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A importância do novo entendimento do TSE sobre o vice-mandatário no processo eleitoral e suas possíveis repercussões no cenário político brasileiro

A importância do novo entendimento do TSE sobre o vice-mandatário no processo eleitoral e suas possíveis repercussões no cenário político brasileiro

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Qual o papel do vice (prefeito, governador ou presidente) no sistema político brasileiro?

A princípio, o único papel relevante que cabe ao vice é precipuamente eleitoral. A escolha da pessoa para ocupar tal cargo está relacionada, se não exclusivamente, às alianças formadas entre os partidos.

O vice, se eleito, não possui qualquer papel institucional, tornando-se, na maioria das vezes, figura decorativa. Não se deve deixar de lado, entretanto, a sua importância política na formação das coligações e na eleição.

Na primeira eleição do presidente Lula em 2002, não desmerecendo a "onda" que tomou conta do país, o candidato a vice na chapa, o empresário mineiro José Alencar, foi o responsável não apenas por amenizar a figura do então sindicalista considerado radical, como para angariar apoios no setor empresarial.

Mutatis mutandis, a eleição de um vice pode atrapalhar a vida do candidato. Na história recente do país, a eleição de Jânio Quadros e João Goulart foi diretamente responsável pelo Golpe Militar, poucos anos depois da posse dos dois. Era a época da Guerra Fria e, com a renúncia de Jânio, alguns setores da sociedade lutaram para impedir a posse do vice, Jango, que estava em viagem oficial à China comunista e era considerado como "de esquerda".

Depois de um arranjo político e a implementação de um "parlamentarismo" por certo período, Jango finalmente tomou posse como presidente do Brasil com todos os poderes e prerrogativas. Depois veio o golpe que instaurou a Ditadura Militar. Deve-se lembrar, no entanto, que nessa época, diferente do sistema eleitoral vigente, os candidatos a presidente e a vice eram eleitos em eleições independentes.

No Brasil pós-ditadura, dois vices-presidentes passaram para a história. O primeiro presidente civil, último eleito de forma indireta e que realmente exerceu o cargo, foi José Sarney, no lugar de Tancredo Neves que faleceu. O outro foi Itamar Franco, que assumiu depois de Fernando Collor renunciar na iminência de sofrer um processo de impeachment.

A figura do candidato a vice tem suma importância nas negociações políticas das quais surgem as coligações partidárias formadoras da base do potencial futuro governo.

O período de "destaque" do vice estava restrito ao período da campanha eleitoral, até a decisão do Tribunal Superior Eleitoral que mudou por completo o entendimento anterior sobre a participação do candidato a vice no processo eleitoral e terminou por trazer à tona a discussão sobre o papel do vice no cenário político brasileiro.

Nos Estados Unidos, pelo menos o vice-presidente não é apenas figura decorativa, porque o mesmo exerce o cargo de Presidente do Congresso, e com direito a voto em caso de desempate.

No sistema político brasileiro, o vice é o substituto do presidente, governador e prefeito. A substituição pode ser temporária ou definitiva, caso o titular do cargo esteja impedido de exercê-lo. Sendo definitiva, o tempo e o período da substituição influem no quesito elegibilidade do vice, caso este pretenda ser candidato ao cargo do titular. Salvo se o titular indicar o vice para algum cargo no governo, o mesmo continuará sendo apenas o vice.

O TSE, no julgamento do Recurso Contra Expedição de Diploma (RCED 703), reformou por completo o entendimento da Corte sobre a participação do vice nos processos eleitorais. Jurisprudência pacífica anterior ignorava a figura do vice, exceto se diretamente envolvido no litígio.

O debate foi suscitado quando foi perguntado se aquele julgamento, no caso do governador da Paraíba, iria atingir também o vice-governador. Segundo o ministro que levantou essa preliminar, o vice deveria ser chamado a integrar a lide porque, nos casos de cassação de mandatos eletivos, o vice-mandatário também sofre os efeitos da decisão do julgamento do titular do mandato.

O vice, de acordo com o novo entendimento, passa a integrar o processo como litisconsorte necessário, porque a decisão é única, atingindo os dois integrantes da "chapa" (litisconsórcio unitário).

Sendo litisconsorte necessário nos processos de cassação de mandatos eletivos, o vice deve ser chamado formalmente à lide para apresentação de defesa sob pena de a decisão ser anulada por cerceamento de defesa.

A nova orientação deve ser considerada um avanço na jurisprudência da Corte Eleitoral, sobretudo porque reforça os princípios do Devido Processo Legal, do Contraditório e da Ampla Defesa. Sob a égide do Estado Democrático de Direito, ignorar um dos litisconsortes necessários em um litisconsórcio unitário é ilegal e inconstitucional, portanto essa nova decisão deve ser comemorada.

A jurisprudência antiga do TSE, no entanto, estava em desacordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que, no julgamento da Medida Cautelar 112, decidiu que a situação do vice ficará preservada, caso o mesmo não seja chamado ao processo como litisconsorte necessário.

Um processo de cassação de mandato eletivo (dos mandatos do titular e do vice) é muito penoso para a sociedade, que às vezes entende que a Justiça Eleitoral se sobrepõe a vontade popular, ainda que viciada por corrupção, abuso de poder político e/ou econômico e/ou condutas vedadas sendo caso de reeleição.

Atualmente, observa-se no Brasil um fenômeno chamado judicialização da política, resultado de decisões do TSE que, reinterpretando as normas vigentes, têm suprido o papel do Congresso Nacional que há anos não aprova a Reforma Política.

A cada eleição ou cada novo começo de legislatura, a Reforma do Sistema Político-Eleitoral brasileiro é sempre considerada prioridade, porém sempre acaba nas promessas e nos discursos de cada ano novo.

Apesar de toda polêmica em torno dos projetos de reforma política, o vice continua esquecido, não existindo projeto ou mesmo interesse em reavaliar as funções do cargo.

Algumas opções que podem ser analisadas vão desde a extinção do cargo até a divisão de competências com o titular.

A extinção pura e simples do cargo de vice seria um tanto radical em um país que adota o sistema presidencialista, no qual a presença do substituto, eventual ou definitivo do titular, faz parte do imaginário político brasileiro. Deve-se levar em conta também que o cargo de vice tem também a importante função na política tupiniquim de abrigar políticos de partidos que se unem formando alianças e coligações.

Como extinguir o cargo de vice seria radical demais, deve-se pensar em propostas de divisão de competências com o titular. Desta forma, o vice deveria possuir funções, no governo para qual foi eleito, definidas por lei.

Dividindo competências e responsabilidades com o titular, a escolha do candidato a vice pelos partidos se basearia em critérios os quais estariam em consonância com as competências que o cargo iria exigir. A escolha não ficaria restrita a qualidades políticas dos candidatos ao cargo.

Outra opção viável pode ser a adoção legal da obrigatoriedade do vice, se eleito, participar diretamente da administração, assumindo uma secretária (estadual/municipal) ou um ministério, ou até mesmo cargos na administração indireta.

Enquanto o cargo de vice permanece, um outro está atualmente em evidência, o de suplente de senador. Tanta publicidade é resultado dos escândalos pelos quais os senadores e/ou os seus suplentes estão envolvidos.

Ambos os cargos, o de vice e o de suplente de Senador, são muito parecidos, sendo o segundo ainda mais obscuro. Ao contrário do cargo de vice, que ao menos aparece na campanha, o de suplente (no plural) de senador é completamente desconhecido do público até o momento em que toma posse do cargo, temporária ou definitivamente.

Os diversos escândalos e a própria dinâmica da política brasileira, que faz com que senadores se candidatem a governadores/vice-governadores, transformaram praticamente 1/3 do Senado Federal em senadores sem-voto, ou seja, todos eles suplentes.

Enquanto o cargo de vice ainda tem alguma importância política e notoriedade, o suplente de senador é desconhecido dos eleitores e a escolha não utiliza critérios políticos, ao contrário, ausência de critérios ou nada "republicanos", para usar um termo atual. Geralmente os suplentes de senador são escolhidos entre familiares – nepotismo - ou entre os doadores/financiadores de campanha.

O Congresso Nacional pretende votar ainda esse ano os projetos que tratam do cargo de suplente de Senador, com possibilidades de extinção. O momento é oportuno para analisar o papel do vice, não apenas pela publicidade decorrente da decisão do TSE, mas também pela semelhança entre eles.

É ponto pacífico que a Reforma Político-eleitoral não será votada até 2010, quando o novo governo tomar posse. Se acontecer, a reforma não será votada em sua integridade, será dividida e serão colocados em votação primeiro os temas menos polêmicos onde já exista algum tipo de consenso ou acordo. Em se tratando do cargo de vice, não existe ainda no Congresso qualquer projeto de lei.

O que precisará acontecer – de ruim – para, enfim, o cargo de vice entrar de vez na pauta de discussões na sociedade e no Congresso Nacional?

Ao exaltar processualmente a figura do vice no cenário eleitoral, o TSE emite sinais ao Congresso Nacional e à sociedade. Da mesma forma que o vice passa a ter voz e ser parte importante no processo eleitoral, assim deve ser ao assumir seu cargo no governo para o qual foi eleito.


Bibliografia:

http://www.senado.gov.br

http://www.camara.gov.br

http://www.tse.gov.br

http://www.stf.gov.br


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CINTRA, Carlos Fernando de Britto. A importância do novo entendimento do TSE sobre o vice-mandatário no processo eleitoral e suas possíveis repercussões no cenário político brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1722, 19 mar. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11063. Acesso em: 28 mar. 2024.