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Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica à luz do Código Civil de 2002

Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica à luz do Código Civil de 2002

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As decisões judiciais são oscilantes, não apresentando, assim, um consenso acerca da forma de aplicação da superação da autonomia patrimonial, o que gera grande insegurança processual para as partes.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

É cediço que o ordenamento jurídico pátrio confere à pessoa jurídica personalidade distinta das dos seus integrantes, permitindo que aquele sujeito de direito atue autonomamente no âmbito das relações jurídicas, o que estimula a iniciativa privada e contribui para o desenvolvimento econômico e social de toda a sociedade.

Ocorre que tem se verificado, com considerável freqüência, a utilização da pessoa jurídica para fins diversos daqueles vislumbrados pelo sistema jurídico quando da criação do instituto. Os indivíduos vêm se utilizando da autonomia patrimonial atribuída a esse ente coletivo para praticar fraudes e abusos de direito, em detrimento de direitos de terceiros.

Em reação a esse desvirtuamento da função da pessoa jurídica, surgiu, na jurisprudência estrangeira, principalmente norte-americana e inglesa, a disregrad doctrine ou disregard of legal enity, visando impedir a fraude ou abuso através da manipulação indevida da personalidade jurídica autônoma da pessoa jurídica. Essa teoria teve plena aceitação nos demais ordenamentos jurídicos, difundindo-se para diversos países, inclusive para o Brasil.

O objetivo principal dessa teoria é coibir e reprimir a prática de fraude ou abuso de direito perpetrados pelos sócios da pessoa jurídica, sob o manto protetor da autonomia patrimonial desta. Nesse sentido, uma vez constatado o mau uso da personalidade jurídica, autoriza-se o juiz a desconsiderar, diante do caso concreto, a separação patrimonial existente entre a pessoa jurídica e seus membros, a fim de estender a esses a responsabilidade pelo adimplemento das obrigações formalmente imputadas ao ente coletivo.

No Brasil, essa teoria foi denominada de desconsideração da personalidade jurídica. A desconsideração foi introduzida pelo doutrinador Rubens Requião, sendo posteriormente absorvida pelos tribunais pátrios e contemplada na legislação.

Inicialmente, a teoria foi consagrada por diversas legislações específicas, a exemplo da Lei n°. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), da Lei n°. 8.884/94 (Lei sobre a preservação e a repressão às infrações contra a ordem econômica) e a Lei n°. 9.605/98 (Lei sobre a responsabilidade por lesões ao meio ambiente). Com a promulgação do Novo Código Civil (Lei n°. 10.406/2002), houve a consolidação, em seu art. 50, da desconsideração da personalidade jurídica como regra geral de conduta, a ser aplicada não só no âmbito civil, mas a todas as relações jurídicas privadas.

Contudo, apesar da novel legislação civil estabelecer diretrizes de cunho processual que devem orientar a forma de aplicação da desconsideração, essas não foram suficientes para estabelecer com a clareza necessária o procedimento que deve ser observado.

Assim, em virtude da ausência de uma legislação que discipline o procedimento a ser utilizado para sua aplicação, verificou-se a formação de diversos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais a respeito do tema, o que vem despertando muitas controvérsias.

Neste contexto, percebe-se ainda que muitos magistrados continuam fundamentando suas decisões em interpretações anteriores a promulgação do Novo Código Civil, ignorando as determinações contidas no seu art. 50 e suas influências no processo de desconsideração.

Dessa forma, hodiernamente, presencia-se a aplicação desenfreada e desordenada da desconsideração da personalidade jurídica, de forma totalmente desvinculada das bases jurídicas estabelecidas, o que vem provocando a fragilização do instituto, muitas vezes confundido com um simples meio de satisfação de créditos e combate à inadimplência generalizada da pessoa jurídica.

As decisões judiciais são oscilantes, não apresentando, assim, um consenso acerca da forma de aplicação da superação da autonomia patrimonial, o que gera grande insegurança processual para as partes. A situação se torna ainda mais grave quando constatamos a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em flagrante inobservância as normas e princípios expressamente solidificados na Carta Magna e as garantias processuais consagradas no ordenamento jurídico pátrio, a fim de priorizar a celeridade e a economia processuais.

A excepcionalidade e a cautela típicas da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica têm sido simplesmente ignoradas pela prática jurídica, que vem superando o principio da autonomia patrimonial através de um simples despacho no processo de execução, sem sequer haver a demonstração cabal das circunstâncias legitimadoras da desconsideração estabelecidas no direito material.

Posto isto, é possível perceber a importância de estudar a desconsideração da personalidade jurídica e os aspectos processuais atinentes à sua aplicação, tendo em vista tratar-se de uma teoria de interesse social, que visa combater condutas abusivas e fraudulentas praticadas por meio da manipulação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, em detrimento dos direitos de terceiros de boa-fé, e que não pode ser desvirtuada pela sua aplicação de forma abusiva.

Ademais, não se pode olvidar dos efeitos desastrosos que a aplicação desordenada da desconsideração pode ter sobre a economia do país, tendo em vista que ocasiona o aumento demasiado dos riscos de qualquer empreendimento, o que reprime a iniciativa privada ou acaba provocando a elevação dos preços para o consumidor.

Logo, a discussão a respeito deste tema é relevante para consolidar elementos que orientem a atividade dos juristas, permitindo a justa e adequada aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, coibindo os abusos identificados e a sua utilização de forma flagrantemente inconstitucional e ilegal.

Cumpre ressaltar que o presente trabalho tem por objeto a análise das questões controvertidas verificadas na aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito do Direito Processual Civil Brasileiro, de acordo com os moldes em que foi contemplada no Código Civil de 2002.

Por fim, oportuno frisar que o trabalho científico que se pretende desenvolver não ambiciona exaurir todas as questões processuais polêmicas que envolvem a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, até mesmo porque seria impossível em face da mutabilidade constante do ordenamento jurídico pátrio.


2 TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

2.1 CONCEITO

A desconsideração da personalidade jurídica é um remédio jurídico, de origem jurisprudencial, criado com o fito de impedir e reprimir a prática de fraude ou abuso de direito através da manipulação indevida da pessoa jurídica, pelos sócios ou administradores da sociedade. Trata-se, assim, de um mecanismo que permite responsabilizar os sujeitos que compõem a pessoa jurídica, sem, contudo, prejudicá-la, mas sim a aperfeiçoando na medida em que inibe a sua utilização de forma contrária aos fins previstos pelo sistema jurídico quando da sua instituição.

Marçal Justen Filho apresenta brilhante definição para a desconsideração da personalidade jurídica: "É a ignorância, para casos concretos e sem retirar a validade de ato jurídico especifico, dos efeitos da personificação jurídica validamente reconhecida a uma ou mais sociedade, a fim de evitar um resultado incompatível com a função da pessoa jurídica". [01]

No mesmo sentido, leciona Genacéia da Silva Alberton: "A desconsideração é resultado de uma construção jurisprudencial, correspondendo à técnica de suspensão da eficácia da pessoa jurídica no caso concreto quando verificado que a mesma, em fraude à lei ou por abuso de direito, foi desviada da função para a qual foi criada". [02]

A desconsideração implica, portanto, a relativização do conceito de pessoa jurídica e dos efeitos decorrentes da personalidade jurídica que lhe foi atribuída, especialmente a autonomia patrimonial, para permitir a responsabilização dos sócios por atos abusivos e fraudulentos perpetrados sob o manto protetor da separação existente entre o patrimônio da sociedade e os dos seus sócios. Contudo, trata-se de uma suspensão temporária da eficácia do ato constitutivo da pessoa jurídica, incidente apenas em relação ao ato que foi praticado com abuso do direito à personificação societária.

Dessa forma, é possível afirmar que a desconsideração corresponde à ineficácia relativa e temporária do ato constitutivo da sociedade, ou seja, este não produzirá efeitos apenas em face do caso concreto em que se verificou o desvio de função, a fim de atingir os sócios e responsabilizá-los pela fraude ou abuso cometido. Sendo assim, a pessoa jurídica, por força do principio da continuidade, permanece eficaz, podendo continuar a exercer normalmente as suas atividades.

Na desconsideração da personalidade jurídica, então, não se tem a invalidade do ato constitutivo da sociedade, pois, apesar de haver o uso inadequado ou lesivo da pessoa jurídica, sua constituição preenche todos os pressupostos de validade previstos em Lei. Vale ressaltar, inclusive, que a validade do ato constitutivo da pessoa jurídica, isto é, a formação da pessoa jurídica e a aquisição da personalidade com a observância das formalidades exigidas, é um dos pressupostos essenciais para a aplicação da desconsideração.

Frise-se que a desconsideração da personalidade jurídica não visa anular, destruir a pessoa jurídica, mas adequá-la aos fins legítimos para os quais foi concebida, impedindo que constitua um simples instrumento para a prática de fraude e abuso de direito.

Nesse sentido, leciona Alexandre Couto Silva:

A desconsideração da personalidade jurídica não busca a anulação da personalidade jurídica em toda a sua extensão, mas apenas a declaração de sua ineficácia para determinado ato. Também não visa a destruir o princípio da separação da personalidade jurídica da sociedade da dos sócios, funcionando como um reforço ao instituto da pessoa jurídica, atingindo apenas o episódio sem atingir a validade do ato constitutivo da sociedade. [03]

É importante deixar claro que, embora o sistema jurídico consagre a desconsideração, a regra é o respeito ao princípio da separação patrimonial entre a pessoa jurídica e os seus membros, pois esta tem um papel extremamente relevante para o progresso econômico, social e cultural de toda a coletividade.

Sendo assim, a superação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica deve ser aplicada excepcionalmente, quando devidamente comprovado o desvio da função social que foi atribuída pelo Estado à pessoa jurídica.

Ressaltando a excepcionalidade da aplicação desta teoria, pontua Heleno Taveira Tôrres:

A desconsideração da personalidade jurídica é instrumento que somente poderá ser usado em condições excepcionais, quando presentes seus requisitos, segundo provas muito evidentes, sob pena de fazer dos tipos societários conceitos relativos e desprovidos de qualquer segurança jurídica, quanto aos critérios que os guiam, como separação patrimonial, responsabilidade etc. [04]

Percebe-se, dessa forma, que a distinção entre a personalidade jurídica da pessoa jurídica e as personalidades dos seus sócios deixa de ser um dogma absoluto, admitindo sua relativização quando for utilizada para fins ilegítimos.

Verifica-se, pelo exposto, a importância da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que o caráter excepcional e temporário desta medida permite reprimir os desvios de função verificados na atuação concreta da pessoa jurídica, bem como a continuidade das atividades regulares desenvolvidas por esta.

2.2 NATUREZA JURÍDICA

A doutrina entende que a desconsideração da personalidade jurídica ostenta a natureza de declaração de ineficácia relativa da pessoa jurídica, ou, nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho, "a sua ineficácia episódica" [05]. A sua aplicação não implica a alteração da estrutura da pessoa jurídica, nem sua desconstituição.

Nesse diapasão, leciona Rubens Requião:

"disregard doctrine não visa anular a personalidade jurídica, mas somente objetiva desconsiderar, no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica, em relação às pessoas ou bens que atrás dela se escondem. É o caso da declaração de ineficácia especial da personalidade jurídica para determinados efeitos, prosseguindo, todavia, a mesma incólume para seus outros fins legítimos". [06]

Dessa forma, pode-se concluir que a desconsideração da pessoa jurídica é um instrumento que permite, declarando a ineficácia temporária da personalidade jurídica atribuída ao ente coletivo, combater atos ilegais ou abusivos praticados por seus sócios ou administradores sob o manto da separação patrimonial existente entre a pessoa jurídica e seus sócios.

2.3 DISTINÇÕES ENTRE DESCONSIDERAÇÃO, DESPERSONALIZAÇÃO E RESPONSABILIDADE DIRETA DOS SÓCIOS OU ADMINISTRADORES.

A desconsideração da pessoa jurídica consiste na suspensão temporária da eficácia da personalidade jurídica da sociedade no caso concreto em que se verificou a prática de fraude ou abuso de direito, através da manipulação indevida da pessoa jurídica, para atingir os sócios que nela incorreram e responsabilizá-los pelo cumprimento das obrigações sociais. Ressalte-se que a validade do ato constitutivo da pessoa jurídica é preservada, podendo esta continuar a exercer regularmente suas atividades.

Situação totalmente diversa verifica-se no caso da despersonalização da pessoa jurídica, que corresponde a extinção da personalidade jurídica, de modo que o ente coletivo deixa de existir como sujeito de direito autônomo, em razão da ausência das condições necessárias a sua constituição ou da autorização para seu funcionamento. Fábio Konder Comparato apresenta uma lição bem elucidativa a respeito desta distinção:

Importa, no entanto, distinguir entre despersonalização e desconsideração (relativa) da personalidade jurídica. Na primeira, a pessoa coletiva desaparece como sujeito autônomo, em razão da falta original ou superveniente das suas condições de existência, como, por exemplo, a invalidade do contrato social ou a dissolução da sociedade. Na segunda, subsiste o princípio da autonomia subjetiva da pessoa coletiva, distinta da pessoa de seus sócios ou componentes; mas essa distinção é afastada, provisoriamente e tão-só para o caso concreto. [07]

Alguns doutrinadores, no entanto, costumam utilizar o termo "despersonalização" para referir-se a desconsideração dos efeitos da personalidade jurídica da sociedade, o que, conforme já explicado, constitui uma impropriedade técnica.

Outro ponto relevante que se faz necessário destacar é a diferença entre a desconsideração da pessoa jurídica e os casos de responsabilidade direta dos sócios ou administradores.

No caso da responsabilização direta dos sócios ou administradores por ato praticado em excesso de poder, em desrespeito ao contrato ou estatuto social, ou à Lei, não é necessário desconsiderar a pessoa jurídica, pois, nessas situações, o agente que praticou o ato o fez diretamente, sem ocultar-se sobre a máscara da pessoa jurídica, razão pela qual responde por ato ilícito próprio. Como a autonomia patrimonial da pessoa jurídica não constitui óbice para a responsabilização direta do sócio, a sua personalidade jurídica é preservada.

Nesse sentido, oportuno registrar importante lição de Fábio Ulhoa Coelho:

A teoria da desconsideração, como visto, tem pertinência apenas quando a responsabilidade não pode ser, em princípio, diretamente imputada ao sócio, controlador ou representante legal da pessoa jurídica. Se a imputação pode ser direta, se a existência da pessoa jurídica não é obstáculo à responsabilização de quem quer que seja, não há porque cogitar do superamento da sua autonomia. E quando alguém, na qualidade de sócio ou representante legal da pessoa jurídica, provoca danos a terceiros, inclusive consumidores, em virtude de comportamento ilícito, responde pela indenização correspondente. Nesse caso, no entanto, estará respondendo por obrigação pessoal, decorrente de ato ilícito em que incorreu. [08]

Observe-se, ainda, a preleção de Humberto Theodoro Júnior a respeito do tema:

Costuma-se confundir a responsabilidade pessoal do sócio por obrigação da sociedade com o fenômeno da desconsideração da personalidade jurídica. São, no entanto, duas situações jurídicas bem distintas.

Na verdade, não se pode falar em desconsideração da personalidade jurídica, quando pela lei já existe uma previsão expressa de responsabilidade direta do sócio. Em tal caso a obrigação é originariamente do sócio, mesmo que tenha praticado o ato na gestão social. A teoria da disregard não foi concebida visando a esse tipo de responsabilidade solidária ou direta, mas para aqueles casos em que a pessoa jurídica se apresenta como um obstáculo a ocultar os verdadeiros sujeitos do ato fraudulentamente praticado em nome da sociedade, mas em proveito pessoal do sócio. [09]

Dessa forma, percebe-se que não só nos casos em que o sócio responde por ato ilícito próprio, mas também nos casos em que a própria lei estabelece expressamente a responsabilidade solidária ou subsidiária do sócio pelas obrigações da sociedade, não há de se falar em desconsideração da personalidade jurídica, pois, ainda que considerada a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, é possível imputar diretamente ao sócio a responsabilidade pelo cumprimento da obrigação.

É o caso, por exemplo, da sociedade em nome coletivo (artigo 1.039 do Código Civil) e da sociedade simples (artigo 1.023 do Código Civil), nas quais os sócios são responsáveis pelo cumprimento das obrigações sociais em virtude do regime estabelecido pela Lei para o tipo de sociedade que integram.

Posto isto, é relevante frisar que não se deve confundir a desconsideração da personalidade jurídica com as hipóteses de responsabilidade direta dos sócios, pois, nesses casos, não há que se cogitar da manipulação indevida da autonomia da pessoa jurídica, para responsabilizar o sócio, ainda que o ato que ensejou a sua responsabilidade tenha sido praticado no desempenho de atividade relacionada à pessoa jurídica.

2.4 DESCONSIDERAÇÃO INVERSA

A desconsideração inversa possuiu o mesmo fundamento jurídico da desconsideração da personalidade jurídica, qual seja coibir fraudes ou abusos de direito praticados através da manipulação indevida da autonomia patrimonial da pessoa jurídica.

Contudo, enquanto a desconsideração da personalidade jurídica afasta a separação patrimonial existente entre a pessoa jurídica e os sócios, para atingir os bens pessoais destes e vinculá-los ao cumprimento das obrigações formalmente imputadas à sociedade; a desconsideração inversa visa alcançar bens da sociedade correspondentes à participação societária do sócio, a fim de que respondam pelas obrigações deste.

Ana Caroline Santos Ceolin apresenta a seguinte definição: "Denomina-se ‘desconsideração inversa’ o instrumento jurídico que permite prescindir da personalidade e da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, para responsabilizá-la por obrigação pessoal do sócio". [10]

Tem-se, então, o inverso: aplica-se a suspensão temporária do ato constitutivo da pessoa jurídica, para, responsabilizando a sociedade por obrigações do sócio, alcançar o patrimônio deste, que foi fraudulentamente transferido para a pessoa jurídica, no intuito de burlar o cumprimento de obrigações assumidas junto a terceiros de boa-fé.

A incidência da desconsideração inversa verifica-se, geralmente, quando o sócio, a fim de evitar que os seus credores alcancem seu patrimônio pessoal, transfere a propriedade dos bens que o compõe para a pessoa jurídica da qual faz parte, utilizando-a como escudo de proteção. Ressalte-se que a ilicitude do ato não está na simples transferência, mas sim no intuito do sócio de lesar direito de terceiros.

A este respeito leciona Fabio Ulhoa Coelho:

A fraude que a desconsideração invertida coíbe é, basicamente, o desvio de bens. O devedor transfere seus bens para a pessoa jurídica sobre a qual detém absoluto controle. Desse modo, continua a usufruí-los, apesar de não serem de sua propriedade, mas da pessoa jurídica. Os seus credores, em princípio, não podem responsabilizá-los executando tais bens. [11]

Assim, a desconsideração inversa visa coibir a manipulação da pessoa jurídica pelo sócio para prejudicar o direito de seus credores. Esse tipo de desconsideração tem sido amplamente utilizado pelos juízes no âmbito do direito de família, para impedir, por exemplo, que um cônjuge empresário consiga livrar determinados bens da partilha na separação judicial, ao registrá-los em nome da pessoa jurídica sob seu controle. [12]

Sobre a aplicação da desconsideração em sentido inverso no direito de família, discorre Rolf Madaleno, citado por Fredie Didier Jr. e Cristiano Chaves:

É larga e producente sua aplicação no processo familial, principalmente, frente à diuturna constatação nas disputas matrimoniais, do cônjuge empresário esconder-se sob as vestes da sociedade, para a qual faz despejar, senão todo, ao menos o rol mais significativo dos bens comuns. É situação rotineira verificar nas relações nupciais e de concubinatos que os bens materiais comprados para uso dos esposos ou concubinos, como carros, telefones, móveis e mormente imóveis, dentre eles a própria alcova nupcial, encontrem-se registrados e adquiridos em nome de empresas de que participa um dos consortes ou conviventes. [13]

É relevante ressaltar que a desconsideração inversa está limitada ao valor do bem que foi transferido para a sociedade pelo sócio, no intuito de prejudicar terceiros de boa-fé, a fim de que não se prejudique os demais sócios que não tiveram qualquer interferência neste processo.

Há autores, contudo, que contestam a admissibilidade da desconsideração inversa no ordenamento jurídico nacional, afirmando que, neste caso, tem-se nada mais do que uma fraude contra credor praticada pelo sócio, que pode ser combatida através da ação pauliana ou revocatória [14] prevista nos artigos 158 a 165 do Código Civil.

Nesse sentido, posiciona-se Ana Caroline Santos Ceolin: "Verifica-se, portanto, que a inversão dos fundamentos da teoria da desconsideração tem sido defendida pela doutrina pátria, para ser empregada contra prática delituosa de que já se ocupa outro instrumento jurídico: a ação pauliana". [15]

Todavia, faz-se necessário esclarecer que o vício da fraude contra credores pressupõe o consilium fraudis (o conluio fraudulento; a má fé) e eventus damni (o prejuízo causado ao credor). Dessa forma, na hipótese ventilada, não é possível a configuração deste vício, vez que a pessoa jurídica não tem ciência da prática de fraude pelo sócio, não podendo ter participado do acordo malicioso.

2.5 PRESSUPOSTOS DA DESCONSIDERAÇÃO

A fixação dos pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica é extremamente relevante, para evitar a sua aplicação desenfreada e abusiva, desvirtuando o próprio objetivo da teoria, qual seja o aperfeiçoamento da pessoa jurídica, através da coibição do seu uso para fins diversos daqueles vislumbrados pelo ordenamento jurídico quando da sua concepção. Ademais, a definição dos seus pressupostos evita que as relações sociais sejam maculadas por considerável insegurança jurídica.

A preocupação em identificar as circunstâncias que autorizam a desconsideração já foi esposada por diversos doutrinadores, dentre eles Marçal Justen Filho: "Não tem cabimento atribuir ao aplicador do direito a liberdade para desconsiderar, ao seu alvedrio, a personalidade jurídica societária. Especialmente em um sistema como o nosso, de tradição legalista, o resultado seria desastroso". [16]

Passa-se, então, a análise dos pressupostos elencados pela doutrina para a legítima aplicação da desconsideração.

2.5.1 Personalidade Jurídica. Abuso de direito e Fraude.

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, nos moldes em que foi originalmente concebida, requer para a sua aplicação a existência de desvio de função ocasionado por abuso de direito ou fraude praticado pelo sócio ou administrador da sociedade, através da manipulação da pessoa jurídica.

Antes de adentrarmos na análise do abuso de direito e fraude consumados por meio da utilização indevida da personificação societária, convém registrar que a desconsideração somente pode ser aplicada em relação a pessoas jurídicas validamente constituídas, ou seja, que tenham preenchido todos os requisitos legais para a sua formação e para a aquisição da personalidade jurídica.

Ademais, as pessoas jurídicas devem gozar de limitação de responsabilidade, pois, naquelas cujo regime legal já estabelece a responsabilidade ilimitada, os sócios já são responsáveis ilimitadamente pelas obrigações da sociedade, sem que seja necessário recorrer a desconsideração da personalidade jurídica. Dessa forma, a desconsideração somente é aplicada quando se trata de sociedades de responsabilidade limitada, quais sejam as sociedades limitadas e as sociedades anônimas.

A desconsideração não incide, portanto, sobre as entidades desprovidas de personalidade jurídica, chamadas de sociedades em comum (anteriormente conhecidas como sociedades de fato ou irregulares) e previstas nos artigos 986 e seguintes do Código Civil. Nestas sociedades, os sócios são diretamente responsáveis pelas obrigações que foram atribuídas a suposta pessoa jurídica, que nunca existiu juridicamente.

O abuso de direito legitimador da efetivação da desconsideração é o abuso do direito à personalização. Para a melhor compreensão deste abuso, convém tecer previamente algumas considerações acerca do fenômeno da funcionalização do Direito, que ocorreu a partir do século XIX. [17]

A funcionalização do Direito proporcionou uma alteração das concepções arraigadas na sociedade daquela época de direito objetivo e de direito subjetivo. Antes o exercício do direito subjetivo era totalmente livre, sem limites, sendo protegido pelo Direito, como manifestação da liberdade individual, contra ingerências indevidas de terceiros, principalmente do Estado.

Ocorre que houve uma modificação do papel do Estado no contexto sócio-econômico. Este passou a perseguir fins coletivos, visando primordialmente o bem-estar social. Nesse contexto, o direito objetivo tornou-se um instrumento para a consecução desses fins, havendo, então, uma mudança no objetivo do Direito, agora, "o que se busca é adequar a conduta humana à necessidade coletiva e obter uma melhoria das condições de convivência". [18]

Este processo de funcionalização do direito objetivo acarretou a atribuição de uma função social ao direito subjetivo, que deverá ser exercido pelo indivíduo dentro dos limites ditados por esta função. Nesse sentido, leciona Marçal Justen Filho:

[...] o direito subjetivo não mais é acatado como um fim em si mesmo (ou, em outros termos, como a serviço da vontade individual). A existência e a extensão do direito subjetivo passam a ser consideradas como instrumentais. São meios de realização de valores e interesses juridicamente assumidos.

O limite e a extensão do direito subjetivo tornam-se externos a ele (e a seu titular). Seus parâmetros são extrínsecos: a coletividade e os fins do Estado. [...]

Esta profunda alteração ideológica e política produziu o desaparecimento dos direitos subjetivos "absolutos" - ou seja, de direitos sem limites ou cujos limites se identificassem com a extensão da vontade individual. [19]

Uma vez conferida uma função social ao direito subjetivo, surgi a noção de abuso de direito, para identificar o exercício anômalo deste, ou seja, em dissonância com a finalidade imposta pelo Estado quando da sua atribuição ao indivíduo.

Nas palavras de Porcherot, citado por Inácio de Carvalho Neto [20], "abusa-se do seu direito quando, permanecendo nos seus limites, se visa a um fim diferente daquele que para ele teve em vista o legislador".

Ao dissertar sobre abuso de direito, Rubens Requião afirma que "o sujeito não exercitará seus direitos egoisticamente, mas tendo em vista a função deles, a finalidade social que objetivam. O ato, embora conforme a lei se for contrário a essa finalidade, é abusivo e, em conseqüência, atentatório ao direito". [21]

Pode-se perceber, portanto, que o direito à personificação societária, como todo e qualquer direito subjetivo, deve ser exercitado com respeito à função social que lhe foi previamente atribuída pelo Estado, vale dizer, como instrumento para o desenvolvimento econômico, social e cultural de toda a sociedade.

Diante disso, verificar-se que há abuso do direito à personalização, quando um grupo de indivíduos utiliza-se da faculdade conferida pelo Estado de constituir uma pessoa jurídica, com personalidade distinta das dos seus membros, para, com base na autonomia patrimonial do sujeito de direito coletivo constituído, atingir fins diversos daqueles previstos pelo ordenamento jurídico para este.

Um caso típico de abuso do direito à personalização ocorre quando dois ou mais indivíduos alienam seus negócios a um terceiro e, no contrato, assumem o compromisso de não exercer atividade econômica concorrente; contudo, para burlar esta limitação contratual, os alienantes constituem uma sociedade e, com base na separação existente entre a pessoa jurídica e seus sócios, passam a desenvolver atividade econômica que lhes era vedada. É evidente, aqui, o desvio de função da pessoa jurídica por meio do abuso de direito.

A fraude, por outro lado, corresponde a prática de atos, com o propósito de prejudicar direitos creditórios de terceiros ou de burlar à lei, em benefício próprio ou de outrem. Por exemplo, quando um indivíduo constitui uma sociedade com seus filhos para adquirir um bem pertencente a seu pai, sem precisar pedir o consentimento de seus outros irmãos, em evidente afronta ao que estabelece o artigo 496 do Código Civil [22].

Rubens Requião apresenta a seguinte definição de fraude: "considera-se ato fraudulento, como o conceituam os revisores do Projeto de Código de Obrigações, no artigo 67, o negócio jurídico tramado para prejudicar credores, em beneficio do declarante ou de terceiro". [23]

Acrescenta ainda o referido autor: "No abuso de direito não existe, propriamente, trama contra o direito de credor, mas surge do inadequado uso de um direito, mesmo que seja estranho ao agente o propósito de prejudicar o direito de outrem". [24]

Posto isso, pode-se inferir que a fraude e o abuso de direito podem possuir o mesmo objetivo - a obtenção de vantagens ilícitas -, todavia, apresentam uma distinção, tendo em vista que, enquanto a fraude é utilizada com o objetivo claro de prejudicar terceiro, o abuso é o exercício irregular de um direito, ainda que não haja a intenção de prejudicar alguém especificamente.

Há de se ressaltar, ainda, que não é qualquer fraude ou abuso de direito que enseja a desconsideração da pessoa jurídica, mas somente aquele relacionado ao desvio de função na atuação concreta da sociedade, uma vez que a desconsideração é uma forma de combater um vício funcional.

Explicados os pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica de acordo com os contornos originais em que foi concebida, é oportuno analisar as teorias desenvolvidas no direito brasileiro que se propõem a estabelecer quais são os pressupostos da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.

2.5.2 Teoria Subjetiva e Teoria Objetiva

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica possui duas concepções: uma subjetiva e outra objetiva.

A concepção subjetiva defende que a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica depende da intenção fraudulenta ou abusiva do sócio ou administrador da sociedade na utilização da pessoa jurídica. Ou seja, a desconsideração tem como fundamento a existência de um vício funcional, de um defeito no uso da pessoa jurídica.

Esta concepção, contudo, é alvo de críticas, sob o argumento de que não abarca todas as hipóteses de desconsideração.

De outro lado, a formulação objetiva da teoria, proposta por Fábio Konder Comparato, defende que o fundamento essencial da desconsideração é a existência de confusão patrimonial entre o sócio controlador e a sociedade.

Sustenta que, neste caso, não há como individualizar o patrimônio do sócio e o da sociedade, o que confronta diretamente com o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica. A pessoa jurídica, assim, torna-se mero instrumento da atividade individual do sócio, o que justifica a desconsideração da separação patrimonial, já que os próprios sócios, que são beneficiados por esta, não a respeitam.

Convém transcrever a lição dada por Comparato:

A confusão patrimonial entre controlador e sociedade controlada é, portanto, o critério fundamental para a desconsideração da personalidade jurídica externa corporis. E compreende-se, facilmente, que assim seja, pois a pessoa jurídica nada mais é, afinal, do que uma técnica de separação patrimonial. Se o controlador, que é o maior interessado na manutenção deste principio, descumpre-o na prática, não se vê bem porque os juízes haveriam de respeita-lo, transformando-o, destarte, numa regra puramente unilateral. [25]

Assim, quando se constata a confusão patrimonial, há uma presunção de existência de fraude na manipulação da pessoa jurídica, uma vez que a autonomia patrimonial, que decorre da atribuição de personalidade jurídica ao ente coletivo e que caracteriza a sua existência como sujeito autônomo e distinto dos seus integrantes, não é observada.

Esta teoria, todavia, é demasiadamente restritiva, tendo em vista que a confusão entre o patrimônio da sociedade e os dos sócios não é a única hipótese que enseja a desconsideração.

É importante frisar que a desconsideração é aplicável sempre que houver a utilização da pessoa jurídica em dissonância com a função social que lhe foi imposta pelo direito. Assim, é possível aplicar a desconsideração, mesmo que inexista confusão patrimonial, tendo em vista que, embora os bens da sociedade sejam distintos dos do sócio, pode-se verificar a ocorrência de desvio de função na utilização do ente coletivo.

Dessa forma, entende-se que não é possível aplicar somente a teoria objetiva da desconsideração, razão pela qual deve se conciliar as duas concepções, subjetiva e objetiva, a fim de abarcar as diversas formas de desvio de função da pessoa jurídica.

2.5.3 Teoria Maior e Teoria Menor

A teoria maior e a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica representam a grande controvérsia existente na doutrina nacional a respeito dos pressupostos da desconsideração, motivo pelo qual se faz necessário um exame aprofundado dessas teorias.

A teoria maior sustenta que a superação da autonomia patrimonial somente é possível quando cabalmente demonstrada a prática de fraude ou abuso de direito através da manipulação da estrutura formal da pessoa jurídica. Seu principal sistematizador foi Rolf Serick.

Para Fábio Ulhoa Coelho, "a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica não é uma teoria contrária à personalização das sociedades empresárias e à sua autonomia em relação aos sócios. Ao contrário, seu objetivo é preservar o instituto, coibindo práticas fraudulentas e abusivas que dele se utilizam". [26]

Já a teoria menor prescinde do atendimento de qualquer requisito para a efetivação da desconsideração da personalidade jurídica, sendo suficiente a insatisfação do crédito em razão da insolvabilidade ou da falência da sociedade, independentemente de haver uso irregular da pessoa jurídica. Ou seja, é suficiente para decretar a desconsideração e, retirando temporariamente a eficácia dos atos constitutivos da sociedade, responsabilizar os sócios pelas obrigações sociais, que haja insuficiência do patrimônio da sociedade para adimplir as obrigações por ela assumidas.

Enquanto a teoria maior visa garantir que a superação da autonomia patrimonial da sociedade somente ocorra quando comprovada a ocorrência de uma das circunstâncias legitimadoras, assegurando, dessa forma, a não banalização do instituto da pessoa jurídica, mas sim o seu aprimoramento, a teoria menor "deve ser vista como o questionamento da sua pertinência, enquanto instituto jurídico". [27]

É importante deixar claro que a ausência de patrimônio social para adimplir as obrigações da sociedade não é motivo legítimo para justificar a desconsideração, tendo em vista que qualquer atividade comercial hoje em dia está sujeita aos riscos e imprevistos do mercado financeiro. Assim, é possível que uma sociedade atue sempre de forma correta e consentânea aos ditames legais e seja vítima de insucessos, que determinem a sua falência, não havendo, portanto, qualquer desvio de finalidade que justifique a desconsideração.

Infelizmente, a teoria menor vem sendo adotada por grande parte dos órgãos judiciários, sem qualquer fundamento legal. Tal comportamento vem desvirtuando os fundamentos e o real objetivo da desconsideração da personalidade jurídica, além de fragilizar ainda mais o instituto jurídico da pessoa jurídica.

2.5.4 Ausência de patrimônio da sociedade como critério.

Por fim, para esgotar o tema dos pressupostos para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, convém tratar da ausência de patrimônio da sociedade como critério ensejador da declaração da desconsideração.

Atualmente, tem se verificado que os tribunais e juízes vêm aplicando com considerável freqüência a superação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica em face da simples constatação da inexistência de bens sociais para adimplir a obrigação assumida junto ao credor.

Ocorre que, como foi explicitado ao longo deste trabalho, a desconsideração somente se justifica quando houver desvio da função para a qual a pessoa jurídica foi concebida, podendo este desvio ser caracterizado pela fraude ou abuso de direito. Em virtude disso, a simples ausência de patrimônio da sociedade, por si só, não constitui motivo suficiente a ensejar o afastamento da autonomia patrimonial da pessoa jurídica e a conseqüente responsabilização dos sócios pelas dívidas sociais. Caso contrário, haveria a completa banalização do instituto da pessoa jurídica, que poderia ser ignorado sempre que houvesse prejuízo por parte do credor da sociedade.

A respeito do tema, consigna Gustavo Bandeira:

De fato, permitir a incidência da desconsideração da personalidade jurídica, tendo por fundamento apenas a falta de patrimônio, é romper com o principio da autonomia e pôr em cheque o próprio instituto da pessoa jurídica. Tal proceder é despido de qualquer fundamento teórico, seja porque não representa aplicação da teoria da desconsideração, na qual se diz fundamentar, seja porque não traz qualquer embasamento cientifico que justifique a medida, a não ser garantir a satisfação do credor, em flagrante contrariedade aos princípios sistematizadores da doutrina [...] [28]

No mesmo sentido, pronuncia-se Genacéia da Silva Alberton: "Ora, a impossibilidade de ressarcimento, por si só, não pode ser motivo para a desconsideração se o ato da sociedade não extrapolou o objeto social ou não teve como fim ocultar conduta ilícita ou abusiva". [29]

Dessa forma, é importante desmistificar a concepção equivocada hoje arraigada nos julgados nacionais de que a desconsideração é um simples mecanismo de combate à inadimplência da sociedade, uma vez que a inexistência de bens sociais para adimplir as dívidas da sociedade somente pode ensejar a desconsideração, se decorrente da manipulação indevida ou lesiva da pessoa jurídica. Caso não seja comprovado o desvio de função da pessoa jurídica, deve prevalecer a autonomia patrimonial desta.

2.6 ALCANCE SUBJETIVO

Outra questão relevante que não se deve olvidar refere-se ao alcance subjetivo dos efeitos da desconsideração da pessoa jurídica. Não há no ordenamento jurídico nacional norma que estabeleça expressamente a extensão da aplicabilidade da desconsideração, de forma que se deve recorrer a doutrina e a jurisprudência para preencher esta lacuna.

Há na doutrina entendimentos divergentes a este respeito, podendo se identificar quem defenda que a aplicação da desconsideração implica a responsabilização de todos os seus sócios, e quem sustente que a desconsideração somente pode alcançar os sócios responsáveis pelos atos abusivos ou fraudulentos que ensejaram a desconsideração.

A respeito deste tema, posiciona-se Gilberto Gomes Bruschi:

Salvo melhor juízo, entendemos que meras participações societárias, pouco representativas em relação ao capital social, sem poder de controle, sem poder de administração e sem que tenham participado dos atos considerados excessivos ou abusivos como fator determinante da desconsideração da personalidade jurídica, seus detentores, meros investidores, não podem ser alcançados e muito menos responsabilizados pelos atos de outrem. [30]

No mesmo sentido, a Jornada de Direito Civil promovida em 2002 pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal publicou o Enunciado nº. 07: "Só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular, e limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido".

É se adotar tal posição, uma vez que se trata de regra basilar da responsabilidade civil que somente aquele que praticou o ato lesivo deve responder pelos danos dele decorrentes. Não se coaduna, portanto, com o senso de justiça a imputação de responsabilidade à quem não contribuiu diretamente para a prática do ato contrário à lei, como é o caso do sócio investidor e do sócio minoritário, que não tem poder decisório dentro da sociedade.

Assim, para aferir-se a responsabilidade do sócio pelas obrigações sociais, não basta analisar a existência da conduta ofensiva, do dano e do nexo da causalidade entre eles, é fundamental que se apure se o sócio teve culpa.

A favor desse posicionamento, também tem-se manifestado a jurisprudência pátria:

Execução fiscal - sociedade por quotas de responsabilidade limitada - penhora de bens de patrimônio de sócio que não exerceu função de direção - decreto-lei n. 3.708/19, art.16 e CTN, art. 135, III - Divergência jurisprudencial.

É impossível a penhora dos bens de sócio que jamais exerceu a gerência, a diretoria ou mesmo representasse a empresa Executada.

Há de ser utilizada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, prevalecendo o principio da responsabilidade subjetiva, e não a simples presunção.

Recurso conhecido, mas desprovido. [31]

Dessa forma, cabe ao juiz, em face do caso concreto, analisar quem são os verdadeiros responsáveis pelos atos abusivos ou fraudulentos que ensejaram a desconsideração, a fim de que somente estes respondam com seus patrimônios pelas obrigações da sociedade.


3. A DESCONSIDERAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO

3.1 EVOLUÇÃO

No ordenamento jurídico nacional, a introdução da teoria da desconsideração da personalidade jurídica ocorreu por meio de estudos doutrinários, sendo posteriormente absorvida pela jurisprudência e pelo direito positivo.

O precursor da difusão desta teoria no Brasil foi Rubens Requião, que, em 1969, proferiu brilhante conferência na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná sobre o tema, depois publicada na Revista dos Tribunais com o título "Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica". O autor desenvolveu seu estudo a partir da análise das obras de Rolf Serick, Pierrô Verrucoli e Maurice Wormser, responsáveis pela sistematização da teoria no Direito Estrangeiro.

Apesar de não existirem manifestações doutrinárias e legislativas acerca desta teoria, Requião sustentava a possibilidade de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no sistema jurídico nacional, para impedir a prática de fraude ou abuso através do uso da personalidade jurídica. Nas palavras do autor:

A disregard doctrine, como insiste professor germânico, aparece como algo mais do que um simples dispositivo do direito americano de sociedade. "É algo, diz ele, que aparece como conseqüência de uma expressão estrutural da sociedade". E, por isso, "em qualquer país em que se apresente a separação incisiva entre a pessoa jurídica e os membros que a compõem, se coloca o problema de verificar como se há de enfrentar aqueles casos em que essa radical separação conduz a resultados completamente injustos e contrários ao direito". [32]

Acrescenta ainda:

E assim, tanto nos Estados Unidos, na Alemanha ou no Brasil, é justo perguntar se o juiz, deparando-se com tais problemas, deve fechar os olhos ante o fato de que a pessoa jurídica é utilizada para fins contrários ao direito, ou se em semelhante hipótese deve prescindir da posição formal da personalidade jurídica e equiparar o sócio e a sociedade para evitar manobras fraudulentas. [33]

Dessa forma, Rubens Requião conclui que o juiz brasileiro está autorizado a desprezar a separação patrimonial existente entre a sociedade e seus sócios, quando verificada a prática de abuso de direito ou fraude por meio da manipulação indevida da personalidade jurídica. Contudo, ressalta que a desconsideração não visa anular a pessoa jurídica de forma definitiva, mas tão-somente declarar a ineficácia temporária dos efeitos da personalidade jurídica no caso concreto, prosseguindo posteriormente esta para fins legítimos.

A sistematização da teoria da desconsideração no direito nacional também contou com importante contribuição de J. Lamartine Correia de Oliveira, que publicou a obra "A dupla crise da pessoa jurídica".

A primeira manifestação legislativa nacional a respeito do tema ocorreu com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90). Todavia, este diploma, ao tentar oferecer a máxima proteção do consumidor, acabou por ampliar demasiadamente o rol das circunstâncias legitimadoras da aplicação da desconsideração, a ponto de permitir que a personalidade societária seja ignorada sempre que constituir obstáculo ao ressarcimento do consumidor prejudicado. Ou seja, a simples existência de prejuízo patrimonial para o consumidor autoriza a desconsideração. Vejamos:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

§ 1° (Vetado).

§ 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

§ 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

§ 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.

§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

Pela exegese do mencionado artigo, percebe-se que esse diploma confunde a desconsideração da personalidade jurídica com institutos jurídicos semelhantes, tais como a teoria da aparência e a teoria ultra vires, incluindo dentro das hipóteses de cabimento da desconsideração a responsabilização em virtude da existência de ato ilícito próprio do sócio, de violação do contrato ou estatuto social, de má administração ou de excesso de poder.

Ocorre que, nesses casos, o que se tem, na verdade, é a responsabilização direta dos sócios ou administradores, sem que seja necessária a desconsideração da personalidade jurídica, tendo em vista que a separação patrimonial existente entre a pessoa jurídica e seus membros não constitui óbice para que a responsabilidade destes seja estabelecida.

Em face da amplitude do dispositivo consumerista, este artigo tornou-se alvo de diversas críticas, por afastar-se consideravelmente dos fundamentos originais da teoria da desconsideração.

Genacéia da Silva Alberton, em artigo sobre a desconsideração da pessoa jurídica no código do consumidor, leciona: "Entretanto, na leitura do art. 28 do Código do Consumidor, parece que a confusão quanto ao que se entenda por efetiva desconsideração da pessoa jurídica atingiu o novel instrumento legal. Ou, pelo menos, a desconsideração prevista no Código não está presa às amarras da ‘disregard of legal entity’" [34].

Acompanhando o posicionamento da citada autora, Luciano Amaro, numa análise mais detalhada do artigo 28 do CDC, assevera:

Quanto aos §§ 2° a 4°, a matéria é de ‘responsabilidade subsidiária ou solidária’ que a própria lei já determina, não sendo necessário que o Juiz desconsidere a empresa para poder fazer atuar aquela responsabilidade. [...] O enunciado do parágrafo [§ 5°] é tão genérico, abrangente, ilimitado, que, aplicado literalmente, dispensaria o caput do artigo e tornaria inócua a própria construção teórica da desconsideração, implicando derrogar (independentemente de qualquer abuso ou fraude) a limitação de responsabilidade dos sócios de toda e qualquer empresa fornecedora de bens ou serviços no mercado de consumo". [35]

Outros autores, no entanto, entendem que a consagração da teoria da desconsideração em norma fez com que esta ganhasse contornos próprios no Brasil, que deverão ser respeitados no que se refere às relações de consumo. [36]

É possível identificar na doutrina nacional, todavia, autores que defendem que o primeiro diploma legal que contemplou a desconsideração da personalidade jurídica no direito positivo brasileiro foi o Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, comumente conhecido como Consolidação das Leis do Trabalho [37]. Para estes, o artigo 2º, § 2º, da CLT [38], excepcionando a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, permite que os patrimônios de todas as pessoas jurídicas integrantes de um grupo econômico sejam invadidos para adimplir obrigações decorrentes de contratos de trabalhos celebrados entre uma das pessoas jurídicas do grupo e seus empregados. Entretanto, este entendimento revela-se equivocado na medida em que o retrocitado artigo tão-somente estabelece a responsabilidade solidária entre sociedades integrantes do mesmo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, independentemente da prática de qualquer conduta abusiva ou fraudulenta e da desconsideração da personalidade jurídica, para que esta responsabilidade se concretize.

Nesse sentido, esclarece Marlon Tomazzete [39]:

De imediato, há que se afastar o entendimento de que o art. 2º, § 2º, da CLT acolhe a desconsideração. Tal dispositivo excepciona a autonomia resultante da formação de grupos empresariais, determinando a solidariedade das várias integrantes do grupo, sem cogitar do abuso ou da fraude. Ora, não se trata de desconsideração, mas de simples solidariedade, por três motivos: ‘primeiro, porque não se verifica a ocorrência de nenhuma das hipóteses que justifica sua aplicação como fraude ou abuso; segundo, porque reconhece e afirma a existência de personalidades distintas; terceiro, porque se trata de responsabilidade civil com responsabilização solidária de sociedades pertencentes ao mesmo grupo.

Diante disso, não restam dúvidas de que o Código de Defesa do Consumidor foi o primeiro diploma legal a consagrar a desconsideração da personalidade jurídica.

Posteriormente, a teoria da superação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica também foi consagrada na Lei nº. 8.884/94, que dispõe sobre a preservação e a repressão às infrações contra a ordem econômica:

Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

Percebe-se que a mencionada lei não introduziu inovações na disciplina da desconsideração da personalidade jurídica, limitando-se a reproduzir o artigo contido no Código do Consumidor.

A Lei nº. 9.605/98, que disciplina a responsabilidade por lesões ao meio ambiente, seguindo a disciplina contida no dispositivo consumerista, estabeleceu em seu art. 4º: "Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente".

Como visto, as supracitadas leis seguem os moldes estabelecidos pelo Código de Defesa do Consumidor para disciplinar a desconsideração, por isso, incorrem nos mesmos erros deste.

Há de se notar, ainda, que alguns autores tendem a afirmar que a desconsideração da personalidade jurídica encontra-se solidificada nos artigos 117 e 158 da Lei n°. 6.404/76 (Lei de Sociedades Anônimas) [40] e no art. 135 da Lei n°. 5.175/66 (Código Tributário Nacional) [41]. Todavia, o que de fato se verifica nestes dispositivos legais é a responsabilidade civil pessoal dos sócios ou administradores da sociedade, e não a possibilidade de aplicação da desconsideração, uma vez que nenhum deles requer que haja desvio da função da pessoa jurídica para a responsabilização dos sócios. [42]

Por fim, com a entrada em vigor do Novo Código Civil (Lei nº. 10.406/2002), houve a consolidação, em seu artigo 50, da desconsideração da personalidade jurídica como regra geral de conduta, a ser aplicada não só na área cível, mas em todas as relações jurídicas privadas. Saliente-se que o grande mérito deste diploma legal foi ter resgatado a desconsideração nos moldes como originalmente foi concebida, reafirmando o seu caráter de medida excepcional e a necessidade de comprovação cabal das circunstancias legitimadoras da sua aplicação.

Apesar de ser uma norma de Direito Material, o art. 50 do CC de 2002 traz, em seu bojo, algumas determinações de cunho processual acerca da forma como deve se efetivar a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no Direito Brasileiro. Todavia, a disciplina contida nesta previsão legal não foi suficiente para estabelecer todos os parâmetros processuais que devem orientar a superação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica.

A respeito da desconsideração, nos moldes previstos no Código Civil, tratar-se-á em tópico próprio, tendo em vista a relevância da sua compreensão para o objeto central da presente monografia.

3.2. DESCONSIDERAÇÃO NO NOVO CÓDIGO CIVIL

A entrada em vigor do Novo Código Civil foi de extrema relevância para que se estabelecesse no ordenamento jurídico nacional uma regra geral acerca da desconsideração da personalidade jurídica, que servisse para orientar a sua aplicação não só no âmbito das relações civis, mas de todas as relações jurídicas privadas.

Este diploma legal foi importante para resgatar os fundamentos originais da desconsideração e para evitar a sua utilização desenfreada e abusiva, definindo expressamente as hipóteses em que esta deve ser aplicada. Vejamos:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Pode-se perceber que a desconsideração é contemplada pelo código como instrumento hábil a coibir e reprimir os abusos cometidos através da manipulação indevida do direito à personalidade jurídica. Ressalte-se que o abuso de direito se configura sempre que o seu titular o exercer para alcançar fins diversos daqueles que lhe foram atribuídos pela ordem jurídica.

O próprio Código Civil, em seu art. 187, estabelece a definição de abuso de direito: "Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes".

Maria Helena Diniz, ao interpretar o artigo 187 do código, assevera: "O ato abusivo é uma conduta lícita, mas desconforme, ora à finalidade socioeconômica pretendida pela norma ao prescrever uma situação ou um direito, ora ao princípio da boa fé objetiva, como diz Ripert" [43].

Assim, pode-se afirmar que o abuso do direito à personificação ocorre quando um grupo de indivíduos utiliza-se da faculdade conferida pelo Estado de constituir uma pessoa jurídica, com personalidade distinta das dos seus membros, para, com base na autonomia patrimonial do sujeito de direito constituído, atingir fins diversos daqueles previstos pelo ordenamento jurídico para este. Com isso, configura-se uma violação manifesta da função social da pessoa jurídica, o que enseja a sua desconsideração, para atingir os responsáveis pelo uso indevido ou lesivo da personalidade societária.

De acordo com a legislação civil, o abuso do direito à personificação pode ser caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.

Tem-se o desvio de finalidade legitimador da desconsideração quando a pessoa jurídica é utilizada pelo sócio ou administrador da sociedade para alcançar fins diversos daqueles vislumbrados pelo direito, quando da sua instituição. Por exemplo, quando o ente coletivo tiver sido constituído para burlar cláusula contratual de não-restabelecimento assumida pelo alienante de estabelecimento comercial junto ao terceiro adquirente.

Embora o Código Civil não tenha inserido dentro das hipóteses legitimadoras da desconsideração o termo "fraude" - o que tem sido alvo de severas críticas -, insta afirmar que tal situação encontra-se implicitamente no seu texto, mais especificamente na expressão "desvio de finalidade". A fraude, como ato atentatório de direito de terceiro ou burla à lei, configura um desvio da finalidade para qual a personalidade societária foi instituída, enquadrando-se perfeitamente no objetivo da norma em espeque, qual seja, coibir e reprimir qualquer forma de manipulação indevida da pessoa jurídica perpetrada em detrimento de direito de terceiros de boa-fé.

Nesse sentido, posiciona-se José Tadeu Neves Xavier: "Entendemos que a idéia de fraude está inserta de forma implícita na redação do art. 50 do novo codex, quando faz referência ao abuso da personalidade e ao desvio de finalidade" [44].

Alguns autores, numa visão mais ampla quanto às hipóteses de cabimento da desconsideração, defende que esta seria cabível em qualquer tipo de fraude perpetrada com manipulação indevida da pessoa jurídica. A exemplo, pode-se destacar o posicionamento de Sílvio de Salvo Venosa: "A modalidade de fraude é múltipla, sendo impossível enumeração apriorística. Dependerá do exame do caso concreto. Poderá ocorrer fraude à lei, simplesmente, fraude a um contrato ou fraude contra credores,..." [45].

Outro critério caracterizador do abuso da personalidade jurídica é a confusão patrimonial, que se configura quando há uma mistura entre o patrimônio da sociedade e os dos seus sócios, de modo que não é possível identificar a titularidade real dos bens. Nesse caso, a separação patrimonial formalmente estabelecida pela lei não é observada na atuação concreta da sociedade, o que enseja a desconsideração da pessoa jurídica.

Fábio Ulhoa, ao se manifestar acerca da confusão patrimonial como critério legitimador da desconsideração, pontua: "Quer dizer, deve-se presumir a fraude na manipulação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica se demonstrada a confusão entre os patrimônios dela e de um ou mais de seus integrantes...". [46]

A confusão patrimonial pode se caracterizar, segundo Calixto Salomão Filho, "quando a denominação social, a organização societária ou o patrimônio da sociedade não se distinguem em forma clara da pessoa do sócio, ou então quando formalidades societárias necessárias à referida separação não são seguidas". [47]

Pela exegese do dispositivo civil, verifica-se também que a simples inadimplência da sociedade não é motivo suficiente, em si mesmo, para ensejar a superação da sua autonomia patrimonial, tendo em vista que a desconsideração deve ser aplicada em virtude da existência de abuso do direito à personalização.

Tal posicionamento se coaduna com o atual contexto sócio-econômico em que está inserido o Brasil, uma vez que, em razão dos riscos e oscilações do mercado econômico e financeiro, o sucesso de uma atividade empresarial torna-se cada vez mais difícil. Dessa forma, permitir a desconsideração, quando o sócio não praticou nenhuma conduta reprovável, mas tão-somente foi vítima das agruras e imprevistos do mercado, seria negar completamente a personalidade jurídica distinta atribuída a pessoa jurídica, ou pior, o próprio instituto.

Impende observar lição de Humberto Theodoro Júnior a esse respeito: "Ora, não se pode presumir abuso de gestão social, apenas porque não há bens a penhorar". [48]

Todavia, é possível encontrar entendimentos jurisprudenciais no sentido da aplicação da desconsideração da personificação societária quando o patrimônio da pessoa jurídica não é suficiente para adimplir suas obrigações, mesmo não se constatando a existência de abuso [49], o que contrária, conforme supracitado, os fundamentos da própria teoria.

Acrescente-se que o legislador não estabeleceu qualquer presunção de existência de abuso de direito ou fraude, em razão do que a decretação da desconsideração demanda a prova robusta destes eventos. Quanto ao ônus da prova, deve ser observada a regra geral do art. 333 do CPC, dessa forma, caberá ao interessado comprovar a existência do abuso autorizador da desconsideração.

Impende destacar que o Código, ao disciplinar a desconsideração, em momento algum, afirmou que esta acarretaria a extinção da pessoa jurídica, mas tão-somente permitiu a extensão dos efeitos de obrigações sociais aos sócios ou administradores da sociedade, em determinado caso concreto. Sendo assim, a desconsideração consagrada é episódica, somente ignorando os efeitos da personificação societária no caso concreto em que se constatou seu abuso, em razão disso, a pessoa jurídica continua válida para desenvolver regularmente suas atividades.

Diante do exposto, é relevante deixar claro que, embora o novo Código Civil não tenha reproduzido a norma expressamente prevista no art. 20 do CC de 1916 [50], ainda vigora no ordenamento jurídico pátrio o princípio da inconfundibilidade entre a pessoa jurídica e os seus sócios. Assim, a extensão da responsabilidade pelas obrigações sociais aos sócios trata-se de uma exceção, somente podendo se concretizar quando devidamente preenchidos os requisitos legais autorizadores.

A importância da distinção entre a personalidade jurídica do ente coletivo e as dos membros que a compõem para o sistema jurídico nacional pode ser demonstrada pela análise do projeto de Lei n°. 7.160/2002, que tramita no Congresso Nacional, e pretende alterar a redação do art. 50 do Código Civil [51] para inserir a norma que constava no art. 20 do CC de 1916.

Dessa forma, a desconsideração deve ser aplicada com muita cautela e somente quando devidamente comprovadas as circunstâncias legitimadoras da sua declaração, tendo em vista a relevância do instituto da pessoa jurídica para o direito e para o desenvolvimento econômico, social e cultural de toda a sociedade. Assim, não se deve olvidar o caráter excepcional desta medida, a fim de evitar a sua aplicação desenfreada, o que pode ocasionar a banalização do instituto da pessoa jurídica e prejudicar sua relevante função social.

Tendo em vista que o direito brasileiro admite a existência de sociedades cujos administradores não sejam necessariamente sócios, a responsabilidade pelo cumprimento das obrigações sociais, quando efetivada a desconsideração, poderá ser imputada tanto aos sócios quanto aos administradores. Todavia, é importante ressaltar que somente poderão ser responsabilizados os sócios ou administradores que tiverem contribuído direta ou indiretamente para o ato abusivo que ensejou a desconsideração. Ou seja, deve se ponderar face o caso concreto se o sócio ou o administrador foi realmente responsável pela prática do ato.

O Código Civil de 2002 não se pronunciou acerca da admissibilidade da desconsideração em sentido inverso, somente prevendo a possibilidade de se afastar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para atingir os sócios e vincular os bens pessoais destes ao cumprimento de obrigações formalmente imputadas à sociedade.

Por fim, cumpre salientar que o diploma civil contemplou o princípio dispositivo, de modo que o Poder Judiciário somente poderá se manifestar a respeito da desconsideração se houver requerimento da parte ou do Ministério Público, nos casos em que couber a sua intervenção.

Uma vez esclarecidos os conceitos e princípios essenciais acerca da desconsideração da personalidade jurídica, tem-se a base necessária para adentrar no estudo do objeto central deste trabalho, qual seja os aspectos processuais da desconsideração.


4. ASPECTOS PROCESSUAIS DA DESCONSIDERAÇÃO

A superação da separação patrimonial existente entre a pessoa jurídica e seus integrantes, que é o cerne do fenômeno da desconsideração da pessoa jurídica, vem sendo largamente aplicada pelos juízes e tribunais nacionais. Dessa forma, é relevante analisar os equívocos e os acertos verificados na utilização prática deste instituto.

4.1 LEGITIMIDADE PARA REQUERER A DESCONSIDERAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DESCONSIDERAÇÃO "EX OFFICIO".

Como explicado no capítulo anterior, o Código Civil de 2002 consagrou, em seu artigo 50, a desconsideração da personalidade jurídica e estabeleceu diretrizes norteadoras da sua aplicação. Uma dessas diretrizes refere-se à legitimidade para requerer a desconsideração, atribuída à parte interessada e ao Ministério Público, quando couber a sua intervenção.

Percebe-se, assim, que a norma que consagra a desconsideração da pessoa jurídica no diploma civil está em perfeita consonância com o princípio da demanda ou da inércia do Poder Judiciário, de acordo com o qual o juiz somente poderá se manifestar mediante provocação da parte interessada; ou seja, cabe à parte suscitar as questões que pretende sejam resolvidas pelo Judiciário. Este princípio encontra-se solidificado no art. 2° do CPC, que estabelece: "nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e formas legais".

Para Cândido Rangel Dinamarco, "Essa exigência é imposta em atenção a necessidade de preservar a imparcialidade do juiz". [52] Nesse sentido, a legislação civil, a fim de preservar a regularidade e a legitimidade do procedimento de aplicação da desconsideração, condiciona a atuação jurisdicional ao requerimento da parte.

A despeito da existência de determinação legal expressa acerca da legitimidade ativa para requer a superação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, é possível encontrar na jurisprudência pátria decisões a favor da possibilidade de aplicação da desconsideração de ofício, como se infere da ementa abaixo transcrita:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA E AUSÊNCIA DE BENS. AÇÃO REDIRECIONADA CONTRA A SÓCIA. POSSIBILIDADE. Diante da situação dos autos, processo de execução onde é executada a empresa irregularmente dissolvida e sem patrimônio, possível a determinação, de ofício, da inclusão da recorrente no pólo passivo da demanda, desconsiderada a personalidade jurídica. Agravo desprovido. [53]

Existem doutrinadores que também defendem ser possível a atuação de ofício do juiz, independentemente de requerimento da parte prejudicada pelo mau uso da pessoa jurídica. Nesse sentido, professora Genacéia da Silva Alberton: "Todavia, como as situações embasadoras das desconsiderações podem emergir no decorrer da instrução do processo, deve-se aceitar a possibilidade de o Juiz desconsiderar a pessoa jurídica, independentemente de postulação da parte autora". [54]

Outros autores, embora tendentes a admitir a possibilidade de aplicação ex officio da desconsideração, preferem adotar um posicionamento mais cauteloso e, assim, afirmar a necessidade de que haja requerimento para a sua efetivação. Dentre eles podemos destacar Gilberto Gomes Bruschi:

Como o art. 50 do CC/2002 prevê o expresso requerimento do interessado ou do Ministério Público, conclui-se que a partir da entrada em vigor do novo código civil, estabelece-se violação a atuação ex officio por parte do juiz nesse sentido. Tal disposição deveria ser revista em uma eventual reforma do Código Civil em vigor, pois existem no mesmo dispositivo legal determinadas matérias de ordem pública que deveriam ser conhecidas de ofício, independendo, portanto de manifestação da parte, porém, como o art. 50, expressamente prevê a necessidade de requerimento ao juízo da execução, não se pode cogitar de atuação ex officio [...]. [55]

Convém observar que a aplicação de ofício de normas legais pelos juízes é uma medida processual de caráter excepcional em relação ao princípio da demanda, logo, deve estar prevista em lei [56]. Não estabelecendo a lei a possibilidade de o juiz atuar de ofício em face do caso concreto, faz-se necessário o requerimento da parte para que possa manifestar-se.

Ressalte-se, contudo, que determinadas matérias, por serem de suma importância para o regular desenvolvimento da relação jurídica processual, tais como as condições da ação e os pressupostos processuais, podem ser apreciadas ex officio pelo juiz, independentemente de autorização legal. [57]

Dessa forma, não havendo autorização legal para a aplicação da desconsideração de ofício pelo juiz, mas, pelo contrário, fixando expressamente o art. 50 do Código Civil a necessidade de provocação por parte do interessado ou do Ministério Público para o juiz poder aplicá-la, está descartada a possibilidade de a desconsideração ser decretada ex officio.

Sendo assim, o requerimento da parte constitui pressuposto para a regular decretação da desconsideração da personalidade jurídica.

Já no que se refere à legitimidade passiva para a desconsideração, entendemos que a parte interessada ou o Ministério Público, ao requerer a aplicação desta, deverá fazer com que integrem o pólo passivo da demanda a pessoa jurídica e os sócios que pretende que sejam responsabilizados, a fim de evitar futura nulidade processual, por violação aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, todos de magnitude constitucional. [58]

Nesse sentido, leciona Osmar Vieira da Silva: "... quem pretende imputar a sócio ou sócios de uma sociedade empresária a responsabilidade por ato social, em virtude de fraude na manipulação da autonomia da pessoa jurídica, não deve demandar somente esta última, mas, também, a pessoa ou as pessoas que quer ver responsabilizadas". [59]

4.2. FORMAS DE APLICAÇÃO DA DESCONSIDERAÇÃO.

O momento e o procedimento a ser utilizado para a efetivação da desconsideração da personalidade jurídica é alvo de grandes discussões na doutrina, tendo em vista a ausência de legislação que discipline especificamente esta matéria.

Como já esclarecido, a entrada em vigor do Código Civil de 2002, embora tenha contribuído para fixar algumas diretrizes de cunho processual acerca da forma de aplicação da desconsideração, não foi suficiente para dirimir todas as dúvidas.

Neste contexto, é possível identificar, na doutrina e na jurisprudência nacionais, a existência de três correntes a respeito do momento e da forma como deve se realizar a aplicação da desconsideração da pessoa jurídica. São elas: a desconsideração na fase de conhecimento do processo, a desconsideração por decisão no próprio processo de execução e a desconsideração por meio da instauração de um incidente processual na fase de execução.

É relevante, assim, refletir sobre os procedimentos utilizados por estas três correntes para a decretação da desconsideração da pessoa jurídica, a fim de identificar qual(s) oferece(m) maior segurança processual para as partes.

4.2.1. Desconsideração na fase de conhecimento do processo

Esta corrente defende que a desconsideração da personalidade jurídica deve ser efetivada com observância rigorosa aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, a fim de evitar que as relações processuais sejam maculadas por considerável insegurança jurídica.

Nesse sentido, afirma-se que os sócios ou administradores da sociedade que o credor social pretende responsabilizar devem participar da relação jurídica processual de conhecimento, a fim de que lhes seja assegurado o livre exercício do contraditório e da ampla defesa, não só em relação à existência ou não das circunstâncias autorizadoras da desconsideração da personificação societária, mas também no que se refere à existência e ao conteúdo da dívida objeto da lide.

Ademais, não se pode olvidar que os patrimônios dos sócios ou dos administradores sociais somente poderão ser atingidos para a satisfação do direito de crédito certificado no processo de conhecimento, se estes integrarem o titulo judicial em que houve esta certificação.

É o que dispõe o art. 472 do Código de Processo Civil: "A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros".

Assim, somente os sujeitos que participaram da relação processual de conhecimento sofrerão os efeitos da sentença nesta proferida, de modo que, embora esta decisão também tenha valor contra terceiros, o seu comando não pode prejudicá-los.

Trata-se dos limites subjetivos da coisa julgada, que deverão ser respeitados, por ser uma garantia do devido processo legal. Além disso, a necessidade de observar estes limites assegura que ninguém terá seu patrimônio violado, sem que tenha exercido seu direito de defesa em um processo regular, manifestando-se acerca do objeto sobre o qual repousará o manto da coisa julgada.

Sobre o tema, posiciona-se Cândido Dinamarco:

Há duas razões básicas pelas quais a autoridade da coisa julgada não deve ir e não vai além dos sujeitos processuais.

A primeira delas é a garantia constitucional do contraditório, que ficaria maculada se um sujeito, sem ter gozado das oportunidades processuais inerentes à condição de parte, ficasse depois impedido de repor em discussão o preceito sentencial.

A segunda, colhida do modo como a coisa julgada incide na vida das pessoas e das regras processuais sobre a legitimidade ad causam, consiste no desinteresse dos terceiros pelos resultados do processo, que não lhes afetam diretamente a esfera de direitos e obrigações. [60]

Posto isto, resta evidente que a participação dos sócios na fase de conhecimento juntamente com a pessoa jurídica impõe-se como requisito para a decretação da desconsideração da pessoa jurídica em consonância com o devido processo legal e o contraditório, haja vista que, apesar de os sócios terem interesse nas decisões que afetam a sociedade empresária e poderem ser atingidos indiretamente pelas mesmas, não se confundem com a pessoa jurídica, pois possuem personalidades jurídicas distintas.

Em abono ao posicionamento ora esposado, manifestou-se Genacéia da Silva Alberton, em artigo sobre a desconsideração da pessoa jurídica no Código do Consumidor:

É necessário, porém, observados os termos do Código do Consumidor acerca da desconsideração, que seja mantida a defesa plena do demandado para que, ao se afastar o abuso no plano material, não se cometa uma ignomínia no plano processual. Por isso deve haver cautela do julgador em verificar se aqueles que, no pólo passivo, ficarão sujeitos aos efeitos da sentença, isto é, serão atingidos pela desconsideração, estão presentes na demanda, sob pena de que, em relação a eles, a sentença deixe de fazer coisa julgada (art. 472 do CPC). [61]

Acerca da necessidade de se respeitar os limites subjetivos da coisa julgada, quando da aplicação da desconsideração, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, conforme ementa abaixo transcrita:

EMBARGOS À EXECUÇÃO DE MULTA COMINATÓRIA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA PARA ATINGIR EMPRESA QUE NÃO FOI PARTE NA AÇÃO ANTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. Nula, a teor do artigo 472, CPC, a decisão que estende a coisa julgada a terceiro que não integrou a respectiva relação processual.A desconsideração da pessoa jurídica é medida excepcional que reclama o atendimento de pressupostos específicos relacionados com a fraude ou abuso de direito em prejuízo de terceiros, o que deve ser demonstrado sob o crivo do devido processo legal. Recurso especial conhecido e provido. [62]

Assim, a inobservância do preceito contido no art. 472 do CPC implica a violação de garantias processuais asseguradas na Constituição Federal, o que compromete a própria legitimidade e justiça do procedimento realizado.

Uma vez reconhecida a necessidade de os sócios ou administradores da sociedade integrarem o pólo passivo da demanda cognitiva, já que, na hipótese de demonstrar-se a ocorrência de abuso do direito à personificação societária, são os patrimônios destes que o credor social almeja alcançar, é relevante ressaltar que, para viabilizar esta participação, o credor deve-se utilizar do instituto do litisconsórcio facultativo eventual.

Para a perfeita compreensão deste instituto, convém tecer sucintas considerações a respeito de litisconsórcio.

Como é cediço, o litisconsórcio corresponde a pluralidade de partes ou litigantes em um ou em ambos os pólos da relação jurídica processual. Nesse sentido, leciona Cândido Rangel Dinamarco: "Litisconsórcio é a presença de duas ou mais pessoas na posição de autores ou réus [Chiovenda]; é um fenômeno de pluralidade de partes, em que o esquema da relação jurídica substancial vai além do mínimo indispensável para ter mais de uma pessoa no pólo ativo, ou passivo, ou em ambos...". [63]

O litisconsórcio pode ser classificado de diversas formas: a) quanto ao pólo da relação jurídica processual: litisconsórcio ativo, passivo ou misto, se a pluralidade for de autores, réus ou ambas as partes, respectivamente; b) quanto ao momento de formação do litisconsórcio: inicial ou ulterior, conforme tenha sido constituído no início ou no curso do processo; c) quanto à natureza do laço que prende os co-litigantes: necessário, quando a formação do litisconsórcio é indispensável, seja por expressa determinação legal, seja pela natureza da relação jurídica material posta em juízo, ou facultativo, quando o litisconsórcio se forma pela livre vontade da parte; d) quanto aos efeitos da sentença: unitário, quando a sentença produz um só efeito para todos os litisconsortes, ou simples (ou comum), quando a sentença pode produzir efeitos diversos para os diferentes litisconsortes.

Para o desenvolvimento deste trabalho, contudo, é relevante a análise apenas do litisconsórcio facultativo passivo, ou seja, aquele caracterizado pela cumulação de vários sujeitos no pólo passivo da demanda, em decorrência da simples vontade de quem propôs a ação. Neste, não há obrigatoriedade de formação do litisconsórcio, que é constituído por melhor adequar-se à pretensão que o autor deseja deduzir em juízo, – frise-se - segundo seu exclusivo juízo de valor.

O litisconsórcio facultativo poderá ser eventual ou alternativo quando "... o autor, estando em dúvida razoável sobre a identificação do sujeito legitimado passivamente, tem a faculdade de incluir dois ou mais réus em sua demanda, com o pedido de que a sentença se enderece a um ou a outro conforme venha resultar da instrução do processo e da convicção do juiz". [64]

O litisconsórcio eventual distingue-se do litisconsórcio alternativo [65] apenas pelo fato de que neste o autor restringe-se a deduzir seu pedido indiferentemente a qual das partes será condenada, já naquele o autor manifesta preferência pela condenação de um dos réus.

No caso da desconsideração da personalidade jurídica requerida na fase de conhecimento do processo, o litisconsórcio de que se serve o credor da sociedade é o eventual.

Apesar de não existir previsão legal expressa autorizando o litisconsórcio eventual, ele vem sendo admitido pela doutrina com base numa interpretação extensiva do art. 289 do CPC [66], que faculta a parte, ao ajuizar a sua ação, formular mais de um pedido em ordem sucessiva, para que um seja atendido, na hipótese de o outro não ser, admitindo, assim, o cúmulo eventual de demandas.

É o que ocorre no caso do litisconsórcio facultativo eventual. Contudo, neste, além de uma cumulação eventual objetiva [67], também teremos uma cumulação eventual subjetiva, tendo em vista que o autor pleiteia que, sendo julgado improcedente o pedido formulado em relação a uma parte, seja apreciado o pedido formulado em relação a outra.

Dinamarco, ao explicar este tipo de litisconsórcio, assevera:

Na realidade, quando comum o litisconsórcio facultativo, o que se vê são os dois fenômenos ao mesmo tempo: cúmulo de pessoas como autores ou réus e cúmulo de demandas, no sentido de que com referência a cada uma dessas partes plúrimas se porá um pedido em juízo. Pois é precisamente isso que sucede quando é eventual ou alternativo o litisconsórcio, dando-se então, como em todos os casos de litisconsórcio facultativo comum, o cúmulo subjetivo e também objetivo de demandas. [68]

Pronuncia-se, ainda, sobre sua admissibilidade no ordenamento jurídico nacional:

Já se vê, portanto, que nem o litisconsórcio eventual, nem o alternativo, repugnam à nossa ordem jurídico-processual. Por mais de um caminho, chega-se à conclusão de que é lícito ampliar a potencialidade do processo, para a tutela jurisdicional mais rápida, econômica e coerente através de cúmulos dessas espécies.

[...]

Se fosse negada a admissibilidade de demandas conjuntas, em casos como esses, nem por isso ficaria afastado o litisconsórcio, que provavelmente se formaria depois, por força da conexidade, através da reunião de processos. [69]

Dessa forma, não restam dúvidas quanto à admissibilidade do litisconsórcio facultativo eventual ou alternativo no sistema jurídico brasileiro. Em abono a tese ora esposada, já se manifestou a jurisprudência pátria, conforme se verifica na ementa in verbis:

Em ação movida, contra seguradora e contra o banco intermediário do seguro admite-se o litisconsórcio passivo alternativo, pois não sabe o autor a quem será imputada a responsabilidade e, sendo um exonerado da obrigação de reparar, pode ser condenado o outro. (1ª TACSP – 5ª C – AP 327.860 – Rel. Scarance Fernandes – j. em 15.08.84) [70]

Sendo assim, o credor social, ao ajuizar sua demanda, deverá promover a citação dos sócios juntamente com a da pessoa jurídica, pela formação de um litisconsórcio passivo facultativo eventual, pois, acaso se verifique no caso sub judice a prática de fraude ou abuso de direito por meio da utilização indevida da personificação societária, poderá de logo ser decretada a responsabilidade patrimonial dos sócios que nela incorreram.

Nesse sentido, manifestou-se Flavia Lefrèvre Guimarães, ao dissertar sobre o procedimento de aplicação da desconsideração no âmbito do direito do consumidor:

O consumidor deve ser cauteloso no momento de ajuizar a ação, e buscar, nos órgãos públicos competentes, os documentos societários da pessoa jurídica contra a qual vá litigar e procure, desde o início, vincular todos os possíveis responsáveis, previstos nos parágrafos do art. 28, ao resultado da sentença, fazendo uso dos institutos processuais que regulam o litisconsórcio, a fim de garantir um grau de aproveitamento e otimização do processo. [71]

Assim, com a formação do litisconsórcio passivo facultativo eventual, os sócios ou administradores sociais responsáveis integrarão o titulo judicial resultante do processo de conhecimento e contra eles poderá ser proposta legitimamente a execução, resguardando-se, dessa forma, o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

Importante destacar, ainda, que Fábio Ulhoa Coelho, numa posição extremista, defende que o credor deverá ajuizar uma ação autônoma de conhecimento específica para o reconhecimento do abuso da personalidade jurídica e a conseqüente decretação da desconsideração. Além disso, sustenta que esta ação deverá ser proposta apenas em face dos sócios que o credor pretende responsabilizar, não sendo imperativa, portanto, a participação da pessoa jurídica no processo. Nas palavras do autor:

Ora, se assim é, o juiz não pode desconsiderar a separação entre a pessoa jurídica e seus integrantes senão por meio de ação judicial própria de caráter cognitivo, movida pelo credor da sociedade contra os sócios ou seus controladores. Nessa ação, o credor deverá demonstrar a presença do pressuposto fraudulento. Em outros termos, quem pretende imputar a sócio ou sócios de uma sociedade empresária a responsabilidade por ato social, em virtude de fraude na manipulação da autonomia da pessoa jurídica, não deve demandar esta última, mas a pessoa ou as pessoas que quer ver responsabilizadas. Se a personalização da sociedade empresária será abstraída, desconsiderada, ignorada pelo juiz, então a sua participação na relação processual como demandada é uma impropriedade. [72]

É possível verificar na jurisprudência pátria julgados que se manifestam nesse mesmo sentido, conforme demonstra ementa abaixo transcrita:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO -PENHORA DE PARTE DO FATURAMENTO DA EMPRESA - MEDIDA EXCEPCIONAL E EXTREMA - NÃO COMPROVAÇÃO DA AUSÊNCIA DE OUTROS BENS PASSÍVEIS DE CONSTRIÇÃO - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA - NECESSIDADE DE INSTAURAÇÃO DE PROCESSO COGNITIVO - DECISÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. A penhora sobre o faturamento da empresa é medida excepcional porquanto a restrição apontada na lei se dá em obediência ao princípio de que a execução se fará pelo modo menos gravoso ao executado, sendo permitida a penhora sobre o rendimento somente quando não houver outros bens passíveis de penhora. Para aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica é indispensável a dilação probatória, pela propositura de processo de conhecimento, no qual se busca comprovar que os sócios agiram, alternativamente, com abuso de direito, desvio de poder, fraude à lei, violação aos estatutos ou ao contrato social ou em palmar prejuízo a terceiros. [73]

Todavia, tal posicionamento não deve ser prestigiado, tendo em vista que implicaria uma demora excessiva na satisfação do direito do credor da sociedade, já que este, além de propor uma ação em face da sociedade para que seja declarado o seu direito, posteriormente teria que ajuizar nova ação cognitiva específica contra os integrantes da pessoa jurídica, para demonstrar que houve prática de fraude ou abuso de direito por estes, motivo pelo qual deverão ser responsabilizados pelas dividas formalmente imputadas à sociedade.

Assim, acreditamos que, quando o credor toma conhecimento da existência de abuso do direito de personificação societária antes de ajuizar a ação contra a pessoa jurídica, deve utilizar o litisconsórcio passivo facultativo eventual, para requerer a desconsideração, tendo em vista ser um procedimento mais célere e, por isso, mais indicado, em atenção aos princípios da economia e da celeridade processuais. Além disso, assegura a validade do processo, uma vez que atende aos princípios e normas processuais que o regem, sobretudo os princípios do contraditório e da ampla defesa.

A corrente em destaque, contudo, não está imune a apreciações desfavoráveis. Nesse sentido, há quem defenda que a utilização do litisconsórcio facultativo eventual para a aplicação da desconsideração não é seguramente eficaz, tendo em vista que o juiz, ao apreciar o pedido, poderá entender pela ilegitimidade passiva do sócio, já que a obrigação objeto do processo é de titularidade exclusiva da sociedade. Assim, a demanda ajuizada pelo credor social ficaria sujeita a possibilidade de declaração de carência da ação por ausência de ilegitimidade ad causam no que tange aos sócios.

No entanto, conforme assevera Araken de Assis, apesar de existir uma delicada questão de ilegitimidade nessas demandas, é impossível identificar, no início, segundo os exatos termos da inicial apresentada, quem ostenta a condição de parte legítima ad causam. [74]

4.2.2 Decisão nos próprios autos do processo de execução

4.2.2.1 Generalidades

Esta corrente entende que a desconsideração da personalidade jurídica pode ser decretada por meio de uma simples decisão nos próprios autos do processo de execução.

Segundo seus defensores, uma vez constatada pelo credor a ausência de bens da sociedade para satisfazer o seu crédito, este poderá, caso tenha conhecimento de qualquer abuso do direito à personificação societária perpetrado pelos sócios ou administradores sociais, fazer uma petição simples requerendo ao juízo em que se processa a execução a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade executada e a conseqüente responsabilização dos seus sócios pelos débitos sociais.

Caso deferido o pedido de superação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, os sócios ou administradores da sociedade responsáveis pelo abuso verificado integrarão o pólo passivo da demanda e de logo serão determinadas as suas citações e as penhoras dos seus bens para a satisfação do crédito do exeqüente. [75]

Em favor da efetivação da desconsideração nos próprios autos do processo de execução, leciona Calixto Salomão Filho:

A desconsideração não precisa ser declarada nem obtida em processo autônomo. No próprio processo de execução, não nomeando o devedor bens à penhora ou nomeando bens em quantidade insuficiente, ao invés de pedir a declaração de falência da sociedade (art. 2°, inc. I, do decreto-lei 7.661, de 21.6.1945), o credor pode e deve, em presença dos pressupostos que autorizam a aplicação do método da desconsideração, definidos acima, pedir diretamente a penhora em bens do sócio (ou da sociedade, em caso de desconsideração inversa). [76]

O argumento utilizado pelos juristas que defendem esta forma de aplicação da desconsideração é de que o processo deve ser célere e eficaz, para atender satisfatoriamente o direito do credor. Asseveram que a morosidade de um processo de conhecimento destinado a reconhecer a existência das circunstâncias legitimadoras da desconsideração pode acarretar a inviabilidade do exercício do direito do credor, ou seja, a falta de efetividade da tutela jurisdicional prestada.

No entanto, é possível identificar várias irregularidades neste procedimento, consoante será exposto.

A primeira crítica feita a esta corrente é a inobservância dos limites subjetivos da coisa julgada, em evidente afronta ao princípio do devido processo legal. Isso porque, embora os sócios ou administradores da sociedade não integrem o título judicial objeto da execução, por não terem participado do processo de conhecimento no qual ele se formou, eles sofrerão diretamente os efeitos deste título, já que, diante da ausência de patrimônio da sociedade para adimplir a obrigação nele contida, o magistrado decreta a desconsideração da personificação societária e determina a penhora de bens do sócio.

Por conseguinte, haverá evidente cerceamento dos direitos constitucionalmente assegurados ao contraditório e à ampla defesa, pois o sócio não teve e não terá oportunidade de manifestar-se acerca da existência ou não do débito exeqüendo, nem a respeito do seu conteúdo, sobre o qual - frise-se – já incide a imutabilidade da coisa julgada material. Além disso, a responsabilidade do sócio é declarada sem que este possa exercer seu direito de defesa, a fim de impugnar as condutas abusivas ou fraudulentas que lhe foram imputadas e produzir as provas necessárias para comprovar suas afirmações.

Fredie Didier Jr., ao analisar o problema do cerceamento do direito de defesa na aplicação da desconsideração, assevera:

O cerne da questão é o seguinte: é possível desconsiderar a existência da pessoa jurídica sem prévia atividade cognitiva do magistrado, de que participem os sócios ou outra sociedade empresária, em contraditório? A resposta é negativa: não se pode admitir aplicação de sanção sem contraditório. [77]

Diante disso, é possível constatar que a decretação da desconsideração da personalidade jurídica no processo de execução por meio de uma simples decisão atenta contra a ordem constitucional, na medida em que transgride os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Esta situação também se verifica quando o título que está em execução é extrajudicial, pois este somente reconhece como devedor a sociedade, todavia, os sócios são incluídos no pólo passivo da execução, sem que tenham a oportunidade de manifestar-se sobre os fatos que lhe são imputados.

Os autores que defendem a aplicação deste procedimento [78] sustentam que o sócio poderá defender-se e impugnar as alegações de fraude ou abuso de direito através da manipulação da pessoa jurídica no momento apropriado do processo de execução, por meio da oposição de embargos de terceiro ou à execução. Todavia, como já afirmado, é necessário que o sócio possa manifestar-se acerca da desconsideração antes que esta seja decretada, a fim de que lhe seja devidamente assegurado o contraditório e o devido processo legal.

Além disso, pode ocorrer de o sócio não possuir patrimônio suficiente para efetuar a garantia do juízo - pressuposto necessário para a oposição de embargos - o que impossibilitaria o exercício do seu direito de defesa e a prova de eventual inexistência de conduta abusiva ou fraudulenta de sua parte.

É importante ressaltar, ainda, que a desconsideração da personificação societária requer, para a sua legítima aplicação a realização de instrução probatória capaz de comprovar de forma cabal a existência das circunstâncias autorizadoras previstas na legislação material. Contudo, o procedimento de execução é incompatível com a realização de uma ampla instrução probatória, em virtude do que a desconsideração decretada por decisão interlocutória nos próprios autos do processo executivo muitas vezes baseia-se em uma cognição perfunctória dos fatos. [79]

Acrescente-se o fato de que a penhora, apesar de ser um ato executivo agressivo ao patrimônio individual, que somente se legitima em virtude da existência de uma obrigação consignada num título executivo certo, líquido e exigível, também é deferida com base apenas em uma cognição superficial dos fatos apresentados pelo exeqüente para fundamentar o seu pedido de desconsideração.

Assim, tendo em vista que os sócios não constam do título que fundamenta a execução e que não é possível efetuar uma cognição exauriente acerca da sua eventual responsabilidade patrimonial, a aplicação da desconsideração na forma defendida por esta corrente revela-se um procedimento ilegítimo e contrário aos ditames de um Estado Democrático de Direito, que consagra os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Não obstante todas as irregularidades susomencionadas, tem-se ainda a redistribuição do ônus da prova, já que caberá ao sócio, em sede de impugnação, embargos à execução ou de terceiros, demonstrar que não praticou qualquer abuso ou fraude por meio da manipulação da autonomia da pessoa jurídica, tendo que produzir, além disso, uma prova negativa. Esta redistribuição do ônus da prova é ilegal, uma vez que o dispositivo processual que rege a distribuição do ônus probante, qual seja o art. 333 do CPC, estabelece que cabe a parte autora comprovar o fato constitutivo do seu direito, no caso, o direito de invadir o patrimônio do sócio para satisfazer seu crédito.

Oportuno transcrever um trecho do parecer emitido por Candido Rangel Dinamarco, em resposta a consulta feita por uma empresa que teve penhorado um bem valioso de sua propriedade em razão da execução forçada de uma sentença condenatória proferida em processo de conhecimento do qual não fizera parte:

Nessa situação, parece-me inteiramente destoante do sistema técnico-processual vigente e sobretudo das garantias constitucionais que ele reflete, essa prática que foi adotada no caso examinado: penhorar primeiro para discutir depois, criando para a consulente (a) o ônus de embargar, com seu edifício-sede sob penhora e (b) o ônus de provar que não houve fraude. [80]

Acompanhando o entendimento ora esposado, Fábio Ulhoa Coelho, ao dissertar a respeito da aplicação da desconsideração por meio de decisão no próprio processo de execução, salienta:

Quer dizer, se o credor obtém em juízo a condenação da sociedade (e só dela) e, ao promover a execução, constata o uso fraudulento da sua personalização, frustrando seu direito reconhecido em juízo, ele não possui ainda título executivo contra o responsável pela fraude. (...) Não é correto o juiz, na execução, simplesmente determinar a penhora de bens do sócio ou administrador, transferindo para eventuais embargos de terceiros a discussão sobre a fraude, porque isto significaria uma inversão do ônus probatório." [81]

Em virtude de tudo o que foi exposto, nota-se que o procedimento de aplicação da desconsideração por meio de uma simples decisão nos próprios autos do processo de execução está eivado de vícios processuais, razão pela qual não deve ser adotado.

É importante ressaltar que, embora seja necessário contemplar os princípios da efetividade, da economia e da celeridade processuais, não se pode admitir a mitigação ou supressão total da segurança processual, a ponto de permitir que o indivíduo seja submetido a um procedimento destoante do previsto na Lei.

Observe-se, ainda, que a falta de efetividade da tutela jurisdicional não é argumento capaz de ensejar a violação de diversas garantias processuais constitucionalmente asseguradas, tendo em vista principalmente que o credor, a fim de assegurar o adimplemento do seu direito de crédito, poderá utilizar-se das providências cautelares previstas na legislação processual civil, desde que haja fundado receio de grave lesão e de difícil reparação ao seu direito.

4.2.2.2. Meios de impugnação da decisão de desconsideração proferida nos próprios autos do processo de execução.

A despeito das irregularidades verificadas no procedimento de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica nos próprios autos do processo de execução, este vem sendo aplicado freqüentemente por considerável parte dos juízes nacionais [82]. Em virtude disso, convém analisar os meios processuais aptos a impugnar esta decisão.

Inicialmente, convém analisar os meios que podem ser utilizados para prevenir a incidência dos efeitos da decisão de desconsideração da personalidade jurídica.

O juiz, ao deferir o pedido de desconsideração formulado pela parte, em processo de execução, determinando a citação e a penhora de bens do sócio, estará proferindo uma decisão de natureza interlocutória, em razão do que poderá o sócio atingido interpor o recurso de agravo de instrumento contra este ato judicial, com pedido de efeito suspensivo, a fim de que a decisão impugnada não produza efeitos, e conseqüentemente não seja efetivada a penhora de bens do sócio, até a decisão final do agravo.

Convém ressaltar que, embora a Lei n°. 11.187/2005 tenha promovido modificações na disciplina do recurso de Agravo, estabelecendo, aparentemente, como regra geral a interposição de agravo retido contra qualquer decisão interlocutória e, excepcionalmente, nas hipóteses expressamente previstas no art. 522 do CPC [83], a interposição de agravo de instrumento, esta alteração não alcança o processo de execução, pois o agravo retido é incompatível com a sistemática deste processo, que visa apenas a satisfação do direito ao crédito já certificado. [84]

Já no que tange aos meios de defesa de que poderá servir-se o sócio atingido pela desconsideração da personalidade jurídica, pode-se notar que a doutrina e a jurisprudência nacionais são muito oscilantes a este respeito.

Gilberto Gomes Bruschi sustenta que o sócio poderá defender-se por meio de uma simples petição, comprovando a existência de bens da sociedade e invocando o art. 596 do CPC, para requerer que sobre eles incida a penhora; pela apresentação de exceção de não-executividade, a fim de demonstrar a inexistência de responsabilidade em virtude de não ter participado da administração da sociedade ou de não mais integrá-la ao tempo em que o ato legitimador da desconsideração foi praticado; ou pela oposição de embargos de terceiro, em sede do qual poderá provar que inexistência dos pressupostos autorizadores da desconsideração. [85]

Há divergências, contudo, quanto ao cabimento dos meios indicados pelo referido autor, conforme será analisado a seguir.

Primeiramente, cumpre ressaltar que o benefício de ordem previsto no art. 596 do CPC não se aplica ao presente caso, mas sim aos casos em que a sociedade e o sócio são solidariamente responsáveis pelo cumprimento da obrigação. Na desconsideração da personalidade jurídica, a separação patrimonial existente entre a pessoa jurídica e seus membros é afastada para que o sócio responda isoladamente pelas obrigações que foram formalmente imputadas à sociedade, em virtude dos atos abusivos ou fraudulentos que ele praticou, e não juntamente com a pessoa jurídica.

A respeito da aplicabilidade do art. 596 do CPC, leciona Fredie Didier Jr.: "O beneficio de ordem, mencionado no art. 596 da CPC, aplica-se aos casos em que o sócio, juntamente com a pessoa jurídica, é também responsável pela obrigação, limitada ou ilimitadamente. Nesses casos, uma vez executado o sócio, que é responsável, poderá ele requerer primeiro sejam executados os bens da sociedade para que, só então, em caso de insucesso na satisfação do crédito, sejam os seus próprios bens sujeitos à execução." [86]

A exceção de não-executividade seria restrita aos casos em que a demonstração de que o sócio não participou de qualquer ato abusivo ou fraudulento seja possível por meio de prova pré-constituída, tendo em vista que a dilação probatória não é compatível com o procedimento desta exceção.

Já no que se refere à possibilidade de oposição de embargos de terceiro, é necessário abordar previamente se a decisão de desconsideração da personificação societária implica ou não a inclusão do sócio no pólo passivo da execução.

Conforme explicado em capítulo anterior, a declaração da desconsideração da personalidade jurídica do ente coletivo decorre da comprovação de que este foi manipulado indevidamente pelos sócios ou administradores da sociedade, para atingir fins diversos daqueles vislumbrados pelo ordenamento jurídico quando da sua instituição. Assim, a desconsideração estabelece a responsabilidade pessoal do sócio ou administrador da sociedade pela obrigação formalmente imputada a sociedade, ou seja, aquele passa a ser responsável pelo cumprimento da obrigação.

Pode-se inferir, portanto, que, uma vez que foi declarada a responsabilidade do sócio pelo adimplemento da obrigação que é objeto da execução, este passará a integrar o pólo passivo da demanda, assumindo a posição de executado, e não de terceiro estranho à lide.

Sendo assim, embora muitos autores se posicionem no sentido de que será cabível, quando declarada a superação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, a oposição de embargos de terceiro, é relevante esclarecer que este não é o meio apropriado para que o sócio atingido pela desconsideração possa se defender, mas sim a oposição de embargos à execução.

A esse respeito convém conferir posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSO CIVIL. CIVIL. LOCAÇÃO. DESCONSIDERAÇAO DA PERSONALIDADE JURIDICA. INCLUSAO DOS SÓCIOS NO POLO PASSIVO DA EXECUÇAO. EMBARGOS DE TERCEIROS. NÃO-CABIMENTO. PRECEDENTES. AUSENCIA DE CONDUTA CULPOSA POR PARTE DO SÓCIO MINORITÁRIO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STF. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

1. Havendo desconsideração da personalidade jurídica, os sócios passam a ser parte no processo de execução, pelo que se mostra cabível o oferecimento de embargos do devedor, e não de terceiros. Precedentes.

2. É impossível, na estreita via do recurso especial, analisar a existência, ou não, de conduta culposa da sócia minoritária a autorizar a despersonalização da personalidade jurídica da sociedade, por demandar o reexame do conjunto probatório. Óbice súmula 7/STJ.

3. Agravo regimental improvido. [87]

Cumpre observar, contudo, que o manejo dos embargos à execução somente é possível quando tratar-se de execução de título extrajudicial, tendo em vista que a promulgação da Lei n°. 11.232/2005 alterou o procedimento executivo no caso de título judicial que impõe o pagamento de quantia certa, estabelecendo como meio de defesa do executado o oferecimento de impugnação.

O novo procedimento previsto nesta Lei é ainda mais rigoroso, pois o não cumprimento voluntário da obrigação contida no comando sentencial acarretará o acréscimo de uma multa de dez por cento sobre o valor devido. Além disso, o oferecimento da impugnação, que deverá se dar no prazo de quinze dias da intimação do auto de penhora e avaliação, em regra, não tem efeito suspensivo, mas poderá o juiz atribuir-lhe tal efeito, se o prosseguimento da execução for suscetível de causar grave dano de difícil ou incerta reparação ao executado.

Diante do exposto, pode-se concluir que o sócio ou administrador da sociedade atingido pela decisão de desconsideração da personalidade jurídica nos próprios autos do processo de execução deverá oferecer impugnação à execução, no prazo de quinze dias, no caso de execução de título judicial, ou embargos à execução, no prazo de dez dias, no caso de execução de título extrajudicial.

4.2.3. Instauração de um incidente processual na fase de execução

Na tentativa de resolver os conflitos apresentados pelas atuais formas de aplicação da desconsideração, a doutrina e a jurisprudência vêm desenvolvendo uma solução intermediária, capaz de atender aos princípios da celeridade e da efetividade processuais, e respeitar os princípios do contraditório e da ampla defesa, garantindo a segurança jurídica nas relações processuais.

A solução consiste na aplicação da desconsideração da personalidade jurídica do ente coletivo por meio da instauração de um incidente processual no curso do processo de execução.

Para permitir uma melhor compreensão dessa proposta, convém tecer algumas considerações acerca do que é e de como se processa um incidente processual.

Leciona Dinamarco que:

Incidentes do processo, ou do procedimento, são procedimentos menores, anexos e paralelos ao principal e dele dependentes. Eles são compostos por uma série de atos coordenados como dispuser a lei, todos endereçados à pronuncia de uma decisão judicial sobre algum pedido ou requerimento das partes, referente ao processo principal. [88]

O incidente processual poderá ser processado em autos apartados e apensos ao processo principal ou nos próprios autos deste, além disso, a sua instauração poderá ou não suspender o curso do processo principal. Na hipótese de o incidente ter efeito suspensivo, não poderão ser praticados atos processuais no bojo do processo principal até que aquele seja decidido. Em verdade, trata-se de uma suspensão imprópria, já que os atos do incidente são atos do próprio processo principal. [89]

No caso da desconsideração da personalidade jurídica do ente coletivo, o incidente versará sobre a possibilidade de responsabilizar os membros ou administradores da sociedade por dívidas formalmente imputadas a esta, em face de eventual fraude ou abuso de direito praticados por aqueles através da manipulação indevida da pessoa jurídica.

A instauração do incidente de desconsideração, em atenção ao disposto no art. 50 do CC-2002, dar-se-á por meio de requerimento do credor da sociedade ou do Ministério Público, nas hipóteses em que couber sua intervenção. Este incidente será processado em autos apartados e apensos ao processo de execução e suspenderá o seu prosseguimento até a decisão final do incidente.

No incidente, haverá oportunidade de os sócios que o credor social pretende sejam responsabilizados conhecerem os fatos que lhes são imputados e manifestarem-se sobre esses mesmos fatos. Além disso, haverá espaço para a produção das provas que as partes e o juiz considerarem pertinentes, podendo, assim, o juiz formular seu livre entendimento acerca da existência ou não do abuso da personificação societária legitimador da superação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica. Somente depois de decidido o incidente processual de desconsideração, poderá ser efetuado qualquer ato constritivo do patrimônio dos sócios, ressalvada a hipótese de deferimento de medida cautelar.

De acordo com este procedimento, os sócios podem se manifestar, antes que o juiz profira decisão a respeito do pedido de desconsideração formulado pelo exeqüente, exercendo de forma plena o seu direito ao contraditório e à ampla defesa. Ademais, a aplicação da desconsideração por incidente processual é célere, efetivando-se dentro da mesma relação jurídica processual, o que o torna compatível com os princípios da celeridade e da economia processuais.

É relevante destacar, ainda, que este procedimento respeita a excepcionalidade e a cautela características da decretação da superação do princípio da autonomia patrimonial do ente coletivo, tendo em vista que esta somente pode ser efetivada após a comprovação cabal dos requisitos legais necessários para tanto.

Gilberto Gomes Bruschi, ao manifestar-se sobre a possibilidade de aplicação da desconsideração por meio da instauração de um incidente processual na fase de execução, sugere que o procedimento a ser utilizado poderá seguir o trâmite previsto nos artigos 390 a 395 do CPC para o processamento do incidente de falsidade documental. Nesse sentido, assevera:

1. O exeqüente faz a alegação de que estão preenchidos os requisitos autorizadores da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, anexados os documentos balizadores desse pedido;

2. O juiz recebe tal petição e ordena a autuação em apenso ao processo de execução, do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, intimando-se o(s) executado(s) e os terceiros interessados que serão aqueles contra os quais o exeqüente pretende que se faça a constrição dos bens, concedendo-lhes prazo de 10 (dez) dias para manifestação sobre as alegações feitas pelo exeqüente;

3. Após a resposta sobre o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, ou ter decorrido o prazo para tanto, deverá o juiz, caso seja necessário designar audiência para oitiva de testemunhas dos fatos alegados, e após sua realização, decidir por sentença, no prazo de 10 (dez) dias, se acatará ou não tal pedido. Caso não necessite ouvir as testemunhas, bastando aquelas provas carreadas aos autos pelas partes e interessados, deverá prolatar sentença em igual prazo;

4. Caso seja deferida a desconsideração, ensejará a penhora dos bens dos terceiros que não faziam parte do pólo passivo da execução, e continuarão a não integrá-lo, pois apenas será feita a penhora de seus bens, não deixando de existir a pessoa jurídica;

5. Contra a sentença que deferir ou indeferir o pedido de desconsideração caberá apelação, sem efeito suspensivo, devendo subir ao tribunal apenas e tão-somente o incidente processual e desconsideração da personalidade jurídica, extraindo-se uma cópia da decisão para que seja juntada aos autos do processo de execução;

[...] [90].

É de adotar-se o procedimento apresentado pelo referido autor em analogia ao art. 392 do CPC, porém, com ressalvas especificamente no que tange à natureza da decisão que resolve o incidente processual de desconsideração e à inclusão dos sócios no pólo passivo da execução.

Ao contrário do que afirma Bruschi, o juiz, ao compor o conflito deduzido no incidente, proferirá uma simples decisão interlocutória e não uma sentença, já que não põe fim ao processo de execução, mas sim há uma questão incidente que surgiu nos autos deste [91]. Assim, contra esta decisão caberá o recurso de agravo e não de apelação.

Ademais, é relevante esclarecer que, uma vez decretada a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, a responsabilidade pelo cumprimento das obrigações formalmente imputadas a sociedade é atribuída ao sócio, em virtude do que este passa a integrar o pólo passivo da execução, deixando de ser um terceiro estranho à lide.

Esta forma de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica é defendida por diversos doutrinadores, dentre os quais podemos destacar Fredie Didier Jr.:

Também entendemos possível a citação do sócio já no processo de execução, desde que se instaure um incidente cognitivo – o que não é raro nem esdrúxulo – no processo executivo, para que se apure, em contraditório, o preenchimento dos requisitos legais que autorizam a aplicação da teoria, bem como se lhe permita o exercício da sua ampla defesa. [92]

No mesmo sentido, têm-se posicionado alguns autores que defendem a aplicação da desconsideração na fase de execução, levando em consideração a possibilidade de o credor somente tomar conhecimento das circunstâncias autorizadoras da desconsideração depois de já ter sido proposta a ação de conhecimento contra a sociedade. A exemplo, pode-se citar Pablo Stolze Gagliano:

Todavia, se a pessoa jurídica, no momento do processo de conhecimento, estava "saudável financeiramente", mas os fatos autorizativos da desconsideração da personalidade jurídica – que, repita-se, prescindem do elemento subjetivo – surgem posteriormente, parece-nos que é extremamente razoável admitir-se um procedimento incidental na própria execução – que permita o contraditório e a ampla defesa assegurados constitucionalmente – para levantar o véu corporativo neste momento processual, sob pena de se fazer tábula rasa da própria coisa julgada e pouco caso da atividade jurisdicional. [93]

Há de notar-se, contudo, que mesmo no procedimento em espeque haveria cerceamento do direito de defesa da parte atingida pela desconsideração, tendo em vista que, embora lhe seja concedida a oportunidade de se manifestar acerca da existência ou não das circunstâncias legitimadoras da desconsideração, não poderá discutir a dívida em si, uma vez que esta constitui objeto de título judicial transitado em julgado e em execução.

No entanto, Fredie Didier Jr., ao constatar a existência deste problema, sustenta que: "Se a desconsideração por incidente ocorrer em execução de título judicial, tendo em vista que o sócio não participou do processo de conhecimento, a ele será permitido formular defesa ampla, podendo rediscutir a existência da dívida". [94]

É extremamente plausível que o sócio ou administrador da sociedade, ao apresentar sua manifestação no incidente processual, realize a sua defesa em relação ao conteúdo do título judicial que está sendo executado, uma vez que não teve a oportunidade de fazê-la no momento processual adequado, qual seja em sede de contestação no processo de conhecimento.

Ressalte-se que este problema não se verifica quando a desconsideração é aplicada por meio de incidente instaurado em execução por título executivo extrajudicial, já que o art. 745 do Código de Processo Civil [95] já contempla a possibilidade de o devedor aduzir em sua manifestação matérias típicas de defesa no processo de conhecimento.

Impende observar, ainda, que alguns autores afirmam que a aplicação da superação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica por meio de incidente processual pode comprometer a efetividade do processo, devido a influência negativa da morosidade deste procedimento para a satisfação do crédito. Contudo, tal afirmação não pode prosperar, tendo em vista que o risco de insatisfação do direito do credor pode ser remediado pela utilização das providências cautelares previstas na legislação processual civil, desde que preenchidos os requisitos necessários para tanto.

Diante de tudo que foi exposto, entendemos que, quando o credor social somente toma conhecimento das circunstâncias autorizadoras da desconsideração depois de já ter sido proposta a ação de conhecimento contra a sociedade, a instauração de um incidente processual no curso do processo de execução para a decretação da desconsideração da personalidade jurídica é um procedimento legítimo e seguro, tendo em vista que observa as normas e os princípios que regem o sistema jurídico processual brasileiro.

4.3. PROJETO DE LEI N°. 2.426/2003

No intuito de preencher as lacunas existentes no direito positivo nacional quanto à forma e ao momento de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica e de estabelecer diretrizes para evitar a aplicação abusiva do instituto previsto no art. 50 do Código Civil de 2002, o Deputado Ricardo Fiúza apresentou um projeto de lei federal sobre a matéria.

Vejamos, assim, o inteiro teor deste projeto:

Art. 1º. A desconsideração da personalidade jurídica, para fins de imputar obrigação passiva da pessoa jurídica a seu membro, instituidor, sócio ou administrador obedecerá aos preceitos desta lei.

Parágrafo único. Aplica-se, também, o disposto nesta lei às decisões da justiça comum, federal e estadual, e da justiça do trabalho que implicarem na responsabilização direta, em caráter solidário ou subsidiário, do membro, instituidor, sócio ou administrador pelos débitos da pessoa jurídica.

Art. 2º. A parte que postular, no processo de execução, a desconsideração da personalidade jurídica ou a responsabilidade pessoal de membro, instituidor, sócio ou administrador por débito da pessoa jurídica, indicará, necessária e objetivamente, em requerimento específico, quais os atos praticados e as pessoas deles beneficiados, o mesmo devendo fazer o Ministério Público nos casos em que lhe couber intervir na lide.

Parágrafo único. Nas hipóteses em que a execução puder ser promovida de oficio pelo juiz, a decisão que declarar a desconsideração da personalidade jurídica ou aquela cujos efeitos implicarem na responsabilização pessoal de terceiros por débitos da pessoa jurídica, além de nominar as pessoas atingidas, deverá indicar, objetivamente, quais os atos por elas praticados, sob pena de nulidade.

Art. 3º. Antes de declarar que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos membros, instituidores, sócios ou administradores da pessoa jurídica, o juiz estabelecerá o contraditório, facultando-lhes o prévio exercício da ampla defesa.

§ 1°. O juiz, ao receber a petição, ou mesmo nos casos em que verificar, de oficio, a presença dos pressupostos que autorizem a desconsideração da personalidade jurídica ou a responsabilização direta dos membros, instituidores, sócios ou administradores da pessoa jurídica, mandará instaurar o incidente, em autos apartados, determinando o chamamento dos terceiros eventualmente atingidos em seus patrimônios pessoais para se defenderem no prazo de 05 dias, facultando-lhes a produção de provas. Em seguida, decidirá o incidente, e dessa decisão, de natureza interlocutória, caberá recurso ao tribunal competente.

§ 2º. Sendo várias as pessoas eventualmente atingidas, os autos permanecerão em cartório e o prazo de defesa para cada um deles contar-se-á a partir da respectiva citação, quando não figuravam na lide como parte, ou da intimação pessoal se já integravam a lide, sendo-lhes assegurado o direito de obter cópia reprográfica de todas as peças e documentos dos autos ou das que solicitar, e juntar novos documentos.

§ 3º. Nos casos de citação por edital ou com hora certa, aplicar-se-á o disposto no art. 9°, inciso II, da Lei n° 5.869/73 (Código de Processo Civil).

Art. 4º. Sempre que constatar a existência de simulação ou de fraude à execução, o juiz, depois de declarar a ineficácia dos atos de alienação e constringir os bens alienados em fraude ou simulação, poderá determinar a responsabilidade pessoal dos membros, instituidores, sócios ou administradores que hajam concorrido para fraude, observado o disposto no artigo anterior, sendo vedado o chamamento de outras pessoas antes de esgotados todos os meios de satisfação do crédito por parte dos fraudadores.

Art. 5º. O juiz somente pode declarar a desconsideração da personalidade jurídica ouvido o Ministério Público e nos casos expressamente previstos em lei, sendo vedada a sua aplicação por analogia ou interpretação extensiva. 

Parágrafo único. A mera inexistência ou insuficiência de patrimônio para o pagamento dos débitos contraídos pela pessoa jurídica não autoriza a desconsideração da personalidade jurídica quando ausentes os pressupostos legais.

Art. 6º. Os efeitos da declaração de desconsideração da personalidade jurídica não atingirão os bens particulares de membro, instituidor, sócio ou administrador que não tenha praticado ato abusivo da personalidade em detrimento dos credores da pessoa jurídica ou em proveito próprio.

Art. 7º. As disposições desta lei aplicam-se imediatamente a todos os processos em curso perante quaisquer dos órgãos do Poder Judiciário referidos no art. 92 da Constituição Federal, em qualquer grau de jurisdição, sejam eles de natureza cível, fiscal ou trabalhista.

Art. 8º. Não se aplicam os dispositivos desta lei quando, pela expressão percentual da participação atual de um sócio, verificável na data em que requerida a desconsideração, a pessoa jurídica devedora, que haja regularmente sido chamada a integrar a lide de conhecimento, se identificar com a pessoa física.

Art. 9º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

O primeiro ponto importante do projeto de lei em comento foi ter contemplado a diferença entre a desconsideração da personalidade jurídica e a responsabilidade direta dos sócios ou administradores pelas dívidas da sociedade, embora, como estudado em capítulo anterior, muitos doutrinadores, a jurisprudência e até mesmo algumas legislações confundam estes instrumentos jurídicos.

O projeto reafirmou a legitimidade da parte interessada (credor) e do Ministério Público para requerer a desconsideração da personalidade jurídica, estabelecendo a necessidade de que sejam indicados objetivamente, no requerimento, os atos praticados e as pessoas que dele se beneficiaram.

Ademais, previa a possibilidade de aplicação da desconsideração de ofício pelo juiz, nos casos em que a execução poder ser promovida ex officio, devendo também ser observadas as exigências impostas ao requerimento realizado pela parte interessada ou pelo Ministério Público. Ocorre que esta possibilidade não se aplica ao processo civil, tendo em vista que a instauração do processo de execução de titulo judicial que impõe obrigação de pagar quantia certa neste depende da iniciativa da parte exeqüente, conforme se depreende do disposto no §5° do artigo 475-J e do art. 614 do CPC [96].

Nesse sentido, leciona Fredie Didier Jr.:

Como a desconsideração é útil principalmente na execução de prestação pecuniária, e essa somente pode começar ex officio no âmbito da Justiça do Trabalho, a incidência deste parágrafo único [do art. 2º] ficará restrita à execuções destes créditos. Obviamente, essa realidade normativa pode ser alterada com a edição de lei federal que generalize a possibilidade de o magistrado dar início de ofício à execução para pagamento de quantia. [97]

É contemplada, ainda, a necessidade de assegurar-se previamente o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa pelas pessoas que poderão ser atingidas pela desconsideração, a fim de garantir a legitimidade e a regularidade do procedimento.

A respeito da garantia do contraditório, advertem Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona:

Tal garantia do contraditório, todavia, em nosso sentir, não poderá impedir a concessão de medida liminar, quando verificados os pressupostos da tutela de urgência, pois tal entendimento, a par de absurdo, vulneraria o princípio da inafastabilidade do controle judicial, prejudicando a efetividade do processo. [98]

Observe-se que o projeto estabelece expressamente, no parágrafo primeiro do art. 3°, as diretrizes que deverão orientar a aplicação da superação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica. Nesse sentido, prevê um procedimento próprio para a decretação da desconsideração, que se realizará mediante a instauração de um incidente processual de desconsideração da personalidade jurídica, em autos apensos ao processo de execução, no qual deverão ser citadas ou intimadas as pessoas que podem ser atingidas pelos efeitos da decretação da desconsideração, a fim de que apresentem sua defesa no prazo de cinco dias, bem como requeiram a produção das provas que entenderem necessárias.

A decisão que solucionar o incidente terá a natureza de decisão interlocutória, em razão do que o recurso contra ela cabível será o agravo de instrumento.

Assim, o projeto em espeque consagra uma das formas de aplicação da desconsideração defendida neste trabalho, contudo comete uma impropriedade ao exigir a participação obrigatória no incidente de desconsideração do Ministério Público, na condição de custus legis, tendo em vista que nesses casos trata-se de interesses patrimoniais e disponíveis, não configurando, portanto, hipótese de intervenção compulsória do Ministério Público.

Ressalte-se que o projeto contribui ainda para resolver os dilemas existentes em relação ao alcance subjetivo da desconsideração, pois estabelece, em seu art. 6°, que os efeitos da desconsideração não atingirão membros, sócios ou administradores da pessoa jurídica que não tenham praticado ato abusivo do direito à personificação societária em detrimento de terceiros ou em proveito próprio.

Outra contribuição importante deste projeto é consolidar na lei a impossibilidade de a simples ausência de bens da pessoa jurídica, por si só, ensejar a aplicação da desconsideração da separação patrimonial entre a pessoa jurídica e os seus membros ou administradores. Ratifica, assim, a necessidade de preencher os pressupostos previstos na legislação material e elimina a possibilidade de aplicação abusiva da desconsideração.

Contudo, o projeto comete um equívoco ao autorizar que, nos casos em que a pessoa jurídica, pela expressão percentual da participação de um sócio, identificar-se com a pessoa física, não sejam aplicados os seus dispositivos, tendo em vista que, por mais evidente que seja o ato abusivo ou fraudulento cometido pelo sócio ou administrador da sociedade, a todos é assegurado constitucionalmente o contraditório e a ampla defesa. Dessa forma, independentemente do grau da fraude ou do abuso de direito, deve se respeitar os princípios do contraditório e da ampla defesa, como pressupostos para a realização de um processo válido e legitimo.

A esse respeito, professora Fredie Didier Jr.:

Não se reputa conveniente a restrição, que é muito perigosa, pois pressupõe que há situações "obviamente fraudulentas", que dispensariam o contraditório, e outras não tão escancaradas, para as quais o contraditório se impõe. Em toda discussão judicial, a única certeza que devem ter os litigantes é a da previsibilidade dos meios, pois o resultado do debate é sempre incerto [LUHMANN]. [...] Não se deve aceitar que o "óbvio" dispense o contraditório. Trata-se de precedente assaz perigoso. [99]

Registre-se também que o projeto não regulamentou a desconsideração inversa, segundo a qual o juiz pode desconsiderar a personalidade da pessoa jurídica para responsabilizá-la por obrigações assumidas pelos seus sócios.

Diante de tudo que foi exposto, é possível constatar a existência de uma tendência legislativa no sentido de considerar a decretação da desconsideração nos próprios autos da execução um procedimento equivocado, tendo em vista que, ao contrário das implicações decorrentes deste procedimento, o projeto de lei em enfoque fixa a necessidade de garantir o exercício prévio do contraditório e da ampla defesa pelas pessoas que podem ser atingidas pela desconsideração.

Por outro lado, a aplicação da desconsideração por instauração de um incidente processual no processo de execução é expressamente prevista no projeto como a forma pela qual a superação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica deverá ser decretada.

Embora o projeto não faça qualquer referência à possibilidade de a desconsideração ser decretada em sede de processo de conhecimento, através da utilização do litisconsórcio facultativo eventual, entende-se ser admissível tal procedimento, uma vez que ele respeita os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, e não contraria nenhuma norma processual vigente.

Ressalte-se, contudo, que o projeto de lei em espeque foi arquivado em 31 de janeiro de 2007, nos termos do artigo 105 [100] do regimento interno da Câmara dos Deputados.

Sendo assim, resta-nos esperar que outras iniciativas legislativas sejam tomadas, no intuito de acabar com a multiplicidade de entendimentos existente na ordem jurídica pátria acerca da forma de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, observando os aspectos positivos do projeto arquivado e corrigindo os equívocos analisados. Registre-se que somente assim poderá ser assegurada segurança jurídica às relações processuais, além de garantir que a desconsideração não será aplicada de forma abusiva.


5 CONCLUSÃO

A desconsideração da personalidade jurídica é atualmente um instrumento extremamente importante para combater as condutas fraudulentas e abusivas que têm se tornado freqüentes no contexto nacional. Contudo, não se pode perder de vista a excepcionalidade que envolve a sua aplicação, visto que somente se legitima quando devidamente comprovadas as circunstâncias autorizadoras previstas na legislação material.

Esta cautela se justifica em virtude da relevância do instituto da pessoa jurídica para o direito e para o progresso econômico, social e cultural de toda a sociedade. Não há duvidas que a separação patrimonial estabelecida entre a pessoa jurídica e seus membros constitui um dos incentivos mais importantes, senão o mais importante, para a iniciativa privada e conseqüentemente para a produção de mais riquezas, requisito indispensável para o desenvolvimento do país.

Não se deve admitir que a separação patrimonial decorrente da personificação societária sirva de manto protetor para a prática de atos destoantes daqueles para os quais ela foi concebida pelo ordenamento jurídico, por outro lado, também não se deve permitir a aplicação desenfreada e abusiva da desconsideração, desvinculada dos seus fundamentos, o que provocaria o desvirtuamento da teoria e do próprio instituto da pessoa jurídica.

Ao contrário do que vem se constando na prática forense, a ausência de patrimônio da sociedade, por si só, não é motivo suficiente para ensejar a aplicação da superação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica e a conseqüente responsabilização dos seus sócios ou administradores pelas obrigações sociais.

Não se deve olvidar que a atividade econômica como qualquer outra atividade está sujeita aos imprevistos do mercado financeiro, de modo que o sucesso de um empreendimento, principalmente no contexto sócio-econômico brasileiro, não é uma regra absoluta. Logo, a inadimplência da sociedade somente pode constituir causa de desconsideração da personalidade jurídica do ente coletivo quando decorrente da utilização abusiva ou fraudulenta da pessoa jurídica.

Pode-se verificar ainda que muitas vezes, na doutrina e na jurisprudência, a desconsideração é confundida com outros institutos jurídicos que definem a responsabilidade direta do sócio por obrigações da sociedade. Nestes, a personalidade jurídica distinta da sociedade não constitui óbice para que seja fixada a responsabilidade dos sócios, em razão do que não é necessária a sua desconsideração. Este equívoco também pode ser verificado em algumas legislações, a exemplo da Lei n° 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), da Lei n° 8.884/94 (Lei sobre a preservação e repressão às infrações contra a ordem econômica), dentre outras.

Neste contexto, teve um relevante papel o Código Civil de 2002 que consolidou a desconsideração da personalidade jurídica, nos moldes como originalmente foi concebida, como regra geral de conduta aplicável não só as relações civis, mas a todas as relações jurídicas privadas.

O art. 50 deste diploma fixou expressamente a necessidade de existência do abuso do direito à personificação para a declaração de desconsideração, e elegeu como circunstâncias caracterizadoras deste abuso o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial. A despeito de não ter previsto expressamente a fraude como situação ensejadora da desconsideração, esta encontra-se implícita na norma contida no dispositivo em comento, mais especificamente na expressão "desvio de finalidade".

O dispositivo cível também fornece algumas diretrizes de natureza processual para orientar a aplicação da desconsideração. Prevê a legitimidade da parte prejudicada pelo mau uso da pessoa jurídica e do Ministério Público, nas hipóteses em que couber a sua intervenção, para requer a decretação da desconsideração. Com a previsão expressa de necessidade de requerimento, o Código Civil excluiu a possibilidade de aplicação ex officio da superação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica.

Apesar da disciplina processual contida na legislação civil, esta não foi suficiente para determinar com clareza e precisão o procedimento que deve ser seguido pelos juizes para aplicar a desconsideração da personalidade jurídica em face do caso concreto.

Conforme foi analisado no curso deste trabalho, a jurisprudência nacional não é unânime a respeito deste procedimento, principalmente em decorrência da ausência de uma legislação que discipline especificamente a matéria. Em virtude disso, sobressai o papel da doutrina, a fim de efetuar uma reflexão sobre os meios existentes, apontando seus equívocos e acertos.

Foi justamente com base nos estudos doutrinários existentes sobre o tema e na jurisprudência dos tribunais superiores que chegamos a conclusão de que existem duas formas através das quais a desconsideração poderá ser aplicada em consonância com os princípios e normas que regem o processo civil brasileiro.

De logo, pode-se afirmar que a decretação da desconsideração por intermédio de decisão interlocutória prolatada nos autos do próprio processo de execução não deve ser adotada em qualquer hipótese, tendo em vista as inúmeras violações processuais em que incorre, mormente em relação aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Uma vez que a parte tenha ciência da existência de abuso do direito à personificação societária antes do ajuizamento da ação de conhecimento, deve de logo requerer a citação do sócio ou administrador da sociedade por meio da formação de litisconsórcio facultativo eventual, evitando, com isso, posterior alegação de violação do direito ao contraditório e à ampla defesa, mostrando-se recomendável, nesta hipótese, a desconsideração da pessoa jurídica na fase de conhecimento do processo.

Todavia, não se pode olvidar que nem sempre a parte tem conhecimento da prática de fraude ou abuso de direito por meio da manipulação indevida da autonomia patrimonial da pessoa jurídica previamente à propositura da ação de conhecimento, em virtude do que poderá a parte requerer a desconsideração da personalidade jurídica do ente coletivo na fase de execução, desde que seja através da instauração de um incidente processual, que garanta o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa pelas pessoas que podem ser atingidas pela desconsideração.

A aplicação da desconsideração nas duas últimas situações mencionadas tem o escopo de permitir a conciliação dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, e das normas processuais consagrados no ordenamento pátrio com os princípios da celeridade e da efetividade processuais e da segurança jurídica.

Contudo, acredita-se que, até que seja promulgada uma lei que estabeleça expressamente o procedimento a ser adotado para que haja a justa aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, poderá se verificar na jurisprudência a aplicação da desconsideração em flagrante desrespeito a garantias processuais constitucionalmente asseguradas, visando primordialmente satisfazer o direito do credor.

Não se deve admitir que, pela simples possibilidade de ter praticado um ato abusivo ou fraudulento através da manipulação indevida da pessoa jurídica, não seja garantido ao sócio, administrador ou instituidor da sociedade, direitos erigidos pela Constituição Federal de 1988 como direitos fundamentais de todos os indivíduos. Assim, uma vez verificado no processo judicial um ato que atente contra estes direitos, poderá o sócio utilizar-se dos meios legais para se defender.

Frise-se que, quando a desconsideração da personalidade jurídica é decretada por meio de uma simples decisão nos próprios autos do processo de execução, a responsabilidade do sócio pelo adimplemento das obrigações da sociedade é declarada, em flagrante violação as garantias processuais consolidadas no ordenamento jurídico nacional, em razão do que poderá o sócio atingido manejar os meios de defesa cabíveis, para anular os efeitos desta decisão.

Diante desse contexto, verifica-se a importância de que seja aprovada uma lei que estabeleça normas que orientem os operadores do direito no sentido de garantir uma aplicação justa e eficaz da desconsideração da personalidade jurídica, evitando que, no intuito de combater os abusos do direito à personificação, cometam-se atos igualmente reprováveis.


Notas

  1. JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da Personalidade Societária no Direito Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987, p. 57.
  2. ALBERTON, Genacéia da Silva. A desconsideração da pessoa jurídica no Código do Consumidor- aspectos processuais.Ajuris: Revista da Associação dos Juizes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, vol. 19, n.54, Maio/1992, p. 160.
  3. SILVA, Alexandre Couto. Desconsideração da personalidade jurídica: limites para a sua aplicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 780, ano 89, dezembro/2000, p.55-56.
  4. TÔRRES, Heleno Taveira. Regime Tributário da Interposição de Pessoas e da Desconsideração da Personalidade: os limites do art. 135, II e III, do CTN. In: TÔRRES, Heleno Taveira; QUEIROZ, Mary Elbe (coord.). Desconsideração da personalidade em Matéria Tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 50.
  5. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. vol. 2. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2006., p. 40.
  6. REQUIÃO, Rubens. Aspectos modernos de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 69.
  7. COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p.283.
  8. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, Vol. 2, 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.50.
  9. THEODORO JÚNIOR, Humberto. O Processo Civil Brasileiro no Limiar do Novo Século. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 266.
  10. CEOLIN, Ana Caroline Santos. Abusos na aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 127.
  11. COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit., p. 45.
  12. APELAÇÃO. PRESTAÇÃO JURISDICIONAL INSUFICIENTE. INOCORRÊNCIA. MARCO INICIAL DA UNIÃO ESTÁVEL. ESPECIFICAÇÃO. VALORIZAÇÃO DE COTAS SOCIAIS. PARTILHA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CABIMENTO. Os pedidos de natureza cautelar feitos na petição inicial foram decididos liminarmente pelo juízo e depois pelo Tribunal, ao julgar um recurso. No decorrer do processo, mais nada foi dito ou postulado em relação aos pedidos cautelares. Logo, na sentença não havia mais nada a ser decidido sobre eles. Assim, não houve prestação jurisdicional insuficiente. Não há nos autos elementos capazes de demonstrar que a união estável iniciou em 1990 (como quer a parte autora) ou em 1994 (como quer a parte ré). O contexto probatório mostrou que a união iniciou-se em 1993, como decidido na sentença. Àquela decisão cabe apenas um reparo, para o fim de especificar qual o mês, dentro do ano de 1993, em que a união se iniciou. As cotas sociais das empresas eram patrimônio exclusivo do de cujus. No entanto, a valorização experimentada por tais cotas durante o período em que o de cujus viveu em união estável é patrimônio comum que, por isso, deve ser partilhado. Ficou demonstrado que o de cujus abusou da personalidade jurídica de suas empresas, ao utilizar de forma indevida delas para o fim de ocultar bens passíveis de partilha. Nesse contexto, cabível desconsiderar a personalidade jurídica das empresas. Rejeitaram a preliminar e negaram provimento ao primeiro apelo. Unânime. Deram parcial provimento ao segundo. Por maioria. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70012310058, OITAVA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL, RELATOR: RUI PORTANOVA, JULGADO EM 27/04/2006). (destacamos)
  13. Apud DIDIER JR., Fredie; CHAVES, Cristiano. Comentários ao Código Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, p. 49.
  14. "Com amparo na doutrina tradicional, costuma-se afirmar que a anulação do ato praticado em fraude contra credores dá-se por meio de uma ação revocatória, denominada ação pauliana". (GACLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 388.)
  15. CEOLIN, Ana Caroline Santos. Op. cit., p. 130.
  16. JUSTEN FILHO, Marçal. Op. Cit., p. 119.
  17. Sobre a Funcionalização do Direito, ver a obra: JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade societária no Direito Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1987, p. 38-45.
  18. JUSTEN FILHO, Marçal. Op. Cit., p. 39.
  19. JUSTEN FILHO, Marçal. Op. Cit., p. 41.
  20. CARVALHO NETO, Inácio de. Abuso de Direito. 3 ed. Curitiba: Juruá, 2005, p. 18.
  21. REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1969, Vol. 410, Dezembro/1969, p. 16.
  22. "Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.

    Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória".

  23. Op. Cit.
  24. Op. Cit.
  25. COMPARATO, Fábio Konder. Op. Cit., p. 362.
  26. COELHO, Fábio Ulhoa, Op. Cit., p. 37.
  27. COELHO, Fábio Ulhoa, Op. Cit., p. 46.
  28. BANDEIRA, Gustavo. A relativização da pessoa jurídica. Niterói, RJ: Impetus, 2004, p. 177-178.
  29. ALBERTON, Genacéia da Silva. Op. Cit., p.168.
  30. BRUSCHI, Gilberto Gomes. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 149.
  31. REsp 8711 / RS ; Recurso Especial 1991/0003665-0. Min. Relator Peçanha Martins. Segunda turma. DJ 17.12.1992, p. 24233. RSTJ vol. 43, p. 281.
  32. REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica (disregard doctrine). São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 410, 1969, p. 14.
  33. Ibid.
  34. ALBERTON, Genacéia da Silva. Op. Cit., p. 167
  35. AMARO, Luciano. Desconsideração da pessoa jurídica no Código de Defesa do Consumidor. Ajuris: Revista da Associação dos Juizes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, vol. 20, n.58, Julho/1993, p. 79-81.
  36. Nesse sentido, Flavia Lefèvre Guimarães. Desconsideração da personalidade jurídica no Código do Consumidor – aspectos processuais. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 51-52.
  37. Nesse sentido, Flavia Lefèvre Guimarães. Desconsideração da personalidade jurídica no Código do Consumidor – aspectos processuais. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 35.
  38. "Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. [...] § 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas".
  39. TOMAZZETE, Marlon. Direito Societário. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p.84.
  40. "Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder.

    § 1º São modalidades de exercício abusivo de poder:

    a -orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional;

    b-promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;

    c-promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;

    d-eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou tecnicamente;

    e-induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar ato ilegal, ou, descumprindo seus deveres definidos nesta Lei e no estatuto, promover, contra o interesse da companhia, sua ratificação pela assembléia-geral;

    f_contratar com a companhia, diretamente ou através de outrem, ou de sociedade na qual tenha interesse, em condições de favorecimento ou não equitativas;

    g-aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores, por favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denúncia que saiba ou devesse saber procedente, ou que justifique fundada suspeita de irregularidade.

               h-subscrever ações, para os fins do disposto no art. 170, com a realização em bens estranhos ao objeto social da companhia. (Alínea incluída dada pela Lei nº 9.457, de 1997)

§ 2º No caso da alínea e do § 1º, o administrador ou fiscal que praticar o ato ilegal responde solidariamente com o acionista controlador.

§ 3º O acionista controlador que exerce cargo de administrador ou fiscal tem também os deveres e responsabilidades próprios do cargo.

[...]

Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder:

I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;

II - com violação da lei ou do estatuto.

§ 1º O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedir a sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração, no conselho fiscal, se em funcionamento, ou à assembléia-geral.

§ 2º Os administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do não cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles.

§ 3º Nas companhias abertas, a responsabilidade de que trata o § 2º ficará restrita, ressalvado o disposto no § 4º, aos administradores que, por disposição do estatuto, tenham atribuição específica de dar cumprimento àqueles deveres.

§ 4º O administrador que, tendo conhecimento do não cumprimento desses deveres por seu predecessor, ou pelo administrador competente nos termos do § 3º, deixar de comunicar o fato a assembléia-geral, tornar-se-á por ele solidariamente responsável.

§ 5º Responderá solidariamente com o administrador quem, com o fim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a prática de ato com violação da lei ou do estatuto".

  1. "Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

    I - as pessoas referidas no artigo anterior;

    II - os mandatários, prepostos e empregados;

    III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado".

  2. Nesse sentido, Alexandre Couto Silva, Desconsideração da personalidade jurídica: limites para a sua aplicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 780, ano 89, dezembro/2000. p. 54-55; Luciano Amaro, Desconsideração da pessoa jurídica no Código de Defesa do Consumidor, Ajuris: Revista da Associação dos Juizes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, vol. 20, n.58, Julho/1993, p. 72-74.
  3. DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado – 11 ed. ver. aum. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 220.
  4. XAVIER, José Tadeu Neves. A teoria da desconsideração da pessoa jurídica no novo Código Civil. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, vol. 41, n. 128. Out/Dez 2002, p. 142.
  5. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, vol. I. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 301.
  6. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, vol. 2. 8ª ed. São Paulo: Saraiva: 2005, p.44.
  7. SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário. 2ª ed. reformulada. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 186.
  8. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Partes e Terceiros na Execução. In: O Processo Civil no Limiar do Novo Século. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 267.
  9. Duplicatas - Títulos sacados contra sociedade comercial – Aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica - Admissibilidade - Possibilidade de realização de penhora de bens pertencentes ao sócio, bastando os indícios superficiais que justificam a desconsideração da personalidade jurídica (inexistência de bens da sociedade e a circunstância de ela não ter sido encontrada para a citação na execução da sucumbência) - Hipótese em que o excesso de mandato ou infração da lei, do contrato social ou dos estatutos são questões dependentes de prova, ligadas a feito específico previsto no ordenamento jurídico (art. 1046 do Código de Processo Civil), a ser promovido pelo próprio interessado, que é terceiro na execução - Recurso provido. (Processo nº. 1164892-5, Rel. Juiz Álvaro Torres Júnior, ac. julgado dia 26/03/2003, 5ª Câmara do 1º TACiv.SP) (destacamos)
  10. "Art. 20. As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros". Lei nº. 3071, de 1º de janeiro de 1916.
  11. "Art. 50. As pessoas jurídicas têm existência distinta da de seus membros.

    § 1º. Nos casos de desvio de finalidade ou confusão patrimonial, praticados com abuso da personalidade jurídica, pode o juiz declarar, a requerimento da parte prejudicada, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica, que lhes deram causa ou deles obtiveram proveito, facultando-lhes o prévio exercício do contraditório;

    § 2º O requerimento deve indicar objetivamente quais os atos abusivos praticados pelos administradores ou sócios da pessoa jurídica;

    § 3º Nos casos de fraude à execução, não será desconsiderada a personalidade jurídica antes de declarada a ineficácia dos atos de alienação, com a conseqüente excussão dos bens retornados ao patrimônio da pessoa jurídica". (NR)

  12. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Vol. II. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 42.
  13. Agravo de Instrumento Nº. 70013372545, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Helena Ruppenthal Cunha, Julgado em 25/01/2006.
  14. ALBERTON, Genacéia da Silva. A desconsideração da pessoa jurídica no Código do Consumidor. Ajuris: Revista da Associação dos Juizes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, vol. 19, n.54, Maio/1992, p.173.
  15. BRUSCHI, Gilberto Gomes. Aspectos processuais..., cit., p. 153.
  16. CEOLIN, Ana Caroline Santos. Abusos na aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 159.
  17. CEOLIN, Ana Caroline Santos. Abusos na aplicação..., cit., p. 156-157.
  18. "Art. 5°.[...]

    LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

    LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;"

  19. SILVA, Osmar Vieira da. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. Rio de janeiro: Renovar, 2002, p. 167.
  20. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil.., cit., p. 317.
  21. ALBERTON, Genacéia da Silva. A desconsideração da pessoa jurídica..., cit., p. 175.
  22. REsp 347.524/SP, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Quarta Turma, julgado em 18.02.2003, DJ 19.05.2003, p. 234.
  23. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil.., cit., p. 332.
  24. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil..., cit., p. 362.
  25. Fredie Didier Jr. define o litisconsórcio alternativo da seguinte forma: "Consiste na formulação, pelo autor, de mais de uma pretensão, para que uma ou outra seja acolhida, sem expressar, com isso, qualquer preferência." (DIDIER JR., Fredie. Direito processual civil: tutela jurisdicional individual e coletiva. 5ª ed. ref.,amp., rev. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2005,p. 259).
  26. "Art. 289. É lícito formular mais de um pedido em ordem sucessiva, a fim de que o juiz conheça do posterior, em não podendo acolher o anterior".
  27. Cúmulo eventual é a reunião de dois ou mais pedidos em uma só iniciativa processual, com a manifestação de preferência por um deles. (Cândido Rangel Dinamarco. Instituições de direito processual civil. Vol. II. 4ª ed., rev., atual. e com remissões ao Código Civil de 2002. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 171).
  28. DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 7º ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 301-302.
  29. Op. Cit., p. 393 e 396.
  30. Jurisprudência extraída do livro Assistência Litisconsórcio: repertório de jurisprudência e doutrina. ARRUDA ALVIM, TERESA ARRUDA ALVIM PINTO. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1986, p. 125.
  31. GUIMARÃES, Flavia Lefrèvre. Desconsideração da personalidade jurídica no Código do Consumidor : aspectos processuais. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 149.
  32. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, volume 2.- 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 55.
  33. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento nº. 2004.012817-7. Des. Relator Fernando Carioni. Decisão 30/09/2004.
  34. ASSIS, Araken de. Cumulação de ações. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 165.
  35. Convém registrar que Gilberto Gomes Bruschi manifesta entendimento em sentido contrário, afirmando que o sócio "ingressará na ação executiva como terceiro interessado, que teve seus bens penhorados indevidamente e não como parte, como litisconsorte, como executado". Não concordamos, todavia, com o posicionamento do autor, conforme será justificado no curso do trabalho. (Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004, p. 92.)
  36. Calixto Salomão Filho. O novo direito societário. 2ª ed. ref. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 204.
  37. DIDIER JR., Fredie. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica. In: Reflexos do Novo Código Civil no Direito Processual. Salvador: JusPODIVM, 2006, p. 154.
  38. A exemplo podemos citar Gilberto Gomes Bruschi: "Não há que se falar em violação do contraditório ao se desconsiderar a personalidade jurídica por decisão interlocutória, pois este será postergado, para o momento em que os terceiros ou mesmo os executados originários se rebelarem contra tal pronunciamento judicial". (Gilberto Gomes Bruschi. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004, p. 78.)
  39. Neste sentido, manifestou-se o 1° Tribunal de Alçada Cível de São Paulo: "PESSOA JURÍDICA – TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO – INAPLICABILIDADE – superação da regra do art. 20 do CC que exige o devido processo legal – Impossibilidade de se alcançar o ente jurídico por dívida de sócio em simples despacho ordinatório da execução – Mandado de segurança concedido. A doutrina da superação ou da desconsideração da personalidade jurídica traz questão de alta indagação exigente do devido processo legal para a expedição de um provimento extravagante, que justifique invadir a barreira do art. 20 do CC. Não é resultado que se alcance em simples despacho ordinatório da execução, do arresto ou do mandado de segurança, todos de cognição superficial. (MS 443. 801.9 - 2ª C., j. 11.4.90 – rel. Juiz Sena Rebouças)". RT 657, p. 120-121. (destacamos)
  40. DINAMARCO, Cândido Rangel. Desconsideração da Personalidade Jurídica. Fraude e Ônus da Prova. In: Fundamentos do Processo Civil Moderno. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editora, 2000, p. 1200.
  41. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, vol. 2, cit., p. 55.
  42. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. DECISÃO QUE DEFERIU O PLEITO DE DESCONSIDERAÇÃO DE PERSONALIDADE JURÍDICA. AUSÊNCIA DE VEROSSIMILHANÇA NAS ALEGAÇÕES DA AGRAVANTE SUFICIENTE À REFORMA DO DECISUM. 1. Identificados os pressupostos para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine), poderá o Juiz, no próprio processo de execução, transpor a personalidade jurídica para que os atos de desapropriação possam atingir os bens particulares de seus sócios. 2. O patrimônio dos sócios poderá ser atingido quando a empresa tiver sido dissolvida de forma irregular sem que tenha deixado bens para garantir a execução, independentemente da baixa na Junta Comercial. 3. No que concerne à questão da nomeação dos bens à penhora, não conheço do recurso interposto no ponto, porquanto a decisão que determinou a não aceitação do bem indicado foi a de fls. 245, datada de 31.01.05. Com efeito, é intempestiva a irresignação, porquanto o presente agravo foi interposto quando já expirado prazo para recurso desta decisão. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA, DESPROVIDO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº. 70014001705, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 19/04/2006).

    AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO DE EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA E AUSÊNCIA DE BENS. Cabível a penhora sobre bens de sócio diretor no processo de execução onde é executada a empresa irregularmente dissolvida e sem patrimônio. Situação fática que se enquadra na disregard doctrine. Existência da demanda que ensejou o crédito da agrava quando da dissolução da sociedade, sem qualquer ressalva. Agravo improvido. (Agravo de Instrumento Nº. 70007742083, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Helena Ruppenthal Cunha, Julgado em 18/02/2004).

  43. "Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de dez dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento."
  44. A respeito deste assunto, ver o livro Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais, de Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha. Salvador: JusPODIVM, 2006, p. 98-99.
  45. BRUSCHI, Gilberto Gomes. Aspectos processuais..., cit., p. 95-96.
  46. DIDIER JR., Fredie. Aspectos processuais da desconsideração..., cit., p.152.
  47. AgRg no AgEg no Ag 656172/SP. Ministro Relator Arnaldo Esteves Lima. 5ª Turma. DJ 14/11/2005, p. 383.
  48. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Vol. II. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 464.
  49. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Vol. II, cit., p. 467.
  50. BRUSCHI, Gilberto Gomes. Aspectos processuais da desconsideração...,cit., p. 107.
  51. Convém registrar lição oferecida por Bernardo Pimentel Souza, a respeito do tema: "Ainda que intitulado de ‘sentença’ pelo legislador ou pelo próprio julgador, não tem tal natureza o pronunciamento jurisdicional que não produz a extinção do processo". E ainda: "..., tendo em vista o disposto no § 2° do artigo 162, segundo o qual a solução apenas de ‘questão incidente’ ocasiona a prolação de decisão interlocutória passível de impugnação por meio de agravo do artigo 522. Sem dúvida, a existência de autuação em separado não significa que há processo distinto a ser extinto por sentença passível de apelação". (SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos Recursos Cíveis e à Ação Rescisória. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 279 e 285).
  52. Fred Didier Junior. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do CC-2002). In: Regras processuais no novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 07.
  53. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral: volume 1. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 239.
  54. DIDIER JR., Fredie. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica. In: Reflexos do Novo Código Civil no Direito Processual. Salvador: Editora JusPODIVM, 2006, p. 156.
  55. "Art. 745. Quando a execução se fundar em título extrajudicial, o devedor poderá alegar, em embargos, além das matérias previstas no artigo 741, qualquer outra que lhe seria lícito deduzir como defesa no processo de conhecimento".
  56. "Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação. [...] §5° Não sendo requerida a execução no prazo de seis meses, o juiz mandará arquivar os autos, sem prejuízo de seu desarquivamento a pedido da parte". [...] "Art. 614. Cumpre ao credor, ao requerer a execução, pedir a citação do devedor e instruir a petição inicial: [...]".
  57. DIDIER JR., Fredie. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica. In: Reflexos do Novo Código Civil no Direito Processual. Salvador: Editora JusPODIVM, 2006, p. 159.
  58. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume I..., cit., p. 267.
  59. DIDIER JR., Fredie. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica. In: Reflexos do Novo Código Civil no Direito Processual. Salvador: Editora JusPODIVM, 2006, p. 161.
  60. Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as:

I - com pareceres favoráveis de todas as Comissões;

II - já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;

III - que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias;

IV - de iniciativa popular;

V - de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.

Parágrafo único. A proposição poderá ser desarquivada mediante requerimento do Autor, ou Autores, dentro dos primeiros cento e oitenta dias da primeira sessão legislativa ordinária da legislatura subseqüente, retomando a tramitação desde o estágio em que se encontrava.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTIAGO, Edna Ribeiro. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica à luz do Código Civil de 2002. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1701, 27 fev. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10986. Acesso em: 29 mar. 2024.