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Aposentadoria integral X integralidade

Aposentadoria integral X integralidade

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Até o advento da EC nº 41/03, era direito do servidor público aposentar-se com base na totalidade da última remuneração (denominado pela doutrina como direito à integralidade), independentemente de seu histórico contributivo, conforme estabeleciam os §§1º e 3º do art. 40 da CF/88, "verbis":

§ 1º - Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma do § 3º:

§ 3º - Os proventos de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão calculados com base na remuneração do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria e, na forma da lei, corresponderão à totalidade da remuneração.

Em 2003, entretanto, com o surgimento da EC nº 41, foi adotada uma nova sistemática de cálculo, desta vez levando-se em conta a vida contributiva do servidor, conforme se depreende da nova redação dada aos §§§1º, 3º e 17 do art. 40 da CF/88, aqui transcritos:

§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17:

§ 3º Para o cálculo dos proventos de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão consideradas as remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência de que tratam este artigo e o art. 201, na forma da lei.

§ 17. Todos os valores de remuneração considerados para o cálculo do benefício previsto no § 3° serão devidamente atualizados, na forma da lei.

Restou claro, portanto, que, a partir da EC nº 41/03 - ou melhor, a partir da publicação da MP nº 167, em 19/02/2004, que regulamentou a emenda - o legislador pretendeu extinguir o direito do servidor se aposentar com base na totalidade da última remuneração, a denominada integralidade, dando lugar à adoção da média aritmética simples que levaria em conta o histórico contributivo do servidor, dentro dos regimes de previdência a que tenha pertencido ao longo da vida. O novo critério, sem sobra de dúvidas, mostrou-se mais justo e mais interessante para o regime próprio de previdência, pois prestigia o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial.

A título de esclarecimento, é bom ressaltar que a integralidade só foi, de fato, extinta, quase 50 dias após a publicação da EC nº 41/03, mais precisamente no dia 19/02/04, com a publicação da MP nº 167, mais tarde convertida na Lei nº 10.887/04, que veio estabelecer os critérios e o procedimento para a aplicação do cálculo dos proventos pela média aritmética simples. Até aquele momento, não havia como se aplicar a nova forma de cálculo, tendo em vista que a nova redação dos §§§1º, 3º e 17 do art. 40 da CF/88, dada pela EC nº 41/03, não esmiuçava a matéria.

A nova emenda pretendeu corrigir distorções até ali existentes, como o fato do servidor passar a maior parte da vida (30 anos, por exemplo), contribuindo sobre uma baixa remuneração e, ao final de sua carreira (últimos 05 anos, por exemplo), ser agraciado com uma significante majoração de sua remuneração, fazendo jus a aposentar-se com a totalidade desta última remuneração. Neste exemplo, verifica-se que o servidor, por muitos anos, verteu contribuições previdenciárias de baixo valor, passando a contribuir com valores maiores somente nos últimos anos de sua vida funcional, o que acarretava um enorme prejuízo ao regime de previdência, que estava obrigado a pagar um benefício cujo elevado valor não retratava a realidade da vida contributiva do servidor. Neste aspecto, a reforma foi justa, equânime e oportuna.

Entretanto, em razão da complexidade do assunto, muitos servidores e intérpretes entenderam e, alguns, até hoje entendem, que a referida emenda, em face das novidades aqui elencadas, havia extinguido a aposentadoria com proventos integrais, sobretudo, em razão do novo comando que vedava a possibilidade do servidor se aposentar com base na totalidade de última remuneração.

Ora, na verdade, trata-se este entendimento de um grande equívoco, visto que os dispositivos constitucionais acima destacados, em nada alteraram a chamada aposentadoria com proventos integrais. Esta, como não poderia deixar de ser, permanece incólume, prevista na alínea "a", do inciso III do §1º do art. 40 da CF/88, "verbis":

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

III - voluntariamente, desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)

a) sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se homem, e cinqüenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)

Nasce aqui, a necessidade de se distinguir o que seria o direito à integralidade e o que seria o direito à aposentadoria com proventos integrais, institutos que não se confundem, embora mantenham estreita relação.

De plano, podemos afirmar, sem medo de errar, que o legislador reformador pretendeu modificar apenas a forma do cálculo da aposentadoria, desprezando a integralidade e adotando, em seu lugar, a média aritmética simples, que logo seria esmiuçada pela MP nº 167/04, que veio a se transformar posteriormente na Lei 10.887/04. A aposentadoria com proventos integrais, portanto, nunca foi alvo de extinção e mantém-se intacta, projetando seus regulares efeitos.

Na sua melhor definição, a integralidade é o direito de ter os proventos de aposentadoria calculados com base na remuneração do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria, não podendo excedê-la. O cálculo pela integralidade é mais vantajoso do que o elaborado pela média aritmética simples das maiores remunerações da vida contributiva do servidor, já que preserva o valor da última e atual remuneração do cargo em que se der a aposentadoria. Já com a média, o resultado final da operação pode ficar, em muitos casos, bem aquém da última remuneração do servidor.

Já o direito à aposentadoria com proventos integrais, em regra, nasce quando o servidor cumpre os critérios de idade e tempo de contribuição elencados na alínea "a" do inciso III, do §1º do art. 40 da CF/88, (sendo de 60 anos de idade e 35 de contribuição para os homens e 55 anos de idade e 30 de contribuição para as mulheres). Uma vez reunidos estes requisitos, o servidor fará jus a uma proporcionalidade de 35/35 avos, se homem ou 30/30 avos, se mulher, resultando, evidentemente, num inteiro que representa exatamente a aposentadoria com proventos integrais. Ressalte-se que, se o servidor não alcançar os 35 anos de contribuição, quando homem, ou os 30 anos de contribuição, quando mulher, poderá aposentar-se com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, desde que atinja as idades de 65 ou 60 anos, respectivamente, tudo na forma do que dispõe a alínea "b" do inciso III, do §1º do art. 40 da CF/88.

Em razão das questões até aqui analisadas, podemos chegar a algumas conclusões:

1º - pode haver o direito à aposentadoria com proventos integrais, sem o direito à integralidade. Ex: servidor que reúne 35 anos de contribuição após a EC nº 41/03;

2º - pode haver o direito à integralidade sem o direito à aposentadoria com proventos integrais. Ex: servidor que reuniu o direito à aposentadoria com proventos proporcionais (65 anos de idade), antes da EC nº 41/03;

3º - pode haver o direito à aposentadoria com proventos integrais com o direito à integralidade. Ex: servidora que reuniu 30 anos de contribuição antes da EC nº 41/03;

4º - pode não haver o direito à aposentadoria com proventos integrais (que será proporcional, no caso), também sem o direito à integralidade. Ex: servidora que reuniu o direito à aposentadoria com proventos proporcionais (60 anos de idade), após a EC nº 41/03.

Com efeito, não bastasse a dificuldade de se distinguir os dois institutos, outras questões, também a eles relacionadas, necessitam detida análise, sobretudo, quando da aplicação da média aritmética simples nas três espécies de aposentadorias existentes: a voluntária, a compulsória e a por invalidez.

De plano, constata-se que, das três espécies de aposentadorias acima elencadas, somente a voluntária garante, por meio das chamadas regras de transição (arts. 2º e 6º da EC nº 41/03, e art. 3º da EC nº 47/05), o direito à integralidade, mesmo após a vigência da EC nº 41/03. Ressalte-se que, atualmente, somente a aposentadoria voluntária elencada na alínea "a" do inciso III do §1º do art. 40 da CF/88, permite a aplicação de regras de transição.

Já, a aposentadoria compulsória, bem como a por invalidez, não possuem regras de transição, sendo a elas aplicado de imediato o cálculo pela média aritmética simples. Isto significa dizer que, independente da data de ingresso no serviço público, o servidor que se invalidar (data do laudo) ou completar 70 anos de idade, após a EC nº 41/03 (na verdade, após o dia 19/02/2004, data de publicação da MP nº 167, que regulamentou a emenda), não terá direito a ter o cálculo de seus proventos elaborado com base na totalidade da última remuneração (integralidade), devendo, pois, submeter-se ao cálculo pela média das contribuições vertidas ao longo da vida profissional (dentro ou fora do serviço público), vide o §2º do art. 51, art. 52 e 56, todos da Orientação Normativa nº 01/07 da Secretaria de Políticas de Previdência Social do MPS.

Algumas situações interessantes podem surgir por conta da aposentadoria compulsória e por invalidez, quando concedidas após a EC nº 41/03:

1ª – pode ocorrer do servidor completar 70 anos de idade após o dia 19/02/04, data de publicação da MP nº 167, e possuir mais de 35 anos de contribuição, caso em que terá direito a uma aposentadoria com proventos integrais, mas sem direito à integralidade;

2ª – pode ocorrer de uma servidora ficar invalida por conta de doença grave, contagiosa ou incurável, fazendo jus a uma aposentadoria com proventos integrais, mas sem o direito à integralidade, tudo por que a data do laudo é posterior a 19/02/04.

Em resumo, a integralidade, como forma de cálculo dos proventos existia até a publicação da MP nº 167/04, e consistia no direito de se aposentar com a totalidade da última remuneração do cargo efetivo. A partir dali, a mesma foi extinta e em seu lugar adotou-se a média aritmética simples, estando vinculado a esta nova regra qualquer servidor que venha a se aposentar compulsoriamente, por invalidez ou voluntariamente, desde que não tenha direito a uma regra de transição.

Já, a aposentadoria com proventos integrais, como espécie de aposentadoria voluntária que é, e diferenciada da aposentadoria com proventos proporcionais, em razão da exigência legal de tempo de contribuição mínimo (35 anos, homem e 30 anos, mulher), permanece vigente no ordenamento jurídico pátrio, longe de pretensões reformistas.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SERTÃO, Alex. Aposentadoria integral X integralidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1694, 20 fev. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10968. Acesso em: 28 mar. 2024.