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Breves considerações sobre a natureza da medida liminar no mandado de segurança em matéria tributária

Breves considerações sobre a natureza da medida liminar no mandado de segurança em matéria tributária

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O presente ensaio busca tecer algumas considerações sobre a natureza da liminar no mandado de segurança, mormente em relação à matéria tributária. Mais do que esgotar o tema, as seguintes linhas visam instituir um debate sólido sobre o tema, bem como impulsionar novas pesquisas que enobreçam e desenvolvam a utilização das medidas liminares em seara mandamental.

É clara a intenção do legislador em prever, na Lei n.º 1.533/51, uma medida deferida in limine, cujo condão seja evitar o perecimento do direito do autor [01]. No dizer de Vittorio Cassone e Maria Eugenia Teixeira Cassone, medida liminar é provimento que visa impedir que a demora da decisão final venha a tornar inócuo o direito do impetrante [02]. Pode-se dizer que a própria natureza do pedido, em mandado de segurança, enseja previsão de medida liminar. Convém analisar que as medidas liminares, na regra geral do Código de Processo Civil, exigem dois pressupostos para a sua concessão: fumus boni iuris (fundamento relevante) e periculum in mora (risco de ineficácia da medida resultante do ato impugnado). José Eduardo Souza de Melo entende que ambos os requisitos se identificam com os pressupostos da liminar em mandado de segurança [03]. A liminar concedida em mandado de segurança é dotada de três características fundamentais: cautelaridade, satisfatividade e antecipatoriedade. Com efeito, amiúde se classificam as medidas liminares em antecipatórias (satisfativas) ou cautelares.Hely Lopes Meirelles afirma que a medida liminar no mandado de segurança

não é concedida como antecipação dos efeitos da sentença final, é procedimento acautelador do possível direito do impetrante, justificado pela iminência de dano irreversível [...]. Por isso mesmo, não importa prejulgamento; não afirma direitos; nem nega poderes à Administração. [04]

Portanto, a liminar teria natureza tipicamente cautelar. A natureza cautelar está mais vinculada ao perigo de lesão do direito. Não se preocupa em definir direitos. Porém, a medida liminar deferida em mandado de segurança pode ter caráter de satisfatividade. Nesse caso, não se busca propriamente apenas uma medida assecuratória, mas baseada no juízo de plausibilidade.

É o que ocorre no clássico exemplo de omissão pela Administração Pública, frente a empresa que necessita de certidão negativa de débitos para participar de licitações. Diante do não fornecimento de certidão negativa em virtude de supostas pendências, pode ser concedida in limine, ao menos, uma certidão positiva com efeitos de negativa. Não é propriamente a pretensão requerida pelo contribuinte, mas lhe serve. Não se busca apenas afastar o risco de dano, mas porque existem elementos fáticos suficientes para se determinar uma plausibilidade no pedido. Trata-se, no entender deste trabalho, de medida satisfativa, uma vez que faz coincidir o pedido do impetrante com o provimento jurisdicional. Como faltam elementos para o Juiz emitir Juízo baseado em cognição exauriente, não se trata de sentença de mérito, mas decisão interlocutória, apta a garantir, até o julgamento definitivo, o plausível direito (fumus boni iuris) do impetrante. É indispensável, entretanto, que o direito esteja comprovado de tal modo que enseje cognição provisória do Juízo.

A questão da antecipatoriedade liga-se mais ao mérito. Além da correspondência pedido-provimento jurisdicional, busca, mais do que proteger um direito, antecipar os efeitos da possível sentença favorável. Isso pode ocorrer, por exemplo, quando a Administração Pública "confessa" nas Informações que agiu arbitrariamente. O Juiz, sensível à causa do impetrante, defere não apenas a suspensão do ato, mas manda que a Administração corrija, ainda que provisoriamente, o ato combatido (algo que não visa afastar um dano, mas antecipar o efeito do julgamento favorável.

Veja-se o seguinte exemplo: empresa realiza compensação de tributos. É autuada pela Administração Pública, por entender que não é cabível tal compensação. Recorre ao procedimento administrativo, com realização de depósito, para o fim de suspender a exigibilidade e garantir a participação em licitações. Após sucumbir em âmbito administrativo, recorre ao Judiciário, pela via mandamental. A liminar poderá ser deferida para a) afastar quaisquer cobranças dos impostos aludidos (risco de dano = cautelaridade); b) permitir o levantamento do depósito efetuado em procedimento administrativo (plausibilidade do direito = satisfatividade); c) determinar a manutenção da certidão positiva com efeitos de negativa (pretensão de mérito = antecipatoriedade) [05].

Ainda, há que se considerar se a concessão da liminar é ato vinculado ou discricionário. José Eduardo de Souza Melo entende haver discricionariedade decorrente do poder geral de cautela do juiz, mas a condiciona à motivação dos atos administrativos [06]. Hely Lopes Meirelles afirma que se trata de ato vinculado [07], no que, de acordo com o entender deste trabalho, assiste-lhe razão. A liminar não é uma liberalidade da justiça, mas direito garantido pela própria lei ao impetrante. Portanto, não cabe ao juiz exigir novas garantias, ausentes em lei, sob pretexto de discricionariedade na conessão da liminar. Assim já entendeu o STJ, a respeito do assunto (EREsp 90225/DF). Entretanto, o STJ alterou este entendimento, pois entendeu que a "condição" exigida seria depósito judicial, e não caução:

PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART.535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. DEPÓSITO JUDICIAL PARA DEFERIMENTO DE MEDIDA LIMINAR. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO. CONVERSÃO EM RENDA. POSSIBILIDADE. PRAZO DECADENCIAL. NÃO-OCORRÊNCIA. 1. [...] 2. Configura-se como depósito judicial, e não caução, o montante em dinheiro e em valor igual ao débito tributário ofertado para fins de concessão de liminar em mandado de segurança. Por conseqüência, uma vez denegada a segurança pretendida e tendo o respectivo decisório transitado em julgado, é plenamente viável a conversão do valor depositado em renda com a finalidade de pagamento do débito fiscal. [...]. (REsp 804.415/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 15.02.2007, DJ 05.06.2007 p. 309).

Assim, hoje o STJ considera que haja discricionariedade do juiz, que poderia exigir o depósito para concessão de liminar.

São conclusões deste trabalho, portanto: a liminar concedida em mandado de segurança é decisão interlocutória, dotada de cautelaridade, satisfatoriedade e antecipatoriedade, que tem no fumus boni iuris e do periculum in mora os seus pressupostos, cuja concessão independa de caução (que não possui previsão legal), por ser ato vinculado do juiz.


bibliografia consultada

Carminatti, Antonella; Lyrio, Alexandre da Cunha. Marca v. nome de domínio – escolha as suas armas! Informativo do escritório Castro, Barros, Sobral, Gomes Advogados. [s. d.]. Disponível em: <http://www.cbsg.com.br/pdf_publicacoes/marcaxnome_de_dom%.

C3%ADnio.pdf>.

Carraza, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 5 ed., São Paulo : Malheiros, 1993.

Cassone, Vittorio; Cassone, Maria Eugenia Teixeira. Processo tributário – teoria e prática. 8 ed., São Paulo : Atlas, 2007.

Martins, Ives Gandra da Silva, (coord.). Curso de Direito Tributário. São Paulo : Saraiva, 2006.

Martins, Ives Gandra da Silva (coord.). Processo Judicial Tributário. São Paulo : Quartier Latin, 2005.

Meirelles, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e "habeas data". 21 ed., São Paulo : Malheiros, 2000.


Notas

01 A Lei n.º 1.533/51 prevê que:

Art. 7º – Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: [...]

II – que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando for relevante o fundamento e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida.

02 Cassone, Vittorio; Cassone, Maria Eugenia Teixeira. Processo tributário – teoria e prática. 8 ed., São Paulo : Atlas, 2007, p. 200.

03 Cf. Martins, Ives Gandra da Silva (coord.). Processo Judicial Tributário. São Paulo : Quartier Latin, 2005, p. 136. Hely Lopes Meirelles, na obra Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e "habeas data", 21 ed., São Paulo : Malheiros, 2000, p. 71, também identifica as liminares do mandado de segurança ao fumus e ao periculum do CPC.

04 Meirelles, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e "habeas data". 21 ed., São Paulo : Malheiros, 2000, p. 71. Importante sugestão, levantada nessa mesma obra, pelo seu atualizador, Arnoldo Wald, seria a atualização da lei do mandamus a fim de prever medida antecipatória dos efeitos do provimento final, ou seja, satisfativa.

05 Carminatti, Antonella; Lyrio, Alexandre da Cunha. Marca v. nome de domínio – escolha as suas armas! Informativo do escritório Castro, Barros, Sobral, Gomes Advogados. [s. d.]. Disponível em: <http://www.cbsg.com.br/pdf_publicacoes/marcaxnome_de_dom%C3%ADnio.pdf.>. Consulta em 1 jun. 2007.

06 Martins, Ives Gandra da Silva (coord.). op. cit., p. 137.

07 Meirelles, Hely Lopes. op. cit., p. 71.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO NETO, Miguel Nolasco de. Breves considerações sobre a natureza da medida liminar no mandado de segurança em matéria tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1593, 11 nov. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10634. Acesso em: 29 mar. 2024.