregoando a implementação da denunciação de mora da esfera administrativa alienígena – já que nossa justiça não se afigura marcada pela revisibilidade –, nem tão-pouco a reprodução do instrumento judicial desenvolvido na nação argentina. Contudo, a inspiração em modelos que se apresentam exitosos é medida de todo salutar, contribuindo, portanto, para o desenvolvimento da Democracia Brasileira e o fortalecimento do Estado de Direito.

Assim, acaso a problemática do silêncio passasse a ser observada com a atenção devida, seria possível, partindo-se da estrutura já existente do mandado de segurança, aperfeiçoar seus regramentos, criando-se um mecanismo efetivamente dirigido ao combate do mutismo administrativo.

Da forma com que o silêncio da Administração vem sendo tratado, no entanto, a jurisprudência não ousa avançar o suficiente a servir de mecanismo inibidor de tal prática patológica, limitando-se a cuidar dos aspectos prescricionais do mutismo ou, quando muito, determinando que a Administração cumpra o dever de se pronunciar, assinando-lhe prazo para tanto.

Dito isso, não poderíamos encerrar o presente estudo sem mencionar o julgado de nº 531349/RS do Superior Tribunal de Justiça [96], que, malgrado apresente limitações, por não permitir à Função Judiciária, na linha do que entendemos possível, conceder em definitivo o quanto solicitado pelo administrado, está na vanguarda por evitar a constrição dos direitos do particular enquanto não advenha posicionamento conclusivo da Administração acerca do quanto solicitado.

Não somos inocentes a ponto de acreditarmos que a simples edição de lei criadora de instrumental específico de combate ao silêncio conseguiria, sozinha, extirpá-lo definitivamente. [97] No entanto, um regramento especificamente desenvolvido para tanto seria capaz, por exemplo, de eliminar as já inadmissíveis dúvidas quanto à extensão das atribuições dos magistrados, alterando-se o panorama da, hoje, tímida jurisprudência sobre a matéria.

Nessa trilha, seria possível alcançarmos uma Função Judiciária que, verificando os requisitos autorizadores do direito pleiteado pelo administrado, fosse capaz de lhe conceder, sem hesitações, o quanto solicitado, quer fosse a providência de natureza vinculada ou discricionária.


Notas

  1. BAY, Horacio D. Creo. Amparo por Mora de la Administración Pública. 2ª ed. Buenos Aires : Editorial Astrea, 1995, p. 3, "Inactividade material es una passividad, um hacer de la Administración en el marco de sus competencias ordinarias. La inactividad formal se refiere, por su parte, a la pasividad de um procedimiento; es la simple no contestación a una petición delos particulares [...]"
  2. MEIRELLES, HELY LOPES. Direito Administrativo Brasileiro. 27ª ed. São Paulo : Malheiros, 2002, p. 110.
  3. PEREIRA, André Gonçalves, apud MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 384.
  4. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 2ª ed. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 165-166.
  5. Cf. GARNICA, Ernesto Garcia ~Trevijano. El Silencio Administrativo el Derecho Español. 1ª ed. Madri : Civilitas Monografia, 1990, p. 76.
  6. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo : Saraiva, 2005, p. 175.
  7. Cf. Gagliano, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. vol. 1. São Paulo : Saraiva, 2002.
  8. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil : parte geral, v. 1. 2ª ed. São Paulo : Atlas, 2002, p. 352.
  9. Cuidando do desvio de finalidade enquanto uma patologia administrativa, oportuno conferir CASTRO, CELSO LUIZ BRAGA DE. Desvios de Conduta da Administração Pública. 2000. 195 fls. Dissertação (Mestrado em Direito) - UFBA, Salvador. Disponível em : <http://www.ufba.br/tedesimples//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=39>. Acesso em 31 mai. 2006.
  10. Nas aulas que ministra junto ao curso de graduação em Direito da UFBa, o mencionado professor nega a existência de liberdade na atribuição discricionária. Afirma que, se é incontroverso que o administrador deve perquirir a melhor solução aplicável ao caso concreto, pois só nessa hipótese restará realizada a finalidade legal, há que se concluir que, para cada hipótese concreta, terá, tal agente, um único comportamento esperado, por ser o perfeitamente adequado.

    Assim, na apreciação dos comportamentos ditos discricionários, uma vez munido de instrumental para identificar a melhor solução para o caso concreto, não se pode admitir que o administrador adote outras posições que, malgrado se afigurem "boas", não se consubstanciem nas "providências ótimas".

  11. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 348.
  12. MELLO, Celso Antonio Bandeira de, loc. cit.
  13. BAY, Horacio D. Creo. Amparo por Mora de la Administración Pública. 2ª ed. Buenos Aires : Editorial Astrea, 1995, p. 22.
  14. ALESSI 1958, p. 265, apud SCIORILLI, Marcelo. Silêncio e Administração Pública. Disponível em <http://www.mp.sp.gov.br/justitia/C%C3%8DVEL/civel%2070.pdf.>. Acesso em: 20 dez. 2005.
  15. Tal é o entendimento sustentado pelo citado professor nas aulas ministradas junto ao Curso de Direito da Universidade Federal da Bahia.
  16. GARNICA, Ernesto Garcia ~Trevijano. El Silencio Administrativo el Derecho Español. 1ª ed. Madri : Civilitas Monografia, 1990, p. 79-81.
  17. Ibid., p. 85 e 88.
  18. BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em : <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em : 05 mai. 2006.
  19. Registramos aqui o entendimento de Celso Luiz Braga de Castro que, nas aulas que ministra para o Curso de Direito da Universidade Federal da Bahia, apregoa que a legalidade não se afigura um princípio, mas um instrumento para a realização do princípio da segurança jurídica.
  20. MEIRELLES, HELY LOPES. Direito Administrativo Brasileiro. 27ª ed. São Paulo : Malheiros, 2002, p. 86.
  21. Nas aulas ministradas junto ao Curso de Direito da UFBa, Celso Luiz Braga de Castro sustenta que o princípio da proporcionalidade – e não a legalidade, que para ele não é um princípio – se encontraria na estrutura do Estado de Direito. Assim, constrói silogisticamente que, se o Estado de Direito contrapõe-se ao Estado Absoluto e a noção do absoluto se opõe à do relativo, logo, o Estado de Direito seria um Estado Relativo, portanto, "Estado Proporcionalizador".
  22. LIMA, Ruy Cirne de, apud MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 65
  23. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 2ª ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1998, p. 139.
  24. A título de exemplo, pode-se apontar uma situação em que a Administração disponha de uma informação relevante para o deslinde de uma quaestio criminis que, em sendo apressadamente revelada, possa comprometer o próprio interesse público da segurança da coletividade.
  25. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 370.
  26. Ibid., p. 372.
  27. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 101.
  28. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 374.
  29. REAL, RAMÓN REAL, apud Ibid., p.373.
  30. Enquanto a motivação no âmbito da providência discricionária visará demonstrar ter-se identificado a solução "ótima", no âmbito da vinculação, considerando que tal solução já se encontra apontada pela lei, caberá ao administrador demonstrar que a situação concreta realiza os requisitos para a adoção daquela providência indicada.
  31. MELLO, Celso Antonio Bandeira de, op. cit., p.375.
  32. Sobre o tema, conferir Oswaldo Bandeira de Mello, apud Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 374.
  33. Utiliza tal expressão Guido Falzone, apud MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 110.
  34. Cf. MAQUIAVELLI, Niccolo. O Príncipe. Tradução e notas Livio Xavier, 27ª ed. Rio de Janeiro : Ediouro, 1996.
  35. No Capítulo intitulado "O Dever como limitador do Poder", aclarar-se-á que os Poderes Públicos são, em verdade, Funções desempenhadas no cumprimento dos deveres estatais.
  36. BAY, Horacio D. Creo. Amparo por Mora de la Administración Pública. 2ª ed. Buenos Aires : Editorial Astrea, 1995, p. 2.
  37. CASTRO, Celso Luiz Braga de. Do Silêncio Administrativo. In : ______. Desvios de Conduta da Administração Pública. 2000. Dissertação (Mestrado em Direito) - UFBA, Salvador, cap. IV, p. 129 -149. Disponível em : <http://www.ufba.br/tedesimples//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=39>. Acesso em 31 mai. 2006.
  38. BAY, Horacio D. Creo. Amparo por Mora de la Administración Pública. 2ª ed. Buenos Aires : Editorial Astrea, 1995, p. 22.
  39. Não se quer, com isso, sugerir que o Judiciário não poderá apreciar situações de silêncio da Administração Pública, mas, nessas hipóteses, irrefutável que sua análise não contará com todos os elementos que poderiam esclarecer o comportamento administrativo.
  40. Remetemos o leitor ao capítulo seguinte, em que são tecidas considerações sobre o conceito jurídico indeterminado "prazo razoável".
  41. BRASIL. Emenda Constitucional n. 45, de 30 de dezembro de 2004. Disponível em : <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em : 20 abr. 2006.
  42. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 5ª ed. São Paulo : Malheiros, 2004, p. 236.
  43. MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 887.
  44. Não se poderia falar em devolução do status quo ante na hipótese de que, dirigido um pedido de internamento de um paciente a um Hospital da rede pública, a Administração mantenha-se silente, negando resposta – positiva ou negativa – à solicitação do administrado, que vem a falecer.
  45. GARNICA, Ernesto Garcia ~Trevijano. El Silencio Administrativo el Derecho Español. 1ª ed. Madri : Civilitas Monografia, 1990, p. 231.
  46. As críticas à previsão de efeitos positivos ao silêncio serão desenvolvidas no capítulo que segue.
  47. GARNICA, Ernesto Garcia ~Trevijano. El Silencio Administrativo el Derecho Español. 1ª ed. Madri : Civilitas Monografia, 1990, p. 231.
  48. Ibid., p. 113 "Cuando se formulare alguna petición ante la Administración y ésta no notificares su decisión em el prazo de tres meses, el interesado podrá denunciar la mora, y transcurridos tres meses desde la denuncia podrá considerar desestimada su petición, al efecto de formular frente a esta denegación presunta el correspondiente recurso administrativo o jurisdiccional, según proceda, o espera la resolución expresa de su petición."
  49. Tezner, apud SOUZA, António Francisco de. Conceitos Indeterminados no Direito Administrativo. Coimbra : Almeida, 1994, p. 35.
  50. Cf. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Delimitação da Fluidez dos Conceitos Imprecisos. In : ______. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. 2ª ed. São Paulo : Malheiros, 2003, cap. I, item VI, p. 28-32.
  51. Nas aulas ministradas junto ao curso de Direito da Universidade Federal da Bahia, Celso Luiz Braga de Castro sustenta que, a despeito da semelhança entre a discricionariedade e os conceitos jurídicos indeterminados, no sentido da inexistência de qualquer "margem de liberdade" atribuível a seus operadores, tais concepções revelam-se distintas, de maneira que, enquanto os conceitos indeterminados residem na previsão da norma, a discricionariedade encontra-se na sua estatuição. Em sentido aproximado, oportuno conferir SOUSA, António Francisco. Conceitos Indeterminados no Direito Administrativo. Coimbra : Almeida, 1994, p. 37.
  52. BRASIL. Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 01 jan. 1999. Disponível em : <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em : 01 mai. 2006.
  53. MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de apud MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 965.
  54. GARNICA, Ernesto Garcia ~Trevijano. El Silencio Administrativo el Derecho Español. 1ª ed. Madri : Civilitas Monografia, 1990, p.125. "En definitiva, el silencio administrativo, tanto positivo como negativo, ha de estar previsto en uma disposición expresa para que exista como tal."
  55. Cf. CASTRO, Celso Luiz Braga de. Do Silêncio Administrativo. Revista Jurídica dos Alunos de Direito da UFBa, Salvador, 1ª ed. v. 2, 2º semestre, 1997, p. 111.
  56. BAY, Horacio D. Creo. Amparo por Mora de la Administración Pública. 2ª ed. Buenos Aires : Editorial Astrea, 1995, p. 19.
  57. MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 387. No mesmo sentido, SCIORILLI, Marcelo. Silêncio e Administração Pública. Disponível em <http://www.mp.sp.gov.br/justitia/C%C3%8DVEL/civel%2070.pdf.>. Acesso em: 20 dez. 2005
  58. Registramos que o Celso Antônio Bandeira de Mello, até a 16ª edição do seu Curso, exibia entendimento diverso, sustentando que, não havendo previsão legal específica de prazo para a oferta de resposta pela Administração, considerar-se-ia "razoável" o período não excedente a 120 dias a partir da apresentação do pedido, em analogia ao intervalo previsto para a impetração do mandado de segurança. Louvável sua mudança de convencimento.
  59. ROYO-VILLANOVA apud Ernesto Garcia ~Trevijano Garnica. El Silencio Administrativo el Derecho Español. 1ª ed. Madri : Civilitas Monografia, 1990, p. 105.
  60. CASTRO, Celso Luiz Braga de. Desvios de Conduta da Administração Pública. 2000. Dissertação (Mestrado em Direito) - UFBA, Salvador, p. 135. Disponível em : <http://www.ufba.br/tedesimples//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=39>. Acesso em 31 mai. 2006.
  61. GARNICA, Ernesto Garcia ~Trevijano. El Silencio Administrativo el Derecho Español. 1ª ed. Madri : Civilitas Monografia, 1990, p. 207.
  62. GARNICA, Ernesto Garcia ~Trevijano. El Silencio Administrativo el Derecho Español. 1ª ed. Madri : Civilitas Monografia, 1990, p. 209.
  63. Ibid., p. 168.
  64. FERREIRA, Rosenildo Gomes. O Dono da Lua. In: ISTO É DINHEIRO. Disponível em : <http://www.terra.com.br/istoedinheiro/309/negocios/309_dono_lua.htm>. Acesso em 15, jun. 2006.
  65. GARNICA, Ernesto Garcia ~Trevijano. El Silencio Administrativo el Derecho Español. 1ª ed. Madri : Civilitas Monografia, 1990, p. 107 "Dado el carácter revisor de nuestra jurisdición contensioso-administrativa, que exige la existencia de un acto previo que recurrir, la exclusión de la técnica del silencio negativo daría lugar a indefensión [...]".
  66. Respondendo ao questionamento sobre a necessidade de exaurimento da via administrativa para só depois se recorrer ao Judiciário, José dos Santos Carvalho Filho afirma que "A se entender, porém, exaustão como o percurso efetivo por todos os patamares recursais da Administração, a resposta à indagação será evidentemente negativa: não é obrigatório usar todas as instâncias administrativas para recorrer ao Judiciário, porque basta que o ato administrativo seja eficaz e operante." CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 15ª ed. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2006, p.796
  67. PROCESSO CIVIL. DOCUMENTOS JUNTADOS PELO AUTOR. INTIMAÇÃO DA UNIÃO. NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO OCORRÊNCIA. A nulidade de atos processuais depende da ocorrência de prejuízo à parte que a argúi. Hipótese em que a sentença não adotou como razões de decidir os fatos a que se referem os documentos juntados pelo autor e dos quais a intimação da UNIÃO não foi regular. Ausência de prejuízo que não conduz à nulidade do feito.

    SEGURO-DESEMPREGO. RECURSO ADMINISTRATIVO. O administrado não está obrigado a esgotar os recursos administrativos para, só então, ingressar em juízo, podendo fazê-lo tão logo o seu pedido seja formalmente indeferido ou na hipótese de silêncio da Administração Pública no cumprimento da obrigação que a lei lhe impõe. [...] (grifos nossos) [BRASIL, Tribunal Regional Federal (4ª Região), 3ª Turma, Apelação Cível nº 9504615899, Relator Des. Eduardo Vandré O L Garcia, 19 de novembro de 1998. Disponível em <http://www.trf4.gov.br/trf4/jurisjud/resultado_pesquisa.php>. Acesso em 19 de jun. 2006].

  68. Cf. CASTRO, Celso Luiz Braga de. Do Silêncio Administrativo. Revista Jurídica dos Alunos de Direito da UFBa, Salvador, 1ª ed. v. 2, 1997, p. 116.
  69. CASTRO, Celso Luiz Braga de., loc. cit.
  70. Registramos, desde já, nossa discordância com o emprego do vocábulo "Poderes" onde deveria estar escrito "Funções".
  71. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20ª ed. São Paulo : Malheiros, 2002, p. 109.
  72. MONTESQUIEU, apud CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle Judicial das Omissões do Poder Público – em busca de uma dogmática constitucional transformadora à luz do direito fundamental à efetivação da constituição. São Paulo : Saraiva, 2004, p. 319
  73. Registramos as considerações de Dirley da Cunha Júnior, para quem "Montesquieu jamais propôs uma efetiva separação dos Poderes, mas simplesmente uma divisão de funções, com o objetivo de promover um equilíbrio entre os três poderes distintos, de modo que a ‘separação de Poderes’ não passa de um mito, que precisa ser desfeito.". Ibid., p. 321.
  74. Ibid. p. 329-331.
  75. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. 2ª ed. São Paulo : Malheiros, 2003, p. 14. "Na função, o sujeito exercita um poder, porém o faz em proveito alheio, e o exercita não porque acaso queira ou não queira. Exercita-o porque é um dever."
  76. Nas aulas que ministra junto ao Curso de Direito da Universidade Federal da Bahia, Celso Luiz Braga de Castro cuida dos poderes, numa construção figurada, afirmando que, do mesmo modo que o líquido assume a forma do recipiente que o contém, os poderes hão que adotar os contornos dos deveres a que se destinem realizar.
  77. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 18ª ed. São Paulo : Malheiros, 2002, p. 301-302.
  78. Os instrumentos através dos quais poder-se-á provocar o Judiciário para manifestar-se nas situações de silêncio da Administração serão cuidados no capítulo que segue.
  79. Cf. Capítulo nº 6 deste trabalho.
  80. Nesse particular, ousamos discordar de Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem a atribuição legal de efeitos concessivos do silêncio implicaria o atendimento do administrado, sugerindo o esgotamento das suas pretensões. Cf. MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p.386
  81. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 387. No mesmo sentido, oportuno conferir CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo. 4ª ed. Salvador : JusPODIVM, 2006, 88.
  82. Remetemos o leitor à análise do quanto dito acerca da discricionariedade no Capítulo 2 deste estudo.
  83. Cf. MELLO, Celso Antônio Bandeira de, op. cit., p. 387; CUNHA JÚNIOR, Dirley da, op. cit., p. 88.
  84. MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 387.
  85. Remetemos o leitor ao quanto debatido no capítulo em que se cuidou dos efeitos fictos do silêncio da Administração.
  86. GARNICA, Ernesto Garcia ~Trevijano. El Silencio Administrativo el Derecho Español. 1ª ed. Madri : Civilitas Monografia, 1990, p. 205. "Una vez dictada tal resolución judicial estará vedado a la Administración adoptar una resolución contraria al contenido de aquélla."
  87. BAY, Horacio D. Creo. Amparo por Mora de la Administración Pública. 2ª ed. Buenos Aires : Editorial Astrea, 1995, p. 21
  88. Idib., Prólogo, p. XII.
  89. "Pero que para llegar amparo general, se hubo de utilizar previamente el silencio como denegatoria. Ello por cuanto si la via administrativa resulta obligatoria [...]".BAY, Horacio D. Creo. Amparo por Mora de la Administración Pública. 2ª ed. Buenos Aires : Editorial Astrea, 1995, p. 54.
  90. GARNICA, Ernesto Garcia ~Trevijano. El Silencio Administrativo el Derecho Español. 1ª ed. Madri : Civilitas Monografia, 1990, p. 144.
  91. Cf. BAY, Horacio D. Creo. Amparo por Mora de la Administración Pública. 2ª ed. Buenos Aires : Editorial Astrea, 1995, p. 36.
  92. Ibid., p. 149.
  93. GARNICA, Ernesto Garcia ~Trevijano. El Silencio Administrativo el Derecho Español. 1ª ed. Madri : Civilitas Monografia, 1990, p. 184.
  94. GARNICA, Ernesto Garcia ~Trevijano, loc. cit.
  95. Nesse sentido, Didier afirma que "existem situações em que a decisão interlocutória contra a qual se recorre não possui efeito ativo que comporte execução, não sendo possível assim que se peça efeito suspensivo ao recurso, uma vez que nada há para suspender". DIDIER JÚNIOR, FREDIE. Direito Processual Civil. V. II, 4ª ed. Salvador : JusPODIVM, 2004, p. 176.
  96. ADMINISTRATIVO. RÁDIO COMUNITÁRIA. PROCESSO ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO. MORA DA ADMINISTRAÇÃO. ESPERA DE CINCO ANOS DA RÁDIO REQUERENTE. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA EFICIÊNCIA E DA RAZOABILIDADE. INEXISTÊNCIA. VULNERAÇÃO AO ARTIGO 535, II DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA DE INGERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO NA SEARA DO PODER EXECUTIVO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO PELA ALEGATIVA DE VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 6º DA LEI 9612/98 E 9º, INCISO II, DO DECRETO 2615/98 EM FACE DA AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DOS DEMAIS ARTIGOS ELENCADOS PELA RECORRENTE. DESPROVIMENTO.

    [...]

    2. Merece confirmação o acórdão que julga procedente pedido para que a União se abstenha de impedir o funcionamento provisório dos serviços de radiodifusão, até que seja decidido o pleito administrativo da recorrida que, tendo cumprido as formalidades legais exigidas, espera já há cinco anos, sem que tenha obtido uma simples resposta da Administração.

    3. A Lei 9.784/99 foi promulgada justamente para introduzir no nosso ordenamento jurídico o instituto da Mora Administrativa como forma de reprimir o arbítrio administrativo, pois não obstante a discricionariedade que reveste o ato da autorização, não se pode conceber que o cidadão fique sujeito à uma espera abusiva que não deve ser tolerada e que está sujeita, sim, ao controle do Judiciário a quem incumbe a preservação dos direitos, posto que visa a efetiva observância da lei em cada caso concreto.

    4. "O Poder Concedente deve observar prazos razoáveis para instrução e conclusão dos processos de outorga de autorização para funcionamento, não podendo estes prolongar-se por tempo indeterminado", sob pena de violação aos princípios da eficiência e da razoabilidade.

    5. Recurso especial parcialmente conhecido e desprovido. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Primeira Turma, Recurso Especial nº 531349/RS. Relator Min. José Delgado, Brasília, 03 de junho de 2004. Disponível em <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia>. Acesso em 19 jun. 2006).

  97. Compartilhando do nosso entendimento, BAY, Horacio D. Creo. Amparo por Mora de la Administración Pública. 2ª ed. Buenos Aires : Editorial Astrea, 1995, p. 151."Por certo, no somos tan ingenuos como para pensar que, porque existen soluciones legales adecuadas, la mora administrativa desaparecerá por completo. Sin embargo, ello es positivo como aspiración y hasta –si se quiere– como mito. [...] Lo difícil es encontrar la adecuada mezcla de mitos y aspiraciones o ideales".

Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Ana Carolina Araújo de. Silêncio administrativo: uma análise dos seus efeitos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1553, 2 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10482. Acesso em: 27 abr. 2024.