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Seleção e formação de juízes.

O caso espanhol em perspectiva histórica

Seleção e formação de juízes. O caso espanhol em perspectiva histórica

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Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. Criação do sistema de seleção e seus vínculos com o modelo napoleônico de Poder Judiciário. 3. O desenvolvimento do sistema de seleção e formação até a Constituição de 1978. 4. A Constituição de 1978 e as novas exigências ao Juiz. 5. A legislação infraconstitucional do Poder Judiciário e suas características. 6. Conclusões 7. Referências das fontes citadas.

Resumo: O artigo discute o tema da seleção e formação dos juízes, apresentando a experiência histórica da Espanha desde a criação do sistema de concursos públicos, no século XIX, até os dias atuais. Analisa, ainda que sucintamente, a inclusão da experiência espanhola na categoria dos sistemas de seleção denominados de burocráticos ou do "juiz profissional" e apresenta as principais críticas que se podem ser feitas ao sistema historicamente engendrado.

Palavras-Chave: seleção e formação de juízes – Poder Judiciário – Espanha.


1. Considerações Iniciais

O presente artigo versa sobre um tema pouco discutido na bibliografia jurídica e das ciências sociais no Brasil – os mecanismos de seleção e de formação dos magistrados –, partindo da observação do caso espanhol. O objetivo principal é verificar como se deu a criação do mecanismo atual de seleção, o concurso público denominado de "oposición", cujas origens históricas remontam ao século XIX, e como ao longo do período chegou-se ao desenho institucional atual, com uma combinação do concurso público e de iniciativas de formação inicial.

A bibliografia internacional tem dado destaque, ainda que seja um destaque relativo e recente, a esse tema. Uma explicação acerca do fato pode ser tomada a partir da constatação da visibilidade política e social que o Poder Judiciário assumiu nas últimas décadas, trazendo consigo um debate importante sobre a função judicial e seus limites e provocando uma série de indagações de caráter prático: Quem são os juízes? Como são recrutados? Quais os mecanismos de avaliação e controle de sua atividade jurisdicional? Como medimos a qualidade dos "serviços" prestados pelos órgãos judiciais? [01]

Como resume Guarnieri (2001), a relação entre qualidade da prestação jurisdicional e as modalidades de seleção ou a formação que recebem os juízes pode ser vista de pelo menos três importantes ângulos. Em primeiro lugar, as modalidades pelas quais se escolhem e formam os membros do Poder Judiciário revestem-se de uma especial importância para o funcionamento do sistema jurídico e refletem-se na qualidade global da justiça, o que significa dizer que, para melhorar a prestação jurisdicional, não basta que pensemos em como organizar melhor os tribunais, se não incluirmos nessa reflexão a necessária qualificação profissional dos juízes que os compõem.

Em segundo lugar, se pensamos de um ponto de vista macro, o modo pelo qual são selecionados os membros do Poder Judiciário atua diretamente sobre o perfil de juiz que se produzirá e, a partir daí, sobre a concepção do Direito, do seu papel como juiz, da natureza e dos limites da sua função, que terá não apenas o juiz em sua dimensão singular, mas o próprio corpo judicial. [02]

Em terceiro lugar, as modalidades de recrutamento interferem diretamente na independência e imparcialidade dos juízes, as quais condicionam a qualidade da prestação jurisdicional, especialmente em circunstâncias como as atuais, nas quais uma parte considerável da atividade judicial desenvolve-se controlando a constitucionalidade e a legalidade da administração pública e da produção legislativa. Assim, sistemas de recrutamento que privilegiam a capacidade profissional reforçam a independência, ao produzir uma maior identificação com a função profissional exercida, e diminuem o papel de influências impróprias de caráter externo. (GUARNIERI, 2001).

Pode-se conceber, ainda que seja uma generalização, dois modelos básicos de recrutamento dos membros do Poder Judiciário nas Sociedades democráticas ocidentais: o do juiz "profissional" [03], recrutado dentre membros bem-sucedidos de carreiras jurídicas e detentor de uma experiência profissional que abaliza a sua nomeação ao cargo e legitima o exercício da função jurisdicional, presente nos países vinculados à tradição da common law [04]; e o do juiz "funcionário" que, mais característico dos países vinculados à tradição romano-germânica, trabalha com sistemas de recrutamento baseados em concursos públicos e aposta em um aprendizado da função no próprio exercício desta, dentro da organização judicial, pois o perfil geral do juiz recrutado é o de um jovem bacharel em Direito, cuja experiência profissional é pequena ou inexistente. (GUARNIERI, 2001).

O sistema espanhol de seleção e formação dos juízes encaixa-se no modelo de juiz "funcionário", que acima caracterizamos brevemente, e tem suas origens no século XIX, sob forte influência do modelo napoleônico. Conta basicamente com uma seleção pública, aberta aos bacharéis em Direito, que se costuma chamar de "oposiciones". Esse concurso público versa sobre conhecimentos técnico-jurídicos e consiste atualmente em uma prova escrita, de tipo teste, seguida de provas orais nas quais os candidatos recitam textos preparados a partir da legislação e de alguma referencia doutrinária, perante uma banca examinadora. Os aprovados nessa fase são então integrados à Escuela Judicial, que os preparará, com uma série de atividades práticas e teóricas, para o efetivo exercício da função judicial.

Além de partilharmos com a Espanha a inclusão no sistema de recrutamento denominado acima de "juiz funcionário", a experiência espanhola oferece ao estudioso brasileiro do Poder Judiciário algumas peculiaridades que a tornam um excelente objeto de reflexão na busca por um sistema de formação adequado à magistratura brasileira, objetivo que vem sendo buscado de modo mais incisivo, por determinação constitucional, desde a EC 45/2004.

Dentre essas peculiaridades, podemos resumidamente mencionar a semelhança existente entre nosso sistema jurídico, de origem romano-germânica, e o deles, bem como a presença de uma forte cultura jurídica legalista, cuja aplicabilidade prática entra em crise com a promulgação de uma constituição dirigente e com grande carga principiológica após a redemocratização do país. Além disso, as iniciativas de formação para os magistrados espanhóis contam com uma experiência significativamente mais longa do que a brasileira, o que serve também como uma espécie de laboratório de testes, útil para que evitemos cometer alguns erros facilmente identificados em sua experiência.

Observe-se, nesse sentido, que a Escola Nacional da Magistratura Trabalhista, implantada pelo Tribunal Superior do Trabalho em atendimento ao exigido pela EC 45/2004, realizou convênio com o governo espanhol e mais especificamente com a Escuela Judicial, a fim de aproveitar a experiência espanhola que mencionamos.

Por derradeiro, deve-se mencionar também o fato de que há, especialmente se compararmos com o Brasil, uma bibliografia relativamente consolidada que discute a temática e cuja qualidade é bastante significativa.

Para cumprir com o objetivo proposto, o artigo é dividido em quatro partes: na primeira, apresenta-se a formulação histórica do sistema de concurso público, evidenciando a sua vinculação com o modelo napoleônico de Poder Judiciário; na segunda, acompanham-se as alterações nesse modelo até a promulgação da Constituição de 1978; a terceira parte é destinada à análise das modificações efetivadas pela Constituição de 1978 no papel exigido do juiz, enquanto que a quarta parte analisa como essas novas exigências foram trabalhadas na legislação infraconstitucional subseqüente.


2. Criação do sistema de seleção e seus vínculos com o modelo napoleônico de Poder Judiciário

O sistema de seleção por oposiciones foi criado pela Ley orgánica provisional sobre organización del Poder Judicial de 15/09/1870. Essa lei, como a própria indicação de sua época pode nos evidenciar, continha grandes influências do que se convenciona chamar de modelo napoleônico de Poder Judiciário.

Esse modelo pode ser descrito, conforme aponta García Pascual (1997), como uma combinação da doutrina revolucionária francesa e da institucionalização de um quadro funcionarial técnico mais bem vinculado com a visão burocrática de Estado do que com as suas raízes revolucionárias e liberais. O juiz era entendido (e recrutado) para ser um funcionário do Estado encarregado da aplicação da legislação posta pelo Poder Legislativo. O controle de seu recrutamento e a administração da sua carreira vinha adstrita ao Poder Executivo, mostrando assim que, apesar da teoria de separação de poderes ser utilizada como lugar comum a designar a natureza e os vínculos entre os poderes do Estado, de fato o Poder Judiciário tinha pouco mais que o nome como poder efetivamente independente.

O quadro acima esboçado fica mais claro se observarmos que a experiência revolucionária francesa estava baseada em uma profunda desconfiança na atividade judicial, cuja arbitrariedade e venalidade procurará controlar de todos os modos [05], produzindo, quase paradoxalmente, uma dominação e um enfraquecimento do Poder Judicial em vão tentada pela monarquia absolutista. [06]

A caracterização de um juiz, portanto, seguia o que convencionalmente passou à tradição do pensamento jurídico como "juiz boca da lei", ou seja, um paradigma de atuação em tudo mecânico e subordinado à legalidade estrita, que garantiria a neutralidade e a apoliticidade (aparentes) necessárias ao bom funcionamento do Estado.

Se nos fixamos no modelo e nos perguntamos pelas causas que o explicam, teremos, como bem resume García Pascual (1997) um quadro que pode ser sinteticamente resumido como uma combinação dos seguintes fatores: a) a aparição dos códigos e das regras rígidas para a atividade interpretativa; b) a disseminação das categorias dogmáticas da doutrina, presentes, por exemplo, na Escola da Exegese; c) a subtração da atividade administrativa do Estado do âmbito de julgamento da jurisdição ordinária; d) a inclusão do Poder Judiciário no âmbito de controle do Poder Executivo.

A experiência espanhola de organização judicial é descrita pela doutrina espanhola como tendo um importante ponto de inflexão a partir da Constituição de Cádiz, de 1812, a qual, embora não tenha sido vigente, pode ser vista como o marco de ruptura com o sistema judicial do antigo regime [07] e cujas linhas mestras foram aproveitadas nas constituições seguintes de 1837, 1845 e 1869. (ANDRÉS IBAÑEZ; MOVILLA ALVAREZ, 1986).

A referida constituição trazia em si uma concepção liberal do Poder Judiciário e afirmava a jurisdição como produto da soberania, estabelecia o principio da separação de poderes, a unidade e a exclusividade da jurisdição, a predeterminação legal do juiz e a sua inamovibilidade.(ANDRÉS IBAÑEZ; MOVILLA ALVAREZ, 1986).

Mostrava-se, portanto, como uma tentativa de introduzir ordenação e racionalidade na administração da justiça, de acordo com um ideário bastante próximo ao que descrevemos acima quando nos referimos ao modelo francês, e embora não tenha tido vigência em função da reação absolutista que a ela se seguiu [08], seus princípios foram pouco a pouco sendo implementados na legislação esparsa que reformou o sistema de justiça. (ANDRÉS IBAÑEZ; MOVILLA ALVAREZ, 1986).

A realidade, no entanto, não parecia ser tão simplesmente reformada pela presença de uma regulação jurídica liberal [09]. Como aponta Sainz Guerra (1992), as legislações que foram realizadas durante o período liberal muitas vezes voltavam a exibir características que se não idênticas, ao menos bastante próximas das ostentadas pela organização judicial durante o regime absolutista. Um exemplo dessa dinâmica pode ser encontrado na exigência de que o juiz não tivesse outro cargo, função ou ocupação expressamente prevista na Constituição de 1812 e na legislação que se seguiu, mas com uma abertura semântica que permitia entender que isso era assim, desde que o cargo, função ou ocupação não impedisse ou dificultasse o exercício da função jurisdicional. [10]

Quanto à exigência de uma formação adequada para o desempenho da função judicial, aponta Sainz Guerra (1992) as tentativas ocorridas durante o regime liberal e antes da legislação de 1870 no sentido de tornar mais exigentes e precisas as condições a partir das quais se podia aceder ao cargo de juiz e progredir na carreira. A comprovação do cumprimento das exigências de conhecimento jurídico, contudo, se mostravam ainda bastante distantes do necessário e, podemos imaginar, estavam na base da preocupação que se consubstanciará na instituição do sistema de oposiciones.

Do mesmo modo, apesar da previsão constitucional da inamovibilidade e da independência já presentes na Constituição de 1812, a realidade do período liberal pode ser melhor descrita como uma situação na qual a permanência no cargo estava vinculada ao cumprimento de um requisito de adesão política que se traduzia, em termos práticos, em uma política de constantes depurações com o afastamento e o retorno às funções judiciais conforme as maiorias políticas iam e viam do poder. (JIMENEZ ASENSIO, 2001; SAINZ GUERRA, 1992). [11]

A Constituição de 1869, a seu turno, volta a mencionar explicitamente o principio de separação de poderes e manifesta preocupação explícita com o acesso à carreira judicial [12]. Sua regulamentação resultará na já mencionada lei de organização de 1870, estabelecerá o sistema de acesso por concurso público e desenhará o Poder Judiciário espanhol com as características que alcançarão a Constituição de 1978. (ANDRÉS IBAÑEZ; MOVILLA ALVAREZ, 1986).

De acordo com Jimenez Asensio (2001) a sociedade espanhola do século XIX se estava modificando e uma das conseqüências dessas modificações foi a implantação de sistemas mais eficientes de administração pública, a exemplo do que já ocorria em outros paises europeus. Desse modo, a criação do sistema de oposiciones para acesso à carreira judicial não foi um fato isolado, mas correspondeu à implantação de um modelo de acesso às funções públicas baseado na idéia de profissionalização e de maior estabilidade.

A Ley de 1870 pode ser descrita, conforme as opiniões expressas pela doutrina espanhola, como excelente e firmemente vinculada à idéia de um Poder Judiciário bem organizado, independente, técnico, responsável e dedicado de forma exclusiva e excludente à administração da Justiça, mas também como fielmente adstrita ao modelo napoleônico de Poder Judiciário, na medida em que apostou em uma estrutura hierárquica férrea e em um controle da política de nomeações pelo Poder Executivo. (ANDRÉS IBAÑEZ; MOVILLA ALVAREZ, 1986).

Quanto ao seu desenho especifico cabe dizer que a Ley estabelecia um ingresso no que denominava de Cuerpo de Aspirantes a la Judicatura após o candidato ter passado por um conjunto de provas públicas com exercícios teóricos e práticos, avaliados por uma Junta Qualificadora composta predominantemente por magistrados, advogados e professores catedráticos das universidades. O governo determinava o tipo de exercício, os programas de conteúdo a serem tematizados nos exercícios e nomeava a maioria dos membros da Junta Qualificadora. (JIMENEZ ASENSIO, 2001).

A Constituição de 1869 previa também a instituição da entrada lateral, que ficou conhecida como o cuarto turno e que consistia na nomeação de profissionais que não haviam passado pelo crivo do concurso público. Isso significou, de fato, uma continuidade com as práticas clientelistas existentes, embora, é claro, com sentido reduzido. A previsão dessa possibilidade na Ley de 1870 e especialmente sua ampliação em uma reforma legislativa ocorrida em 1882 e que aumentava significativamente o número de postos a que se acedia pelo cuarto turno não foi bem recebida e chegou a ser descrita como "um escândalo maiúsculo". Essa realidade fez com que em 1902 se extinguisse a entrada lateral, configurando-se assim a magistratura espanhola como um corpo cerrado a qualquer ingresso que não fosse pelo concurso público. (JIMENEZ ASENSIO, 2001)

A regulamentação do ingresso por concurso público e a lenta conformação do sistema, objeto de vários decretos regulamentadores é o objeto de nosso próximo item. Cabe, no entanto, ressaltar, conforme apontam Andrés Ibañez e Movilla Alvarez (1986) que essas adaptações, regulamentações e desenvolvimentos em momento nenhum significaram uma transformação em direção a um sistema diverso do concebido inicialmente, nem mesmo quando da instauração do regime franquista, demonstrando que o resultado prático obtido com sistema de inspiração napoleônica de um juiz técnico e apolítico teve grande êxito.

De modo bastante veemente, Jimenez Asensio (2001) comenta essa adaptação perfeita ou quase perfeita do Poder Judiciário aos distintos momentos políticos da história recente espanhola afirmando a sua identificação com o modelo funcionarial de juiz, caracterizado por uma submissão acrítica à legislação, um forte sentido corporativista, uma falsa apoliticidade, uma mentalidade conservadora e boas conexões com o poder. Um juiz, assim, que administrava justiça aos particulares e que era bastante obediente aos distintos governos que se sucediam no poder, especialmente se fossem autoritários e de caráter conservador.


3. O desenvolvimento do sistema de seleção e formação até a Constituição de 1978

Comentando o modo de realização do concurso público para acesso à magistratura, Beceña (1928) afirma que a partir dos instrumentos normativos de regulamentação da oposición realizados entre 1883 e 1921, o desenho das provas a que estavam submetidos os candidatos denunciava uma profunda desconfiança na comissão que julgava as provas, pois o governo estabelecia o programa, o número e a duração dos exercícios e a maneira de tomar decisões, consubstanciada em uma valoração aritmética de cada um dos exercícios que, segundo ele, fazia com que as listas de aprovados se parecessem muito com as listas nas quais constavam a altura dos recrutas do exército.

Ainda segundo autor, a comissão não podia perguntar, propor questões, pedir esclarecimentos nem tomar qualquer iniciativa que lhe permitisse avaliar a solidez da preparação do candidato, limitando-se a ouvir o que o candidato recitava e julgá-lo pelo que dissesse dentro do prazo regulamentar. A capacidade de memorização e a tranqüilidade para recitar os conhecimentos armazenados eram, portanto, os requisitos para a aprovação no concurso. Tendo uma duração de uma hora para responder sobre onze temas, o julgamento era, evidentemente, sobre a capacidade de memorização. (BECEÑA, 1928).

Iniciando uma série de críticas de teor muito semelhante que são praticamente aplicáveis ao modo como se desenvolvem as oposiciones hoje, já em 1928 Beceña afirmava não ver qual a vantagem que o sistema podia apresentar, pois nem servia para preparar o candidato aprovado para o exercício de sua atividade profissional (que não requer improvisação e rapidez como o exame) nem para fazer com que aprenda os conteúdos jurídicos de fato, por seu próprio labor, eis que uma bibliografia de apoio, com resumos feitos à medida dos minutos que o expositor teria para recitar os temas, era (e é) vendida de modo habitual.

Uma medida paliativa ao apontado acima foi prevista na reforma de 1921, a qual previa um exercício escrito constante de três dissertações científicas sobre temas de direito civil privado, comum e foral, direito mercantil e teoria do conhecimento. Essas dissertações seriam realizadas em um tempo de quatro horas, sem consulta a qualquer tipo de material de apoio. De novo, como aponta Beceña (1928), a suposição é avaliar a memória do candidato, razão pela qual pode ser qualificada como uma variante acidental do exercício oral. Deve-se dizer que quando da implantação do exercício escrito, a prova oral deixou de ser eliminatória e seria realizada após o candidato ter passado pela prova escrita. [13]

Deve-se aduzir também que uma peça-chave do sistema era e é a presença do preparador. Este, normalmente um juiz ou fiscal [14], com maior ou menor experiência, mas sempre alguém que já enfrentou o concurso, dedica-se a auxiliar o candidato em sua preparação. A sua tarefa, nesses termos, é a de corrigir sua postura diante do tribunal e tomar-lhe os temas de memória até o momento em que esteja dizendo correta e tranquilamente os conteúdos possíveis de serem objeto do sorteio dos temas. A relação entre preparador e preparado, sempre individual, era e é remunerada e constitui, sem dúvida, um vínculo importante de socialização e de espelhamento para o futuro juiz. Sua natureza e o momento preciso em que surgiu não são evidentes ao observador externo, pois é uma prática absolutamente informal, sobre a qual se faz menção como tivesse existido sempre e por isso parece remontar às origens do sistema das oposiciones e que ademais não vem discutida explicitamente na bibliografia que trata desses temas.

Passada a fase da oposición, o candidato era designado para um posto onde estaria como auxiliar e no qual teria de cumprir tarefas sob a supervisão de um juiz ou magistrado. Essa fórmula fazia com que a socialização do futuro juiz fosse realizada em primeiro lugar na preparação da oposición e em segundo lugar, no próprio exercício das tarefas profissionais, ou seja, mirando-se no exemplos dos membros mais experientes da carreira.

A modificação mais notável no sistema de seleção foi, sem dúvida, a instituição de uma Escola Judicial em 1944. Essa escola, uma das primeiras das que se tem notícia, veio justificada como um complemento necessário ao sistema de concurso público (VALLS GOMBAU, 2006). O candidato aprovado na oposición seria a ela conduzido para um período de práticas que lhe permitissem desenvolver as aptidões necessárias ao bom exercício das atividades requeridas pela profissão.

Apesar de sua instituição em 1944, a Escola não foi implantada até 1950 e mesmo então, como admite a literatura especializada, não cumpriu com as sua funções precípuas. (VALLS GOMBAU, 2006).

As razões desse fracasso ou dessa falta de efetividade são explicadas recorrendo-se a uma série de fatores: a ausência de uma avaliação de desempenho dos ingressantes e a ausência de uma repercussão prática de sua passagem pela Escola, pois não havia nenhuma modificação da ordem obtida na oposición, bem como a repetição dos conteúdos vistos na Faculdade de Direito e preparados para as provas da oposición, com algum matiz mais prático, mas mesmo assim pouco motivador para os ingressantes na carreira. (GARCIA VALDÉS, 1987)

O período obrigatório na Escola Judicial a partir de sua implementação em 1950, resultou, mais bem, em um momento de descompressão, quase de férias, para então iniciar a verdadeira carreira. A dureza e o caráter traumático da preparação das oposiciones que exigiam do candidato uma vida quase monástica por longos anos [15], dedicando-se a aprender de memória centenas de temas, provavelmente jogava um papel bastante relevante na ocorrência desse caráter de "quase-férias" que a Escola acabou representando para os que nela ingressavam. (JIMENEZ ASENSIO, 2001).

O resultado final do processo de seleção se generalizado, poderia ser descrito, portanto, como atendendo a prevalência do resultado obtido nas provas da oposición, cujo caráter memorístico e acrítico é o traço marcante.

A história espanhola e seus traços clientelistas, apontados no item anterior, levavam, por outra parte, a uma profunda resistência a qualquer forma de crítica ou de transformação no sistema de seleção, visto como o único apto a garantir a qualidade técnica dos membros do Poder Judiciário. [16]

Questionamentos sobre a modificação no sistema de oposiciones levantam de seus túmulos velhos fantasmas e levam, até hoje, a uma discussão bastante maniqueísta entre o sistema corrente (que conserva em grande medida as características até aqui vistas) e uma modificação possível, como, por exemplo, a atribuição de um papel mais importante à Escola Judicial.

O próximo item descreve como a Constituição de 1978, fruto final do período de transição democrática iniciado após a morte de Franco em 1975, concebeu o papel do juiz espanhol.


4. A Constituição de 1978 e as novas exigências ao Juiz

De acordo com Jimenez Asensio (2001) o quadro descrito acima, de uma magistratura dócil e bem-integrada ao regime político franquista [17] somente terá alguma atenuação quando, já no final do período franquista e na transição democrática, grupos minoritários proporão abertamente críticas ao regime e se engajarão em uma luta pelas liberdades públicas [18]. São, no entanto, minoritários e a maior parte dos juízes continuarão a ter um perfil conservador e reticente quanto às possíveis modificações que o processo constituinte poderia trazer ao desenho institucional do Poder Judiciário e, dentro deste, às formas de ingresso e promoção na carreira.

Essa atividade minoritária teve o condão de motivar um debate público em torno da configuração que se devia dar ao Poder Judiciário na nova constituição e serviu de base, especialmente aos partidos de esquerda, para a proposição de idéias e de medidas adequadas aos novos desafios (democráticos, sobretudo) que se apresentavam. (GARCÍA PASCUAL, 1996).

A Constituição de 1978 fixa as bases, ao menos do ponto de vista de sua expressão textual, de uma modificação na situação da magistratura espanhola, resgatando os princípios da independência, da unidade e da exclusividade da função judicial, dentre outros que, como vimos, já estavam presentes na história constitucional espanhola, embora com pouca ou nenhuma relevância prática. (GARCÍA PASCUAL, 1996)

Frise-se também, como ressalta Jimenez Asensio (2001), que o constituinte utilizou-se da expressão "Poder" para designar o Poder Judiciário, mas não manteve a mesma terminologia ao referir-se ao Executivo e ao Legislativo, fato que poderia demonstrar seu desejo de realmente configurar o Poder Judiciário como um poder em sentido estrito. A discussão doutrinária gerada a partir daí, embora relevante, não significa que, se concluirmos pela correção da atribuição do termo Poder ao Judiciário estejamos, de fato, diante de um órgão capaz de exercer a plenitude de suas funções de modo a configurar-se como um Poder do Estado.

Ainda segundo o autor, há de se verificar como o desenho institucional do Poder Judiciário o aparelha para cumprir suas funções, e, nesse sentido, observar qual a posição institucional desenhada pela Constituição para o juiz e, mais especialmente, quais as expectativas de desenvolvimento político e institucional que foi capaz de gerar.

Quanto a isso, se seguimos a análise de Jimenez Asensio (2001) e de Andrés Ibañez e Movilla (1986), o quadro que temos é o de que o constituinte espanhol foi bastante conservador, ou seja, preferiu manter uma linha de respeito à continuidade histórica na maior parte dos temas atinentes à regulação da carreira judicial, muitas vezes optando pelo silêncio como modo de não alterar radicalmente a situação.

Assim, embora conste do texto constitucional os princípios da independênciae da inamovibilidade, dentre outros, silencia sobre o modo de acesso à carreira. Esse silêncio torna-se eloqüente principalmente se verificarmos que outras constituições espanholas haviam manifestado-se expressamente sobre o tema (como a de 1869) e que outras constituições européias do mesmo período também o fazem (a italiana, por exemplo). Mais significativo ainda se combinamos essa ausência com os dispositivos constitucionais que explicitamente referem-se à organização da carreira judicial em termos de hierarquia estrita e divisão em categorias, características que vinham diretamente da tradição autoritária e corporativa do regime anterior e que debilitam a possível independência interna do juiz frente aos demais, especialmente os que ocupam as categorias superiores.

De outro lado, como ressaltam Andrés Ibañez e Movilla (1986) a Constituição de 1978 avança ao desenhar o Consejo General del Poder Judicial como órgão encarregado do governo da Justiça [19], diminuindo assim o controle direto exercido pelo Ministério da Justiça e garantindo uma maior possibilidade de autonomia do Judiciário frente ao Executivo. Um dado apreciável se nos recordamos da situação descrita nos itens anteriores, a qual, bem sintetizada, significou uma história de séculos de ingerência direta do Executivo nas funções judiciais.

O desenho constitucional do Conselho, no entanto, sofre com a mesma caracterização aberta dada pelo constituinte a outros temas relativos ao Poder Judiciário e essa abertura permitirá que o texto constitucional seja regulamentado com uma perspectiva bastante menos progressista que o seu teor inicial poderia fazer esperar, de acordo com o caráter de manutenção da tradição que se apontava no inicio desse item. (JIMENEZ ASENSIO, 2001)

Assim, embora a Constituição preveja a competência do Conselho para nomeação, acesso, inspeção e regime disciplinar, não se refere ao caráter de exclusividade desta competência. Uma interpretação razoável do texto constitucional poderia apontar a exclusividade como perfeitamente cabível diante das razões subjacentes a essa normatização. A regulamentação infraconstitucional, contudo, amparada nessa ambigüidade (relativa, de todo modo) trará consigo uma curiosa oscilação, em temas como o acesso à carreira judicial, de modo que a Ley Orgânica del Consejo General del Poder Judicial de 1980 preverá a competência exclusiva do Conselho, que será dada novamente ao Ministério da Justiça na Ley Orgânica del Poder Judicial de 1985, voltará ao Conselho em 1994, e finalmente, será partilhada com o Ministério da Justiça na reforma de 2000, que unificou o sistema de acesso à Fiscalía e à carreira judicial. (JIMENEZ ASENSIO, 2001)

Há que se observar também em defesa do texto constitucional de 1978, conforme apontam Andrés Ibañez e Movilla (1986), que ele dá uma notável relevância ao papel desempenhado pelo juiz como alguém que está submetido somente ao império da lei e que deve buscar a tutela efetiva dos direitos, especialmente de igualdade, dos cidadãos.

O paradoxo muito bem apontado por Jimenez Asensio (2001) e por Andrés Ibañez e Movilla (1986) consiste, portanto, em que o sistema de recrutamento e a regulamentação interna da carreira apontam claramente para a tradição, mesmo que seja pela omissão em modificar os parâmetros dela recebidos, enquanto que a Constituição de 1978 aposta explicitamente em uma transformação radical no perfil de juiz que vinha da tradição. Se isso não era tão evidente no momento constituinte, o será no desenvolvimento posterior da atividade judicial que teve de responder aos rápidos movimentos de transformação da Sociedade espanhola, seja pelo processo de integração européia e pela mundialização econômico-financeira, seja pela expansão e internacionalização dos direitos fundamentais.

Uma análise, portanto, dos traços constitucionais que definem o juiz espanhol da atualidade, pode nos levar a defini-los em cinco elementos: a) um juiz da legalidade; b) um juiz garantidor dos direitos fundamentais dos cidadãos; c) o juiz ordinário como juiz da constitucionalidade; d) o juiz espanhol como juiz de Direito Comunitário europeu e supranacional; e) o juiz espanhol que atua nos marcos de um Estado composto pela pluralidade lingüística e cultural que se expressa nas diversas comunidades autônomas que compõem o Estado. (JIMENEZ ASENSIO, 2001)

Quanto ao primeiro elemento, o juiz da legalidade, uma fórmula tão simples quanto enganosa, é necessário observar que a sujeição do juiz à lei implica, nos ordenamentos jurídicos contemporâneos e seguramente no ordenamento espanhol, em identificar e aplicar a norma jurídica adequada a partir de uma pluralidade de fontes. A inflação legislativa e a mudança qualitativa da legislação contemporânea fazem com que algo que semanticamente possa parecer perfeitamente idêntico ao que se pedia de um juiz do século XIX (como também vimos no item 2) seja bastante mais complexo hoje. [20] Assim, identificar na legislação existente, (nacional, das comunidades autônomas e da Comunidade Européia, conforme o caso) interpretar adequadamente à luz dos preceitos constitucionais e aplicar ao caso que está decidindo, é tudo menos uma tarefa mecânica de um juiz "boca da lei". Para nos mantermos no âmbito da mesma metáfora: para fazer a lei falar, é preciso encontrar o que diz e isso, como a teoria contemporânea da interpretação demonstra [21], é uma tarefa complexa.

O segundo elemento, de garantia dos direitos fundamentais, pode ser definido, como propõe Jimenez Asensio (2001) como a circunstância que de que ao juiz cabe aplicar os preceitos constitucionais que estabelecem direitos fundamentais em primeira instância, ou seja, que as violações desses direitos serão examinadas pelo juiz ordinário, antes mesmo que o Tribunal Constitucional possa intervir.

O terceiro elemento vincula-se estreitamente com o segundo, pois o juiz da constitucionalidade é também aquele chamado a interpretar a legislação infraconstitucional à luz dos preceitos constitucionais e, em grande medida, para impedir que se atinja indevidamente o conteúdo de direitos fundamentais previstos. Embora a sede própria da discussão de inconstitucionalidade seja o Tribunal Constitucional, o juiz ordinário pode deixar de aplicar aqueles dispositivos regulamentadores que sejam inconstitucionais porque extrapolam os termos nos quais a matéria foi constitucionalizada, ou considerar derrogados os textos anteriores à Constituição que com ela colidam. A última palavra sobre esses casos terá o Tribunal Constitucional, mas sem dúvida cabe um papel importante ao juiz ordinário na medida em que esse tem de deflagrar o procedimento previsto para questionar a constitucionalidade de um dispositivo normativo. (JIMENEZ ASENSIO, 2001).

O quarto elemento, expressado na idéia de obrigação do juiz espanhol de aplicar o Direito Comunitário, traz consigo a conseqüência de que em sua atividade de aplicador do Direito espanhol o juiz tem o dever de utilizar-se das normas comunitárias, eis que o principio vigente é o da primazia do Direito Comunitário sobre o nacional. Essa característica implica, como é fácil perceber, uma necessidade de conhecimento das normas comunitárias e de seus desenvolvimentos jurisprudenciais pelo Tribunal de Justiça da Comunidade Européia, de modo a poder utilizá-las adequadamente e, ademais, valorar o direito nacional como compatível com elas. Segundo uma estimativa apresentada por Jimenez Asensio (2001) mais de setenta por cento do Direito que se aplica na Espanha tem conexões mais ou menos diretas com o Direito Comunitário. Esse quadro deve ser completado, ademais, com a referência aos Direitos Fundamentais, em razão da atividade do Tribunal Europeu de Direitos Humanos.

Por fim, o quinto elemento diz respeito ao contexto territorial de pluralismo político, normativo, cultural e lingüístico que caracteriza o Estado espanhol e que exige que o juiz conheça e aplique a normatização específica das Comunidades Autônomas tanto em matérias de Direito Privado quanto Público, bem como realize esforços para prestar os serviços jurisdicionais a seu encargo na língua específica da Comunidade, naquelas comunidades que tem o regime de cooficialidade lingüística [22]. (JIMENEZ ASENSIO, 2001).

Se esse é o quadro das exigências da Constituição de 1978 ao juiz, vejamos no próximo item como a legislação infraconstitucional regulamentou esses temas.


5. A legislação infraconstitucional do Poder Judiciário e suas características

A primeira lei infraconstitucional a tratar de temas pertinentes ao Poder Judiciário foi a Ley Orgánica del Consejo General del Poder Judicial de 1980. Essa lei instituiu o Consejo General del Poder Judicial que, como vimos no último item, era uma das novidades da Constituição de 1978 no que tange à administração da justiça e que contava com a competência para a seleção e nomeação dos juízes e magistrados.

A composição do Conselho, prevista na Constituição em doze membros advindos da carreira judicial foi regulada de modo a representar mais os escalões elevados da carreira judicial (magistrados) e dentre estes os do Tribunal Supremo e menos os de escalões mais baixos (juízes), acentuando a dimensão de controle hierárquico que poderia ter sido atenuada se se optasse por outro desenho institucional diante da abertura do texto constitucional. Esse quadro de controle da cúpula da carreira judicial se completava ao distribuir as funções dentro do Conselho na medida em que aos membros advindos da escolha do Senado e do Congresso de Deputados não se atribuía nenhuma função relevante. (ANDRÉS IBAÑEZ; MOVILLA, 1986).

De acordo com García Pascual (1997) a forma como a lei regulou o sistema associativo de juízes e magistrados, que repercutiria também na eleição dos membros togados do Conselho, resultou de fato em um impedimento de acesso ao Conselho de juízes e magistrados que se agrupavam na associação denominada Justicia Democrática, que deixou de existir legalmente em função da exigência de uma representação mínima de 15 por 100 para exercício do direito de constituição formal como associação representativa da categoria. Exigência essa, segundo os discursos dos congressistas envolvidos nos trabalhos preparatórios, posta no texto legal de maneira deliberada. (ANDRÉS IBAÑEZ, 1988). Tendo como única associação legalizada a Associación Professional de la Magistratura – APM, dominada pelos conservadores, nascerão nela nos anos seguintes as correntes denominadas Jueces para la Democracia (1983) e Francisco de Vitória (1984), de esquerda e de centro, respectivamente.

Para a escolha dos membros togados do Conselho, nessa primeira experiência, orientada pelo disposto na lei de 1980, se estabeleceu a regra de que a metade dos membros seriam escolhidos em votação direta por juízes e magistrados e a outra metade indicada pelas câmaras, ou seja, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. O resultado final do processo foi uma maioria conservadora. (GARCÍA PASCUAL, 1997)

Ademais, a lei optou pela manutenção expressa da prática vinda dos regimes anteriores de realizar "informes reservados" sobre a conduta dos juízes e magistrados e que constituíam documento a instruir as deliberações do Conselho para promoção na carreira. (ANDRÉS IBAÑEZ; MOVILLA, 1986). Esse dado, somado ao do caráter reservado das sessões do Conselho, cujas deliberações são secretas, evidencia um caráter pouco transparente no controle exercido pelos membros das categorias superiores sobre os das categorias inferiores da magistratura espanhola.

Quanto ao tema específico de nosso estudo, a lei de 1980 previa a competência do Conselho para todo o processo de seleção, nomeação e formação dos juízes, mas sem que isso tenha acarretado nenhuma mudança significativa, nem na lei e nem nas atitudes do Conselho a partir dela. (JIMENEZ ASENSIO, 2001).

A Ley orgánica del Poder Judicial de 1985, como aponta García Pascual (1997) veio acompanhada, desde o anteprojeto, por um clima de polêmica e critica [23]. O anteprojeto refletia claramente a intenção do Poder Executivo, seu autor, de diminuir as competências do Conselho e tornar a atribuí-las ao Ministério da Justiça [24], o que, de fato, acontecerá na lei de 1985 apesar dos protestos do Conselho que se via diminuído a funções mais bem burocráticas de que de governo da magistratura. Os membros advindos da escolha parlamentar receberão um papel mais ativo e a característica altamente restritiva que a lei de 1980 previa será afastada.

A grande modificação, no entanto, operada pela lei de 1985 foi a modificação no sistema de escolha dos membros togados do Conselho que deixaram de ser escolhidos pelos juízes e magistrados (ao menos a metade deles o eram) e passaram a ser escolhidos em sua totalidade pelas Câmaras, por maioria de 3/5. (GARCÍA PASCUAL, 1997) A partir desse momento, a indicação dos juízes e magistrados a comporem o Conselho terá um caráter representativo das forças políticas presentes no parlamento ao invés de um caráter representativo interno, da própria magistratura. Essa sistemática de eleição segue vigente e não foi alterada pelas reformas legislativas posteriores.

As competências em termos de seleção e formação dos juízes passaram a ser compartilhadas com o Ministério da Justiça e a competência regulamentar do Conselho delimitada em apenas assuntos internos, ou seja, atinentes ao seu próprio funcionamento. (ANDRÉS IBAÑEZ; MOVILLA, 1986).

A repartição das competências em termos de seleção e formação dos juízes entre Conselho e Ministério não foi, no entanto, paritária e, de fato, o Ministério ficou com a parte mais significativa, pois restou encarregado do processo de seleção e formação inicial, atribuindo-se ao Conselho funções mais burocráticas ou inócuas, como nomear os juízes que tenham sido aprovados no processo de oposición e de formação inicial e cuidar dos processos de formação continuada. (JIMENEZ ASENSIO, 2001; GONZÁLEZ-CUELLAR, 1988 ).

O órgão que efetivamente deve realizar as provas para a seleção e depois realizar a formação inicial é o Centro de Estudios Judiciales, sucessor da Escuela Judicial criada em 1944 e o decreto que regulamenta a sua atividade em 1986 [25] prevê que ela se desenvolva como colaboração com o Consejo General del Poder Judicial e com o Ministério da Justiça. O centro é, no entanto, adstrito ao Ministério da Justiça. O argumento que se utilizou para justificar a atribuição da competência para a seleção e formação inicial ao Ministério e ao Centro e não ao Consejo foi de que os candidatos à seleção e os alunos do Centro não eram ainda juízes e a competência, segundo o previsto na Constituição, do Consejo era para tratar de assuntos pertinentes aos "juízes". (GONZÁLEZ-CUELLAR, 1988)

Uma avaliação mais detida desse argumento revela seu caráter formalista e, de acordo com Andrés Ibañez e Movilla (1986) e Jimenez Asensio (2001), bem poderia ser visto como uma (falsa) justificativa para uma "punição" imposta ao Poder Judiciário e especialmente ao Conselho por sua contínua crítica ao governo e aos seus mais destacados membros. [26]

De acordo com García Valdés (1987) o diagnóstico sobejamente conhecido das falhas do formato memorístico das provas da oposición fez com que o mesmo decreto de 1986 instituísse exercícios escritos. Os exercícios seriam divididos em duas fases. Na primeira o candidato deveria discorrer sobre três temas sorteados dentre três grupos de matérias: direito civil e mercantil, teoria geral do direito, direito constitucional, direito penal, direito administrativo, direito do trabalho e por fim direito processual. Os escritos preparados seriam em seguida lidos em sessão pública e o candidato responderia às perguntas do tribunal por quinze minutos. O segundo exercício consistiria na redação de dois textos pertinentes a dois casos concretos propostos pelo tribunal, um deles pertinente a direito civil e mercantil e o outro a direito penal. (GONZÁLEZ-CUELLAR, 1988)

Passada a oposição, o candidato ingressaria para um período de formação inicial de caráter teórico e prático, com previsão de estágios orientados em órgãos jurisdicionais. O período de permanência no Centro de Estudios não era regulado nem pela lei e nem pelo decreto, ficando a cargo de uma deliberação conjunta entre Centro de Estudios e Consejo General. As iniciativas de formação continuada também ficavam a cargo do Centro de Estudios e seriam realizadas em regime de colaboração com o Consejo.

A oposición seguia sendo o sistema de ingresso por excelência, mas se introduziam vias de acesso laterais à carreira judicial, com a previsão do tercer turno e do quarto turno, nos quais se permitia um acesso mais significativo de profissionais com experiência e sem passar pelo sistema tradicional da oposición libre, dita livre exatamente porque destinada a todos os formados em Direito. O tercer turno significava a possibilidade de acesso por profissionais que passassem em um concurso de méritos e que comprovassem a experiência profissional de mais de seis anos em atividades jurídicas. Destinava-se a esse meio de acesso um terço das vagas da categoria de juiz, por isso a denominação de terceiro turno. O cuarto turno, por sua vez, era a possibilidade de ingresso na carreira na categoria de magistrado, por profissionais que comprovassem mais de dez anos de experiência jurídica e que passassem em um concurso de méritos. (JIMENEZ ASENSIO, 2001).

O concurso de méritos vinha, por sua vez, regulado como a apresentação de um conjunto de documentos, a serem avaliados conforme parâmetros de pontuação determinados em normativas internas do Ministério da Justiça, e em uma entrevista de duração de até uma hora. Os aprovados no terceiro turno ingressavam no Centro de Estudios e os provenientes do quarto turno diretamente em suas funções. (GONZÁLEZ-CUELLAR, 1988)

Ambas as experiências – o antes inexistente terceiro turno e o reincorporado quarto turno – tiveram pouco sucesso. Como aponta Jimenez Asensio (2001) os velhos fantasmas do clientelismo político, o desenho que se deu ao concurso de méritos previsto na lei e as resistências internas da magistratura fizeram com que uma iniciativa que poderia ter agregado uma interessante característica do modelo anglo-saxão de juiz profissional ao modelo de juiz funcionário acabasse por se transformar em uma confirmação da prevalência da oposición como único meio legítimo para ingresso na carreira judicial.

A reforma legislativa ocorrida em 1994 [27] já tratou de tornar mais rígida a possibilidade de acesso ao terceiro turno, diminuindo as vagas a ¼ das existentes para juiz. O desenho do concurso de méritos foi alterado espelhando fielmente a sistemática tradicional da oposición e constava de um conjunto de temas a serem recitados pelo candidato perante um Tribunal. O temário representava em torno de um terço do temário da oposición libre. Sua natureza memorística, contudo, estava precisamente mantida e reforçada, o que, como aponta Jimenez Asensio (2001) funcionava como medida de dissuasão para os profissionais que teriam de abandonar as suas atividades habituais para dedicarem-se a aprender, de memória, um conjunto de temas.

De toda sorte, a natureza memorística parecia enquadrar-se mal nos pressupostos da instituição do terceiro turno, pois se tratava de incorporar profissionais que pudessem trazer ao corpo judicial sua experiência, a qual, curiosamente, não era avaliada na prova que se fazia de seus conhecimentos. Outro elemento de dissuasão era o fato de que os candidatos aprovados na prova de memória eram integrados à fase de formação inicial em igualdade de condições com os advindos da oposição livre, ou seja, teriam de lá permanecer o mesmo período de tempo realizando atividades com as quais, presume-se, tinham já alguma familiaridade. A natureza memorística foi utilizada, ademais, pelo Tribunal julgador para reprovar a grande maioria dos candidatos, destinando-se as vagas não preenchidas aos advindos da oposição livre, sob o argumento de que os candidatos do terceiro turno não tinham o nível adequado de preparação. Essa realidade significou que, de um ponto de vista prático, como demonstra Jimenez Asensio (2001) o ingresso de candidatos pelo terceiro turno era algo perfeitamente marginal. Tomando como exemplo o número de candidatos que ingressaram na Escuela Judicial para o período de 2001/2003, temos que ingressaram 8 alunos pelo terceiro turno, diante de 288 pela oposição livre. Ao terceiro turno corresponderiam, no entanto, 75 vagas.

Quanto ao quarto turno o diagnóstico de Jimenez Asensio (2001) caminha em uma direção bastante semelhante. A previsão na lei de 1985 era a de que se convocassem concursos de mérito para selecionar os candidatos, sem que se atendesse a nenhum regime de especialidade, ou seja, um candidato que comprovasse experiência em direito do trabalho poderia ser, se aprovado, designado para um posto de magistrado civil ou penal. De outra parte a sistemática de avaliação também pecava, segundo o autor, por uma excessiva formalidade e uma baixa eficiência em avaliar de fato as qualidades do candidato. Em suas palavras, uma sistemática em tudo tributária de uma visão de que concursos de mérito devam ser meritocráticos e realizar-se pela avaliação de um conjunto de "papéis", tornando difícil controlar a sua discricionariedade. O sistema, além disso, prestou-se a não poucos comportamentos clientelistas, reforçando assim as atitudes de rechaço internas à magistratura procedente do sistema de oposição livre.

A lei de 1994 ao tratar do quarto turno procurará racionalizar o ingresso dos candidatos, permitindo que se abra concursos específicos para ordens jurisdicionais específicas, ou seja, por especialidade jurídica, permitindo diminuir a imagem negativa que se havia gerado. O defeito, todavia, segue sendo que não se prevê períodos de formação inicial destinados a integrar o aprovado no concurso ao corpo judicial de maneira mais adequada. (JIMENEZ ASENSIO, 2001)

O regulamento da lei orgânica de 1994, Reglamento 1 de 1995 também abandona a tentativa do decreto regulamentar de 1986 de realizar provas que não sejam orais e de recitação de temas. Nesse sentido o art. 14 do referido regulamento diz que a oposição livre será realizada por meio de dois exercícios teóricos de caráter eliminatório constantes em desenvolver oralmente perante o tribunal temas extraídos de um temário previamente indicado em cada convocatória de concurso. O primeiro exercício consiste em desenvolver um tema de teoria geral do direito e direito constitucional, dois temas de direito civil e dois temas de direito penal, em um tempo de setenta e cinco minutos para os cinco temas, não devendo o candidato dar a nenhum dos temas mais de vinte minutos. O segundo exercício versa sobre temas de direito processual civil, direito processual penal, direito mercantil, direito do trabalho e direito administrativo. Antes do desenvolvimento dos exercícios perante o tribunal, dispõe o regulamento, o candidato terá 30 minutos para preparar-se e, se desejar, realizar algum esquema que pode ter à mão enquanto expõe o tema, mas lhe é vedada a consulta a qualquer material escrito. Dito de outro modo, o referido esquema deve ser feito com recurso exclusivo à memória do candidato.

Quanto ao sistema das provas para os aspirantes ao ingresso pelo terceiro turno, diz o referido regulamento que o tribunal avaliador será o mesmo que julga os candidatos da oposição livre e que a convocatória deve prever a realização primeiro das provas para o terceiro turno e em seguida para a oposição livre, a fim de destinar as vagas não ocupadas aos candidatos da oposição livre. Quanto à seleção propriamente dita, em perfeitamente conformidade ao apontado por Jimenez Asensio (2001) [28], o regulamento prevê um quadro de pontos que devem ser atribuídos pelo tribunal aos dados aportados pelo candidato, bem como prevê a possibilidade de o tribunal dirigir-se aos órgãos nos quais o candidato tenha prestado serviços jurídicos para informar-se sobre seu desempenho, desde que não configure informação sobre a intimidade dos candidatos. Os aprovados nessa fase devem ser então convocados pelo tribunal para uma entrevista na qual se discutirão os dados aportados no currículo, sem que se possa converter em um exame sobre os conhecimentos jurídicos. Os aprovados nessa fase, chamada de concurso, são então convocados para uma oposición que consiste em recitar cinco temas perante o tribunal, escolhidos dentre cem temas previstos na convocatória, em uma sistemática idêntica à da oposición libre.

Outro dado importante da reforma de 1994 será o retorno da competência sobre seleção e formação dos juízes ao Consejo General del Poder Judicial e a previsão de que os candidatos aprovados nas oposições sejam recebidos na Escuela Judicial para um período de formação de dois anos, antes de exercer as suas atividades jurisdicionais [29]. A Escuela Judicial vem qualificada como órgão dependente do Consejo General del Poder Judicial e a ela se atribuem as competências de seleção, formação inicial e formação continuada.

A reforma legislativa efetivada em 2000 [30], por intermédio da Ley orgánica 9/2000 de 22/12, modificará o sistema de acesso à carreira judicial unificando as provas da oposição livre às dos candidatos à carreira de fiscal, sob a justificativa de que muitos dos candidatos prestavam ambas as provas, eram em ambas aprovados e ao optar por uma das carreiras, deixavam vagas em aberto na outra. Após passada a fase da oposição, prevê a lei, os que escolherem a carreira de juiz ingressarão na Escuela Judicial e os que escolherem a de fiscal, no Centro de Estudios Jurídicos de la Administración de la Justicia. A Escuela está vinculada ao Consejo General del Poder Judicial e o Centro ao Ministério de la Justicia. Atendendo ainda aos interesses urgentes de melhorar a prestação dos serviços jurisdicionais a referida lei relativiza o prazo de dois anos de formação inicial, permitindo que seja encurtado. Mantém o terceiro e quarto turno nos termos em que haviam sido desenhados na reforma de 1994 ao não revogar os dispositivos que o regulam.

Por fim, a reforma legislativa encetada a partir da Ley orgánica 19/2003 de 23/12, elimina o terceiro turno, consagrando a oposición libre como o mecanismo de ingresso na carreira na categoria de juiz. Mantém-se o quarto turno para a categoria de magistrado, ao passo que se passa a exigir um período de formação inicial na Escuela Judicial antes de tomar posse de seu cargo.

A ausência de um regulamento como de 1995, tornado inaplicável pela sua inadequação às reformas realizadas pelas sucessivas leis orgânicas de 2000 e 2003, fez com que a regulação específica das provas da oposición esteja sendo realizada por acordos do pleno do Consejo General del Poder Judicial e pelas convocatórias específicas para cada concurso. Assim, a partir da convocatória de 2003 temos, ao invés dos dois exercícios teóricos previstos anteriormente, três exercícios teóricos, todos eliminatórios. O primeiro consiste em um teste no qual os candidatos respondem a um questionário sobre os mesmos temas do segundo exercício, que consiste em uma exposição oral perante o tribunal de cinco temas, seguido de uma outra exposição oral de outros cinco temas e que configura o terceiro exercício, conforme já se previa no regulamento de 1995. A única novidade, portanto, é a incorporação do teste escrito. (VALLS GOMBAU, 2003)

O retrato geral dessa evolução legislativa que procuramos traçar, ainda que de maneira sintética, nos evidencia uma política de seleção e formação bastante instável, cujo grande denominador comum parece ser a presença da oposição como mecanismo acreditado de acesso à carreira e seu caráter memorístico. Notam-se tentativas de introduzir provas menos memorísticas no concurso (como em 1986), mas observa-se também que essas provas logo são substituídas, como se lê claramente no regulamento de 1995, por outras mais tradicionais.

A dificuldade para quem tenta acompanhar as sucessivas reformas legislativas é que, de fato, poucos são os autores que tratam do tema e que entram em detalhes sobre o modo como as provas foram organizadas e quando um formato foi substituído por outro, aduzindo-se às vezes informações contraditórias e de difícil comprovação fática. A percepção do pesquisador que daí decorre é a de se contrastamos a opinião mais ou menos generalizada desde o inicio do século XX de que o formato das provas não era o adequado com a ausência de registros de sua modificação efetiva, temos uma situação em que o predomínio, ao fim e ao cabo, coube às provas memorísticas, se não enquanto norma, ao menos enquanto prática.

Deve-se observar também que a legislação previa desde a LOPJ de 1985 (e prevê até hoje) as formas de ingresso direto na categoria de magistrado das salas de Direito Civil e de Direito Penal dos Tribunais Superiores de Justiça [31] e do Tribunal Supremo aos juristas de reconhecido prestigio e com um período de experiência profissional que é de 10 anos no primeiro caso e de 20 anos no segundo. A eleição desses candidatos fica a cargo do Consejo General del Poder Judicial e, no caso dos candidatos aos Tribunais Superiores de Justiça o Conselho o faz com base em lista tríplice apresentada pela Assembléia Legislativa da respectiva Comunidade Autônoma. As vagas a serem preenchidas correspondem a um terço das vagas existentes na sala. Quanto aos candidatos ao Tribunal Supremo, as vagas correspondem a um quinto das vagas existentes na sala a que se destinam e quem escolhe é o pleno do Consejo General.

Uma visão geral das formas de ingresso na magistratura espanhola após a Ley orgánica del Poder Judicial de 1985 nos daria um quadro composto por várias formas de acesso, o que, no entanto, resulta falso, conforme expõe Jimenez Asensio (2001), na medida em que a grande maioria dos juízes espanhóis ingressou e segue ingressando na carreira pela oposición. Estima-se que entre 10 e 15% dos juízes espanhóis tenham ingressado por uma via de acesso alternativa à oposición.


6. Conclusões

A análise que fizemos demonstrou que a observação inicial de que o sistema de seleção da magistratura espanhola inseria-se no modelo do juiz funcionário, também chamado de modelo burocrático, encontra perfeito respaldo na realidade.

Mais do que respaldada na realidade, a afirmação inicial pode agora ser melhor compreendida se verificamos que as tentativas de introduzir mecanismos de ingresso lateral, recrutando profissionais já experimentados, teve e tem uma presença secundária no sistema espanhol. A resistência à incorporação de profissionais que não tenham sido avaliados pelo mecanismo tradicional da oposición é, sem dúvida, uma das características marcantes e persistente no tempo.

Do mesmo modo, o outro traço marcante do sistema, em perfeita consonância com o modelo burocrático de recrutamento, é a firme presença da oposición libre como mecanismo de seleção. Se esse é um denominador comum dos sistemas que partilham o modelo, no caso espanhol ele vem acrescido do caráter memorístico, firmemente incrustado na tradição. As tentativas de introduzir elementos mais práticos ou provas de caráter reflexivo/discursivo foram, com maior ou menor demora e publicidade, abandonados em nome da objetividade que o sistema de provas orais perante um tribunal supõe garantir. O modelo de provas orais é, assim, a marca saliente do sistema espanhol e se recebe críticas desde praticamente a sua criação, como vimos, também resiste bravamente aos intuitos de mudança e mesmo de discussão.

A assimilação histórica que parece ter ocorrido é entre a objetividade (e consequentemente a ausência de práticas clientelistas) e o sistema de provas orais, meramente "cantadas". De um modo mais ou menos difuso, permeia a prática da oposición a idéia de que se a banca examinadora for liberada para realizar questionamentos, poderia haver o favorecimento ou a perseguição aos candidatos avaliados. A idéia de um monólogo com conteúdo praticamente predeterminado não é, assim, gratuita, mas se ampara na perspectiva de que se todos "cantarem" os temas de modo semelhante, serão escolhidos os melhores, sem favorecimentos indevidos.

A ausência de qualquer experiência prática anterior ao ingresso na magistratura confirma que o perfil do juiz que ingressa na carreira, produzido pelo modelo de seleção, é o de um jovem inexperiente, consubstanciando assim outro dos traços marcantes do modelo burocrático.

Em síntese, cabe dizer que a história do modelo de seleção espanhol avaliada como conjunto nos mostrou que, apesar das mudanças políticas, econômicas e sociais pelas quais a Espanha passou, incluindo-se aí uma transição política para a democracia e o ingresso na União Européia, a fórmula inicial, criada em 1870, continua praticamente intocada. Um peso maior, sem dúvida nenhuma, foi dado nos últimos anos à formação inicial, mas, em compensação, a sistemática das provas orais memorísticas permanece firmemente estabelecida.

Sem dúvida, se poderia pensar que as provas orais memorísticas cumprem um papel importante, pois obrigam o candidato, como vimos, a memorizar as informações necessárias para localizar as normas jurídicas no sistema e a desenvolver a segurança necessária para enfrentar o tribunal avaliador. A pergunta chave, no entanto, é se essa concepção de que o Direito constitui um conjunto de normas, topograficamente localizadas e de sentido literal, é a concepção adequada para um operador jurídico que maneja o sistema jurídico contemporâneo. As críticas realizadas ao formalismo e ao positivismo normativista nas últimas décadas, põem pelo menos uma sombra de dúvida em uma resposta prontamente afirmativa à questão. De outra parte e em sentido muito mais prosaico, a memorização encontra um limite claro: a quantidade de alterações legislativas e de normas que compõem o ordenamento jurídico em contínua expansão. Por fim, as decantadas habilidade e segurança para enfrentar o tribunal avaliador, dado o caráter eminentemente oral da prova, são, sem dúvida, importantes, mas seriam melhor avaliadas se o candidato fosse submetido ao questionamento do tribunal e não apenas se limitasse a "cantar" os temas sorteados.

Se a formação inicial na Escuela Judicial visa especificamente proporcionar aos novos juízes a condição de atenderem aos exigentes requisitos constitucionais, é contraditório exigir-lhes, até o momento em que ingressam na Escuela, que se preparem e comportem como juízes do século XIX.

O exame das reformas legislativas pertinentes ao nosso tema produz a sensação de que não havia um projeto claro de adaptação do Poder Judiciário ao regime político democrático durante a transição, o que desembocou em uma Constituição com aspectos bastante avançados ao lado de dispositivos francamente conservadores. Essa indefinição ou indecisão em modificar estruturas de poder internas ao Poder Judiciário parece estar presente como elemento de fundo nas subseqüentes regulamentações infraconstitucionais e poderia ser utilizada como hipótese explicativa do por que não se alterou significativamente o sistema de seleção após a transição democrática. De um modo sintético poderíamos dizer que não parece ter havido e nem existir hoje um projeto claro sobre como deve ser o Poder Judiciário e, menos ainda, como se recrutam os seus membros para que os objetivos sejam atendidos. Nem os partidos políticos de esquerda e nem os de centro-direita poderiam ser diferenciados substancialmente pelo teor de reformas que intentaram, se cruzamos as modificações introduzidas na legislação do Poder Judiciário ao longo dos últimos anos com o partido que detinha a maioria parlamentar no momento da reforma.

Essa ausência de projeto se desdobra quando examinamos o tratamento dado às questões pertinentes ao nosso tema, em duas constantes: a manutenção do sistema pela não introdução de medidas radicais e as reformas para modificar aspectos pontuais que resultam incômodos política ou praticamente.

O tratamento dado ao Consejo General del Poder Judicial reflete bem o que estamos procurando apontar. O seu primeiro desenho institucional baseado na idéia de que deveria ser um órgão de auto-governo, a fim de evitar as ingerências indevidas do Poder Executivo, contava com mecanismos efetivos de representação dos juízes. Com uma característica ainda assim hierárquica e em certa medida centralizadora do poder nas mãos dos escalões mais conservadores da magistratura, mas com um matiz de representatividade que é eliminado em 1985 ao ser instituída a escolha dos seus membros integralmente pelo Parlamento. Nenhuma das reformas posteriores alterou esse quadro, nem há qualquer proposta ou debate neste sentido. A mudança ocorrida na fórmula de escolha dos membros do CGPJ é avaliada pelos participantes do sistema jurídico como uma espécie de punição ao Poder Judiciário e ao próprio Consejo que se mostrara demasiado incômodo politicamente.

Um exemplo de correção de disfunções práticas pode ser buscado na unificação das provas da seleção de juízes e fiscales, abstraindo as diferenças entre suas funções em nome do preenchimento de vagas mais rapidamente e sem aumento de custos.

Por outro lado, como bem lembra Perfecto Andrés Ibañez (2006), é certo que um Poder Judiciário não se faz apenas de elementos estruturais e organizativos. Uma cultura da jurisdição se faz presente, complementando e explicando como se devem realizar as atividades da prática jurídica. Nesse sentido, o modelo napoleônico de juiz burocrático do qual é tão tributário o sistema espanhol, não se faz apenas da regulação jurídica da sua organização, mas da cultura da qual provém e para a qual é ou não funcional. Reformar as instituições significa, em certa medida difusa e indireta, pensar em como se muda uma cultura institucional.

Se seguirmos essa direção e voltarmos o olhar para a história que contamos nas páginas precedentes, podemos pensar que o modelo de seleção revela em praticamente todos os seus traços concretos uma perfeita compatibilidade com a produção de um juiz adequado a um modelo de Direito e de função jurisdicional legalista e conservadora. Para permanecer na terminologia que utilizamos acima seguindo a Andrés Ibañez (2006), uma cultura da jurisdição que não privilegia a justificação da decisão judicial, que vê o juiz como um ser a parte e que deve manter-se assim, com um traço autoritário que se mostra de múltiplas formas na sua atuação prática e com uma concepção de seu papel como a de um aplicador da letra da lei que expressa a sua vontade em uma linguagem hermética.

Parece pertinente pensar, neste sentido, que a oposición libre em sua caracterização memorística, seus preparadores e seus candidatos de vida quase monástica, joga um papel não depreciável na produção dessa cultura. Os meses de formação inicial na Escuela Judicial talvez não sejam suficientes para contrariar esses traços, que, ademais, tem um lastro na cultura jurídica. É oportuno perguntar-se, por exemplo, se o tipo de preparação, derivado do tipo de prova que se faz para o concurso, não traz consigo uma cultura que não favorece a independência pessoal do futuro juiz, pois o obriga, durante um período considerável de tempo, a preparar-se para "não-pensar" e repetir. Se a relação preparador/candidato, tão típica do sistema, não traz consigo uma socialização profissional para o futuro juiz na qual predomina a relação de subordinação com traços autoritários. Se, por fim, o isolamento a que se submete o candidato não implicará em um certo distanciamento da própria Sociedade em que vive e atuará, como juiz.


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SAINZ GUERRA, Juan. La administración de Justicia en España (1810-1870). Madrid: Eudema, 1992.

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Notas

01 Ressaltando as implicações teóricas e práticas de pesquisas sobre essa temática, afirma Di Federico, 2005, p. V: "A research on the functioning of recruitment, professional evaluation, career, and discipline of judges and prosecutors in different countries has both scientific and practical implications. In analyzing and comparing those features in various judicial systems, the values of independence and impartiality are in many ways revealed in their multifaceted aspects. In fact, the higher the actual guarantees of professional qualifications in the various systems, the higher also are the guarantees of independent and impartial behaviour of the judge (insofar as his technical preparation and his deeply rooted professional values make him far less likely to be receptive to improper external influences)."

02 Neste sentido, afirma Guarnieri, 2001, p. 26-27: "En efecto, aunque es verdad que no existe una relación estrecha entre características socioeconómicas, actitudes de los jueces y sus decisiones, los mecanismos de reclutamiento condicionan de todos os modos las características generales del cuerpo judicial, el tipo de juez e en definitiva la concepción del papel de este último que tiende a prevalecer dentro de la magistratura (MURPHY y TANENHAUS, 1972; GIBSON, 1983). Sobre todo, puesto que en los regímenes democráticos los jueces tras ser designados gozan de garantías de independencia cada vez mayores, su comportamiento depende cada vez menos de la influencia del gobierno o de los superiores jerárquicos y cada vez más de la concepción que se tenga del propio papel y en general de los valores que tienden a compartir. Por ello en estos términos se puede decir que las modalidades de reclutamiento de los jueces influyen en sus decisiones."

03 Para auxiliar a visualizar melhor as implicações do modelo, pode-se utilizar a idade media dos ingressantes na magistratura, a qual se encontra na Inglaterra entre os 50 e os 60 anos e nos Estados Unidos, ao menos para a magistratura federal, mais prestigiada e importante do ponto de vista do sistema judicial, é menor do que na Inglaterra mas consideravelmente mais alta do que nos países da Europa continental. A respeito, vide Pederzoli e Guarnieri, 1999, p. 37-38.

04 A propósito dessa característica, afirma Iñaki Agirreazkuenaga, 2004, p. 12: "Sin embargo, desde la perspectiva del sistema de nombramiento o elección de los jueces hay una clave que se repite de modo constante en los modelos de corte anglosajón, y es la exigencia de una variada y sólida experiencia práctica a todos quienes vayan a ejercer funciones judiciales."

05 Para a reconstrução do ideário revolucionário francês sobre o papel e os limites do Poder Judiciário, vide García Pascual, 1997, especialmente p. 09-113.

06 Segundo Andrés Ibáñez e Movilla Alvarez, 1986, p. 41: "La Constitución del año VIII (1799) abandona el sistema de reclutamiento de los jueces por sufragio, para optar por la designación gubernamental y su organización burocrática como ‘carrera’. Por otra parte, como ha escrito Calamandrei, ‘poco a poco, inconscientemente, el Tribunal de Casación, creado como órgano de control negativo, puesto al margen del ordenamiento judicial, se transforma en un órgano jurisdiccional, colocado en la cúspide de las jerarquías judiciales, como regulador positivo de la jurisprudencia.’. ‘El proyecto, en vano perseguido por la monarquía absoluta, encontró por el contrario – a juicio de Giuliani y Picardi – una completa realización en la legislación napoleónica’, y ello se hizo posible mediante la reorganización de los jueces de acuerdo con el modelo burocrático como cuerpo de funcionarios, concentrando en el ejecutivo los mecanismos de selección y avance profesional, y estableciendo el correspondiente dispositivo disciplinario. Estructurando a la magistratura en ‘une série d’echelons…, quelque peu analogues à ceux que l’on recontre dans l’armée.’.

07 Para uma descrição detalhada das características do sistema de Administração da Justiça na Espanha no antigo regime e nos primórdios do período liberal, veja-se Sainz Guerra, 1992.

08 A história espanhola desse período foi bastante conturbada politicamente, com uma luta constante entre o absolutismo monárquico e o liberalismo que começava a nascer. A Constituição de 1812, nascida durante o período em que o país lutava militarmente para expulsar as tropas de Napoleão, teve uma vida curtíssima e não chegou a ser aplicada. Para os detalhes da vida constitucional espanhola desse período, vide Sole Tura e Aja, 1980.

09 A respeito, afirma Jiménez Asensio, 2001, p. 128: "En efecto, como es sabido, las prácticas y modos del primer liberalismo español estarán preñadas de clientelismo, pero tales patologías no se detendrán drásticamente, ni mucho menos, en los inicios del sexenio revolucionario, sino que se desplegarán durante varios años más con intensidad variable. La acusada politización del sistema judicial español no será, por tanto, arrumbada de un día para otro, sino que requerirá una cirugía lenta y unos cuantos años (cuando no decenios) de convivencia, más bien incómoda, entre el viejo sistema y el nuevo modelo que se diseñaba en el horizonte."

10 De acordo com Sainz Guerra, 1992, p. 284: "El respeto por las incompatibilidades, sin embargo, fue escaso a lo largo de toda la época liberal, primordialmente porque existía la conciencia de que una mayor o menor rigidez en las mismas no afectaba a la independencia judicial. Por esta razón, el foro y la política fueron generalmente oficios vinculados a una misma persona, sin desdoro de ninguno de ellos y a pesar de las leyes."

11 A maneira mais sintética de definir esse período, de acordo com Sainz Guerra, 1992, p. 114: "Inamovilidad, sí; pero, cómo y cuando el Gobierno dispusiera." Relata ainda o autor que no período compreendido entre novembro e dezembro de 1856 foram afastados 174 juízes e se comparamos este número (somado ao de uma depuração de 1857) com o da totalidade dos juízes existentes, temos a conclusão de que pelo menos a metade do corpo judicial foi substituída.

12 O artigo 94 da referida constituição previa:

"El Rey nombra a los jueces y magistrados a propuesta del Consejo de Estado y con arreglo a la Ley Orgánica de los Tribunales. El ingreso en la carrera será por oposición.

Sin embargo, el Rey podrá nombrar hasta la cuarta parte de los magistrados de las Audiencias y del Tribunal Supremo sin sujeción a lo dispuesto en el párrafo anterior ni a las reglas de la Ley Orgánica de los Tribunales; pero siempre con audiencia del Consejo de Estado y dentro de las categorías que para estos casos establezca la referida Ley."

13 Encontramos, no entanto, uma variação constante entre a presença e a ausência da prova escrita, com a firme presença, no entanto, de um caráter memorístico. É difícil rastrear, já que a bibliografia não explicita, quantas vezes a prova escrita foi implantada e retirada. O resultado final, no entanto, parece não alterar o quadro descrito acima, tendo-se em vista que a natureza dos dois momentos, oral e escrito, poderia ser bem descrita como de caráter abstrato (ou seja, não parecem ser casos práticos) e memorístico.

14 São designados de "fiscales" os membros do Ministério Público espanhol.

15 Segundo os defensores do sistema essa preparação longa e dura produziria uma série de virtudes morais, como expressa De Miguel Garcilopez, 1973, p. 13: "Por otra parte – y sobre esto podría testificar fehacientemente la experiencia de los preparadores – el mero hecho de someterse a la preparación en serio, durante años, de las oposiciones de ingreso, con los sacrificios de todo orden inherente a este duro noviciado, para concurrir, como final, a una rigurosa y leal competición, de resultados nunca predecibles con certeza, presupone, por lo general, en este "Cuerpo de opositores"(…) vocación, rectitud y temple nada endebles que, por ello, no parecen reclamar demasiados desvelos moralizadores o mentalizadores, prodigables en las horas disponibles en la Escuela (…)"

16 Assim se manifesta, num teor que se encontra repetidamente em uma parcela significativa dos juristas espanhóis, Garcia, 1927, p. 61: "El ingreso en la carrera exclusiva y precisamente mediante rigurosa oposición es imprescindible, y se funda esta exigencia en que la oposición es la única forma liberal y democrática, por que a ella pueden ir todos los abogados, si reúnen las circunstancias que la Ley determina, tengan influencia o carezcan de ella. Por esto la oposición siempre será el procedimiento menos malo; pero si es rigurosa, ante tribunal imparcial y reto, es el mejor de todos los sistemas (…)"

17 É de se notar, no entanto, como descreve Andrés Ibañez (1988) que o controle do regime franquista sobre a magistratura não se baseava simplesmente em cooptação baseada no conservadorismo dos integrantes do Judiciário, mas em um conjunto bastante amplo de medidas de controle, que incluíam desde a depuração dos indesejáveis, a obrigatoriedade de prestar juramente de fidelidade ao Caudilho, os informes (ademais secretos) de idoneidade e o controle dos cargos de administração da carreira pela nomeação política dos magistrados dos tribunais superiores, a quem cabia o controle disciplinar e de ascensão profissional dos demais juízes, a criação de tribunais de exceção e em razão da matéria etc.

18 O autor refere-se ao grupo de juízes que, no final dos anos sessenta, criou um movimento que seria conhecido como Justicia Democrática. Para uma descrição detalhada desse período e do contexto de confrontação, inclusive com sanções disciplinarias, enfrentada pelos participantes do movimento, consulte-se Andrés Ibañez, 1988, p. 59-86.

19 O texto constitucional, art. 122, prevê que o Conselho será composto pelo Presidente do Tribunal Supremo, que o presidirá, e por vinte membros nomeados pelo Rei por um período de cinco anos. Destes vinte, doze escolhidos dentre juízes e magistrados de todas as categorias judiciais, nos termos em que estabeleça a lei orgânica; quatro mediante proposta do Senado e quatro mediante proposta do Congresso de Deputados, eleitos por maioria de 3/5 de seus membros entre advogados e juristas que gozem de reconhecida competência e com mais de 15 anos de exercício de sua profissão. O seu desenho institucional, como se reconhece de modo pacífico, foi inspirado na experiência italiana do Consiglio Superiore della Magistratura. Sobre isso, veja-se GARCIA PASCUAL, 1997, p. 181-280.

20 Uma discussão que evidencia a imagem falsamente simples que se pode ter da aplicação do Direito segundo um sistema de fontes aparentemente fixadas hierarquicamente pode ser encontrada em AGUILÓ REGLA, 2000.

21 Para esse ponto, veja-se LIFANTE VIDAL, 1999.

22 O regime de cooficialidade lingüística significa que o cidadão tem o direito de receber os serviços públicos em ambas as línguas. Como o sistema de administração da justiça é nacional e os juízes são recrutados em bases nacionais, nem sempre o juiz que está em uma comunidade em regime de cooficialidade lingüística é capaz de realizar os atos necessários na língua que não seja o espanhol. Prevendo isso a LOPJ afirma o espanhol como língua oficial e permite a realização de atos em outra língua desde que não haja oposição de nenhuma das partes que alegue cerceamento de seu direito de defesa. (art. 231 da Ley orgánica del Poder Judicial de 1985)

23 Descrevendo esse momento, Andrés Ibañez e Movilla, 1986, p. 75: "Ciertamente el solo hecho de afrontar en el plano ‘técnico’ la realidad de un complejo institucional de esa índole, diseñado más de cien años antes, con objeto de adecuarlo a un nuevo marco constitucional y sociológico, sugiere claramente un alto índice de problematicidad. Cuando una cuestión de ese género tiene que ser abordada, además, sin el antecedente de una seria reflexión teórica-doctrinal al respecto – que como se sabe ha faltado en nuestro país -, con el soporte de unas previsiones presupuestarias que sitúan el nivel de respuesta posible muy lejos de las necesidades reales, y en un contexto político de franca dishomogeneidad entre la mayoría gobernante y la inmensa mayoría de los operadores del sector de la institucionalidad estatal a transformar, no debe causar extrañeza que el índice del conflicto se dispare. Como efectivamente sucedió."

24 Para uma história detalhada dos debates e da tramitação da lei de 1985, vide Andrés Ibañez e Movilla, 1986, p. 75-95.

25 Os detalhes organizacionais internos ao Centro de Estudios Judiciales podem ser obtidos em González-Cuellar, 1988.

26 Durante a preparação dessa primeira reforma da lei orgânica do Poder Judiciário estava no governo da Espanha o Partido Socialista Espanhol, que governou de 1982 a 1996. A primeira lei orgânica, de 1980, havia sido feita sob o governo da Unión de Centro Democrático, partido de centro-direita que governou de 1975 a 1982 realizou a transição até a primeira eleição democrática em 1982.

27 A reforma se fez através da Ley orgânica 16/1994 de 08/11. Pode ser consultada em www.poderjudicial.es.

28 Confirmando a opinião de Jimenez Asensio (2001) Valls Gombau, 2003, p. 475: "Este segundo sistema o tercer turno de concurso-oposición, en la práctica, se ha convertido en un ingreso lateral con un temario reducido cuya subsistencia, en la actualidad, carece de sentido y así se comprueba con el número de ingresados, a diferencia de otros ingresos laterales como el cuarto y quinto turno, para el acceso de juristas de reconocido prestigio en la categoría de Magistrados y Magistrados del Tribunal Supremo.

29 A exposição de motivos da referida lei deixa bastante clara a sua intenção de atender ao solicitado pelo Conselho em diversas oportunidades. Para ver a exposição de motivos pode-se consultar o texto completo da lei no site www.poderjudicial.es

30 A reforma de 2000 será feita sob a égide do Partido Popular, de centro-direita, que governará a Espanha no período de 1996 a 2004.

31 Os Tribunais Superiores de Justiça são órgãos jurisdicionais com competências específicas e, via de regra, com sede na capital das Comunidades Autônomas. Funcionam como ultima instância para algumas causas e como primeira instância para causas que supõem foro privilegiado para as autoridades das comunidades autonomas. A respeito, vide Damián Moreno, 2004, especialmente p. 103-106.


Autor

  • Claudia Rosane Roesler

    Claudia Rosane Roesler

    doutora em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, pós-doutora pela Universidade de Alicante (Espanha), professora dos cursos de Graduação em Direito, Mestrado Acadêmico em Ciência Jurídica e Mestrado Profissionalizante em Gestão de Políticas Públicas da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI/SC) e da Graduação em Direito do Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (CESUSC)

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROESLER, Claudia Rosane. Seleção e formação de juízes. O caso espanhol em perspectiva histórica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1571, 20 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10536. Acesso em: 3 maio 2024.