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Fundo de investimento imobiliário com imóveis da União.

Ferramenta moderna e promissora de aproveitamento do patrimônio público

Fundo de investimento imobiliário com imóveis da União. Ferramenta moderna e promissora de aproveitamento do patrimônio público

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É significativo o patrimônio imobiliário da União que se encontra ocioso ou subutilizado, não cumprindo sua função social.

Resumo: O objeto deste artigo é analisar a possibilidade de aproveitamento dos imóveis públicos para a integralização de cotas em Fundos de Investimento Imobiliário – FIIs, opção inovadora de destinação dos imóveis da União. A busca da adequada exploração dos bens públicos, em especial, os imóveis, tem sido meta de sucessivas gestões públicas independente de ideologia política. Diversas são as formas de aproveitamento ou desfazimento dos imóveis públicos. Os métodos até então utilizados para alienação/desfazimento não têm logrado o êxito desejado. Atualmente, é significativo o patrimônio imobiliário da União que se encontra ocioso ou subutilizado, não cumprindo sua função social. O estudo conclui que a difusão desta forma alternativa e moderna de destinação dos imóveis da União pode contribuir para o aproveitamento mais adequado desses bens.

Palavras-chave: Fundo de Investimento Imobiliário; Bens Públicos: Função Social e Econômica dos Bens Públicos; Destinação, Alienação de Imóveis. Constituição de FIIs.


Introdução

A legislação pátria estabelece que os bens públicos são aqueles pertencentes às pessoas jurídicas de direito público. A Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil Brasileiro, apresenta esta definição em seu artigo 98, especificando-os no artigo seguinte. A Constituição Federal Brasileira, por seu turno, classifica os bens conforme a titularidade: os da União estão elencados no artigo 20 e os Estaduais e Distritais no artigo 26 de nossa Carta Magna. Os bens municipais são regidos pelas Leis Orgânicas.

Reportando-nos ao artigo 20 da Constituição Federal, podemos dizer de maneira sintética que compõem os bens da União: os imóveis (edifícios e terrenos da administração e autarquias), as terras indígenas, as ilhas, os lagos e rios, o mar territorial, os potenciais de energia hidráulica, os recursos minerais, inclusive do subsolo, os recursos da plataforma continental e as cavidades subterrâneas e sítios arqueológicos. A gestão adequada destes recursos é busca constante do serviço público e está alinhada ao Princípio da Eficiência, previsto no artigo 37 da Constituição Federal.

Inúmeras são as formas de utilização e aproveitamento deste patrimônio público. O aparato legal tem evoluído sistematicamente neste sentido, visando garantir que os bens públicos, quaisquer deles (recursos minerais, energéticos, imóveis, etc.), sejam empregados no cumprimento das funções sociais e econômicas do Estado.

Tratando especificamente do caso de imóveis da União, basta um olhar mais atento para perceber inúmeros imóveis não utilizados, subutilizados ou desocupados. O aproveitamento inadequado destes bens desrespeita o princípio constitucional da função social da propriedade, previsto no artigo 182 da Constituição Federal, o qual, embora refira-se expressamente à propriedade privada, conforme Di Petro (2006), aplica-se implicitamente aos imóveis públicos.

Deste modo, o tema central do presente trabalho propõe a exploração da legislação que aborda uma das formas possíveis de aproveitamento dos imóveis da união, qual seja: sua destinação para a integralização em cotas em fundos de investimento.

Compõem o objeto desta pesquisa as disposições da Lei 13.240 de 30 de dezembro de 2015, que versa sobre a administração, a alienação, a transferência de gestão de imóveis da União e seu uso para a constituição de fundos; as alterações da Lei 9.636 de 15 de maio de 1998 que trata da administração e alienação dos imóveis da união, da Lei 8.668 de 25 de junho de 1993, que dispõe sobre a constituição e o regime tributário dos Fundos de Investimento Imobiliário, além de outras legislações correlatas.

A estrutura deste artigo se divide em cinco partes, que podem ser sintetizadas nos seguintes objetivos específicos: a) síntese histórica sobre bens públicos; b) patrimônio imobiliário da União, formas e efetividade do desfazimento; c) Fundos de Investimentos Imobiliário: conceito, constituição, administração/gestão e classificação; d) previsão legal da destinação de imóveis da União para compor os FIIs, possíveis vantagens e formas de gestão; e) breve apanhado sobre o projeto de constituição de FII, iniciada em 2021 no Ministério da Economia e sob análise no Ministério da Gestão e Inovação.

O método utilizado para a elaboração do trabalho foi a pesquisa bibliográfica e documental, com a análise da legislação vigente e dos referenciais teóricos do direito, além das informações colhidas nos sítios eletrônicos oficiais governamentais.

Cumpre destacar que, ao final, pretende-se ampliar o conhecimento sobre esta forma inovadora de destinação dos bens públicos, fomentando sua aplicabilidade visando o alcance do interesse público, a geração de receitas públicas e o adequado cumprimento das funções sociais e econômicas do Estado.


Bens Públicos: síntese histórica

As referências aos bens públicos remontam à antiguidade. De acordo com Di Pietro (2022), os bens públicos já eram referenciados no Direito romano, com a divisão entre res communes (mares, portos, estuários, rios, insuscetíveis de apropriação privada), as res publicae (terras, escravos, de propriedade de todos), res universitatis (fórum, ruas, praças públicas).

Conforme a autora, a propriedade dos bens públicos evoluiu ao longo do tempo, passando pela Idade Média, em que o rei ou príncipe eram os detentores do patrimônio estatal, até chegar às noções próximas daquelas que possuímos hoje, com o Estado moderno e o conceito de Estado como pessoa jurídica, proprietária dos bens públicos.

A primeira classificação consistente de bens públicos no direito brasileiro foi inserida pelo Código Civil de 1916. Conforme DI PIETRO (2022), o Código Civil Brasileiro, estabeleceu uma classificação tripartite. Conforme as disposições do artigo 99 do CC, “são bens públicos:

  1. - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

  2. - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;

  3. - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

No que diz respeito aos bens de uso especial, estes são definidos pela ilustre civilista Maria Helena Diniz, (2022. p. 416) como sendo aqueles que “São utilizados pelo próprio poder público, constituindo-se por imóveis (edifícios ou terrenos) aplicados ao serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive de suas autarquias.”

De acordo com a mesma autora os bens públicos de uso comum e especial são inalienáveis, não podem ser vendidos, salvo a inalienabilidade seja revogada, o que é possível cumpridos os seguintes requisitos:

a) o seja mediante lei especial; b) tenham tais bens perdido sua utilidade ou necessidade, não mais conservando sua qualificação; assim, ocorrida a desafetação (mudança da destinação) de um bem público, este perderá a inalienabilidade se incluindo no rol dos bens dominicais (CC, art. 101) para tornar possível sua alienação; c) (omissis). (DINIZ, 2022, p. 419).

À luz das definições supra, nossos estudos serão direcionados aos bens públicos, imóveis, alienáveis, ou seja, aqueles que se encontrem livres de restrições que impossibilitem sua transferência ou apropriação. Deste modo, como regra, iremos tratar dos bens de uso especial e eventualmente os dominicais, em que pese, os de uso comum, também possam ser objeto de destinação para integralização em cotas de FIIs.


Patrimônio Imobiliário da União

Segundo o Balanço Geral da União [1], publicado em 04 de abril de 2021, a União é detentora de um patrimônio imobiliário avaliado em R$ 1,516 trilhão de reais. De acordo com o Tribunal de Contas da União – TCU [2], a gestão deste patrimônio apresenta problemas de diversas ordens: identificação, cadastro e gestão dos 700 mil imóveis; falta de ocupação em 10 mil imóveis; abandono e depredação.

Consoante informações Cortes de Contas, o valor da depreciação de imóveis, como edifícios, fazendas, parques, reservas, terrenos, glebas, imóveis residenciais e comerciais é estimado em R$ 18 bilhões ao ano. Apesar deste valor não representar um desembolso em si, a não utilização dos imóveis e a manutenção dos ativos sem aproveitamento por um ente público impacta negativamente na geração de riqueza, arrecadação de tributos e desenvolvimento regional.

Diante do respectivo cenário, a Secretaria do Patrimônio da União – SPU, tem despendido significativos esforços visando à alienação destes ativos.


Formas de Desfazimento: meios utilizados e efetividade.

Segundo o renomado jurista Marçal Justen Filho (2018), alguns bens públicos de uso comum e de uso especial podem ser desafetados, ocorrendo deste modo a modificação do regime jurídico, passando à categoria de bens dominicais, que neste caso, comportam alienação.

Por sua vez, para que os bens dominicais sejam alienados, deverá estar evidenciado que aquele bem específico não é necessário para a manutenção da atividade estatal e que foram atendidas as formalidades legais.

Em harmonia com este conceito, as disposições do artigo 23 da Lei 9.636/98 dispõe que quando não há interesse público, econômico ou social na manutenção do imóvel no domínio da União, e mediante autorização do Presidente da República, poderá ser realizada sua alienação (venda).

Ao tratar as formas de desfazimento dos bens imóveis da União, a Lei 9.636/1998, que versa sobre a regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União, dispôs em seu artigo 24 o que segue:

§ 1º A desestatização referida no caput deste artigo poderá ocorrer por meio de: (Incluído pela Lei 14.011, de 2020).

  1. - remição de foro, alienação mediante venda ou permuta, cessão ou concessão de direito real de uso; (Incluído pela Lei 14.011, de 2020). (grifos nossos)

  2. - constituição de fundos de investimento imobiliário e contratação de seus gestores e administradores, conforme legislação vigente; ou (Incluído pela Lei 14.011, de 2020). (grifos nossos)

  3. (omissis)

A forma de desfazimento denominada alienação, prevista no inciso I, é realizada de forma sistemática pela administração pública. A busca pela melhoria da efetividade nesta modalidade levou a SPU ao desenvolvimento do modelo de alienação por intermédio da Proposta de Aquisição de Imóvel da União - PAI, disciplinada pela Lei 9.636/1998 e aperfeiçoada pela Lei 14.011/2020. Em síntese podemos afirmar que a PAI é a manifestação formal de interesse do particular na aquisição de um imóvel da União, mediante procedimento regulamentado.

Nesta senda, foi instituído também o Sistema de Concorrência Eletrônica – SCE, para venda de imóveis da União (Portaria 17.480/2020 [3]), que modernizou a operacionalização dessas vendas, incorporando-as aos meios eletrônicos, revelando-se, como importante instrumento para o aumento de competitividade, haja vista que seu alcance não mais se limita apenas à região onde se localizam os imóveis.

Entretanto, em que pesem os esforços despendidos, os dados obtidos através do painel da Secretaria do Patrimônio da União [4], demonstram que, do total de 2.941 imóveis ofertados para comercialização no período compreendido entre janeiro de 2020 e dezembro de 2022, foi obtido êxito na venda de apenas 193 imóveis.

A partir dessa baixa efetividade, a utilização de Fundos de Investimento Imobiliário – FII, pode ser uma excelente alternativa para melhor endereçar a destinação daqueles imóveis.


Os Fundos de Investimento Imobiliário – FIIs

Em síntese, é possível dizer que um Fundo de Investimento Imobiliário é um conjunto de recursos destinados à aplicação em empreendimentos imobiliários. Podemos defini-los também como sendo veículos para exploração de ativos imobiliários ou de direitos sobre eles. É apropriado registrar que os FIIs apresentam a proposta de auferir rendimentos e ganhos de capital por intermédio da exploração e gestão especializada dos bens imóveis.

Os fundos de investimento imobiliário foram instituídos no ordenamento jurídico pela Lei nº 8.668 de 25 de junho de 1993 e regulados pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM [5] através da Instrução CVM nº 472/2008 e suas alterações e pela Instrução CVM 516/2011.

Conceituando-o a partir do artigo 2º da Instrução CVM 472/2008, temos que “O FII é uma comunhão de recursos captados por meio do sistema de distribuição de valores mobiliários e destinados à aplicação em empreendimentos imobiliários.”

Visando reforçar e ampliar a compreensão quanto aos conceitos apresentados é relevante destacarmos em especial dois artigos da Lei 8.668/93: o artigo primeiro, que institui os FIIs e o artigo sexto, que versa sobre seu patrimônio:

Art. 1º Ficam instituídos Fundos de Investimento Imobiliário, sem personalidade jurídica, caracterizados pela comunhão de recursos captados por meio do Sistema de Distribuição de Valores Mobiliários, na forma da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, destinados a aplicação em empreendimentos imobiliários.

Art. 6º O patrimônio do Fundo será constituído pelos bens e direitos adquiridos pela instituição administradora, em caráter fiduciário.

A inteligência do artigo sexto da Lei 8.668/93 destaca duas situações em especial, a composição do patrimônio e a sua aquisição, em caráter fiduciário, pela instituição administradora.


Constituição

Para a constituição de um FII é necessária a autorização da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, entidade autárquica vinculada ao Ministério da Fazenda. Para este fim, o administrador deverá protocolar, junto à CVM, um pedido para constituição e funcionamento do FII, apresentando entre outros, os seguintes documentos: a) ato de constituição e regulamento do fundo; b) indicação do diretor e do administrador responsável; c) comprovante de sua inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica. O administrador deverá também comunicar a data da primeira integralização de cotas do fundo.

Para que se concretize a composição deste patrimônio, o investidor interessado, por intermédio do documento de compromisso de investimento, se obriga a efetuar a integralização de cotas. Esta integralização poderá ser realizada em moeda corrente ou imóveis, conforme dispõe o artigo 11 da Instrução CVM 472/2008:

Art. 11. A integralização das cotas será efetuada em moeda corrente nacional admitindo-se, desde que prevista no regulamento do fundo, a integralização em imóveis, bem como em direitos relativos a imóveis.

Nos termos da legislação vigente, os fundos de investimento imobiliário somente podem ser administrados e geridos por instituições financeiras autorizadas pela CVM, conforme as disposições do artigo 5º da Lei 8.668/93, a seguir transcrita:

Art. 5º Os Fundos de Investimento Imobiliário serão geridos por instituição administradora autorizada pela Comissão de Valores Mobiliários, que deverá ser, exclusivamente, banco múltiplo com carteira de investimento ou

com carteira de crédito imobiliário, banco de investimento, sociedade de crédito imobiliário, sociedade corretora ou sociedade distribuidora de títulos e valores mobiliários, ou outras entidades legalmente equiparadas.

Estando definido o patrimônio destinado a composição dos fundos de investimento, o legislador preocupou-se com sua preservação, sem, contudo, embaraçar a autonomia da administração e gestão, senão vejamos:

Lei 8.668/1993

Art. 7º Os bens e direitos integrantes do patrimônio do Fundo de Investimento Imobiliário, em especial os bens imóveis mantidos sob a propriedade fiduciária da instituição administradora, bem como seus frutos e rendimentos, não se comunicam com o patrimônio desta, observadas, quanto a tais bens e direitos, as seguintes restrições:

I - ...(omissis).

Art. 8º O fiduciário administrará os bens adquiridos em fidúcia e deles disporá na forma e para os fins estabelecidos no regulamento do fundo ou em assembleia de quotistas, respondendo em caso de má gestão, gestão temerária, conflito de interesses, descumprimento do regulamento do fundo ou de determinação da assembleia de quotistas.

Percebe-se, portanto, que a legislação tratou de resguardar o patrimônio dos cotistas, investidores dos FIIs, sem, contudo, suprimir a autonomia de seus administradores, de forma que lhes possibilite o adequado desenvolvimento do fundo e a liberdade necessária à gestão dos recursos captados, bem como, de seus frutos e rendimentos.

Como veremos a seguir, a exclusividade da gestão por instituição administradora credenciada junto a CVM, não é a única peculiaridade na administração dos Fundos de Investimento Imobiliário. As definições quanto às responsabilidades e atribuições também são objeto de análise específica.


Administração, Gestão e Fiscalização.

Em alinhamento com a legislação vigente, a CVM, por intermédio da Instrução 472, disciplinou o tema, permitindo a contratação pelo administrador de determinados serviços, inclusive de alguns atos de gestão, contudo, mantendo a responsabilidade para o administrador.

A presente assertiva pode ser observada no estudo da Instrução CVM 472/2008, especialmente, nos termos dos artigos 28 e 29, a seguir apresentados:

Art. 28. A administração do fundo compete, exclusivamente, a bancos comerciais, bancos múltiplos com carteira de investimento ou carteira de crédito imobiliário, bancos de investimento, sociedades corretoras ou sociedades distribuidoras de valores mobiliários, sociedades de crédito imobiliário, caixas econômicas e companhias hipotecárias.

§ 1º Caso o fundo invista parcela superior a 5% (cinco por cento) de seu patrimônio em valores mobiliários, o administrador deverá estar previamente autorizado pela CVM à prestação do serviço de administração de carteira, sendo-lhe facultado, alternativamente, contratar terceiro autorizado pela CVM a exercer tal atividade.

Art. 29. O administrador deverá prover o fundo com os seguintes serviços, seja prestando-os diretamente, hipótese em que deve estar habilitado para tanto, ou indiretamente:

I - ...(omissis);

VI – gestão dos valores mobiliários integrantes da carteira do fundo.

§ 2º Sem prejuízo da possibilidade de contratar terceiros para a administração dos imóveis, a responsabilidade pela gestão dos ativos imobiliários do fundo compete exclusivamente ao administrador, que deterá a propriedade fiduciária dos bens do fundo.

As atividades de administração e gestão dos fundos de investimento sempre foram entremeadas por ações que se comunicam e por vezes se confundem. Contudo, a prática preponderante no mercado e as regras estabelecidas nos regulamentos específicos acabam definindo as atividades, tanto para o administrador quanto para o gestor.

Nesta senda, trilhando o caminho do aperfeiçoamento da segmentação das atribuições de um e outro, a Resolução CVM 175/2022, alterada pela Resolução CVM 181/2023, moderniza a legislação vigente e consolida algumas das práticas já observadas no mercado.

Em breve síntese da instrução 472/2008, podemos afirmar que o administrador tem poderes para praticar os atos necessários à administração do fundo de investimento. Já o gestor é o profissional responsável por definir as estratégias, efetuando a análise prática dos recursos e aplicando-os em investimentos com bom potencial de retorno, seja escolhendo os imóveis a serem adquiridos ou vendidos, qual imóvel deverá ser locado, e por quanto, entre outras funções.

Essas atribuições, dos denominados prestadores de serviços, sejam administradores, gestores, consultores especializados, ou outros profissionais, encontram-se descritas de maneira pormenorizada no Capítulo VIII, artigos 80 a 108 da Resolução 175/2022.

As regras inerentes ao funcionamento dos fundos são estabelecidas por intermédio de seus regulamentos, cujo propósito pode ser comparado ao contrato social ou estatuto de uma empresa. Os requisitos mínimos destes regulamentos estão descritos no artigo 10 da Lei 8.668/93, na Secção II, artigos 48 a 53 da Resolução CVM 175/2022, e no Capítulo IV, artigos 15 a 17 da Instrução CVM 472/2008.

Entre os requisitos mínimos a serem estabelecidos nos regulamentos estão: a) qualificação da instituição administradora; b) política de investimento; c) taxa de ingresso; d) remuneração da administradora; e) critérios para subscrição de cotas; f) prazo de duração do fundo e as condições de resgate para efeito de liquidação.

Ainda, de forma complementar às regras estabelecidas no regulamento, os participes dos fundos de investimento, no caso, os proprietários de suas cotas, celebram o Acordo de Cotistas, instrumento análogo ao acordo de acionistas ou contrato inter partes. O objetivo do Acordo de Cotista é tratar de assuntos diversos, não previstos no regulamento, tais como: cessão de cotas do fundo, controle do fundo, exercício do direito de voto, escolha/substituição do administrador, distribuição de rendimentos, etc.

De acordo com as disposições do artigo 4º da Lei 8.668/93, é competência da Comissão de Valores Mobiliários autorizar, disciplinar e fiscalizar a constituição, o funcionamento e a administração dos Fundos de Investimento Imobiliário.

Ao estabelecer sua Missão, Valores e Objetivos Estratégicos, a CVM destaca em sua página [6] como propósito Zelar pelo funcionamento eficiente, pela integridade e pelo desenvolvimento do mercado de capitais, promovendo o equilíbrio entre a iniciativa dos agentes e a efetiva proteção dos investidores”.


Classificação dos FIIs

Não há na legislação, tampouco nos normativos da CVM, uma classificação didática dos Fundos Imobiliários, deste modo, nos valemos da definição estabelecida pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais - Anbima [7].

A ANBIMA, na condição de associação que congrega o mercado financeiro, afirma em seu portal eletrônico, que sua atuação está pautada em torno de quatro compromissos: representar, autorregular, informar e educar seus associados. Assim, no intuito de educar e regulamentar a ANBIMA publicou, em seu informativo de setembro de 2015, a classificação quanto ao objetivo do fundo (Mandato) e quanto ao tipo de gestão, nos termos a seguir: [8] 1) Mandato – Determina o objetivo do fundo de acordo com a finalidade do investimento: a) Desenvolvimento para renda; b) Desenvolvimento para venda; c) Renda: d) Títulos e valores mobiliários; e) Híbridos. 2) Tipo de gestão – Passiva ou Ativa.

Importante que na gestão passiva a venda de um dos imóveis só pode acontecer com aprovação da assembleia de cotistas. Relevante enfatizar que na gestão ativa os fundos podem sofrer mudanças durante os anos, sendo possível incluir ou retirar outros ativos, construir novos empreendimentos e mudar os objetivos, alterando de renda para desenvolvimento de renda e assim por diante.

Apresentados os parâmetros e características gerais dos fundos de investimento imobiliário, passamos a análise da possibilidade de utilização deste instrumento pela administração pública.

Destinação de imóveis da União para compor FIIs - aspectos legais

É cediço a existência de diversas formas de aproveitamento dos bens públicos. Marques Neto (2014, p. 385), no capítulo que trata das utilidades públicas e seu uso econômico, nos oferece a seguinte definição apresentada por Afonso Rodrigues Queiró:

O princípio finalístico que rege tais hipóteses é o de que a administração dar a seus bens o melhor aproveitamento possível, extraindo deles todas as utilidades que eles possam proporcionar e, se necessário (...) sacrificando as utilidades menos relevantes em benefício das mais relevantes. No que se refere aos bens do domínio público, este princípio contribuiu significativamente para o abandono da velha concepção do domínio como um patrimônio insuscetível de apropriação, reservado por natureza ao uso exclusivo público, um patrimônio, portanto, estéril e improdutivo, sobre o qual a Administração detém um poder de guarda e vigilância e não um direito de exploração económica. A esta ideia contrapõe-se hoje uma outra, segundo a qual o domínio público comporta múltiplas utilidades e (para nos exprimirmos com Laubadère) constitui uma riqueza coletiva, que os entes públicos devem explorar racionalmente no exercício do verdadeiro direito de propriedade.

Em sintonia com esta definição, podemos afirmar que a destinação de imóveis da União para a composição de Fundos de Investimentos Imobiliários – FIIs, constituem uma opção alternativa e contemporânea de desinvestimento, inserida no ordenamento jurídico pela Lei nº 13.240/2015 e aperfeiçoada pela Lei nº 14.011/2020.

A integralização de imóveis da União em cotas de FIIs, encontra-se devidamente autorizada no art. 1º e 20 da Lei nº 13.240, nos termos a seguir apresentados:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a administração, a alienação, a transferência de gestão de imóveis da União e seu uso para a constituição de fundos.

Art. 20. Os imóveis de propriedade da União arrolados na portaria de que trata o art. 8º e os direitos reais a eles associados poderão ser destinados à integralização de cotas em fundos de investimento. (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017).

A transferência da gestão dos bens imóveis, referida no artigo primeiro, quando ociosos ou inservíveis é questão relevante, visto ser tema de apontamentos realizados pelo Tribunal de Contas da União.

A constituição de fundos de investimentos não ficou adstrita apenas à Lei 13.240. A Lei 14.011/2020 incluiu dispositivo semelhante também na Lei nº 9.636/1998, permitindo a possibilidade de se alienar ativos imobiliários da União, para a composição de FIIs, com previsão da possibilidade de contratação de administração especializada, para gerir as cotas adquiridas.

Neste modelo de desfazimento daqueles bens públicos, a União deixa de ser a proprietária dos imóveis e passa a ser a proprietária de cotas dos FIIs, realizando na

prática uma permuta de bens (imóveis x cotas de FIIs). O proprietário, fiduciário, passará a ser o administrador do Fundo de Investimento, conforme podemos observar nas disposições legais a seguir apresentadas:

Lei 8.668/1993

Art. 6º O patrimônio do Fundo será constituído pelos bens e direitos adquiridos pela instituição administradora, em caráter fiduciário.

Instrução CVM 472/2008.

Art. 30. Compete ao administrador, observado o disposto no regulamento: II – exercer todos os direitos inerentes à propriedade dos bens e direitos integrantes do patrimônio do fundo, inclusive o de ações, recursos e exceções;

Temos, portanto, uma nova opção administrativa para o aproveitamento dos imóveis, por meio de sua destinação mediante a integralização em cotas de fundo de investimento imobiliário, em alternativa à sua manutenção no acervo imobiliário, ou à sua alienação direta, seja por licitação ou mediante Proposta de Aquisição de Imóvel da União - PAI.


Vantagens da destinação dos imóveis em cotas de FIIs

Se, de um lado, as vendas diretas, PAI, SCE, leilões e etc. são formas de alienação de bens imóveis, a integralização de cotas em FII é forma de destinação de patrimônio público com implemento de políticas públicas, ou seja, as ferramentas são distintas em sua natureza jurídica e não concorrem entre si.

Enquanto nas modalidades tradicionais as alienações são realizadas de forma individualizada por imóvel, nesta modalidade de desfazimento é possibilitada a alienação de diversos imóveis em uma única operação, o que se traduz em uma significativa vantagem em comparação aos procedimentos atualmente vigentes.

Observa-se que a opção de destinação dos imóveis mediante a integralização em cotas de fundo de investimento imobiliário, em contrapartida às demais alternativas, repousa na utilização de mecanismo de escala compatível com o expressivo número de imóveis da União, em razão do histórico de ineficácia na destinação desses ativos.

Nesta acepção, observa-se a perspicácia e inteligência do legislador que, ao elaborar o normativo, pretendeu destacar essa possibilidade, senão vejamos:

Lei 9.636/1998

Art. 24-B. A Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União

poderá realizar a alienação de imóveis da União por lote, se essa modalidade implicar, conforme demonstrado em parecer técnico: (Incluído pela Lei 14.011, de 2020)

  1. - maior valorização dos bens; (Incluído pela Lei 14.011, de 2020)

  2. - maior liquidez para os imóveis cuja alienação isolada seja difícil ou não recomendada; ou (Incluído pela Lei 14.011, de 2020)

  3. - outras situações decorrentes das práticas normais do mercado ou em que se observem condições mais vantajosas para a administração pública, devidamente fundamentadas. (Incluído pela Lei 14.011, de 2020)

As premissas e vantagens destacadas na legislação, encontram-se alinhadas com os objetivos do adequado aproveitamento econômico dos bens públicos, citados por Marques Neto (2014, p. 433):

O aproveitamento econômico dos bens públicos pode se pautar por três objetivos: (i) gerar receitas para o poder público; (ii) atrair os particulares para darem uma determinada utilidade ao bem, utilidade esta que seja de interesse geral; ou (iii) fomentar a utilização de um bem público ocioso, de modo a que ele cumpra sua função social correspondente a produzir riquezas para a sociedade.

Logo, observa-se que a destinação dos imóveis para a integralização de cotas em FII, vem ao encontro dos objetivos destacados por Marques Neto, visto que tem potencial significativo de gerar receitas, atrair particulares para a gestão dos bens públicos assim como, atribuir utilidade adequada à bens ociosos.

Com as alienações tradicionais, referidas no item 3 (três) deste artigo, a União, além de perder definitivamente os atributos do direito de propriedade, deixa de experimentar, após o evento de alienação, qualquer benefício relacionado aos imóveis.

Na modelagem dos fundos de investimento, embora, de maneira semelhante, a União perca tal atributo do direito de propriedade dos imóveis, que passam ao patrimônio do fundo sob a propriedade fiduciária do administrador, ela experimentará os frutos decorrentes da referida destinação.

Com efeito, detentora de cotas do respectivo fundo, beneficiar-se-á da valorização das cotas, da distribuição de resultados, da liquidez de seus novos ativos, tornados mobiliários. Tudo isso, é salutar ressaltar, sem qualquer perda patrimonial, haja vista tratar-se de uma troca ou permuta a valor equivalente. No caso, a permuta dos imóveis por cotas de FII.

É fundamental evidenciar que a partir da destinação de imóveis para a integralização em cotas de Fundos de Investimento, a União altera o status destes ativos de ociosos, geradores de despesas, para ativos promotores de receitas e com potencial de valorização expressiva, em especial para a União, principal ou único cotista do fundo, conforme a opção escolhida.


Formas de Gestão dos FIIs públicos

Conforme descrito anteriormente, as atividades de administração e gestão dos Fundos de Investimento Imobiliário, são compostas de distintas atribuições e tarefas. Em regra, essas atividades não compõem o escopo de competências da administração.

De igual sorte, a prestação de serviços técnicos especializados visando à estruturação, constituição, administração e gestão de Fundo de Investimento Imobiliário, compreendem ofícios que não são executados pela Administração Pública Direta e, portanto, para os quais a gestão pública não detém competência, experiência e tampouco estrutura.

Assim, a legislação estabeleceu alternativas visando possibilitar a implementação desta modalidade no âmbito da administração pública. Vejamos o que dispõe o artigo 20 da Lei 13.240/2015, sobre o tema:

§ 3º A União poderá contratar, por meio de processo licitatório, prestação de serviços de constituição, de estruturação, de administração e de gestão de fundo de investimento, para os fins de que trata o caput deste artigo, dispensada a licitação para a contratação de instituições financeiras oficiais federais. (Redação dada pela Lei nº 13.813, de 2019).

Em consonância com aquele dispositivo legal, a Lei 9.636/1998, que versa sobre a alienação de bens da União, estabeleceu o que segue:

Art. 24-D. A Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União poderá contratar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com dispensa de licitação, para a realização de estudos e a execução de plano de desestatização de ativos imobiliários da União. (Incluído pela Lei 14.011, de 2020)

§ 1º A desestatização referida no caput deste artigo poderá ocorrer por meio de:

(omissis);

constituição de fundos de investimento imobiliário e contratação de seus gestores e administradores, conforme legislação vigente; ou (Incluído pela Lei 14.011, de 2020).

Constata-se que o legislador, ao elaborar o normativo sobre o tema, ofertou também os instrumentos que viabilizam sua execução. Deste modo, por todo o exposto até o presente momento, nos parece mais assertivo que a administração contrate empresa especializada na prestação deste tipo de serviço, para administrar eventual fundo de investimento imobiliário, constituído com a destinação de imóveis da União.

Os ditames legais supra referidos, encontram-se em harmonia com o que alguns autores classificam como transformações necessárias no papel do Estado contemporâneo, que necessita gerenciar demandas crescentes e recursos escassos.

Neste cenário, Marques Neto (2014), assevera que para o cumprimento adequado das funções sociais, é imprescindível que o Estado recorra a instrumentos mais eficientes, delegando parcelas de suas tarefas ao privado e obtendo em contrapartida mecanismos alternativos de financiamento estatal.

Conforme o autor, quando os mecanismos tradicionais de financiamento (arrecadação tributária, endividamento e emissão de moeda) encontram-se esgotados “torna imperativo que o regime jurídico dos bens públicos se abra para o que alguns autores chamam de “rentabilização dos bens públicos”. (grifos nossos). (MARQUES NETO, 2014, p. 389).

Neste contexto a administração especializada adquire relevo, pois ela tem a capacidade de proporcionar, em razão de sua expertise, maior retorno ao patrimônio da União.

Breve análise do recente Projeto de Constituição de FII pela União, elaborado pelo Ministério da Economia com acompanhamento dos Órgãos Controle

Em meados de 2021 a Secretaria de Especial de Desestatização e Desinvestimento e Mercados do Ministério, do Economia - ME, iniciou projeto visando a análise quanto a possibilidade de implementação de Fundo de Investimento Imobiliário (FII) para fins de desinvestimento de ativos imobiliários da União.

Para tanto, em 09 de dezembro daquele ano, foi expedida a Portaria nº 14.490/SEDDM/ME, que regulamentou “a aplicação de sondagem de mercado visando a obtenção de subsídios para auxiliar na estruturação de fundos de investimento imobiliário com imóveis da União”.

Em janeiro de 2022, a partir dos resultados obtidos na sondagem de mercado, prosseguiu-se com os procedimentos administrativos da possível contratação dos serviços

técnicos especializados visando à estruturação, constituição, administração e gestão de Fundo de Investimento Imobiliário (FII) com os Imóveis da União.

O procedimento foi acompanhado desde seu início pelo Tribunal de Contas da União. Em seu Acórdão nº 2702/2021, prolatado em 17 de novembro, a egrégia corte de contas destaca que a SEDDM considera a instrumentalização dos FIIs como uma oportunidade “válida e eficaz para alienação de imóveis da União, transferindo seus ativos à iniciativa privada, que, em tese, possui maior capacidade de maximizar o valor desses bens”. Afirma ainda, que, ao final, com a criação de FIIs, almejava-se obter o máximo valor para a sociedade em relação aos bens imóveis da União, promovendo geração de emprego e renda ao realizar o desenvolvimento e aproveitamento adequado desses bens. Conforme enunciado no citado acórdão, o entendimento da Secretaria Especial, era de que, deveria se buscar a contratação de instituições privadas, que possuíssem expertise reconhecida em tal mercado, visto que, conforme a legislação vigente, a administração e a gestão dos FIIs são privadas. Assim, as contratações seguiram nesta direção.

Além do acompanhamento pelo Tribunal de Contas, os procedimentos e processos administrativos das contratações, foram orientados pela Controladoria-Geral da União – CGU e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PGFN. Entre os pontos de reflexão e debates pode-se destacar a necessidade de dotação orçamentária, a forma e requisitos da contratação, assim como, os critérios de escolha dos imóveis.

Quanto a dotação orçamentária o Tribunal de Contas da União, manifestou-se ao prolatar o acórdão 1771/2022, nos seguintes termos: “a integralização de imóveis em cotas de fundos de investimento imobiliário é espécie sui generis de transação, que não requer nem dotação e execução orçamentária, nem previsão e reconhecimento de receita orçamentária”.

No quesito forma de contratação, definiu-se a modalidade de licitação do Pregão Presencial. Embora essa contratação seja inovadora para a administração, a escolha por esta modalidade ocorreu em razão de os serviços, objeto da contratação, serem amplamente fornecidos pelo mercado, com padrões de desempenho e qualidade que podem objetivamente ser definidos em edital, conforme exige a lei de licitações.

Um dos principais benefícios dessa modalidade, em comparação com a modalidade de concorrência, se refere à inversão de fases, analisando-se primeiramente as propostas e, somente depois, a habilitação do vencedor, evitando assim a análise de diversos documentos. Esse procedimento agrega eficiência e eficácia ao processo, agilizando o procedimento e reduzindo a incidência de recursos, em total afinidade com o objeto licitado.

Quanto ao critério de julgamento foi utilizada a menor Taxa de Administração, correspondente ao critério do “menor preço”, por afigurar-se adequado aos princípios e objetivos que orientam as licitações, vez que se presta a selecionar a melhor proposta para a Administração.

Em relação à possibilidade de ingresso em fundo já existente ou constituição de fundo exclusivo com imóveis da União, optou-se pela segunda alternativa, a qual dialoga com uma visão mais conservadora, em razão do pioneirismo da iniciativa. Essa opção foi escolhida por permitir maior flexibilidade à administração na definição das regras do Regulamento do FII, assegurando um maior controle da União de toda sua conformação normativa de regência, seja quanto a elaboração do Regulamento ou Acordo de Cotistas.

Visando garantir a melhor gestão possível do FII, foi estabelecida como obrigação ao administrador contratado a necessidade de aportar ao fundo, com recursos próprios, uma considerável soma em pecúnia, que corresponderia a um percentual específico do valor dos imóveis da União utilizados para integralização das cotas. Além disto, a remuneração do administrador foi também atrelada à sua performance, sugerindo um alto comprometimento com os resultados.

No que se refere as diretrizes do processo de escolha dos imóveis, foram adotadas as seguintes premissas: a) Vocação funcional (perfil de imóveis) indicada em sondagem de mercado; b) Segurança jurídica relacionada à solidez documental dos imóveis da União para aplicação em projeto-piloto; c) Prevenção de custos periódicos associados aos imóveis (condomínio, manutenção, vigilância).

Analisando o procedimento, em relatório de consultoria consolidado em 23 de novembro de 2022, a Controladoria-Geral da União [9], identificou os seguintes pontos positivos da escolha da constituição de FII como forma de alienação direta: gestão profissional do patrimônio; monetização de patrimônio; ampliação do número de potenciais compradores; garantia da aquisição simultânea de imóveis necessárias à montagem de uma operação; e a otimização da quantidade de certames. Os apontamentos realizados pela eminente Controladoria-Geral, tem o condão de convalidar e impulsionar o procedimento.

Por outro lado, por meio do item 9.2.3 do Acórdão 1771/2022-TCU-Plenário, foi informado ao Ministério da Economia que, com o objetivo de garantir segurança jurídica, deveria ser avaliada a expedição de decreto regulamentar para a operacionalização de FII, com vistas a adequada aplicação do art. 20 da Lei 13.240/2015. Posteriormente, em análise daquele item, ao proferir o Acórdão Nº 2516 em novembro de 2022, a distinta corte manifestou-se no seguinte sentido:

...verifica-se que a minuta de decreto regulamentar elaborada pelo ME, atende às disposições exaradas por esta Corte, no mencionado acórdão, restando, portanto, verificar, tão-somente, os ajustes finais, bem como a efetiva entrada do regulamento no mundo jurídico, razão pela qual se considera oportuna a continuidade do acompanhamento quanto ao presente tópico. (grifos nossos)

Conforme registrado no acórdão supracitado, em novembro de 2022, os processos de elaboração de documentos, visando a contratação dos FIIs, encontravam-se prontos para serem publicados, em fase de ajustes finais, aguardando apenas a publicação do decreto regulamentador dos FIIs.

Com a extinção do Ministério da Economia, as competências relativas à destinação dos imóveis da União permaneceram na Secretaria do Patrimônio da União, contudo, vinculadas ao Ministério da Gestão e Inovação. De acordo com informações recentes, obtidas junto a SPU, os processos elaborados encontram-se em análise naquela Secretaria.


Conclusão

Como percebemos, a existência de imóveis abandonados gera altos custos à União e escancaram um desperdício de oportunidade gigantesco para o país, deixando de atrair investimentos e, consequentemente, de gerar prosperidade à população. As dificuldades na destinação destes bens repercutem diretamente em ocupações irregulares, criminalidade e em nada contribuem para amenizar o déficit habitacional.

A manutenção dos bens públicos em poder do Estado somente se justifica, enquanto servir para realizar suas funções, seja por meio do uso direto do bem na prestação de algum serviço público, seja por meio da arrecadação de receitas para custear suas atividades prestacionais. O patrimônio ou a riqueza proveniente destes bens, deve ter como foco a coletividade, ou seja, servir a sociedade, beneficiando o máximo possível de indivíduos.

Considerando que a comercialização dos imóveis por meio dos modelos atualmente implementados tem baixa efetividade, confirmada pela significativa diferença entre a quantidade de imóveis ofertados e aqueles de fato arrematados, faz-se necessário buscar alternativas diversas para o melhor aproveitamento destes ativos e uma modelagem de destinação compatível com o robusto acervo imobiliário da União.

A destinação dos imóveis para integralização em cotas de Fundos de Investimento imobiliário, possui respaldo legal e traz como principais vantagens uma maior liquidez dos ativos, mais robustez na estrutura de governança e maior velocidade de alienação desses imóveis, em comparação aos procedimentos atualmente vigentes.

A contratação de empresa privada para a constituição, administração e gestão destes FIIs, têm o potencial de obter sinergias entre a Administração Pública e a iniciativa privada. Nessa modelagem inovadora, a União experimentará a valorização de seus ativos, ao passo que o administrador privado, que poderá aportar recursos próprios no veículo, oferecerá expertise e dinamismo na gestão de um patrimônio que, mediante sua dedicação e natural execução contratual, tornar-se-á mais líquido e atrativo.

A participação da iniciativa privada oferta o conhecimento e a habilidade específica em oportunidades e negócios imobiliários, atuando nas atividades de formulação e implementação de estratégias diversificadas de gestão de carteira imobiliária, análise de pesquisa mercadológica e elaboração de planos de desenvolvimento imobiliário, regularização de registro, contratação e aprovação de projetos imobiliários, alienação de imóveis e obtenção de licenciamento junto a órgãos públicos, entre outras atividades que não compõe as competências dos órgãos públicos.

Oportuno destacar que ecoa alvissareira a notícia de que a União envidou esforços para a implementação dos fundos de investimentos no período compreendido entre 2021 e 2022. No momento do encerramento deste artigo, em 02 de junho de 2023, o processo encontrava-se em análise na Secretaria do Patrimônio da União.

Por fim, acreditamos que diante do significativo patrimônio imobiliário da União, das adversidades encontradas na gestão e na alienação tradicional destes bens, que os fundos de investimento imobiliário sejam uma extraordinária ferramenta à disposição da gestão pública e que conta com nível de maturidade legal suficiente para ser implementada.


Notas

1 Balanço Geral da União. 2021. Disponível em: https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO:38245. Acesso em: 07 jan. 2023.

2 https://sites.tcu.gov.br/listadealtorisco/gestao_do_patrimonio_imobiliario_publico_federal.html

3 Portaria 17.480 de 21 de Julho de 2020 - Aprova a implantação do Sistema de Concorrência Eletrônica - SCE, para realização dos procedimentos licitatórios dos imóveis da União por intermédio de recursos de tecnologia da informação.

4 https://painel.su.spu.planejamento.gov.br/

5 A CVM é uma entidade autárquica em regime especial, vinculada ao Ministério da Fazenda, com personalidade jurídica e patrimônio próprios, dotada de autoridade administrativa independente, criada pela Lei 6.385 de 07 de dezembro de 1976, com o objetivo de fiscalizar, normatizar, disciplinar e desenvolver o mercado de valores mobiliários.

6 https://www.gov.br/cvm/pt-br/acesso-a-informacao-cvm/institucional/missao-valores-e-objetivos-estrategicos. Acesso em 27 de Abr. de 2023.

7 A ANBIMA é uma associação que reúne bancos, gestoras, corretoras, distribuidoras e administradoras do mercado financeiro. Dado reconhecimento de sua importância a CVM firmou diversos convênios com a entidade. A relevância de seus dados é de tamanha expressão que servem para subsidiar a própria CVM.

8 https://www.anbima.com.br/pt_br/institucional/publicacoes/informativo/fundos-imobiliarios-ganham-classificacao-inedita-no-mercado.htm. Acesso em: 22 maio 2023.

9 Relatório de Consultoria Integralização de Imóveis na Constituição de Fundos Imobiliários da União https://eaud.cgu.gov.br/relatorios/download/1356844


REFERÊNCIAS

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_______. Presidência da República. Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9636.htm. Acesso em: 30 mar. 2023.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Assis Fernando da. Fundo de investimento imobiliário com imóveis da União. Ferramenta moderna e promissora de aproveitamento do patrimônio público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7375, 10 set. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/106020. Acesso em: 11 maio 2024.