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Lei 9714/98 e o tráfico de entorpecentes

Lei 9714/98 e o tráfico de entorpecentes

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1. Em novembro de 1998, foi editada a Lei nº 9.714/98, modificando dispositivos do Código Penal, dentre os quais os relativos às penas restritivas de direitos, sustitutivas da privativa de liberdade. De acordo com a redação da nova Lei, passou a constar do inc. I, art. 44, do CP, que "as penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo". Esta nova regra, por alguns setores da doutrina (1) e jurisprudência (2), em uma contestável e isolada interpretação literal, tem sido endereçada a agentes do crime do art. 12 da Lei de Tóxicos.

2. Quando uma regra jurídica é elaborada, e entra em vigor, passa a integrar a ordem jurídica, como conjunto de normas ordenadas em institutos e sistemas. Sua vigência e comandos se correlacionam com a vigência e comandos das normas preexistentes, podendo, eventualmente, umas influir sobre o sentido de outras, cabendo ao intérprete, em decorrência, visualizar e compreender o conteúdo das várias normas, garantindo o equilíbrio e a unidade do sistema jurídico. Nesta tarefa de descortinamento, ajusta a norma à realidade, onde o Direito se impõe, com força que impera sobre o modo de viver dos homens, na expressão de Fabrício Leiria (3).

3. Diversos os métodos interpretativos que o conduzem à descoberta de mens legis, mas que não os fazem excludentes uns de outros, ao contrário, complementam-se em um processo mental para atingir um resultado final de interpretação que mais se ajuste da justiça real. Sempre oportuno lembrar, a interpretação não se restringe ao esclarecimento do significado das palavras ou dos pontos obscuros, mas a toda elucidação a respeito da exata compreensão da regra jurídica a ser aplicada aos fatos concretos (4), tendo como guia, recomendado pela hermenêutica, que as leis do Direito foram inspiradas nas fontes mais puras da Justiça.

4. Dentre os métodos disponíveis, o primeiro utilizado, e o mais singelo de todos, é o literal ou gramatical. Através do método gramatical, examina-se a morfologia das palavras que o texto legal encerra, para encontrar o mais correto sentido dos termos. Estuda-se o relacionamento lógico que as palavras da lei guardam entre si, para fazer valer o Direito. Apesar de valioso, até para o fim de afirmar que a lei é clara, o método literal, por si só, em face da sua superficialidade, pode implicar, se isoladamente utilizado, em uma conclusão que não corresponda à verdadeira mens legis, não atenda ao valor que deu fundamento e conteúdo à norma, nem se compatibilize com outras normas que tratam do mesmo assunto. A interpretação literal, em termos de resultado, tende a fazer valer a máxima de Montesquieu, ditada em plena efervescência do Iluminismo do século XVIII, época de um protesto santo contra a interpretação das leis penais, de acordo com a qual os juízes se devem ater à letra da lei, não lhes sendo dada a faculdade de interpretar os textos legislativos. Por isso a necessária complementação por outros métodos, hábeis a conduzir o intérprete a uma análise mais densa, mais profunda, que considere a totalidade do ordenamento jurídico-penal e suas raízes valorativas, na medida em que os comandos e proibições penais possuem raízes nas normas de valoração, fundamentam-se em aprovações e desaprovações.

5. Na busca da harmonizá-la com os comandos das demais normas que integram o ordenamento, ao intérprete cabe comparar o dispositivo com outros referentes ao mesmo objeto, estejam no próprio diploma interpretado, na Constituição ou nas leis esparsas, verificando e compreendendo o conjuntural tratamento jurídico. A respeito, oportuno reproduzir passagem de artigo subscrito por Sidney Eloy Dalabrida, publicado no site da Associação Catarinense do Ministério Público: "Para o equacionamento da questão levantada, portanto, não pode o intérprete confinar-se no exame do novo texto legal, ignorando a posição que este ocupa no novo modelo punitivo, corolário do direito penal democrático, devendo, ao contrário, observando os passos da interpretação sistemática, parafraseando o notável Carlos Maximiliano, elevar seu olhar dos casos especiais para os princípios dirigentes a que eles se acham submetidos, indagando se, ao obedecer a um, não estará violando outro".

Não deve descurar o bem jurídico que as normas tutelam, sempre atento ao fato de que o Direito é organizado em princípios informadores e hierárquicos, que subordinam as leis em um conjunto harmônico, o ordenamento jurídico. Também não deve desprezar a perspectiva histórica da formação da nova lei e da lei com a qual possa conflitar, desde seu projeto, exposição de motivos, emendas etc, assimilando os anseios da sociedade à época de sua criação, para, então, conclusivamente, chegar a uma justa aplicabilidade da norma, consentânea com os valores sociais, políticos e jurídicos que a subjazem.

6. Nessa ótica interpretativa, o Ministro da Justiça, na Exposição de Motivos da Lei nº 9.714/98, expressou que a ampliação das alternativas à prisão foi idealizada com base na compreensão de que, para os crimes de menor gravidade, a melhor solução consiste em impor restrições aos direitos do condenado, que não o estigmatizem de forma tão brutal como a prisão, que permitam de forma bem mais rápida e efetiva a integração social.

Com este propósito de ampliar as alternativas à prisão, preservando o valor liberdade, é que o projeto foi elaborado. A não-imposição de limite máximo da pena para conversão nos crimes culposos, e o poder que reconhece ao juiz para operar a conversão, até para o reincidente, claramente revelam esta sua ratio. A finalidade que busca atingir, porém, não é a de beneficiar agentes de crimes graves, de séria e aflitiva afetação aos mais caros bens penalmente protegidos. Sua finalidade, correlata ao valor que inspirou o legislador a elaborá-la, é de preservar a liberdade, compatibilizando, adequadamente, nos casos de ausência de reclamo social e escassa lesividade aos bens jurídico-penais, os imperativos de prevenção geral e prevenção especial, mediante imposição de sanção penal cuja execução não seja aflitiva nem estigmatize de forma tão brutal como a prisão, antes permitindo, de maneira bem mais célere e efetiva, a reintegração social do condenado. Nessa linha de propósitos é que o projeto de ampliação das alternativas à pena de prisão foi elaborado.

7. Este ideal (ou ratio) que revela, e que também é correlato a política criminal que visa à diminuição dos gastos da lotação do sistema penitenciário, evidentemente não se compatibiliza (e para que assim se afirme não precisaria estar expresso na Constituição ou na Lei nº 8.072/90) com o ideal (ou ratio) inspirador do regramento penal dos crimes hediondos, de modo especial do relativo ao tráfico de entorpecentes, que reserva a mais grave reprimenda penal dentre as disponíveis (privação de liberdade), inclusive no tocante ao seu cumprimento (regime integralmente fechado).

8. Cotejada a nova Lei com o ordenamento constitucional e infraconstitucional dos crimes hediondos e assemelhados, em uma interpretação contextualizada, na qual o aplicador não perde de vista a unidade e a harmonia da ordem jurídica, o descortinamento não será outro, senão o da manifesta incompatibilidade em substituir-se a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos aos agentes de tais crimes, pois:

a) A CF, no art. 5º, inc. XLIII, pela gravidade sócio-jurídica que lhes reconhece, dispõe: "a lei considerará inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos";

b) A CF, ao mesmo tempo em que estabelece como regra que nenhum brasileiro será extraditado, permite a extradição do naturalizado que tiver comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, sendo este o único crime pelo qual admitiu a extradição de brasileiro naturalizado, em mais uma inequívoca demonstração da severidade do tratamento jurídico dispensável ao narcotráfico, um dos principais flagelos da atualidade;

c) A Lei nº 8.072/90, editada em atendimento à determinação constitucional e também como resposta a considerável reclamo social, expressamente veda a concessão de anistia, graça, indulto, fiança e liberdade provisória aos agentes do tráfico devido à lesividade deste delito, que compromete a força de trabalho, prejudica, sobremodo, a saúde da juventude, provoca corrupção, homicídios, chacinas, seqüestros, extorsões e toda sorte de crimes violentos, estabelecendo, como expressão máxima do rigor com pretende sejam punidos, o cumprimento da pena em regime integralmente fechado, sendo sempre oportuno lembrar que a constitucionalidade deste diploma legal foi assentada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (5);

d) Aos autores do delito do art. 12, como regra, não é dado o direito de apelar em liberdade (6), mesmo sendo primários e gozando de bons antecedentes, e o processo, quando provisoriamente presos, tem seus prazos computados em dobro, à despeito do status libertatis, pela compreensão de que os prazos para formação da culpa são fixados em favor da sociedade, interessada na completa apuração dos fatos e inflexível aplicação da lei penal, o que por vezes pode demandar tempo, e não em favor da liberdade dos agentes de tão grave delito;

e) O crime do art. 12 integra o rol dos delitos que admitem a prisão temporária (Lei nº 7.960/89, art. 1º, inc. III, alínea n), verdadeira prisão para averiguações, cujo prazo de vigência é seis vezes superior ao dos demais crimes em que a mesma custódia é permitida, com previsão de prorrogação por igual período (trinta dias), pela evidente razão de que sua investigação é objetivo primordial da polícia judiciária;

f) A gravidade de uma condenação pelo delito do art. 12 da Lei de Tóxicos, ainda que não caracterize reincidência e mesmo sem trânsito em julgado, por si só, conduz a agravamento da pena do porte ilegal de arma (art. 10, § 3º, inc. IV da Lei nº 9.437/97);

g) Todo este regramento especial ao crime de narcotráfico traz à baila a norma do art. 12 do Código Penal, de uníssona interpretação doutrinária: "As regras gerais do Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se este não dispuser de modo diverso". Deste dispositivo decorrem dois princípios que estão logicamente conectados: princípio da primazia da lei penal especial quando seu comando colidir com regra da Parte Geral do CP; e princípio da supletividade das normas gerais do CP, que os estendem às leis penais especiais nos casos em que estas se mostram silentes a respeito do assunto. A combinação dos dois princípios lógicos lança a ponte que permite relacionar o Direito Penal codificado ao Direito Penal não codificado, na expressão de Aníbal Bruno;

h) O próprio art. 44 do CP, em seu inc. III, com a redação dada pela Lei nº 9.714/98, condiciona a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos quando, dentre outros requisitos, a personalidade do condenado, os motivos e circunstâncias do crime indicarem a suficiência da substituição em termos de repressão e prevenção do crime, condição a que o tráfico de entorpecentes, seja pelo rigor que lhe destinam as normas especiais, seja pela própria natureza como fato social, seja pelos malefícios que produz, não tem como atender.

9. Por conseguinte, com base em uma interpretação globalizada do ordenamento jurídico-penal sobre ao crime hediondos e assemelhados, inafastável conclusão é a de não ser substituível por restritiva de direitos a pena privativa de liberdade infligida a agente do crime previsto no art. 12 da Lei de Tóxicos, pouco importando se grande, médio ou pequeno traficante, tendo em vista que todos os esforços se unem para que o tóxico seja comercializado, todos os envolvidos na cadeia de distribuição são concausas da destinação final e disseminação das drogas.

A propósito, a lei não faz distinção entre o agente que importa toneladas de cocaína e a mulher do presidiário que o presenteia com pequena quantidade de maconha. Distinções baseadas no volume ou natureza da substância comercializada, na organização ou empreitada solitária do narcotraficante, no reduzido ou considerável âmbito territorial do tráfico, devem repercutir na valoração jurídica do fato, mas encontram campo adequado a este sopeso na dosimetria da pena privativa de liberdade, pois, dispõe o Juiz, a quem se reconhece boa dose de arbítrio na fixação da reprimenda, entre o mínimo de três e o máximo de quinze anos de reclusão cominados pelo tipo do art. 12, de alta flexibilidade em termos quantitativos para conferir justo apenamento, para dar a cada um o que realmente é seu.

Dizer-se que o traficante de pequeno porte é um nada diante do megatraficante, ou que considerá-lo perigoso e merecedor de severa sanção significa estimular o status quo, para que continue a polícia a preocupar-se basicamente com quem representa menor risco à comunidade, é assertiva que só pode ser feita devido a total desconhecimento da trágica realidade do cotidiano, em que pequenos traficantes cercam escolas, lancherias, salões de fliperama, casas de espetáculos, centros comerciais, estádios de esportes e outros locais de habitual freqüência juvenil, minando, passo-a-passo, paulatina, mas eficazmente, forma inexorável, a nossa juventude, e quem sabe, nossos filhos e filhos de nossos amigos. É assertiva que só pode decorrer de um completo desconhecimento de que os pequenos traficantes são os maiores interessados em proporcionar a iniciação gratuita aos futuros fregueses, disseminando o uso dos entorpecentes e favorecendo a dependência; é comum, modo especial nas mais baixas classes econômico-sociais, usarem, sem qualquer pudor, crianças e adolescentes como seus laranjas, a que antes geralmente viciam com práticas de liberalidade na cessão da droga, fazendo, não raro, que abandonem os bancos escolares e conheçam os bancos dos Juizados da Infância e Juventude, como primeiro degrau na escalada de marginalização a que criminosamente os endereçam. Basta olhar através da janela.

10. Frente ao Direito Penal que no Brasil de hoje dispomos, em obediência ao conteúdo de Justiça que as normas devem traduzir, crimes de desigual gravidade e criminosos de desigual periculosidade passam a receber desigual tratamento retributivo, na exata medida em que se desigualam. Nosso ordenamento penal impõe maior severidade aos crimes mais graves e facilita o convívio social dos condenados por delitos leves. Aos agentes de tráfico de drogas, destina a mais severa reprimenda penal dentre as disponíveis (privação de liberdade), inclusive no tocante ao seu cumprimento (regime integralmente fechado). Aos narcotraficantes, por expressa disposição da lei especial, os imperativos de prevenção geral e especial não se comprazem com meras restrições de direitos. A prisão continua sendo a justa e adequada resposta.

Além de se constituir em interpretação violadora de preceitos constitucionais e legais (não é lícito aplicar uma norma jurídica senão à ordem de coisas para a qual foi feita), inaceitável, sob qualquer prisma interpretativo, que se queira dar aos agentes do tráfico de substâncias entorpecentes a aplicação benigna da nova Lei, que se pretenda fazê-los destinatários das penas alternativas. As restrições aos direitos do condenado, que não o retiram do convívio social, ampliadas pela nova Lei, são reservadas aos crimes de menor lesividade e a agentes que não exigem afastamento do meio comunitário.

Mesmo em se considerando a recomendação da hermenêutica para que se dê restritiva interpretação às normas que limitam direitos individuais, tal recomendação só tem cabida quando a lógica do razoável não a refutar, exatamente como no caso em questão. A muralha da Lei é a lógica. E a lógica, funcionando como muralha, afasta a incidência do regramento da Lei nº 9.714/98 aos agentes do crime de narcotráfico, conclusiva e definitivamente, porque:

a) De inconciliável combinação a norma proibitiva de liberdade provisória com a de permissão da substituição da privativa de liberdade por pena restritiva; não é lógico nem razoável que o agente permaneça preso durante o processo, porque pego em flagrante, sem direito a liberdade provisória, deva ser solto, como direito subjetivo seu, para cumprir em liberdade, à título de substituição da privativa, pena restritiva de direitos, exatamente depois de formada, reconhecida e transitada em julgado sua culpa; realmente, seria de doer nos olhos, lembrando conhecida expressão de Tourinho Filho;

b) De inconciliável coexistência a regra que admite a prisão temporária com outra que, em sobrevindo condenação, autorize a liberdade mediante substituição da pena carcerária por restritiva de direitos; suficiente examinar a natureza dos crimes em que é a temporária permitida para comprovar-se a excepcionalidade da medida, que só se justifica, como prisão para averiguações, devido à gravidade dos delitos homicídio doloso, seqüestro, cárcere privado, roubo, extorsão, extorsão mediante seqüestro, estupro; atentado violento ao pudor, rapto violento, epidemia com resultado de morte, envenenamento de água potável, substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte, quadrilha ou bando, genocídio e contra o sistema financeiro;

c) De inconciliável coexistência a norma que impõe o mais grave regime de cumprimento da pena privativa de liberdade previsto na legislação brasileira com outra que autorize, aos mesmos destinatários daquele rigor, a substituição da prisão por restritiva de direitos;

d) Contraditório possa o agente merecer a restritiva de direitos, como substituição a privativa de liberdade, porque seu fato se encaixaria nas regras destinadas aos delitos de menor lesividade, próprios da substituição, e, no caso de descumprimento da pena substituta, deva cumprir a pena substituída em regime integralmente fechado;

e) Incompatível norma concessiva de tamanha benesse em favor de agente de crime constitucionalizado e que pela Carta Maior foi erigido como de elevada lesividade e considerado merecedor de significativa severidade em termos de reação penal (7);

f) De notar que o inc. III do art. 44 do CP requer que a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias, indiquem a suficiência da substituição; à luz do regramento jurídico dos hediondos e assemelhados, em expressa disposição, os imperativos de prevenção geral e especial não se comprazem com meras restrições de direitos, sendo a prisão a justa e adequada resposta;

g) Finalmente, In toto juri generi per speciem derogatur, et ilud potissimum habetur quod ad speciem directum ets "em toda a disposição de Direito, o gênero é derrogado pela espécie, e considera-se de importância preponderante o que respeita diretamente à espécie" (Papiano, apud Digesto, liv: 50, tit. 17, frag. 80) (8).

11. O juiz, o promotor e o advogado, principais personagens do processo de aplicação da lei penal, que têm diante de si um sistema de Direito, não o podem receber apenas como concatenação lógica de proposições. Devem sentir que existe algo de subjacente ao sistema jurídico, que são os fatos sociais aos quais está ligado um sentido ou um significado que resulta dos valores, em um processo de integração dialética, que implica ir do fato à norma e da norma ao fato. As normas não são todo o fenômeno jurídico, mas apenas os momentos culminantes de um processo.


NOTAS

(1). "Conforme se vê da redação do artigo 44 do Código Penal nada impede a concessão da substituição das penas privativas de liberdade – desde que satisfeitos os requisitos – em penas alternativas, ademais, inferindo que a presente Lei é posterior a Lei dos Crimes Hediondo e a Lei dos Crimes de Tortura. Pela estrutura lógica do sistema legal chegamos a conclusão de que se aplica Lei n.º 9714/98 aos crimes hediondos, claro, quando possível. A norma geral modificada que se aplica as normas especiais anteriores. Caso contrário, não se aplicaria o novel dispositivo legal aos crimes contra o meio ambiente e aos crimes de trânsito. Por certo que as leis, tanto a hedionda, quanto a definidora dos crimes de tortura, falam de regime prisional a ser aplicado ao cumprimento da pena, porém, não falam em vedação à substituição da pena privativa de liberdade por pena alternativa. Se não fala, não veda" (Alexandre Rassi, O crime hediondo e a Lei nº 9.714/97, artigo publicado na Internet, site O Neófito). No mesmo sentido, Damásio de Jesus (Penas Alternativas, p. 95) e Luiz Flávio Gomes (Penas e Medidas Alternativas à prisão, Revista dos Tribunais, 1999)

(2). STJ, Turma, HC 8753/RJ, DJU de 17/05/1999 pág. 244, Relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro.

(3). Teoria e Aplicação da Lei Penal, pág. 41.

(4) . Plácido e Silva - Vocabulário Jurídico - Vol. II, pág. 761.

(5) . "Tráfico de entorpecente – Pena – Regime prisional – Cumprimento em regime fechado conforme preceitua o art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 – Alegada ofensa ao princípio constitucional contido no art. 5º, XLVI da CF – Inconstitucionalidade não caracterizada – Individualização da pena que teve sua regulamentação deferida pela própria norma constitucional ao legislador ordinário" (STF, RT 696/438).

(6) . "Direito de apelar em liberdade. Benefício vedado a condenado por tráfico de entorpecentes" (STF, RT 656/383).

(7) . No mesmo sentido aqui defendido: "Com efeito, é notório que o legislador ordinário, para elaborar a lei penal ou estabelecer determinado regime de cumprimento de pena privativa de liberdade deve, em caráter antecedente, investigar a questão sob duplo enfoque: 1) verificar a existência de bens jurídicos que estão a merecer tutela penal; 2) perscrutar se determinados bens jurídicos já valorados penalmente estão necessitando de uma reavaliação político-criminal, quer através da majoração da pena privativa de liberdade, quer através da fixação de determinado regime de cumprimento de pena. Nesta segunda hipótese, incumbe ao legislador individualizar espécies de delitos de grande potencialidade lesiva para a sociedade para, assim, instituir, legislativamente, diploma legal mais severo e dissuasivo de intentos delituosos. A Lei de Crimes Hediondos, certamente, foi produto deste criterioso estudo político criminal, onde se constatou a imperiosa necessidade de se proteger a vida humana, a liberdade, física e sexual, a saúde pública e incolumidade física dos indiciados, ante a verificação de crimes de extorsões mediante seqüestro, latrocínios, torturas e tráficos ilícitos de entorpecentes cometidos em número crescente e alarmante, sem que a lei penal estivesse a cumprir característica que lhe é peculiar - prevenção e desestimulação de intentos delituosos. A escalada criminosa deveria, inexoravelmente, ser reprimida a qualquer custo, para restabelecer a credibilidade no sistema penal e a tranqüilidade do cidadão. Jescheck, com habitual propriedade, destaca que "...el Derecho penal tiene que cumplir de forma directa una función preventiva. Toda pena debe contribuir a consolidar de nuevo en el condenado el respeto al Derecho y a reconducirle, por su próprio esfuerzo u convición, al orden jurídico. El recuerdo de la pérdida de libertad, patrimonio o reputación sufrida con la ejecución de la pena há de servir también al autor como aviso frente a futuros delitos. La pena en su modalidad de privativa de liberdad debe conseguir asimismo una defensa, al menos temporal, de la sociedad frente al autor peligroso. El efecto preventivo de la pena sobre el próprio condenado se conece como "prevención especial. Junto a los efectos de prevención especial que se pretenden obtener con la pena en relación com cada condenado, el Derecho penal tine especiales funciones preventivas frente a determinados grupos de autores". Nesta ordem de argumentação, não é admissível que se pretenda aplicar a Lei n.º 9.714/98 nos crimes taxativamente delineados na lei de Crimes Hediondos, na medida em que a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos é absolutamente incompatível com a naureza dos crimes tutelados pela Lei Especial e, sobretudo, não cumpriria a prevenção especial indissociável da lei penal" (Renato de Lima Castro, Promotor de Justiça da Comarca de Assaí, PR, em artigo publicado no site Jus Navegandi).

(8). No mesmo sentido aqui defendido, inclusive com argumentos comuns - Habeas Corpus nº 699028502, da Câmara de Férias do Tribunal de Justiça do Estado do RGS: "A repressão penal, estabelecida no ordenamento pátrio, embora algumas imperfeições, observa sistema progressivo,, de tal arte que,, na forma do art. 33 do Código Penal,, se estabelecem regras em tomo dos regimes de cumprimento da pena, dentre as quais sobrelevando o critério objetivo da quantidade de pena aplicada. E na fase de execução se evidencia essa progressividade, não se admitindo, salvo situações peculiares, progressão por salto. Ou seja, quem está no regime fechado haverá de progredir, se mérito para isto tiver, ao regime semi-aberto, e não, diretamente, ao aberto. Seguindo nessa linha, o que se tem observado no sistema penal como um todo, é que o legislador, ao dispor da possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, estabeleceu exatamente o quantitativo que corresponde ao admissível no regime aberto: 4 anos. Vale dizer, a substituição somente é cabível para as penas que não excedam 4 anos, ou, em outras palavras - pela necessidade, também, de cumprimento dos requisitos subjetivos próprios, para os réus os quais imposto o regime aberto como sendo o inicial. Há aqui, pois, a preocupação da observância da progressividade. Se não é possível deferir-se o regime aberto, pelo não atendimento dos pressupostos do art. 33 do Código Penal, muito menos será possível, aplicado regime mais severo, substituir a pena por restritiva de direito, que corresponde a suavização muito superior. Transpondo para a situação dos autos essas colocações, o que se tem é que, dispondo a Lei 8072, que equiparou o tráfico de entorpecentes aos crimes hediondos, que o regime de cumprimento da sanção será o fechado, mostra-se incompatível a substituição alvitrada, que fugiria, por completo, da progressividade mencionada. Passar-se-ia,, sem escala,, do regime mais severo para o mais brando, quando, ressalvo, impossível pela legislação especial, mesmo a imposição do regime semi-aberto ou aberto. Evidencia-se, assim, a absoluta incompatibilidade da substituição de que cogita a novel legislação com os crimes abrangidos pela Lei 8072, ainda que ausente nessa lei nova ressalva expressa de não incidência nos crimes hediondos. Aliás, a lei, inspirada na Constituição Federal, quis, mesmo, punir com exemplaridade os crimes hediondos, daí o estabelecimento do regime fechado. Por outra, há de se convir que a lei nova citada trouxe alteração na parte geral do Código Penal, por isso que, fazendo parte, agora, os seus dispositivos, dessa parte geral, incidem eles, pela regra da especialidade, apenas nas situações não regradas por leis especiais, ainda que essas leis lhes sejam anteriores. A alteração da parte geral do Código, pois, não teria, no caso, o condão de revogar dispositivos criados para situações especiais. O principio da especialidade orienta esse entendimento".


Autor

  • Carlos Otaviano Brenner de Moraes

    Participa com seus artigos das publicações do site desde 1999.

    Exerce advocacia consultiva e judicial a pessoas físicas e jurídicas, numa atuação pessoal e personalizada, com ênfase nas áreas ambiental, eleitoral, criminal, improbidade administrativa e ESG.

    Foi membro do MP/RS durante 32 anos, com experiência em vários ramos do Direito.

    Exerceu o magistério em universidades e nos principais cursos preparatórios às carreiras jurídicas no RS.

    Gerações de atuais advogados, promotores, defensores públicos, juízes e delegados de polícia foram seus alunos.

    Possui livros e artigos jurídicos publicados.

    À vivência prática, ao estudo e ao ensino científico do Direito, somou experiências administrativas e governamentais pelo exercício de funções públicas.

    Secretário de Estado do Meio Ambiente, conciliou conflitos entre os deveres de intervenção do Estado Ambiental e os direitos constitucionais da propriedade e da livre iniciativa; Secretário Estadual da Transparência e Probidade Administrativa, velou pelos assuntos éticos da gestão pública; Secretário Adjunto da Justiça e Segurança, aliou os aspectos operacionais dos órgãos policiais, periciais e penitenciários daquela Pasta.

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MORAES, Carlos Otaviano Brenner de. Lei 9714/98 e o tráfico de entorpecentes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 33, 1 jul. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1107. Acesso em: 28 mar. 2024.