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CNJ: gestão disciplinar em xeque

CNJ: gestão disciplinar em xeque

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Recentemente foi divulgado o expressivo aumento de reclamações contra magistrados ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tendo chegado ao número de quase dez representações diárias. Por mais cautelosos que devamos ser com tais números em face de muitas das reclamações terem sido apontadas como inapropriadas, eles evidenciam com absoluta pertinência os vários problemas do Poder Judiciário brasileiro.

Para quem se recorda, quando o CNJ ainda era apenas um esboço, houve um levante em tropa da magistratura brasileira aturdida com a criação de um órgão soberano e de abrangência nacional voltado precisamente às falhas e desmandos de seu excelso sodalício. A resistência era natural e previsível. Na história brasileira, o Poder Judiciário manteve-se soberano sobre todas as crises e classes envolvidas, mesmo quando grandes tempestades despontaram no horizonte. Todavia, na condição de instituição talhada própria e originariamente a uma existência autônoma tanto quanto isenta na pacificação do convívio social, seus integrantes acostumaram-se à cômoda e segura blindagem reservada à toga, permitindo-se, não poucos, à reiterada contumácia de deslizes e equívocos dos mais variados, sempre sob a confortável justificativa do propalado e natural falhar humano". Desse modo, forçoso reconhecer que da histórica pureza tecnicamente delineada à nobilíssima instituição-paradigma, prove-la exclusivamente com mentes virtuosas quanto humildes mostrou-se tarefa tão árdua quanto tentar controlar o clima. É fato.

Todo aquele investido de poder, seja ele qual for, aspira por realizações vastas, profundas, ecléticas e plurais, visando assim solidificar sua imagem haurindo maior prestígio – e mais poder. Contudo, nesse vórtice de egocentrismo desmedido, o poder induz seu inquilino a crer ser ele o próprio. E quanto maior a sede de poder, mais rápido o embate com a intransponibilidade de seu raio de ação, desafiando ferozmente o senso da ética, da justiça, e conseqüentemente da legalidade. Estonteantemente sedutor por sua condição altiva e soberana, o poder induz a um mundo surreal, derretendo o caráter, corrompendo o espírito e profanando a alma, além de sabotar a razão alheia incontestável em prol de uma própria, motivo pela qual há de prevalecer mesmo quando monstruosa.

Mentes arrogantes, como outras com graves desvios de personalidade e fome de mando, encontram na magistratura o seu jardim do Éden. Mas por ocupar tão elevada altitude, fenece na incontrolável equivalência da gravidade, e embora alçada à posição inatacável por sua função depuradora e terminal dos males mundanos, vê-se constantemente vitimada pelas armadilhas da autoconfiança sempre frágil, vendo despencar sua respeitabilidade no fogo amigo da consciência anabolizada pela soberba colérica.

Mas o pior vem a se estabelecer depois de anos a fio, quando a overdose de poder embriagou de tal modo alguns de seus veteranos que toda a prole encontra-se persuadida pelo exercício da magistratura sob o açulamento de uma dinástica aptidão. Seu nome é nepotismo, mas oportunismo é seu condão e sobrenome. É o poder pelo poder, unindo o amor pelo poder ao poder pelo amor à própria cria. E é também o momento da tão decantada ética ser sumariamente escorraçada em prol do lobby amigo e questuoso. Nessa tertúlia da alegria, a entourage formada por parentela e agregados também avança à régia investidura en petit comitê, bem como outros em outras afins. [Quem peca, contra si peca; quem comete injustiça, a si agrava, porque a si mesmo perverte" - Marco Aurélio.]

O resultado dessa invasão de criaturas alienígenas é evidentemente catastrófico. Tornam-se conhecidas por onde aportam tão logo assumem seus cargos, e sua fama cresce mais e mais rapidamente do que a de seus colegas de meritória fibra. Piratas escravos do sonho de poder de seus ascendentes monarquizados, de norte a sul, de leste a oeste marcam presença de modo singular, granjeando fundada apreensão e desalento. Se a aprovação no exame da OAB fosse condição sine qua non, advogados jamais seriam. Em face disso, acena como providência de fundamental importância a transferência da organização dos concursos à magistratura para o Conselho Nacional de Justiça, adquirindo assim coordenação e aplicação nacional e isonômica. É imperioso que o acesso a esse homérico sodalício seja centralizado como medida profilática em prol da jus meritocracia, a evitar a infiltração daninha de excetos dinásticos provindos do irresponsável movimento dos sem vocação. [Os homens deviam ser o que parecem ou, pelo menos, não parecerem o que não são" William Shakespeare.]

Não obstante aos inúmeros avanços impostos a partir da criação do ilustre conselho, noticiou-se recentemente a eventualidade da instituição, face o excesso de problemas instado a resolver, proscrever de sua esfera de julgamentos casos vistos como menores, como as reclamações contra magistrados, em prol de outros, institucionalmente considerados de maior envergadura. A idéia seria focar no management do organismo judiciário de forma macro, dinamizando a eficiência administrativa em todas as suas fases sob a implantação de modelos avançados de gestão. A partir dessa nova vertente, deixaria então o CNJ as questões ditas pessoais, e por isso consideradas menores, circunscritas aos tribunais de cada estado, devendo estes atender às representações contra seus integrantes. Se materializada, tal mudança constituirá um decepcionante retrocesso, mesmo que o CNJ passe a atuar como segunda instância.

Para quem bem conhece, é cediça a teia simbiótica que permeia o Judiciário de cada estado. Como instituição ciosa de sua independência e importância, além da solidária impermeabilidade, suas cúpulas diretivas são as principais responsáveis pelo corporativismo tolerante, assecuratório da impunidade nos corriqueiros quanto sérios abusos cometidos por vários magistrados, tanto processualmente como no trato diário com partes, testemunhas e advogados. E para quem vive o dia-dia forense, sabe que tais fatos não são ocorrências isoladas, não onerosas, não prejudiciais, tampouco eventuais. Mas como bem adverte o ditado popular: "Quem bate esquece; quem apanha não esquece". Em decorrência, explodiram reclamações ao CNJ, embretando a magistratura brasileira como jamais se imaginara. A resposta, previsível, foi o recente desfraldamento pelo nobre sodalício da bandeira à devolução aos tribunais estaduais da prerrogativa em punir seus membros. Mais do que um brado político, tal mavortismo veio desnudar a profunda irresignação da magistratura brasileira, por enxergar na atuação do CNJ um rompante tombo à sua histórica intocabilidade. E tal reação ocorreu mesmo ante à instauração de insignificante número de processos administrativos, revelando outro paradoxo: a finalidade do Conselho encontra-se prestes a decair a uma existência meramente formal-contemplativa, desatendendo às expectativas de seu desígnio mais ansiado, que é o alinhamento de conduta através de punições adequadas e rigorosas. Se a linha de atuação mantiver o trânsito sob chancela "chapa branca", teremos apenas uma mudança de endereço, com atuação análoga a dos tribunais estaduais. E não há nada mais mortificante do que assistir a tolerância aos reis da intolerância. Em comparação à gestão disciplinar da OAB, a desta sempre foi diametralmente mais atuante quanto severa.

O que leva um magistrado a reiterar em atos arbitrários, principalmente contra advogados, mesmo já tendo sido alvo de representações anteriores, tem respaldo no fato de que nenhuma ou ínfima punição lhe será aplicada, induzindo o recém-ofendido a desistir de seu honroso e legítimo intento. Ato contínuo, persiste o fundado receio de que a reclamação traga mais dissabores do que o almejado respeito. E essa resignação acachapante encoraja o magistrado desse jaez a fazer da indelicadeza um eficaz cordão de isolamento às constantes saias-justas que todo juiz está submetido - ao contrário da postura cordata e diserta, que exige tarimba nata no raciocínio preciso, rápido e seguro das interlocuções de base no meio jurídico. E quando o desrespeito tem seu espaço assegurado, a dignidade vira pó, transformando arbitrariedade em abuso freqüente. Daí exemplos como o brado escabroso de um magistrado conhecido pela infeliz frase que bem ilustra o imaginário judicante: - O único CPC que vale aqui é o meu! Decerto que tal obra só existe na massa mais que cinzenta do estólido dito-cujo. Megalomanias à parte, tais desmandos são infelizmente cartilha básica de muitos, onde a arrogância e a prepotência constituem capa e espada dessa ala selvática lotada da magistratura nacional e a maior responsável em macular o trabalho dos verdadeiros representantes da instituição: os julgadores éticos, dedicados, lúcidos e de bom trato. ["A conduta é um espelho no qual todos exibem sua imagem" – Goethe.]

Esse vilipêndio judiciário vem de longa data, mas foi em virtude da célere e espontânea comunicação proporcionada pela Internet e sua divulgação imediata nos sítios especializados e comunidades virtuais, que possibilitou propagar em detalhes os contínuos abusos perpetrados por magistrados dos mais variados recantos do país. O remédio mais eficaz a tais anomalias, deve ser a gravação pelo advogado de todas as audiências, principalmente de juizes notadamente intratáveis, aloprados e de reiterada conduta abusiva. Além disso, o advogado que se sentir intimidado deve se fazer acompanhar de colegas dispostos a acompanha-lo às audiências com tais magistrados. Dessa forma, estar-se-á advertindo de forma proativa do testemunho e conseqüente representação à mais leve ofensa. Magistrados inclinados a destemperos mantêm-se reincidentes unicamente pela desunião cativa à classe advocatícia. Quando a menor arregimentação estiver perfilada, o arrefecimento se dará simultaneamente, pois testemunhos enúplices são extremamente vexatórios. [Quem aceita o mal sem protestar, coopera realmente com ele" - Marthin Luther King Jr.]

Como se pode observar, a criação do Conselho Nacional de Justiça fez-se necessária, entre tantos outros motivos, ante a dificuldade dos tribunais em disciplinar sua ala indouta na postura humilde e ponderada condigna à investidura, bem como em outras recorrências funcionais, como a morosidade. Mas falta de educação é hábito, sendo por isso difícil de extirpar. Tem origem na ausência de berço, torno do caráter, que é o fio condutor dos atos e intenções à reflexão sensata da consciência imanente. E quando falta berço, toda sorte de malefícios revigora-se dia-a-dia, face à única luz ser um ego de todo miserável. A autoridade quando autoritária, se desmoraliza.

Essa animosidade silenciosa entre advogados e sacrílegos do judiciário, não raramente é declarada de forma irresponsável em despachos e sentenças teratológicas, acirrando ainda mais naturais discordâncias. E a forma vilipendiosa com que tais juízes atuam, apesar de vários anos de trabalho, é reforçada pela gritante falta de bom-senso nas decisões que proferem, mutilando direitos inequívocos. Esses, não aplicam o direito, tampouco justiça. São conhecidos como padeiros de recursos, pois não aperfeiçoam conceitos nem edificam preceitos, optando em plagiar o escol intelectual alheio deturpando premissas e subvertendo pontos de vista como forma de obscurecer o brilhantismo dos causídicos que reiteradamente aplacam seus constantes equívocos. Mas fabulosamente nessa especialidade ninguém supera tais prejudicadores, pois se revelam profanos professos em transformar a nobre arte da magistratura em supositórios de magicatura.

Libertos de qualquer punição, são inúmeras as decisões conscientemente prolatadas por tais magistrados de forma prepóstera, a induzir o injustamente vencido a buscar na instância superior o que entenda ser seu direito. Trata-se de uma prática desonesta ancorada em um cinismo declarado. E tais façanhas custam muito às partes e ao próprio Estado, mas absolutamente nada ao juiz embrulhão, que faz de sentenças amarradas em sofismas e antilogismos seu melhor arremedo de celeridade processual. ["Eu só conheço duas coisas infinitas: o Universo e a ignorância humana. No entanto, ainda tenho dúvidas se o Universo é infinito" - Albert Einstein.]

Toda decisão requer atitude. E atitude apropriada exige além de conhecimento e tirocínio, sabedoria sobranceira, que floresce apenas no caráter ilibado, incorruptível até mesmo pela lei nocente. Mas infelizmente tal carência só vem à tona quando tais indivíduos já detêm a sonhada estabilidade. E como toda decisão se rende subsidiariamente ao caráter da mão que a redige, é forçoso reconhecer que constitui tarefa hercúlea exigir o verdadeiro ideal de justiça de mentes errantes que se consideram fascinantes. Pelo exposto, e à luz da ponderação, é honesto convir que tais cesares jamais poderão ser incluídos no simplório rol dos inimigos da advocacia, pois seria menosprezar seus estupendos poderes de alçada. Eles integram categoria muito mais elevada: a altaneira delegação dos cossacos detratores do estado democrático de direito.

Outros opróbrios extremamente prejudiciais e largamente perpetrados sem o menor pudor por juízes alienados, são a errônea e precipitada extinção de processos sem julgamento de mérito, os julgamentos sem a realização de audiência de instrução e julgamento, e o nocivo hábito em ignorar pedidos de perícias e outras providências merecedoras do devido amparo judicial, além do desrespeito a princípios legais, jurisprudenciais e constitucionais. Não obstante, subsiste a mais ardilosa manobra do juiz egolátrico, que é a atuação processual sempre derivante a qualquer tese desenvolvida nos autos. É seu segredo de polichinelo. Ao impor arrazoados sempre divergentes, ele cria falsas antíteses ancoradas em contrastes inverídicos, subtraindo para si diversos elementos que servirão para fortalecer seu veredicto no porvir sentencial, quando então lançará sua derradeira resolução ao pseudoparadoxo intrincado por ele próprio, mas da qual lhe proporcionará vangloriar-se em amazônico deleite na sua insaciável fome de auto-afirmação.

No hegelianismo, a antítese é o momento posterior do movimento dialético, quando ocorre a negação da etapa anterior, a tese, concluindo a superação sintética de ambas pela síntese. Mas isso é desnecessário quando fatos e direitos argüidos mostram-se incontroversos, e desse modo inadmitem contraposição bestial, inclusive do juízo - mesmo porque verdade e mentira emergem naturalmente na ilatividade de seus próprios argumentos. Tal prática constitui patente heresia revestida de teatralismo psicodramático, visivelmente alheia à devida integridade jurídico-processual.

Condutas como essas, somadas a outras igualmente nocivas, revelam-se as grandes responsáveis pelo elevado número de causas simples e de pequeno valor encaminhadas aos tribunais, e via de regra também às cortes superiores, postergando a solução com graves danos aos jurisdicionados e a seus defensores, e claro, à própria máquina judiciária. Afinal, o que é medida cômoda para o juiz, certamente será muito prejudicial a uma das partes. Mas os excelsos magistrados só dão o devido valor a tais vilipêndios quando se aposentam e decidem se aventurar como advogados no pântano que ajudaram a formar. É quando já como causídicos vêem-se obrigados a assistir cabisbaixos seus empolados e confiantes argumentos serem afogados impiedosamente em ocos parágrafos por seus eméritos colegas de outrora trincheira.

Todavia, soma-se o fato das inúmeras decisões absurdas mantidas em segunda instância. São verdadeiras aberrações geradas na instância inferior e paridas inconseqüentemente na instância superior sem qualquer acanhamento – e devida leitura. Tal despautério revela que a segunda instância tornou-se vítima patológica da respeitabilidade corporativa inercial, em detrimento da tão almejada neutralidade ao imprescindível novo julgamento. E isso nada tem a ver com subjetivismo pessoal, mas sim ao fato de que empáfia demais e proficiência de menos erigem entraves incontornáveis à justa e legal razão, afrontando o princípio da legalidade por homenagear aqueles que abortam o bom-senso. E quando tais julgados são mantidos sob votação unânime, inquina merecida desvalia à real independência e efetiva imparcialidade nos julgamentos colegiados, por mais transparecerem egressos de uma coesa irmandade. E câmaras de julgamento equalizadas não são câmaras, mas sinfônica de uma nota só, interlúdio do nada a lugar nenhum; abomináveis, perversas, e inúteis, por referendarem a torpeza, que se enraíza e governa absoluta pelas mãos daqueles que ao invés de imunizar-la a lubrificam sofregamente, depondo assim contra toda a instituição em seu louvável ministério. Constituem na verdade soterramentos impróprios, visando unicamente desobstruir o tráfego processual, em detrimento da coroação da razão e banindo da via judicial o direito daquele que nela depositou sua última esperança, pois a tinha como baluarte da cidadania. Desse modo, nada justifica a mantença por unanimidade das decisões cerebrinas da primeira instância. A equidade, tanto quanto a decência e o caráter, não podem ser condicionados por precariedades funcionais agudecidas nas falhas ínsitas do corpo julgador. O direito porquê alheio não pode restar alheio ao direito. Todavia, é necessário convir que a aura de sobrepoder dos ambientes galantes é letal em aprofundar desvios de comportamento em hóspedes de pobre base humanística, em virtude de os levarem a crer que até o oxigênio que ali perpassa é particular deferência. [Não há equívoco maior do que confundir homens inteligentes com sábios" - Francis Bacon.]

O conhecido adágio "cada cabeça uma sentença, denuncia o cruel paradoxo da atividade judicante: não há como assegurar confiabilidade. E com o contumaz imobilismo prevalente nos julgamentos de segunda instância, o juiz que resolva prejudicar uma das partes rasgando o arcabouço legal terá grande probabilidade de ver sua decisão mantida. É por saberem disso que magistrados assisados evitam elaborar sentenças quando ainda inconvictos. Ou seja, a primeira instância vem conquistando ampla soberania face à omissão dos tribunais em reformar decisões absurdas.

Desse modo, quando alguém recita o velho e popular brocardo de que decisão judicial não se discute, apenas se cumpre", aos advogados soará sempre tão limitado quanto infundado, pois antes do seu cumprimento há um percurso processual assegurado constitucionalmente, apesar de reiteradamente obliterado por juizes impenitentes. E é oportuno esclarecer que magistrados julgam processos, não sentenças, pois o dever que lhes cabe é faze-las. Avalia-las e questiona-las é responsabilidade ética afeita aos advogados, que devem ser capazes de analisar de forma isenta e minuciosa a qualidade e pertinência de seu conteúdo, e desse exame promover o encaminhamento recursal devido, se necessário. O primeiro portanto, estabelece uma determinação judicial, que deve ser cumprida a seu tempo por estar assim legalmente obrigada. Já o segundo analisa sua adequação, alicerçada na capacidade intelectiva do discernimento jurídico aprimorado, aplicado àquilo que foi decidido face o direito postulado e sua conformidade ao determinado por lei, doutrina e jurisprudência. O primeiro então, se vale de sua condição decisória, impondo-se inúmeras vezes abusadamente sem qualquer substância, e desse modo irresponsavelmente covarde. Já o segundo julga a propriedade e alcance do julgado, incluindo o verdadeiro caráter daquele que julgou, pois ali sempre deixa seu traço indelével. Por isso, toda decisão judicial deve ser incansavelmente discutida e repensada à luz da reflexão abalizada, pois é dela que emerge a constatação da proba e dimensional conveniência do decisio.

Como arrazoado, a morosidade judiciária seria mitigada se ofertasse a merecida qualidade ansiosamente esperada pelas partes em litígio, pois a ninguém convém permutar qualidade por celeridade. E embora muitos magistrados materializem ambas com inequívoca maestria e laboriosa dedicação, o que os advogados constatam como julgadores funcionais primazes, legítimos e mais abalizados que são da atuação efetiva do Poder Judiciário, é a infeliz existência de inúmeros quelônios judicantes, que além de potencializarem a morosidade processual, conspurcam o legítimo espírito das lides e seus corretos fundamentos através da pobreza de critérios legalmente válidos que embasam seus julgados, revelando um conteúdo que não é fruto apenas de equívocos indulgentes, mas de um viés juridicamente deletério, anacrônico, oriundo de premissas intelectivas impronunciáveis, pois estranhas ao escopo legal, doutrinário, ético e transparente que a função obriga. [O Senhor oculta algumas coisas aos sábios, mas as revela a pequeninos" - Jesus Cristo.]

Desse modo, mostra-se totalmente leviano e falacioso impor aos advogados a responsabilidade pela enxurrada de recursos interpostos. Na ótica da classe advocatícia, brava sobrevivente nesse caos por ser vítima contumaz das constantes arritmias causadas pelos recorrentes vitupérios judiciários, os principais causadores por esse patente desserviço causado à sociedade são vulgos juizes deveras conhecidos; tiranos de notória incúria, que obrigam os advogados a mergulharem de corpo e alma em maratonas de recursos a fim de tentar resgatar nas instâncias superiores o legítimo recall ao direito vergonhosamente negado. [Uns vencem pelos seus crimes, outros são derrotados pelas suas virtudes" - William Shakespeare.]

Não obstante à insegurança jurídica e deslisura processual, tais magistrados representam uma preocupação a mais também nos Juizados Especiais Cíveis quanto ao ajuizamento de determinados tipos de ações, tendo conseguido transforma-los em um campo minado naturalmente evitado.

Os juizados especiais revelaram-se uma supimpa receita de bolo para causas simples e de valores reduzidos, por constituírem-se autênticas sessões de conciliação gratuitas sob tutela judiciária. Ou seja, são eficazes caso haja acordo. Caso negativo, a parte desassistida de advogado correrá sérios riscos de ser prejudicada. Além do consabido assoberbamento e restrições inerentes à Lei 9.099/95, mesmo aqueles assistidos por advogados eram até pouco tempo obrigados a enfrentar a infelicidade desses juízes também comporem as câmaras recursais, tendo conseguido torna-las também inúteis por rezarem solidariamente às decisões de seus vizinhos de gabinete. A solução encontrada pelos tribunais em centralizar nas capitais um único colégio recursal com juízes titulares em todas as câmaras, trará leve esperança de maior isenção nas decisões, embora sempre imprevisíveis. Mas a meta capital deve ser a ampliação do número de câmaras e corpo funcional em número suficiente a proporcionar o mesmo ritmo laboral das câmaras regionais até então mais céleres. Caso contrário, a denominada Justiça comum continuará sendo a única opção. Igualmente instável, mas menos insegura.

Como visto, o modelo ideal do perfeito julgador trafega na contravia moral e intelectiva dos personas acima, jamais elaborando decisões com falsos tecnicismos visando mascarar seu desconhecimento em temas ainda lhe estranhos ou a si antipáticos. Contrariamente, ele busca de modo analítico, com pragmatismo e afinco todas as premissas lógicas e consonantes ao deslinde das questões ora complexas. E assim o autêntico e hábil julgador revela seu fair-play, evitando paralogismos e fundamentos passíveis de serem objurgados pelas partes em litígio. Nessa prospecção, ele se notabiliza pelo apanágio do caráter humanizado, fazendo da percuciência seu ofício e apostolado em prol da verdade-razão que clama por justiça, antenado às agruras cotidianas sofridas por seus pares de carne e osso: seres humanos sem toga-bóia. ["É feliz aquele que encontra circunstâncias adequadas à sua têmpera, mas é ainda superior aquele que pode adaptar sua têmpera a qualquer circunstância" – David Hume.]

Desse modo, é importante estabelecer não se estar aqui objetivando cotejar alas míopes e enfermas do Judiciário nacional a espetáculos circenses repleto de surpresas; mesmo porque tais espetáculos primam pela arte cênica consagrada, onde a meta primeva é o direito irrestrito do público ao encantamento; onde a surpresa repousa extasiada na precisão dos incríveis acrobatas, na alegoria graciosa dos respeitáveis palhaços, e o respeito na confiança do público às peripécias no majestoso picadeiro. E o único compromisso dos alegres saltimbancos é com a expectativa positiva da honorável platéia. Conquanto que seria inapropriada uma comparação nesse diapasão, pois do circo, o Judiciário não detém sequer as cores vibrantes de sua pureza. E a pureza é a salvaguarda da confiança.

Assim sendo, é de sobrelevada importância que tanto o CNJ como os tribunais estaduais não se encastelem em ouvidorias e corregedorias esperando que reclamações venham de joelhos bater às suas portas e questões de ordem processual sejam resolvidas unicamente pelas vias recursais. Trilhando o caminho inverso, a inteligência preventiva mostrar-se-á capaz senhor. Se esses mesmos departamentos realizassem pesquisas sazonais a fim de auscultar em detalhes a imagem que cada advogado possui dos juízos aonde atuam, descobririam que pouco sabem do muito que deveriam. Do mesmo modo como são realizadas pesquisas em períodos pré-eleitorais buscando identificar problemas, necessidades, tendências e anseios maiores dos eleitores, a melhor forma de obter radiografias localizadas e bem definidas da eficiência dos organismos estatais com extensa cobertura geográfica, é através do olhar clínico presente dos que deles fazem uso perene. E no caso do Judiciário, os advogados são indubitavelmente os que melhor podem avalia-lo, pois além de constituírem-se como grandes habilitadores processuais, nele interoperam ativa e passivamente sob prazos e condições inadiáveis. A classe advocatícia será sempre o minadouro por excelência das sugestões melhor abalizadas como também das mais legítimas reclamações ao policentrismo judiciário; de forma sempre ímpar, proprietária e comprovável. [Quem é pequeno, vê no maior apenas o que um pequeno é capaz de perceber" - Hermann Hesse.]

Por todo o exposto, é que agora, no momento que adentramos ao limiar de uma nova era onde a tecnologia da informação passa a compor integralmente a logística judiciária, incluindo a nova plataforma operacional de informatização do processo eletrônico, que começa a tomar músculos e as rédeas do futuro, é imperativo que o sistema gerencial seja estruturado não apenas para o simples armazenamento digital e registro ato a ato da movimentação processual, mas também analisar estatisticamente esse conjunto de dados sob diversos ângulos e diretrizes, permitindo avaliar com extrema precisão o caráter orgânico de cada ofício judiciário comarca a comarca. De posse dessa base de dados, será possível extrair um eficiente ranking qualitativo da produtividade de cada juízo e câmara de recursos sob diversas variáveis, partindo do número de processos por vara e câmara, tipos de ação e ritos. Já a partir de análises singulares múltiplas, poder-se-á elaborar o cruzamento de subconjuntos informacionais assíncronos, como quantidade de atos processuais e lapsos temporais anômalos, quantidade de decisões - e conseqüentes recursos às instâncias superiores -, mantidas e reformadas, duração até a sentença e o trânsito em julgado. Ou seja, desde a distribuição ou protocolo e conseqüente despacho, tudo poderá ser parametrizado de forma simples como complexa, avaliando prazos pela média ou isoladamente, identificando intercorrências bem como apontando com acurada especificidade a localização e dimensão de gargalos funcionais atípicos.

Se houver efetiva disposição nesse propósito, incluindo a dissipação de infestos temores corporatistas, um amplo histórico poderá estar acessível nos monitores da administração judiciária; nas presidências e corregedorias e principalmente ao Conselho Nacional de Justiça, que deve ser o articulador gerencial em comando. E desse panorâmico e instantâneo diagnóstico, uma nova realidade poderá se impor em um futuro próximo, pois a produtividade de cada juízo e câmara terá como paradigma a de seus pares mais eficientes, denunciando de forma implacável aqueles(as) com elevado número de decisões reformadas, morosidade contumaz e imotivada, e outras idiossincrasias lesivas. E mesmo respeitando-se a devida proporcionalidade e exceções inerentes, os melhores colocados serão naturalmente algozes dos mais abaixo, denunciando com precisão cruciante o que é trigo e o que é joio. E é necessário salientar que uma operacionalização dessa magnitude não pode ser interpretada como uma manobra capciosa a intervir aleatoriamente no famigerado poder discricionário sob implantação de um controle de qualidade invisível. Isso porque toda e qualquer atividade laboral impõe um conjunto de tarefas com prioridades variáveis de ordem e tempo conforme a necessidade a que se destina. E nesse circuncírculo, a eficiência perfaz naturalmente seu ponto de equilíbrio, denunciando com absoluta precisão endereços nodais a serem incursionados. E essa constatação deve ser determinativa na remoção imediata do magistrado remisso como forma de otimizar varas judiciárias inoficiosas e em letargia calamitosa. Ou seja, sempre que constatado um gridlock (pane geral), uma pronta e severa intervenção em prol da eficiência deve ser regra não eventual.

Por essa vertente, um monitoramento da qualidade judicante de acesso instantâneo mostra-se plenamente viável e perfectível, sem qualquer prejuízo à independência da discricionariedade judicante, pois, como reportado, não imporá limites à liberdade do julgamento positivo, mas apenas ao negativo, identificando rapidamente arbitrariedades seriais perpetradas impunemente.

Todo aquele investido na função de julgar a sociedade encontra-se obrigado a aperfeiçoar-se incansavelmente na interpretação positiva dos direitos em conflito em todas as suas nuances e sem quebra dos valores intrínsecos, a fim de evitar que seu julgamento amplie e perpetue injustiças. Para isso, não basta aplicar a lei sem a devida adequação aos fatos e suas variantes, factíveis inclusive de adequar o alcance da norma na realização do justo. É necessário ser maior que a si próprio sem perder a humildade, condição impossível a quem se superestima apenas por estar na condição de julgar seus semelhantes. Afinal, a investidura somente enaltece o investido quando a qualidade do seu trabalho o legitima. E a realidade vem mostrando exatamente o contrário. Descalabros são legitimados em detrimento do direito inalienável do jurisdicionado sem que também as instâncias superiores se curvem ao dever que lhes cabe, que é expungir os equívocos e desatinos dos ferrenhos canhestros de sempre. [De todos os ressentimentos, creio que o maior seja aquele de um homem que saiba fazer a sua arte com perfeição ser censurado e avaliado por quem não sabe absolutamente nada" - Gasparo Gozzi.]

Contudo, para que um sistema dessa envergadura reflita total confiabilidade, é imprescindível que os Tribunais imponham-se a um contínuo benchmarking câmara à câmara, exorcismando a desídia e o coleguismo indômito, reapreciando devida e profundamente cada processo, reformando o que deve ser reformado, e não figurando como diáfana tangente de percurso, que toca mas não intersecciona. De nada adianta postar-se de séria e impoluta se dispensa uma leitura processual adversa à mais elementar razão. Mister se faz a sagacidade polimática, objetiva, e sobretudo inclemente nos equívocos mais que propositais do time a quo. Assevera a máxima processual: Aquilo que não está no processo não está no mundo. Mas o que fazer quando os mundos apresentados nos processos são desprezados pela incompreensão de julgadores igualmente inábeis em diagonalizar o injusto ao justo? [O maior pecado para com os nossos semelhantes, não é odiá-los, mas sim tratá-los com indiferença; é a essência da desumanidade" - George Bernard Shaw.]

Diante desse quadro, mostra-se estranho o fato de todos os projetos legislativos visando responsabilizar o magistrado aleivoso quedarem rendidos, não se podendo olvidar do salutífero projeto de lei ora estacionado onde propõe que todo servidor público seja submetido a exame de sanidade mental a cada qüinqüênio. Tal medida salvaria a instituição dos magistrados alienados e incapacitados de julgar sensatamente, antecipando quadros de insanidade e impedindo a multiplicação de resoluções desajuizadas. A resistência na aprovação de tais projetos demonstra tratar-se de um fenômeno merecedor de urgente e profunda rediscussão. E nesse ponto espera-se que ao menos o projeto que criminaliza a violação de direitos e prerrogativas do advogado vingue incólume, para que os agentes públicos envolvidos na aplicação da justiça tenham reduzida não apenas a larga imunidade concedida ao exercício de suas funções, como também, a reboque, seu impudente e reusado código de malcriadez.

Não obstante, vivifica o imerecido privilégio das aposentadorias compulsórias, amparando seus respeitáveis autores dos mais diversos crimes, estabelecendo assim máster premiação our concour àqueles que ousarem desafiar os brios da instituição em prol de suas mais secretas inclinações. Como se verifica, é um feudo aguerrido, pois calça pantufas de seda mesmo em pés cobertos de lama. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sob nº 178/07, que veda a concessão de aposentadoria como medida disciplinar e estabelece a perda de cargo de magistrado nos casos de quebra de decoro, constitui emergencial medida de assepsia moral, pois mesmo que hoje estivesse aprovada, teria chegado tardiamente, ainda subsistindo o longo e desfrutável período até a condenação definitiva.[O que rouba a confiança dos homens é o maior dos ladrões" - textos judaicos.]

Como discorrido, a figura do magistrado brasileiro perdeu nos últimos anos não apenas seu glamour ancestral como também o indispensável binômio confiabilidade/respeitabilidade. E isso se comprova a cada dia em sua teimosa implausibilidade. E é deveras importante não confundir o regelado tratamento reverencial dispensado à figura da autoridade ora constituída, tão em moda atualmente, com o respeito espontâneo de tempos imemoriais dispensado especificamente à pessoa investida de autoridade. O primeiro é refém do breve período da investidura, por carecer de brilho próprio; já o segundo se mantém independente do cargo, por ser detentor de inata e inconcussa virtude.

Para que o Poder Judiciário resgate as qualidades perdidas, mudanças severas e profundas devem ser implementadas, para que as próximas gerações tenham melhor sorte do que a atual, podendo então pronunciar com orgulho a palavra justiça na certeza de que ela existe e se impõe de modo preciso, não se esvaindo pelas mãos de servidores públicos que hoje ao invés de aplica-la a sepultam insolentemente. O dever maior de todo establishment contemporâneo é aperfeiçoar o presente corrigindo os erros do passado, artilhando desse modo, com perfeição, o exigente amanhã.


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PAULILLO, Sérgio Luiz. CNJ: gestão disciplinar em xeque. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1653, 10 jan. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10839. Acesso em: 28 mar. 2024.