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A prisão provisória no direito comparado

A prisão provisória no direito comparado

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Um tema que sempre despertou e sempre despertará profundos debates refere-se à admissibilidade da prisão provisória no processo penal - entendido esse termo, aqui, simplesmente como a prisão antes de condenação definitiva.

Tem sido constante, principalmente nos últimos anos, um intenso embate entre um grupo que defende a limitação ao máximo da admissibilidade da prisão provisória (senão a sua própria extinção), e uma outra corrente que procura manter ou ampliar os seus contornos atuais.

É muito fácil auto-afirmar-se fonte da verdade ou das boas virtudes e, partindo dessa premissa (e só dela), concluir serem infestas as pessoas que defendam ponto de vista diverso. Essa atitude reduz o debate científico a um maniqueísmo infantil, manietando-o como se só duas posições fossem possíveis [01]. Atitudes como essa, cada vez mais freqüentes hoje em dia, não contribuem para o aperfeiçoamento do sistema processual penal. Para esse fim, considero mais prudente seguir os ensinamentos de Aristóteles (sua idéia de "justo meio", em Ética a Nicômaco) ou do próprio budismo (noção tradicional do "Caminho do Meio"), no sentido de que se deve procurar a harmonização dos extremos, encontrando em cada um o que de melhor há. [02]

De qualquer forma não constitui objeto do presente trabalho a análise crítica da prisão provisória. O que motivou esse artigo foi apenas o desejo de situar o tema no direito comparado, até para que não se importem teses alienígenas de forma capenga, como estão fazendo doutrinadores e aplicadores do direito, sem qualquer conhecimento do universo em que inseridos. A propósito da importação de modelos estrangeiros, expôs José Carlos Barbosa Moreira em seu notável artigo O futuro da Justiça: alguns mitos, no tópico que ele denomina Terceiro mito: supervalorização de modelos estrangeiros: "A dois pressupostos, segundo penso, devem subordinar-se as operações de importação. Primeiro, cumpre examinar a fundo o modo como na prática funciona o instituto de que se cogita no país de origem [...] O segundo pressuposto é o convencimento, fruto de reflexão tanto quanto possível objetiva, de que a pretendida inovação é compatível com o tecido do ordenamento no qual se quer enxertá-la." [03]. Uma singela contribuição para que não nos afastemos do primeiro parâmetro indicado é o que se pretende fazer a seguir.


A) Alemanha

Na Alemanha [04], admite-se que qualquer pessoa realize a prisão em flagrante de alguém surpreendido cometendo um delito, se houver risco de fuga ou não for possível identificá-lo imediatamente (§ 127, I, StPO - Strafprozeßordnung). O membro do Ministério Público e as autoridade policias poderão nesses casos determinar a prisão se satisfeitos os pressupostos da prisão provisória (§ 127, II), quando o tempo necessário à obtenção de ordem judicial puder comprometer as investigações.

A prisão provisória (Untersuchungshaft) não será cabível quando desproporcional ao crime ou à pena que provavelmente será imposta (§ 112, I, StPO). Ela pode ser decretada por um juiz em qualquer momento do processo ou da fase investigatória se existir um alto grau de probabilidade de que o suspeito cometeu um crime e se estiverem presentes todos os pressupostos de punibilidade e condições de procedibilidade. É necessária ainda a presença de algum dos seguintes motivos: a) o suspeito fugiu ou se escondeu (§ 112, II, 1, StPO); b) consideradas as circunstâncias do caso, concluir-se que há o risco de o acusado evadir-se - risco de fuga [05] (§ 112, II, 2, StPO); c) a conduta do acusado provoque sérias suspeitas de que ele vá, pessoalmente ou por terceiros: c.1) destruir, remover, suprimir ou falsificar provas (§ 112, II, 3, "a", StPO); c.2) indevidamente influenciar co-acusado [06], testemunhas ou peritos (§ 112, II, 3, "b", StPO); d) se existir perigo de que a descoberta da verdade se torne mais difícil - risco de obstrução do procedimento (§ 112, II, 3, "c", StPO).

Quando se tratar de organizações terroristas (§ 129a, I, StGB - Strafgesetzbuch), homicídio (§ 211, StGB), homicídio culposo (§ 212, StGB), genocídio - extermínio de membros de uma nação ou de um grupo racial ou religioso (§ 220, I, StGB), lesão corporal grave (§ 226, StGB) e incêndio qualificado por graves lesões ou pelo resultado morte (§ 306b e 306c, StGB), a prisão poderá ser decretada ainda que não estiverem presentes as razões anteriormente mencionadas conforme previsto no § 112, III, do StPO. Não obstante, mesmo em tais crimes, vem-se interpretando esse dispositivo no sentido de ser necessária a presença do motivos anteriormente mencionados, mas apenas em grau de intensidade menor [07].

A prisão não poderá durar mais do que seis meses pelo mesmo fato [08] sem que o réu tenha sido julgado e condenado, salvo se existirem dificuldades especiais, se a investigação for complexa ou se estiver presente alguma outra razão importante ("anderer wichtiger Grund") a impedir o julgamento (§ 121, III, StPO). Esse prazo pode ser prorrogado pelo Tribunal Superior do Land, depois de ouvido o acusado e o seu defensor, com reavaliações a cada três meses (§ 122, StPO). Ressalte-se que o prazo de seis meses fica suspenso enquanto não apreciado o pedido de prorrogação pelo Tribunal Superior do Land (§ 121, (3), StPO). Nos crimes mencionados no parágrafo abaixo, a prisão não poderá ultrapassar em nenhuma hipótese o prazo de um ano (§§ 112a e 122a, StPO).

Constitui também fundamento para a decretação da prisão a existência de fortes indícios de que o acusado cometeu determinados delitos contra a liberdade sexual (§§ 174, 174a, 176 a 179, StGB) ou que é reincidente no cometimento dos delitos de grave perturbação da ordem pública (§ 125a, StGB), contra a integridade corporal (§§ 224 a 227, StGB), furto qualificado (§§ 243 e 244, StGB), roubo em suas diversas modalidades (§§ 249 a 255, StGB), receptação (§ 260, StGB), estelionato (§ 263, StGB), incêndio simples (§ 306, StGB) e assalto a motorista de veículo (§ 316a, StGB), ou determinados delitos previstos na lei de drogas (Betäubungsmittelgesetzes), aliados a convergência de fatos que indiquem que ele cometerá novamente infrações dessa espécie (§ 112a, StPO). A prisão para evitar a reiteração, consoante prevista no § 112a, é subsidiária. Se estiverem presentes os pressupostos do § 112 e não se encontrarem atendidas as condições para a suspensão da ordem, é inadmissível a invocação do § 112a.

Em qualquer caso, realizada a prisão, o preso deverá ser conduzido à presença do juiz até o dia seguinte em que foi detido (§§ 115 e 115a, StPO). O juiz poderá suspender a execução da prisão quando, decretada diante do risco de fuga, outras medidas forem suficientes ao fim visado, como a obrigação de apresentação periódica, a proibição de ausentar-se sem autorização ou de sair de sua residência desacompanhado de uma pessoa designada. Se decretada a prisão pelo risco de influência na colheita de provas, poderá a sua execução ser suspensa se indicarem as circunstâncias que outras medidas eficazes puderem ser adotadas, como a ordem de não manter contato com o co-acusado, com as testemunhas e com o perito. Quanto à prisão decretada com base no § 112a do StPO, deixa-se um cláusula aberta a autorizar a sua suspensão consistente na existência de expectativas de que orientações ao acusado e as circunstâncias indicarem que o fim para o qual a prisão foi decretada será observado (§ 116, StPO). Também se permite a suspensão da prisão mediante fiança (§ 116, StPO).


B) Espanha

Em cumprimento à orientação do Tribunal Constitucional, que desde o ano de 2000 advertira o legislador da necessidade de adequar a Ley de Enjuiciamiento Criminal - LECrim - às exigências constitucionais [09], foi aprovada na Espanha em outubro de 2003 a Lei Orgânica nº 13, modificando a regulamentação da previsão provisória [10]. Com isso, o art. 503 da LECrim passou a exigir a ocorrência de três pressupostos para a decretação da prisão provisória: 1º) pressuposto subjetivo - a existência de motivos suficientes que levem à convicção de que a pessoa contra a qual se decretará a prisão seja a autora do delito (art. 503, 1.2); 2º) pressuposto objetivo - que o fato corresponda a um crime punido com pena máxima igual ou superior a dois anos [11], ressalvadas as seguintes exceções, nas quais a pena máxima pode ser inferior a esse patamar: a) se o acusado tiver antecedentes não cancelados e não suscetíveis de cancelamento, derivados de delitos dolosos (art. 503, 1.1); b) se houver risco de fuga, aferido pela existência de pelo menos dois mandados de chamamento e busca contra o acusado expedidos nos dois últimos anos (art. 503, 1.3, "a", infra); c) quando se busque evitar que o acusado ofenda bens jurídicos da vítima, em especial quando se trate de violência doméstica (art. 503, 1.3, "c"); d) quando se objetive evitar o risco de reiteração de delitos pelo acusado, em especial quando se inferir através dos seus antecedentes, de informações fornecidas pela polícia judiciária ou da própria autuação, que ele venha atuando sistematicamente com outras pessoas de forma organizada ou quando se tratar de reiteração habitual de crimes; 3º) pressuposto teleológico - os fins perseguidos com a medida seja constitucionalmente legítimos, a saber, tenham o fim de impedir a fuga do acusado [12], evitar a ocultação, a alteração ou a destruição de fontes de prova, frustrar a reiteração delitiva ou impedir a ofensa a bens jurídicos da vítima, em especial no caso de violência doméstica.

Segundo o art. 504 da LECrim, a prisão provisória durará o tempo imprescindível a alcançar os objetivos por ela perseguidos e enquanto persistirem as razões que levaram à sua decretação. Estabelece em seguida que se a prisão for decretada: 1) para evitar o risco de fuga ou que o acusado atue contra bens jurídicos da vítima, ou ainda para impedir a reiteração delitiva, terá duração máxima de um ano se ao delito for cominada pena igual ou inferior a três anos ou, no caso de estar prevista pena superior a três anos, poderá durar no máximo dois anos; 2) para impedir a ocultação, a alteração ou a destruição de fontes de prova, terá duração máxima de seis meses (art. 504, 2). As dilações que não forem causadas pela Administração da Justiça não serão computadas para efeito de contagem do prazo máximo da prisão provisória (art. 504, 5). Em audiência específica com a presença das partes, os prazos de duração máxima poderão ser prorrogados, por um única vez, por dois anos, se a pena do delito for superior a três anos, ou por até seis meses, se cominada ao crime pena igual ou inferior a três anos. Quando proferida a sentença condenatória contra o réu, a prisão provisória poderá ser prorrogada até a metade da pena que lhe foi imposta na sentença, se contra ela foi interposto recurso (art. 504, 2, infra). Nesse caso, porém, entende-se que a prorrogação não é automática, devendo ser motivada. A concessão de liberdade por terem sido excedidos os prazos máximos de duração da medida não impedirá que novamente se decrete a prisão do acusado se ele, sem motivo justo, deixar de comparecer a qualquer ato do processo (art. 504, 4).

Hipótese peculiar prevista na Ley de Enjuiciamiento Criminal refere-se à exigência, salvo para ser concedida liberdade provisória sem fiança, de convocação de uma audiência especial no mais tardar setenta e duas horas a partir do momento em que efetuada a detenção [13] do acusado. Também será designada a audiência quando não se verificar a detenção do acusado, com o fim de decretar a sua prisão ou a liberdade provisória com fiança (art. 505, 1). À audiência deverão comparecer o membro do Ministério Público ou as outras partes acusadoras e o acusado, assistido do defensor constituído ou nomeado em seu favor. Se o Ministério Público ou outra parte acusadora pedir a decretação da prisão preventiva ou a concessão de liberdade provisória com fiança, as partes presentes poderão formular alegações ou propor provas que deverão ser colhidas no ato se não o foram nas setenta e duas horas anteriores à audiência (art. 505, 3). Em seguida, decidirá o juiz. Se não solicitadas pela acusação a prisão provisória ou a imposição de fiança, o detido deverá ser posto imediatamente em liberdade (art. 505, 4). Se por qualquer razão a audiência não puder ser celebrada, o juiz poderá determinar a prisão provisória, se presentes os seus pressupostos, ou impor liberdade provisória com fiança, mas deverá em seguida, dentro de setenta e duas horas, convocar nova audiência nos termos mencionados (art. 505, 5).

Está também prevista uma modalidade de prisão provisória que se assemelha à nossa prisão temporária. Trata-se da prisión incomunicada, que pode ser decretada pelo tribunal ou pelo juiz de instrução e que tem por fim evitar que se subtraiam da ação da justiça pessoas supostamente envolvidas nos fatos investigados, ou que elas atuem contra bens jurídicos da vítima, que ocultem, alterem ou suprimam provas ou que cometam novos delitos (art. 509, 1). A incomunicabilidade durará somente o tempo necessário a evitar esses perigos e não poderá exceder a cinco dias, podendo este prazo ser prorrogado por uma vez se se tratar de terrorismo ou de organizações criminosas (art. 509, 2). Não se admitirá que o preso faça ou receba qualquer comunicação, salvo se não frustrarem os fins da prisão incomunicável (art. 510, 3).

Como medidas alternativas à prisão provisória, é possível a concessão de prisão domiciliar no caso de enfermidade que ponha em grave risco a saúde do acusado, ou o internamento em centro oficial se ele estiver submetido a tratamento de desintoxicação e a sua prisão puder frustrar a sua recuperação, devendo os fatos pelos quais responde serem anteriores ao início do tratamento (arts. 508, 1 e 2).


C) Portugal (* Ver Nota de Atualização - do Editor)

Em Portugal, é previsto inicialmente que a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar (art. 191, CPP português), dependendo de prévio indiciamento do indivíduo - "prévia constituição como arguido" (art. 192, 1). Devem ademais as medidas de coação ser adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente possam ser aplicadas (art. 193).

As medidas de coação são aplicadas por despacho do juiz, durante o inquérito a requerimento do Ministério Público e, depois do inquérito, oficiosamente, ouvido o Ministério Público (art. 194, 1). São precedidas, sempre que possível e conveniente, de audição do arguido e podem ter lugar no primeiro interrogatório judicial (art. 194, 2).

São previstas várias espécies de medidas de coação, como: a obrigação de prestar caução (art. 197); nos crimes punidos com pena máxima de prisão superior a seis meses, a obrigação de apresentação periódica a uma entidade judiciária ou a um certo órgão de polícia criminal (art. 198); nos crimes com pena máxima superior a dois anos, a suspensão do exercício da função pública, de profissão ou atividade cujo exercício dependa de um título público ou de uma autorização ou homologação da autoridade pública, ou do poder paternal, da tutela, da curatela, da administração de bens ou da emissão de títulos de crédito, sempre que a interdição do exercício respectivo possa vir a ser decretada como efeito do crime imputado (art. 199); a proibição de permanência em certos lugares, de ausentar-se e de estabelecer contatos com determinadas pessoas, quando se tratar de crimes punidos com pena máxima superior a três anos (art. 200); em tais crimes, é possível também impor ao acusado a obrigação de permanência em seu domicílio, podendo ser utilizado, para fins de fiscalização, meios técnicos de controle à distância (art. 201).

Se inadequadas ou insuficientes as medidas referidas, o juiz pode impor a prisão preventiva quando houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos; ou se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão.

A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido: 6 meses sem que tenha sido deduzida acusação; 10 meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória; 18 meses sem que tenha havido condenação em 1.ª instância; 2 anos sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado (art. 215). Esses prazos são elevados, respectivamente, para 8 meses, 1 ano, 2 anos e 30 meses, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou crimes puníveis com pena de prisão de máximo superior a oito anos, ou crimes de furto ou de veículos, falsificação de moeda, títulos de crédito, valores selados, selos e equiparados ou da respectiva passagem, de burla, insolvência dolosa, administração danosa do setor público ou cooperativo, falsificação, corrupção, peculato ou de participação econômica em negócio, de branqueamento de capitais, bens ou produtos provenientes do crime; de fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito; abrangido por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima. Podem tais prazos ser elevados, respectivamente, para 12 meses, 16 meses, 3 anos e 4 anos, quando o procedimento for por um dos crimes referidos e se revelar de excepcional complexidade [14], devido, nomeadamente, ao número de acusado ou de ofendidos ou ao caráter altamente organizado do crime (art. 215, 3).

Nenhuma medida de coação pode ser aplicada se em concreto não se verificar: a) fuga ou perigo de fuga; b) perigo de perturbação do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou c) perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranqüilidade públicas ou de continuação da atividade criminosa (art. 204).

Quanto à prisão flagrante, qualquer pessoa pode efetuá-la se uma autoridade judiciária ou entidade policial não puderem ser chamadas em tempo útil (art. 255). Entende-se por flagrante delito todo o crime que se está cometendo ou se acabou de cometer ou, ainda, o caso em que o agente for, logo após o crime, perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objetos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer ou nele participar (art. 256). O detido deve ser apresentado no prazo máximo de quarenta e oito horas ao juiz que o restituirá à liberdade ou aplicará alguma medida de coação.

As autoridades policiais podem também ordenar a detenção fora de flagrante delito, por iniciativa própria, quando verificadas as seguintes condições: a) se tratar de caso em que é admissível a prisão preventiva; b) existirem elementos que tornem fundado o receio de fuga; e c) não for possível, dada a situação de urgência e de perigo na demora, esperar pela intervenção da autoridade judiciária (art. 257).


D) França

Na França [15], nos casos de flagrante de um crime ou de delito [16] punido com prisão, qualquer pessoa pode deter o infrator e encaminhá-lo à unidade policial mais próxima (art. 73, Code de Procedure Penale). No caso de flagrante de crime ou de delito punido com pena igual ou superior a três anos, se o juiz de instrução [17] ainda não interveio, poderá o Procurador expedir mandado de busca ("mandat de recherche") contra qualquer pessoa quando existirem razões de que praticou ou tentou praticar a infração penal. Localizada a pessoa conforme determinado no mandado, será ela detida e interrogada pela polícia. (art. 70, CPP, com a redação da Lei 204/2004).

Poderá ainda o agente da polícia nacional determinar a retenção de pessoa que se recuse ou seja incapaz de fornecer provas de sua identidade, para fim de verificar a sua verdadeira identidade. Essa retenção só poderá durar o prazo estritamente necessário para o estabelecimento de sua identidade, não poderá exceder a quatro horas (arts. 78-3 e 78-6).

Prevê-se ainda uma espécie de prisão temporária, denominada "garde à vue". O oficial de polícia poderá determinar, por necessidade de investigação, a prisão de qualquer pessoa suspeita de haver ou cometido ou tentado cometer uma infração penal. Nesse caso, o Ministério Público deverá ser cientificado da prisão, que não poderá durar mais de vinte e quatro horas, com possibilidade de ser prorrogado por igual período mediante autorização escrita do Procurador da República (art. 63)

A prisão provisória só poderá ser decretada se houver previsão de pena criminal ou de pena correcional superior a três anos (art. 143-1, com as alterações da Lei 1138/2002). É admissível se constituir o único meio apto a: 1) conservar as provas e os indícios da materialidade, evitar pressões sobre as testemunhas ou as vítimas, ou impedir conspiração fraudulenta ("concertation frauduleuse") entre pessoas investigadas ("personnes mises en examen" [18]) e cúmplices; 2) proteger a pessoa investigada, assegurar que ela permaneça à disposição da Justiça, pôr fim ao delito ou prevenir a sua reiteração; 3) pôr fim a um distúrbio excepcional e persistente da ordem pública provocado pela gravidade da infração, pelas circunstâncias em que cometida ou pela extensão dos danos que causou (art. 144, com as alterações da Lei 1.549/2005). Poderá ainda ser ordenada se a pessoa acusada tiver voluntariamente descumprido as obrigações estabelecidas no denominada controle judiciaire (art. 141-2), e que podem ser, dentre outras, de não se ausentar do seu domicílio ou sair de um limite territorial indicado, apresentar-se periodicamente, fornecer documentos de identificação e passaporte, abster-se de dirigir veículos, não se encontrar com pessoas indicadas, submeter-se a tratamento médico, pagar uma fiança, não exercer certos cargos profissionais etc. (art. 138). O controle judicial pode ser determinado em qualquer fase como alternativa à prisão provisória (art. 137) ou como medida substitutiva desta (arts. 147 e 148, 4ª parte).

Quanto ao prazo de duração, determina-se que a prisão provisória terá uma duração razoável, consideradas a gravidade dos fatos imputados ao acusado e a complexidade das investigações necessárias para o esclarecimento da verdade (art. 144-1). Quando se tratar de crime, o prazo máximo de duração é de um ano, que poderá ser prorrogado por períodos de seis meses, com prévia oitiva do Ministério Público, do acusado e de seu defensor (art. 145-2, 1ª parte). O acusado não poderá, entretanto, permanecer preso por mais de dois anos quando o máximo da pena cominada seja inferior a vinte anos, e mais de três anos, quando a pena seja superior a esse patamar. Esse limite é elevado, respectivamente, para três e quatro anos se algum dos fatos constitutivos da infração houver sido praticado fora do território francês. O limite será de quatro anos, independentemente da pena, se se tratar dos crimes previstos nos Livros II e IV do Código Penal francês [19], tráfico de drogas, terrorismo, proxenetismo, extorsão de capitais ou cometidos por organizações criminosas (art. 145-2, 2ª parte). Quando se tratar de delito, a duração da prisão não poderá ser superior a quatro meses, salvo quando a pessoa já tenha sido sentenciada por uma pena criminal ou por uma sentença superior a um ano e agora possa ser punida com uma sentença de no mínimo cinco anos. Em caso contrário, a prisão poderá ser prorrogada por períodos não superiores a quatro meses, respeitado o limite de um ano de prisão. Será de dois anos o limite máximo se os fatos tiverem sido praticados fora do território francês ou quando se tratar de tráfico de drogas, terrorismo, quadrilha, proxenetismo, extorsão de capitais ou cometidos por organizações criminosas e sujeitos a uma pena superior a dez anos (art. 145-1).

Pode o juiz da instrução determinar que o preso provisoriamente fique incomunicável por dez dias, prorrogáveis por igual prazo, não se admitindo que a incomunicabilidade seja extensível ao advogado do detido (art. 145-4).

É admissível a qualquer momento a concessão de liberdade de ofício pelo juiz da instrução, com ou sem a imposição do controle judicial, depois de ouvido o Ministério Público. Se concedida, a pessoa investigada deverá comparecer a todos os atos do processo e informar suas atividades (art. 147, 1ª parte). Se o pedido for requerido pelo Ministério Público e o juiz de instrução não conceder a liberdade por ele solicitada, deverá este, no prazo máximo de cinco dias, remeter o expediente ao juiz das liberdades e da detenção, que decidirá em três dias (art. 147, 2ª parte). Pode o acusado ou o seu advogado requerer a concessão de liberdade a qualquer momento, devendo o juiz de instrução remeter imediatamente o expediente ao Ministério Público para se manifestar. Se o Procurador da República discordar do pedido, caberá ao juiz de instrução, nos cinco dias seguintes, remeter o pedido para análise do juiz da liberdade e das detenções, que deverá proferir decisão no prazo de três dias, fundamentando-a de acordo com os motivos que autorizam a decretação da prisão provisória, previstas no art. 144 (art. 148).

Quando concedido o pedido de liberdade em contrariedade ao parecer do Ministério Público, este órgão deverá ser imediatamente comunicado, não se admitindo que nas quatro horas seguintes ao recebimento dessa notificação seja a ordem de livramento executada. Isso porque, nesse prazo, é possível a interposição de apelação junto ao juiz de instrução ou ao juiz das liberdades e da detenção e, simultaneamente, um recurso urgente ("référé-détention") perante o 1º Presidente da Corte de Apelação. A interposição desses recursos tem o efeito de suspender a concessão da liberdade (art. 148-1-1, com as alterações da Lei 204/2004).


E) Itália

Na Itália, prevê-se inicialmente que nenhuma pessoa pode ser submetida à prisão quando não existirem graves indícios de culpabilidade ou quando estiver presente alguma causa excludente de ilicitude ou de culpabilidade (art. 273, Codice di Procedura Penale). Nos termos do art. 274, a prisão pode ser imposta: a) quando existirem riscos concretos contra a aquisição ou a integridade de provas; b) em decorrência da fuga ou do risco de fuga, sempre que possível a imposição de pena superior a dois anos de reclusão; c) quando, consideradas as circunstâncias e a natureza do fato bem como a personalidade do investigado, deduzir-se do seu comportamento e de seus antecedentes a existência de perigo concreto de que vá cometer delitos graves com utilização de arma ou de outra forma de violência contra pessoas, delitos contra a ordem constitucional ou de organização criminosa, ou delitos semelhantes ao que responde (neste caso - risco de reiteração de delitos semelhantes ao que responde - exige-se que a pena máxima prevista seja superior a quatro anos). Ademais disso, a prisão provisória só é cabível quando cominada ao crime pena de prisão perpétua ou prisão cujo máximo não seja inferior a três anos, exigência que é excepcionada quando houver transgressão às determinações de outras medidas cautelares [20] (art. 280, commas 2 e 3).

Determina-se que a prisão só poderá ser decretada se proporcional ao fato e à punição correspondente (art. 275, comma 2, na redação da Lei n° 128/2001). O Código de Processo Penal contém casuística em que não se admite a prisão provisória. Assim, ela não poderá ser imposta se provável que na sentença seja concedida a suspensão condicional da pena (art. 275, comma 2-bis) ou quando cabíveis outras medidas cautelares (art. 275, comma 3), o que é pré-excluído pela legislação italiana quando se trata de associação do tipo mafiosa (art. 416-bis, CP). Não se admitirá ainda a prisão provisória, salvo em casos de excepcional relevância, de mulheres grávidas, de mães de filhos com idade inferior a três anos que morem sob o mesmo teto, ou dos seus pais quando a mãe estiver morta ou for incapacitada, e de pessoas com idade superior a setenta anos (art. 275, comma 4, CPP). Não será imposta também contra pessoas com AIDS ou acometidas por outras graves problemas de imunidade (comprovadas segundo regulamento do Ministério da Saúde e do Ministério da Justiça) se a suas condições de saúde forem incompatíveis com o estado da prisão ou se nela for impossível oferecer os cuidados que se apresentarem necessários ao doente (art. 275, comma 4-bis e art. 286-bis). É possível, nesses casos, a determinação de aprisionamento domiciliar (art. 275, comma 4-ter).

A prisão deve ser precedida de pedido do Ministério Público, que deverá fundamentá-lo, apresentando também todos os elementos que existam em favor do acusado (art. 291, comma 1). A decisão deverá, sob pena de nulidade, conter a identificação do imputado, a descrição sumária do fato com menção ao dispositivo legal violado, a exposição das exigências cautelares e dos indícios que justifiquem a medida, a alusão aos fundamentos que levaram a rejeitar os dados em favor do acusado, as razões concretas e específicas pelas quais os objetivos previsto no art. 274 não possam ser atingidos por outras medidas cautelares, e o termo final de duração da medida (art. 292). Enfatiza-se a nulidade da decisão que não avalie os elementos que foram colhidos contra e a favor do acusado na investigação e que devem ter sido apresentados pelo Ministério Público (art. 292, comma 2 ter).

Quanto ao prazo de duração, estabelece o Código de Processo Penal italiano, em seu art. 303, que a prisão provisória perde eficácia quando: a) do início de sua execução hajam transcorrido os seguintes prazos sem início da audiência de julgamento [21] ou sem que tenha havido aplicação da pena a requerimento das partes: a.1) três meses, quando se tratar de delito punido com pena de reclusão não superior a seis anos; a.2) seis meses, quando se tratar de delito com pena de reclusão máxima superior a seis anos; a.3) um ano, na hipótese em que se procede por crime sujeito à prisão perpétua, crime sujeito à pena máxima superior a vinte anos de reclusão ou algum dos crimes consignados no art. 407 [22], reduzindo-se, nesta última hipótese, a exigência de pena máxima a uma pena superior a seis anos; b) do início da fase de julgamento ou da execução da prisão tenham fluído os seguintes prazos sem prolação de sentença condenatória em primeiro grau de jurisdição: b.1) seis meses, quando se tratar de delito punido com pena de reclusão não superior a seis anos; b.2) um ano, quando se tratar de delito com pena de reclusão máxima não superior a vinte anos; b.3) um ano e seis meses, quando se tratar de crime sujeito à prisão perpétua ou com pena máxima superior a vinte anos (quando se tratar de algum dos delitos mencionados no art. 407, comma 2, letra "a" do CPP italiano, o prazo a que se refere estas últimas três hipóteses são aumentados em até seis meses); c) do início do procedimento abreviado (giudizio abbreviato) tenham transcorrido os seguintes períodos sem a prolação de sentença: c.1) três meses, quando se procede por crime ao qual se comina pena de reclusão não superior a seis anos; c.2) seis meses, quando se tratar de crime sujeito a pena que não supere vinte anos de reclusão;c.3) nove meses, quando de procede por crime sujeito à pena de prisão perpétua ou superior a vinte anos; d) da prolação da sentença condenatória em primeiro grau de jurisdição ou da execução da medida, tenham transcorrido os seguinte prazos sem decisão em grau de apelação: c.1) nove meses, se foi imposta pena não superior a três anos; c.2) um ano, se aplicada pena não superior a dez anos de prisão; c.3) um ano e seis meses, quando aplicada pena de prisão perpétua ou superior a dez anos de reclusão. Esses prazos podem ser prorrogados no caso de perícia de sanidade mental do réu ou de grave exigência cautelar (gravi esigenze cautelari) (art. 305).Como limite global, estabelece o Código de Processo Penal italiano que a duração total da prisão cautelar, incluindo as prorrogações do art. 305, não pode exceder a: a) dois anos, quando se tratar de crime ao qual não se comine pena superior a seis anos; b) quatro anos, quando se procede por um crime sujeito a pena não superior a vinte anos; c) seis anos, no caso de crime ao qual a lei impõe pena de prisão perpétua ou superior a vinte anos.


F) Chile

Aprovado no ano de 2000, dispõe o recente Código de Processo Penal do Chile que, uma vez formalizada a investigação, a prisão preventiva poderá ser decretada, a pedido do Ministério Público ou do querelante, sempre que presentes as seguintes condições: a) indícios da existência do delito; b) indícios que permitam concluir que o acusado para ele concorreu como autor ou cúmplice ou que procurou encobri-lo; c) indícios segundo os quais a prisão seja indispensável para o êxito de diligências específicas da investigação, ou que a liberdade do acusado é perigosa para a segurança da sociedade ou do ofendido.

É explicitado que a prisão preventiva é indispensável para o êxito da investigação quando existir fundada suspeita de que o acusado poderá obstaculizá-la mediante a destruição, modificação, ocultação ou falsificação de provas ou induzindo co-acusados, testemunhas, peritos ou terceiros para que dêem informações falsas ou se comportem de maneira desleal ou reticente. Estabelece ainda o preceito que para estimar se a liberdade do acusado resulta ou não perigosa para a segurança da sociedade, o tribunal deverá considerar especialmente alguma das seguintes circunstâncias: a gravidade da pena assinalada ao delito; o número de delitos de que é acusado e a natureza destes; a existência de processos pendentes; o fato de se encontrar o acusado sujeito a alguma medida cautelar, em liberdade condicional ou gozando de algum dos benefícios alternativos à pena privativa de liberdade; a existência de condenações anteriores cujas execuções estejam pendentes, considerando-se a gravidade dos delitos ou o fato de terem sido praticados em quadrilha. Por fim, segundo o dispositivo, entender-se-á que a liberdade do acusado representa risco para o ofendido quando existirem antecedentes que permitam presumir que ele realizará novas agressões contra este, ou contra a sua família e os seus bens (art. 140).

A prisão pode ser imposta para assegurar o comparecimento do acusado em juízo ou para garantir a execução da pena. Nesse caso, admite-se que a prisão seja substituída por uma caução econômica suficiente (fiança), cujo montante fixará (art. 146).

Com as alterações da Lei 20.074, de 14 de novembro de 2005, o art. 141 do Código de Processo Penal chileno assenta que não se poderá ordenar a prisão preventiva quando ao delito forem cominadas exclusivamente penas pecuniárias ou restritivas de direitos, quando se tratar de delito sujeito à ação privada ou quando o acusado estiver efetivamente cumprindo pena privativa de liberdade. Neste caso, se o Ministério Público ou o querelante estimarem necessária a prisão preventiva, poderão solicitá-la antecipadamente, a fim de que seja executada, sem solução de continuidade, quando cessado o cumprimento da pena privativa. Será decretada a prisão do acusado que não comparecer à audiência de juízo oral.

Quanto à formalização do pedido de prisão preventiva, prevê-se que poderá ser requerida verbalmente na audiência de formalização da investigação, na audiência de preparação do juízo oral ou na audiência do juízo oral. Também poderá ser requerida em qualquer fase da investigação, caso em que o juiz fixará uma audiência específica para decisão, notificando o acusado e o seu defensor - a presença de ambos constitui pressuposto de validade da audiência [23] - além dos demais intervenientes (arts. 142 e 143).

A decisão que decretou ou rejeitou a decretação da prisão preventiva pode ser modificada a qualquer momento, de ofício ou a pedido das partes. Quando solicitada pelo acusado a revogação da prisão, autoriza-se que esse pedido seja rejeitado pelo tribunal de plano ou após audiência específica em que deverão comparecer as partes para debaterem sobre a subsistência dos requisitos que autorizaram a medida. Inexistirá possibilidade de ser rejeitada a solicitação de plano, sendo necessária a realização dessa audiência, quando transcorridos dois meses desde o último debate oral em que se tenha decretado a prisão (art. 144). É possível, também a qualquer momento, a substituição da prisão preventiva por outras medidas cautelares [24]. Ademais, à semelhança do direito alemão, prevê-se que, decorridos seis meses da sua decretação, deverá o tribunal designar audiência para decidir acerca de sua cessação ou prorrogação (art. 145). Igual procedimento deverá ser adotado quando transcorrido metade do tempo da pena que se espera acaso seja condenatória a sentença penal ou do tempo da pena efetivamente imposto no decreto condenatório (art. 152).

No caso de prisão em flagrante, é obrigação de a polícia efetuar a comunicação do fato ao Ministério Público no prazo máximo de doze horas. O membro do Parquet pode tornar sem efeito a prisão ou determinar que seja feita a condução do detido ao magistrado no prazo máximo de vinte e quatro horas. Neste caso, deverá ainda dar ciência do fato a advogado de confiança do detido ou à Defensoria Pública (art. 131). O comparecimento do detido deverá ocorrer em audiência a qual deverá comparecer obrigatoriamente o membro do Ministério Público, implicando a sua ausência a imediata liberação do acusado. Nessa audiência, procederá o Ministério Público à formalização da investigação e ao requerimento de medidas cautelares quando existirem elementos suficientes. Em caso contrário, poderá pedir seja prorrogada a detenção pelo prazo de três dias com o fim de preparar o seu pedido.


Notas

01 Por essa razão, deixo de rotular qualquer dos dois grupos, como se vê muitas vezes, até por respeitados doutrinadores, com utilização de expressões pejorativas. Só considero relevantes, para um debate científico sério, argumentos e não rotulações preconceituosas.

02 Pela serenidade da exposição, merece encômios artigo de Ingo Wolfgang Sarlet (Constituição e proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre proibição de excesso e de insuficiência, Revista AJURIS vol. 98, jun. 2005, p. 105-149), cuja leitura se recomenda.

03 MOREIRA, José Carlos Barbosa, Temas de direito processual - Oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 8.

04 Cf. ROXIN, Claus, Derecho procesal penal. Trad. Gabriela E. Córdoba e Daniel R. Pastor. Buenos Aires: Editores Del Puerto, 2003; RODRÍGUEZ, Jesus Rodríguez y. La detención preventiva e los derechos humanos em derecho comparado. México: Universidad Nacional Autonóma de México, 1981.

05 Expõe Claus Roxin que o perigo de fuga não pode ser visto exclusivamente segundo critérios abstratos. Segundo ele, a simples gravidade do crime ou da pena que lhe é imposta não configuram fatos suficientes para formar uma suspeita de fuga, sem que sejam consideradas as provas desfavoráveis conhecidas pelo acusado, a sua personalidade e a sua situação particular. Diz, por outro lado, que o fato de o acusado ter um domicílio fixo não é, de modo algum, suficiente para afastar o perigo de fuga (ob. cit., p. 260).

06 É alheia à lógica processual a conclusão de que somente a ingerência sobre testemunhas – e não aquela exercida sobre co-réus - constitua fundamento válido à decretação de prisão preventiva, conforme expressou o Pleno do Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC 86.864/SP, à razão de um suposto "direito de os co-réus estabelecerem estratégia de defesa" (palavras do relator). E não é necessária inserção em nossa legislação de ressalva expressa tal qual a que consta na Alemanha e na França (vide adiante). A hipótese já encontra guarida no art. 312 do CPP, no ponto em que admite a prisão "por conveniência da instrução criminal": o interrogatório insere-se, não há negar, na instrução processual, basta ver sua posição tópica no CPP. Ou isso, ou ter-se-á que concluir que o interrogatório não é fonte de prova – sobre ser meio de defesa – e que, por isso, pode simplesmente ser desprezado. Colocando de outro modo: ou o interrogatório, por integrar a instrução processual, deve ser considerado pelo juiz, que tem o dever de levar em conta a versão apresentada pelo réu, ainda que para rejeitá-la diante de outras provas, ou ele constitui um nada, verdadeira quimera incapaz de surtir qualquer efeito processual. E mais: o reconhecimento de um "direito de os co-réus estabelecerem estratégia de defesa" conduziria à ilicitude do art. 191 do CPP; assim, para manter coerência com esse suposto direito, deveriam os réus ser interrogados em conjunto, com perguntas dirigidas concomitantemente a ambos, para se respeitar o direito de seguirem suas "estratégias de defesa".

07 Cf.. Claus Roxin, ob. cit., p. 261.

08 Quando sobrevém um outro fato apto à decretação da prisão (ex.: decretada a prisão por risco de fuga, posteriormente há coação sobre testemunhas), a partir de sua ocorrência começa a ser computado novamente um prazo de seis meses. Assim, os prazos não são somados.

09 Trata-se da STC nº 47/2000, de 17 de fevereiro de 2000: no bojo de um recurso de amparo interposto contra decisão que decretou uma prisão de modo insuficientemente motivado, o Pleno do Tribunal Constitucional da Espanha instaurou a denominada "autocuestión de inconstitucionalidad" quanto aos arts. 503 e 504 da LECrim (redação anterior à Lei Orgânica nº 13/2003) - ou seja, abriu de ofício um processo para analisar com efeitos gerais a constitucionalidade desses dispositivos. Todavia, não se chegou a prolatar decisão nesse incidente, segundo opinião corrente, por questões políticas e de ordem pública, já que, se reconhecida a invalidade dos preceitos, resultaria sem base legal toda ordem de prisão provisória.

10 Cf. DEU, Teresa Armenta. "El nuevo processo penal español: processo abreviado, juicio rápido e prisión provisional". Themis, Lisboa, n. 11, p. 217-243, 2005; INCHAUSTI, Fernando Gascón. La reforma de la prisión provisional en Espana. In: SALGADO, David Cienfuegos; NANDAYAPA, Carlos Natarén; ESPINOSA, Carlos Rios (org.). Temas de derecho procesal penal de México y Espana. México: Universidad Nacional Autonóma de México, 2005.

11 Duas observações: 1ª) A escolha do limite de dois anos como critério geral para o cabimento da prisão provisória deve-se, basicamente, ao fato de relacionar-se à impossibilidade de proceder à revelia do réu (art. 786, 1.2, LECrim) e de que é também o limite genérico para a admissibilidade da suspensão condicional da pena (art. 80, do Código Penal espanhol); 2ª) quando se tratar de concurso formal ou material de crimes, o limite será computado com o acréscimo decorrente de tais regras, ainda que os delitos individualmente tenham pena inferior (Fernando Gascón Inchausti, ob. cit., p. 249).

12 O risco de fuga é analisado a partir da natureza do fato, da gravidade da pena que pode ser imposta ao acusado, da situação familiar, profissional e financeira do acusado e da iminência de realização do julgamento (juicio oral). Na hipótese descrita no item "b", há uma presunção legal do risco de fuga. (Fernando Gascón Inchausti, ob. cit., p. 254-255)

13 A "detenção" é possível nas hipóteses do art. 490 e 492 da LECrim. Segundo o art. 490, qualquer pessoa pode deter alguém que está na iminência de cometer um delito ou em situação de flagrante, que fugiu de estabelecimento penal ou aquele que foi condenado ou está sendo processado à revelia. Por sua vez, conforme o art. 492, o agente policial deverá efetuar a detenção nos seguintes casos, além daqueles mencionados no art. 490: daquele que estiver sendo processado por crime a que se comina pena superior à prisão correcional ou, se inferior a pena cominada, se o seus antecedentes indicarem que não comparecerá quando convocado pela autoridade judicial; na hipótese anterior, ainda que inexistente processo judicial, será cabível a detenção se houver prova da existência de um delito e indícios de que o acusado teve participação na sua execução.

14 Regra geral há necessidade de declaração judicial da excepcional complexidade. Quando, porém, se tratar de lavagem de dinheiro ou tráfico de drogas, conforme previsto no art. 54, 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, a elevação dos prazos de duração máxima da prisão preventiva decorre diretamente (ope legis) do mencionado preceito, sem necessidade de verificação e declaração judicial da excepcional complexidade do procedimento (v. Acórdão de 29/4/99 do Tribunal Constitucional de Portugal, que julgou válido o preceito normativo).

15 Cf. DALMAS-MARTY, Mireille. Processos penais na Europa. Trad. Fauzi Hassan Choukr. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

16 Na direito francês, as infrações penais se classificam, conforme sua gravidade, em "crimes", "delitos" e "faltas" (art. 111-1, Code Penal).

17 Na França o juiz de instrução participa da instrução preparatória, exercendo ora poderes investigatórios ora poderes jurisdicionais (art. 83, 2ª parte). Deve-se ressaltar que ele só pode iniciar uma investigação quando instado pelo Ministério Publico ou por petição da vítima (art. 51). Existe ainda o juiz das liberdades e da detenção, criado pela Lei 516/2000, que tem a atribuição de ordenar ou de prolongar a prisão provisória e apreciar pedidos de liberdade (art. 137-1).

18 No direito francês, a pessoa colocada sob exame corresponde basicamente ao indiciado no direito brasileiro.

19 O Livro II trata dos crimes e delitos contras as pessoas e o Livro IV cuida dos crimes e delitos contra a Nação, o Estado e a paz pública.

20 Eis algumas das medidas cautelares previstas na Itália: a) Divieto di espatrio (art. 281), consistente na proibição de que o acusado deixe o território do país sem autorização judicial (essa determinação era aplicável em todo e qualquer crime, mas tal cláusula foi considerada inválida pela Corte Constitucional da Itália, através da Sentença nº 109, de 31.03.1994); b) Obbligo di presentazione alla polizia giudiziaria (art. 282), através da qual se impõe ao acusado a obrigação de apresentar-se à polícia em dias e horáriso fixados; c) Allontanamento dalla casa familiare (art. 282-bis, introduzido pela Lei º 154/2001), em que se ordena que o acusado deixe imediatamente a residência de sua família, podendo ainda, em tal caso, ser imposta, a pedido do Ministério Público, a obrigação de pagamento de uma renda à pessoa com que ele convivia e que está privada de recursos para o seu sustento; d) Divieto e obbligo di dimora (art. 283), na qual se estabelece a proibição de o acusado residir em determinado local ou de se ausentar sem autorização judicial de sua cidade; e) Sospensione dall´´esercizio di un pubblico ufficio o servizio (art. 289) e Divieto temporaneo di esercitare determinate attività professionali o imprenditoriali (art. 290), nas quais se afasta o acusado do exercício de cargos públicos, salvo se eletivos, ou de atividades profissionais.

21 O procedimento penal italiano comum desenvolve-se, em linhas gerais, a partir de uma fase preparatória constituída de investigações preliminares e, eventualmente, de um incidente probatório e, em seguida, inicia-se a fase judicial, com a realização de uma audiência preliminar e, na seqüência, uma audiência de julgamento. Ao lado desse procedimento, situa-se (a) o giudizio abreviatto, em que o julgamento, a pedido do réu, ocorre na audiência preliminar, com a redução de pena, se condenatória a sentença, (b) a aplicação de pena a requerimento das partes (pattegiamento), que corresponde basicamente a um transação penal, também no início da fase judicial, (c) o giudizio direttissimo e o giudizio imediatto, nos quais não se realiza a audiência preliminar, saltando-se diretamente à audiência de julgamento, e (d) o procedimento por decreto, em que há imediata imposição de pena pecuniária, salvo se houver oposição do réu.

22 Os delitos mencionados no art. 407, comma 2, lett. "a" do CPP italiano são os seguintes: devastação, saque e matança (art. 285, CP italiano), guerra civil (art. 286, CP), associação do tipo mafiosa (art. 416 bis, CP), matança (art. 422, CP), homicídio (art. 575, CP), roubo quando praticado por integrante de associação mafiosa (art. 628, CP), extorsão (art. 629, CP), extorsão mediante seqüestro (art. 630, CP), qualquer delito praticado valendo-se de associação do tipo mafiosa ou para facilitar o funcionamento desta (art. 407, 2, "a", 3, CPP), delitos de terrorismo e de subversão da ordem constitucional (art. 407, 2, "a", 4), delitos de fabricação ilícita de armamentos ou de seu contrabando (art. 407, 2, "a", 5), tráfico de entorpecentes e afins (art. 407, 2, "a", 6), associação criminosa quando houver prisão em flagrante (art. 407, 2, "a", 7), indução à prostituição infantil (art. 600 bis, CP), exploração de pornografia infantil (art. 600 ter, CP), algumas modalidades de abuso de autoridade (609 bis, c/c arts. 609 ter, 609 quater, 609 octies, CP).

23 O comparecimento do acusado é obrigatório. Assim, é admitida a decretação de sua detenção se não comparecer à audiência sem justificativa (art. 127, 2ª parte).

24 São medidas cautelares prevista na legislação chilena, que podem ser impostas cumulativamente: prisão domiciliar; sujeição à vigilância de uma pessoa ou instituição determinada; a obrigação de apresentar-se periodicamente ao juiz ou a uma autoridade designada; a obrigação de não se ausentar do país, do local de residência ou do âmbito territorial fixado pelo tribunal; a proibição de comunicar-se com pessoas determinadas, desde que não signifique prejuízo ao direito de defesa; a proibição de se aproximar do ofendido e da sua família, ou, conforme o caso, a obrigação de se retirar da residência que compartilhe com alguém (art. 155).


(*) Nota de Atualização (do Editor)

As normas processuais portuguesas mencionadas neste artigo foram recentemente revogadas pelo novo Código de Processo Penal português (Lei nº 48, de 29 de agosto de 2007), que entrou em vigor após vacatio legis de 45 dias. Veja mais informações no artigo O novo processo penal... de Portugal, de Josemar Dias Cerqueira.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPOS, Ricardo Ribeiro. A prisão provisória no direito comparado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1570, 19 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10547. Acesso em: 29 mar. 2024.