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O bem de família mobiliário no novo Código Civil

O bem de família mobiliário no novo Código Civil

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Dentre as inovações que pretenderam dar fôlego ao bem de família voluntário, na esperança de que possa alcançar aplicabilidade prática, destaca-se a possibilidade de abrangência de valores mobiliários.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. NOÇÃO E ORIGENS DO BEM DE FAMÍLIA. 2. O INSTITUTO NO DIREITO BRASILEIRO. 3. O BEM DE FAMÍLIA VOLUNTÁRIO APÓS 2002, POSSIBILIDADES E PROBLEMAS. a) O conceito de entidade familiar, art. 1711. b) Restrições ao bem de família, art. 1711. c) Ônus aos instituidores, inalienabilidade dos bens. d) A expressão "valores mobiliários", art. 1712. e) Finalidade dos valores mobiliários. f) Exceções à impenhorabilidade do bem de família voluntário . g) Bem de família voluntário que gere renda para pagar aluguel. h) A expressão "único bem do casal" no art. 1721 § único. i) Frutos dos valores mobiliários . j) Vencimento e resgate. 4. CONCLUSÃO. 5. REFERÊNCIAS


INTRODUÇÃO

Com o advento do Novo Código Civil, ganhou especial importância a espécie de bem de família voluntário, que requer expressa manifestação de vontade, em contraste com o bem de família legal, previsto na Lei n.º 8.009/90.

O problema da inaplicabilidade prática do bem de família voluntário é mundial e tem motivado reformas legislativas como a italiana, que em 1975 remodelou a matéria.

Assim, na tentativa de se revigorar o instituto, para que se torne apto à sua relevante função social, o Código Civil de 2002 promoveu alternações substanciais em sua disciplina. Atenderam-se aos reclames da doutrina, na esperança de que o bem de família possa superar as dificuldades de sua implementação.

Corrigindo-se o erro histórico, a matéria foi enfim retirada da parte geral do Código Civil de 1916 e inserida no âmbito do direito patrimonial do direito de família.

Dentre as inovações que pretenderam dar fôlego ao bem de família voluntário, na esperança de que possa alcançar aplicabilidade prática, destaca-se a possibilidade de abrangência de valores mobiliários.

A modernização é significativa, pois que se abandona o caráter exclusivamente fundiário do instituto, para adaptá-lo a reger a realidade de patrimônios cada vez menos baseados na propriedade imobiliária. De outra parte, torna-o capaz de assegurar um mínimo necessário a uma vida humana, que não depende apenas de moradia.

Entretanto, infelizmente, a falta de preocupação na formulação de limites quantitativos ao instituto resultou em um quadro comprometido e incoerente, que, conjugado à sua já complexa implementação, dificilmente o habilitará a superar os entraves que, até hoje, relegam o bem de família voluntário ao desuso, apesar de seu potencial.

Pretende-se, portanto, traçar panorama crítico das possibilidades e problemas de aplicação do instituto do bem de família, como sistematizado pelo Novo Código Civil, em especial sobre o emprego de valores mobiliários para a garantia do sustento familiar.


1. NOÇÃO E ORIGENS DO BEM DE FAMÍLIA

O escopo do instituto é, de forma geral, garantir pequena soma material para atendimento das necessidades primeiras, impedindo a desarticulação do lar familiar em caso de reveses de execução patrimonial.

Nesse sentido, os dizeres ainda atuais de CARVALHO DE MENDONÇA, que, antes mesmo do Código Civil de 1916, conceituava o bem de família como:

uma porção de bens definidos que a lei ampara e resguarda em benefício da família e da permanência do lar, estabelecendo a seu respeito a impenhorabilidade limitada e uma inalienabilidade relativa. [01]

A mais conhecida origem do bem de família remonta ao Homestead, surgido na República do Texas, antes de sua incorporação pelos EUA, que se deu no ano de 1845.

No entanto, como lembra BUREAU [02], quando o México se separou da Espanha, editou, em 1823, lei imperial de colonização, que já estatuía que todos os instrumentos agrícolas, máquinas e outros utensílios que tenham sido introduzidos no território pelos colonos, para seu uso, à época de sua entrada no império seriam isentos de penhora, bem como as mercadorias que cada família havia levado consigo, até o valor de 2 mil dólares.

Essa legislação foi determinante para que surgisse no Texas, após sua a sua separação do território Mexicano, o homestead. De um lado, já havia na população a idéia da proteção estatal ao mínimo essencial ao colono. Além disso, por volta de 1830, a conjuntura econômica era drástica.

Atraídos pelo progresso vertiginoso da agricultura e do comércio e pelo enorme potencial do Novo Mundo, bancos europeus fixaram-se no território americano, oferecendo crédito abundante, que por sua vez impulsionava o desenvolvimento ainda mais veloz da região. A prosperidade fazia a riqueza de aventureiros e empreendedores, porém gerou uma bolha em torno dos preços do açúcar, do algodão e, sobretudo, dos terrenos nas cidades e terras incultas do Oeste. Narra BUREAU [03] que qualquer que fosse o gênero do trabalho, a cada profissão acrescentava-se a atividade de especulador, sendo certo que essa nova ocupação era mais lucrativa que a outra.

Viria, como conseqüência, a grande crise de 1837 a 1839, com a falência de um banco de grande expressão de Nova York, estopim de uma verdadeira explosão financeira que gravaria nos anais na civilização americana o retrato de uma de suas mais adversas épocas. Novecentos e cinqüenta e nove bancos fecharam suas portas, somente no ano de 1839. Credores realizavam execuções em massa em face de quem não tinha onde obter crédito e acabava por ter sua terra, animais e instrumentos agrícolas liquidados, nesse amargo momento, por quase nada, diante do preço exorbitante pago antes da crise.

Assim, VILLAÇA [04] narra que, após veemente movimento político dos trabalhadores, em 1833, foram editadas leis como a que aboliu a prisão por dívidas, princípio hoje consagrado nas Constituições dos povos civilizados.

Nesse contexto, surge o Homestead Excemption Act texano, de 1939:

De e após a passagem desta lei, será reservado a todo cidadão ou chefe de uma família, nesta República, livre e independente do poder de um mandado fieri facias ou outra execução, emitido de qualquer Corte de jurisdição competente, 50 acres de terra, ou um terreno na cidade, incluindo o bem de família dele ou dela, e melhorias que não excedam a 500 dólares, em valor, todo mobiliário e utensílios domésticos, provendo para que não excedam o valor de 200 dólares, todos os instrumentos de lavoura, todas as ferramentas, aparatos e livros pertencentes ao comércio ou profissão de qualquer cidadão, cinco vacas de leite, uma junta de bois para o trabalho ou um cavalo, 20 porcos e provisões para um ano; e todas as leis ou partes delas que contradigam ou se oponham aos preceitos deste ato são ineficazes perante ele. Que seja providenciado que a edição deste ato não interfira com os contratos entre as partes, feitos até agora. [05]

Posteriormente, nos EUA, em 1862, o Homestead Act, de autoria do Sen. Benthon, foi convertido em lei federal por Abraham Lincoln. Para incentivar a "marcha para o oeste", o governo concedia terras públicas a quem se estabelecesse nelas por cinco anos.

Conforme LALOR, o Homestead Act se provou uma das políticas públicas mais bem sucedidas já adotadas em qualquer país:

…this free homestead law of the United States has proved one of the most beneficent as well as successful measures ever adopted in any country. It has opened to immediate settlement millions of acres of the public domain which would otherwise have remained a wilderness for years. It has drawn to America millions of wealth-producing citizens, who without the attraction of free land would never have emigrated, and it has greatly enhanced the value of the remaining public lands, thus directly enriching the treasury of the government. (…) The spirit of most of the laws aims at guarding the home from alienation through the improvidence or misfortune of the head of the family, and it is held to be the interest of the state, as a matter of public policy, to secure to each citizen so much of independence as is involved in the possession of a homestead. Said Senator Benton: "The freeholder is the natural supporter of a free government. Tenantry is unfavorable to freedom. The tenant has in fact no country, no hearth, no domestic altar, no household god. It should be the policy of republics to multiply their freeholders. [06]

Percebe-se, no início, o seu duplo efeito: proteção familiar diante da grave crise econômica 1839 e fixação do colono à terra, em pequenas propriedades produtivas. Interessa perceber que o instituto, por vezes alvo de críticas liberais, na verdade serviu ao fortalecimento do capitalismo nos Estados Unidos da América.

Teve esse diploma legislativo principalmente em vista fixar o homem à terra, objetivando o desenvolvimento de uma civilização, cujos cidadãos tivessem o mínimo necessário a uma vida decente e humana.

VILLAÇA, nesse sentido, também reconhece a impressão dessas idéias profundamente nacionais na origem do instituto:

Homestead significa local do lar (home = lar; stead = local), surgindo em defesa da pequena propriedade. Mostra-nos Pierre Jolliot que a origem e a razão de ser do instituto do homestead se encontra no espírito do povo americano, dentre outras causas, pelo respeito da atividade e da independência individual, pelo sentimento herdado da nação inglesa, de considerar a casa como um verdadeiro castelo sagrado e pela necessidade de estimular, por todos os meios, os esforços do colono ou do imigrante, no sentido de uma maior segurança e proteção em caso de infelicidade. (...) a ocupação do solo pelo proprietário só fortalece as qualidades e os sentimentos, que dão aos Estados seus verdadeiros cidadãos. [07]

Com efeito, logrou-se dinamizar a economia do interior do país estatuindo, de um lado, o incentivo ao estabelecimento de pequenas propriedades produtivas e, de outro, a segurança necessária à sua manutenção, livre de reveses, ao longo do tempo. Como destacou LALOR, a medida trouxe benefícios à fazenda estatal, seja pela maior arrecadação de impostos, seja pela expressiva valorização do restante das terras públicas, ambos fatores decorrentes do crescimento econômico propiciado pelo homestead.

Após, a experiência foi reproduzida na legislação da maioria dos outros estados americanos e serviu de inspiração a que institutos similares fossem adotados por diversos países, como Itália, Espanha, México, Argentina, Venezuela e Portugal.

O Códice Civile Italiano de 1942 foi a inspiração de nosso novel Código: disciplinou o patrimônio familiar, que objetivava assegurar à família certa quantidade de meios, subtraindo alguns bens imóveis ou títulos de crédito a qualquer outra destinação, isto é, tornando-os não alienáveis pelos proprietários e não expropriáveis pelos credores. Tais características se refletem no sistema adotado por nosso novo Código, como veremos.

Segundo SANTOSUOSSO [08], na Itália os patrimônios familiares também tiveram a dupla finalidade de proteger a base de manutenção familiar, livrando-a de execuções, e de favorecer a agricultura, pelo incentivo à constituição de pequenas propriedades e pela segurança oferecida para a sua manutenção.

Com a reforma de 1975, que objetivou reformular o instituto para conferir-lhe maior aplicabilidade, como leciona o TRABUCCI [09], a matéria passou a ser tratada como fondo patrimoniale, prevendo a lei a possibilidade de constituição de um "fundo de bens imóveis ou de móveis registrados ou de títulos de crédito destinados para sustentar os ônus do matrimônio". Não se limitou valor para o patrimônio familiar.

Assim, lamentavelmente, os dispositivos de nosso novo Código, como veremos em comentários específicos, já entraram em vigor defasados em relação às alterações italianas.


2 – O INSTITUTO NO DIREITO BRASILEIRO

No Brasil, não se adotou política pública semelhante ao bem sucedido Homestead Act, perdendo-se bom instrumento de endereçar a questão agrária. Narra-se que a iniciativa, quando apresentada pela primeira vez nos EUA, chegou a ser vetada pelo presidente James Buchanan, em razão do sistema de adjudicação gratuita das terras públicas. [10]

Em nosso país, esta foi a visão prevalecente. Bastante ilustrativa do debate é a realização, pelo Instituto dos Advogados do Brasil, em 1900, de debate jurídico sobre o tema: "O homestead satisfaz melhor do que a enfiteuse o instituto do aproveitamento das terras públicas?".

Como sabido, prevaleceu a enfiteuse, regulada nos artigos 678 a 694 do Código Civil de 1916. Não se adotou política que doasse terras públicas como incentivo à colonização, à pequena propriedade, à fixação do homem à terra e ao crescimento econômico, em que pese o grande sucesso da experiência americana. [11] No Brasil, inclusive, as terras públicas são historicamente insuscetíveis de usucapião, como demonstra a Súmula 340 do STF [12].

A nosso ver, a não realização de uma adequada política de ocupação do território, como o homestead, contribuiu para graves problemas hoje enfrentados pelo País, como a desigualdade social, a concentração agrária, a exacerbada urbanização, com todas as suas relevantes conseqüências, a "grilagem" de terras, entre outros. Desperdiçou-se a oportunidade de promover o progresso econômico do interior do território, o que traria reflexos positivos até para a própria Fazenda Publica, decorrentes do incremento da arrecadação e da valorização das terras públicas remanescentes.

Assim é também que, apesar de discutida em seus anais, a proposta de consagração de alguns artigos do Projeto de Beviláqua ao bem de família não logrou êxito, só vindo a ser incluída por emenda parlamentar, durante a votação no Senado [13]. Sem, porém, o duplo escopo que caracterizou o instituto nos EUA e na Itália. Aqui, houve o objetivo da proteção à família, sem qualquer incentivo à agricultura ou à colonização.

Nos termos dos artigos 70 a 73 do Código Civil de 1916, o prédio de propriedade do instituidor, solvente à época da instituição, destinado ao domicílio familial, ficava isento de execução por dívidas posteriores à constituição, pública, do bem de família, com exceção dos impostos que recaírem sobre o mesmo prédio. Ademais, grava-se o bem de inalienabilidade, sem o consentimento dos interessados. No entanto, o instituto não alcançou a popularidade que se esperava.

De outra parte, com a entrada em vigor da Lei n.º 8.009/90, o panorama jurídico brasileiro conheceu novo bem de família, que alcançou repercussão social. Por determinação legal, tornou-se impenhorável o imóvel residencial, urbano ou rural, próprio do casal ou da entidade familiar e/ou móveis da residência.

Na tentativa de se revigorar o instituto previsto no Código de 1916, o Código Civil de 2002 promoveu alternações substanciais em sua disciplina. É ilustrativa do problema a fala de REALE, em conferência proferida na Câmara Municipal de São Paulo sobre o Anteprojeito do novo Código Civil, em 07/08/1972, por ocasião do I Congresso Paulista de Direito:

Em minha já longa experiência de advogado, só me lembro de três casos de bem de família. Estou convencido de que esse instituto, tal como se acha disciplinado no Código, não tem nenhuma razão de ser. Podemos, porém, adaptá-lo às condições da vida atual, segundo uma solução, talvez brasileira, onde há um pouco do trust, do sentido genérico americano. Assegura-se, com efeito, no Anteprojeto, aos pais, a parentes, e até mesmo a estranhos, com prévio consentimento do "beneficiado", a faculdade de constituir um bem de família, o qual não é formado apenas por um imóvel residencial, urbano ou rural, mas também por uma certa quantia em dinheiro, investida em títulos da dívida pública, cuja renda se destinará ao sustento familiar. Prevê-se também a hipótese de se confiar a instituições financeiras esse encargo, com plena garantia do capital reservado. Não se pense, porém, que, com isto, serão beneficiadas as famílias mais abastadas. Ao contrário. Os mais ricos dispõem de mil modos para assegurar a estabilidade econômica da família. O Anteprojeto visa antes às famílias mais modestas, pois os bens, vinculados a destinação familiar, não poderão exceder a 600 salários mínimos para o imóvel, e outro tanto para o capital de sustento. Trata-se, pois, de um instituto que deve perder o seu característico estático, próprio de uma sociedade fundiária, para dinamizar-se através do emprego dos organismos financeiros autorizados por lei. Sem esta renovação o "bem de família" representa, às vezes, um entrave, podendo até mesmo ser nocivo aos beneficiários. [14]

Nota-se que REALE pretendia imprimir modernização significativa ao instituto, abandonando seu caráter exclusivamente fundiário, para adaptá-lo a reger a realidade de patrimônios cada vez menos baseados na propriedade imobiliária. De outra parte, teve em mente torná-lo capaz de assegurar um mínimo necessário a uma vida humana, que não depende apenas de moradia.

Nesse sentido, observa GAMA:

De qualquer maneira, ainda que não tenha sido previsto o bem de família voluntário móvel autonomamente, a ampliação da destinação do bem de família para permitir a aplicação da renda dos valores mobiliários não apenas para fins de conservação do imóvel residencial, mas especialmente para o sustento da família, é digna de reconhecimento e vem a atender o postulado constitucional da construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária. As situações jurídicas patrimoniais, antes de tuteladas como fins em si mesmas, devem servir para atendimento das necessidades existenciais da pessoa humana, no campo da despatrimonialização do Direito Civil. Desse modo, em havendo conflito entre o direito de crédito de seu titular e o direito à vida digna, deve ser priorizado o segundo em detrimento do primeiro, o que é demonstrado na novidade introduzida pelo art. 1.712, parte final, do novo Código Civil. [15]

Assim, REALE pretendeu extender a proteção a investimentos financeiros em títulos da dívida pública, idéia que no texto do projeto veio na forma da expressão "valores mobiliários".

Porém, o resultado comprometeu os ideais do instituto e restou marcado de incoerências que dificilmente possibilitarão que seja implementado. Trataremos disso na próxima etapa.

Já estamos, todavia, aptos a vislumbrar a distinção entre as espécies do bem de família, proposta por VILLAÇA AZEVEDO [16]:

BEM DE FAMÍLIA

Voluntário (CC)

imóvel

móvel

Legal (L. 8.009/90)

imóvel

móvel

Entre as diferenças entre as espécies voluntária e legal, destaca-se que a primeira é prevista pelo Código Civil, baseia-se na vontade do instituidor, manifestada publicamente, gera a inalienabilidade do bem e inexiste sem o imóvel, bem como abarca a possibilidade de afetação de valores mobiliários.

Por sua vez, a incidência da disciplina da Lei n.º 8.009/90 é independente de qualquer formalidade: basta residir em imóvel próprio, para que este seja bem de família com os bens que o guarnecem, ou em imóvel alheio, para que os mesmos bens móveis também sejam de família.


3 - O BEM DE FAMÍLIA VOLUNTÁRIO APÓS 2002, POSSIBILIDADES E PROBLEMAS

Pretende-se traçar panorama crítico das possibilidades e problemas de aplicação do instituto do bem de família, como sistematizado pelo Novo Código Civil, em especial sobre o emprego de valores mobiliários para a garantia do sustento familiar. Passemos, então, à análise dos principais pontos da interpretação dos artigos 1.711 a 1.722:

a) O conceito de entidade familiar, art. 1711: A Constituição Federal, em seu art. 226, § 3º e § 4º, reconhece nessa categoria a união estável, além de estender o conceito à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Quanto a esses casos, além do casamento, não há o que se discutir. Advogamos, entretanto, pela não taxatividade das formas família e pela admissibilidade de se estender a proteção a solteiros e homossexuais. Nesse sentido, caminha a jurisprudência, como demonstra a célebre decisão de Recurso Especial submetido ao STJ, confirmada em Embargos de Divergência:

RESP - CIVIL - IMÓVEL - IMPENHORABILIDADE -

A Lei nº 8.009/90, o art. 1º precisa ser interpretada consoante o sentido social do texto. Estabelece limitação à regra draconiana de o patrimônio do devedor responder por suas obrigações patrimoniais. O incentivo à casa própria busca proteger as pessoas, garantido-lhes o lugar para morar. Família, no contexto, significa instituição social de pessoas que se agrupam, normalmente por laços de casamento, união estável, ou descendência. Não se olvidem ainda os ascendentes. Seja o parentesco civil, ou natural. Compreende ainda a família substitutiva. Nessa linha, conservada a teleologia da norma, o solteiro deve receber o mesmo tratamento. Também o celibatário é digno dessa proteção. E mais. Também o viúvo, ainda que seus descendentes hajam constituído outras famílias, e como, normalmente acontece, passam a residir em outras casas. "Data venia", a Lei nº 8.009/90 não está dirigida a número de pessoas. Ao contrário - à pessoa. Solteira, casada, viúva, desquitada, divorciada, pouco importa. O sentido social da norma busca garantir um teto para cada pessoa. Só essa finalidade, "data venia", põe sobre a mesa a exata extensão da lei. Caso contrário, sacrificar-se-á a interpretação teleológica para prevalecer a insuficiente interpretação literal.

EREsp 182223 / SP ; EMBARGOS DE DIVERGENCIA NO RECURSO ESPECIAL 1999/0110360-6

PROCESSUAL – EXECUÇÃO - IMPENHORABILIDADE – IMÓVEL - RESIDÊNCIA – DEVEDOR SOLTEIRO E SOLITÁRIO – LEI 8.009/90.

- A interpretação teleológica do Art. 1º, da Lei 8.009/90, revela que a norma não se limita ao resguardo da família. Seu escopo definitivo é a proteção de um direito fundamental da pessoa humana: o direito à moradia. Se assim ocorre, não faz sentido proteger quem vive em grupo e abandonar o indivíduo que sofre o mais doloroso dos sentimentos: a solidão.

- É impenhorável, por efeito do preceito contido no Art. 1º da Lei 8.009/90, o imóvel em que reside, sozinho, o devedor celibatário.

Adotada essa perspectiva, o bem de família se aproxima bastante da noção do patrimônio mínimo, de FACHIN [17]. O autor defende a existência de uma garantia patrimonial mínima inerente a toda pessoa humana, integrante da respectiva esfera jurídica individual ao lado dos atributos pertinentes à própria condição humana. Trata-se de um patrimônio mínimo indispensável a uma vida digna do qual, em hipótese alguma, pode ser desapossada, e cuja proteção está acima do interesse dos credores, pois que necessária à realização razoável do principio de dignidade da pessoa humana.

Com efeito, pela ementa acima transcrita, compreendemos que o STJ tem entendimento atual pelo qual a impenhorabilidade do bem de família não visa proteger a família em si. O objetivo da proteção é a pessoa humana.

Acreditamos que o mesmo paradigma deve ser trazido para o bem de família voluntário, disciplinado no Código Civil, ou seja, qualquer pessoa tem direito à institui-lo.

Destacamos, por fim, a aguda observação de GAMA, que se baseia no fato de que a família apenas é tutelada em função de seus integrantes e que o bem de família voluntário subsiste com a morte de um dos familiares:

A possibilidade da instituição de bem de família por pessoa sozinha (não apenas a solteira, mas também a viúva, a casada que está separada de fato), por certo, consiste na questão mais intrincada no tema da legitimidade para a instituição do bem de família. Em outras palavras: será possível a pessoa que não tenha qualquer pessoa com ela convivendo instituir bem de família? Nos dias contemporâneos, é vital o reconhecimento de que a família não é tutelada como instituição autônoma e independente, mas em função dos seus partícipes. Desse modo, não há que se limitar a faculdade de instituição do bem de família apenas àquelas pessoas que mantenham vínculo conjugal, ligação de companheirismo ou relação de parentesco próximo com convivência. Diante de uma perspectiva acentuadamente solidarista, humanista e pluralista, é fundamental reconhecer o direito da pessoa a não se vincular a outra, sem que, no entanto, haja perda de qualquer das parcelas das faculdades e direitos reconhecidos àqueles que integrem uma família. Constata-se que inexiste qualquer óbice à permanência do bem de família quando um dos familiares vem a falecer, remanescendo o instituto enquanto houver algum daqueles destinatários da instituição (art. 1.722, do novo Código Civil). Tal observação é elucidativa a respeito da possibilidade da instituição do bem de família por pessoa sozinha e, assim deverá ser interpretada a regra constante do caput do art. 1.711, do novo Código.

b) Restrições ao bem de família, art. 1711:O dispositivo contém dois comandos: (i) o bem de família deve ser de até um terço do patrimônio líquido. Como se vê do art. 1712, o imóvel residencial é parte necessária do bem de família voluntário. Assim, tal imóvel, mais os valores mobiliários, não poderão exceder um terço do ativo, descontadas as dívidas da família. Além disso, (ii) os valores mobiliários serão no máximo em idêntico valor ao imóvel.

Ora, quem é que está nessa situação? Nem mesmo os extratos mais privilegiados do país. Vejamos: para simplificar, suponhamos alguém que não deva, seja proprietário de apartamento no valor de R$ 100.000 e possua R$ 10.000 em valores mobiliários. Para ele, não há bem de família voluntário, pois só o seu imóvel, que é parte necessária, já é muito mais que um terço de seu patrimônio líquido. Suponhamos, então, que o apartamento valha os mesmos R$ 100 mil e, de forma certamente rara em nossa sociedade, possua o dobro do valor de seu imóvel, mais 200 mil investidos em valores mobiliários. Ainda assim, sequer poderia cogitar da instituição de bem de família voluntário. Mesmo sem dívidas, só o imóvel já representa um terço do ativo.

Assim, conclui-se que, logo de início, para se dispor da proteção que trouxe o novo Código, é necessário que se more em imóvel próprio, que represente menos de um terço do patrimônio líquido! Ou seja, é preciso possuir outros bens, em valor duas vezes superior ao do imóvel residencial próprio. Se houver dívidas, mais ainda.

Supondo, ainda, família que resida em imóvel próprio que represente apenas 20% de seu patrimônio líquido, poderá abarcar no bem de família apenas mais 13% de seu patrimônio líquido, na forma de valores mobiliários [18]. O contrário não seria possível, pois os valores mobiliários são limitados ao valor do imóvel. Isso torna o instituto, em sua forma voluntária, pouco atraente, já que que o imóvel residencial conta com a proteção da Lei n.º 8.009/90, independentemente de qualquer formalidade, e, por outro lado, a afetação voluntária dos bens traz consigo ônus relevantes.

Com efeito, quem possuiu bens outros mais de duas vezes superiores ao valor de seu imóvel próprio e deseja tornar não expropriáveis por dívidas civis investimentos financeiros tem a seu alcance, por exemplo, contas na Suíça, com significativas vantagens, como maior abrangência da proteção e não sujeição aos ônus despropositados que o Código impôs.

É grande a frustração se compararmos o produto final com os ideais de REALE [19], para quem a nova roupagem do instituto viria atender à necessidade das famílias mais modestas. No fim, o instituto, como restou, não serve a quem precisa e é inútil a quem poderia servir.

Entretanto, apesar do objetivo de manter a instituição do bem de família, mas de modo a torná-lo suscetível de realizar efetivamente a alta função social que o inspira [20], o Anteprojeto de REALE, em 1972, já apresentava todas as inconsistências analisadas, e mais. Não apenas era necessário que o bem de família voluntário não ultrapassasse um terço do patrimônio líquido ao tempo da instituição, bem como que os valores mobiliários não excedessem o valor do prédio, fatores, que como vimos, excluem qualquer possibilidade de utilização popular, mas era também limitado o pratrimônio familiar a ser protegido a seiscentas vezes o maior salário mínimo vigente no país [21].

Se, como restou o Código de 2002, já é muito difícil ocorrer que alguém tenha a possibilidade de instituição voluntária de patrimônio familiar, que fica só para aqueles realmente mais abastados, com a limitação a seiscentos salários mínimos, constante do Anteprojeto de 1972, até estes não poderiam utilizar o instituto. Pode-se dizer, assim, apesar das nobres intenções da reformulação, que simplesmente seria inviável a utilização dos dispositivos, se aprovados como inicialmente propostos, como se as fórmulas que restringem a instituição tivessem sido imaginadas aleatoriamente, sem que se fizesse um esboço de conta para verificar se fariam sentido.

Já na revisão de 1973, houve a reordenação da matéria relativa a bem de família, mas mantida a idéia essencial e renovadora de conjugar-se a destinação de uma propriedade, urbana ou rural, para residência familiar, com uma reserva de recursos para fins de manutenção, inclusive mediante a intervenção de entidade financeira [22]. Não houve, porém, mudanças de fundo nas fórmulas restritivas abordadas [23].

Assim, já em 1985, afirmava VELOSO, ao analisar o então Projeto:

Se ficar como está, o bem de família só poderá ser utilizado pelos abastados, pelos ricos, pelos que forem donos de muitos prédios, pois, o que for instituído como bem de família não pode ultrapassar um terço do patrimônio líquido. Quem possuir apenas um imóvel não poderá instituí-lo como bem de família. Nem mesmo poderá fazê-lo quem possuir dois, de valores equivalentes. Quem tiver três prédios, não poderá instituir o de maior valor. A não ser que tenha uma fortuna em valores mobiliários. Penso que o bem de família é um instituto de proteção, um meio de se prevenir os percalços, de um desastre econômico, garantindo-se, na hora da adversidade, um teto e um abrigo para a família. Também os remediados e mesmo os pobres podem e devem ter o direito de utilizar este benefício. Que se estabeleça um valor máximo para o prédio a ser instituído como bem de família, ainda admito, mas prever-se que o imóvel não deve ultrapassar de um terço do patrimônio líquido parece-me sem razão, pelo que, nesta emenda, proponho a supressão de tal exigência. [24]

Vale dizer que VILLAÇA propôs, em suas sugestões ao Senado Federal, em 1996, a supressão, tanto da exigência relativa à terça parte do patrimônio líquido, quanto da limitação absoluta de valor [25]. Restou acolhida somente a sugestão de eliminação do valor limite em salários mínimos.

No campo teórico, é interessante perceber os argumentos das posições antagônicas sobre o tema. É possível identificar duas correntes sobre as limitações ao instituto. No Brasil, a discussão se perfazia já sob a égide do Código Civil de 1916, que não havia estabelecido limite de valor ao prédio que podia ser instituído em bem de família, sendo por isso alvo de críticas de parte da doutrina.

Nesse sentido, por todos, MARQUES DOS REIS, para quem o instituto do bem de família veio à proteção de famílias pobres, já que os mais abastados têm outros meios de proteção a seus familiares, como a separação de bens inaliáveis, cuja renda seja suficiente à sua provisão no futuro, e admitindo que "o natural retraimento de uma família, vitimada assim pela adversidade, está a exigir que ela passe, destarte, a ter uma vida mais recatada, sem a menor ostentação, condizente com a situação" [26].

Essa doutrina argumenta ser necessária a fixação do valor, para que não seja o instituto porta aberta a abusos. Argumenta que o bem de família historicamente visou à proteção da pequena propriedade e ao mínimo essencial à dignidade humana, não se podendo admitir venha a proteger a ostentação. Assim, seria condenável que indivíduo milionário, cumpridas as formalidades legais, pudesse transformar todo seu vasto patrimônio em bem de família, vindo após, por desregramento de suas atitudes ou por reveses, a quebrar, sem que seus credores possam tocar em seus pertences, continuando a viver na riqueza [27].

De outra parte, SÁ FREIRE:

Não diz o Código se o bem de família pode ser instituído pelo abastado ou somente pelo pobre. Ato de previdência ou de necessidade presente é facilitado a todas as classes sociais. (...) a vigilância da lei deve, a nosso ver, requintar em toda sorte de medidas e exigências que tendam à cabal comprovação do estado de plena solvência do instituidor; a mais vasta e difusa publicidade se deve dar ao ato da instituição, satisfeitas todas as formalidades da inscrição e registros; seja, realmente, preponderante o interesse de terceiros... [28]

Com efeito, para estes, nas palavras de COELHO [29], desde o mais suntuoso palácio, até a mais humilde habitação, qualquer casa em condições de servir de moradia pode ser designada para domicílio da família, a quem o chefe providente deseja proteger dos azares da sorte.

A nosso ver, realmente, apesar de não ser a vocação histórica do instituto, não vemos óbice em que famílias de grande fortuna, em tempos de providência, tenham a cautela de reservar parcela de seu patrimônio, ou todo, se livre de dívidas, tornando-o inatacável por pendências futuras, ainda que venham a bem viver, com credores insatisfeitos [30]. Cumpridas as formalidades e público o ato, todos os que com aqueles contratarem saberão que não podem ver, nos bens de família, garantias a seus relacionamentos. Tratarão, pois, de contratarem como se estivessem diante de pessoa sem posses. Os instituidores, dessa forma, escolherão se sujeitar à diminuição de seu crédito na praça, em prol de garantir à família a manutenção de determinados bens, diante de imprevistos. Seria, nessa acepção, uma faculdade ao alcançe de qualquer um precaver-se do futuro, desde que não prejudicasse ninguém, ou seja, sem que isso seja obstáculo à satisfação de dividas presentes.

No Brasil, a polêmica em torno da não limitação pelo Código de 1916 levou à edição do Dec. Lei 3.200/41, que impossibilitou a instuição de bem de família superior a cem mil cruzeiros, valor após atualizado para um milhão de cruzeiros. Com a inflação, porém, rapidamente o referencial perdia sua validade. Para remediar o problema, a Lei n.º 5.653/71 estabeleceu que não seria instituído bem de família imóvel de valor superior a quinhentas vezes o maior salário mínimo vigente [31].

Eis a raiz da limitação no Anteprojeto de REALE, que acabou suprimida por sugestão de VILLAÇA ao Senado Federal. Porém, permaneceu a limitação de pior efeito [32], relativa a um terço do patrimônio, pois que, como visto, retira do instituto qualquer apelo social e, no mais das vezes, impede sua concretização.

Como destacamos [33], na Itália não há limitação, absoluta ou relativa, ao valor do fondo patrimoniale, que pode também incluir bens móveis, dispondo Il Codice Civile que "ciascuno o ambedue i coniugi, per atto pubblico, o un terzo, anche per testamento, possono costituire un fondo patrimoniale, destinando determinati beni, immobili o mobili iscritti in pubblici registri, o titoli di credito, a far fronte ai bisogni della famiglia" [34].

Ademais, a Lei n.º 8.009/90 não trouxe qualquer limitação de valor ao imóvel residencial, estendendo sua proteção, portanto, mesmo aos mais suntuosos. Se acolhida a argumentação pela qual não se poderia viver na ostentação diante de credores à porta, seria forçoso o estabelecimento de um valor máximo.

Aqui, comparativamente, não têm sequer os terceiros o instrumento do registro para verificar se podem contar com o bem a título de garantia, mas ficam a mercê de considerações a respeito de onde se estabelece o domicílio familiar. Mais: ao cabo de arraigada polêmica, consideraram majoritariamente os Tribunais que a Lei n.º 8.009/90, "de ordem pública", seria eficaz mesmo em relação a créditos anteriores à sua vigência, desconstituindo inclusive penhoras já realizadas, fazendo desaparecer a garantia com a qual contaram as partes no momento da celebração de negócios jurídicos [35]. E assim ainda que o prédio seja um palácio, o que torna mais palatável a idéia de um bem de família voluntário sem valor máximo.

Há que se ter em mente que não há qualquer possibilidade de lesão a terceiros, pois seguro que só se admite eficaz a instituição em relação a dívidas posteriores (art. 1715). Dessa feita, mesmo que alguém possua outros bens plenamente bastantes para satisfazer suas dívidas à época da instituição, ou seja, ainda que seja solvente desconsiderados os bens de família, ainda assim mesmo os bens de família continuarão passíveis de penhora para satisfazer tais dívidas, anteriores. Não há, pois, sequer diminuição no patrimônio do devedor que se constitui em garantia aos seus credores, existentes no momento da instituição.

Por fim, por válida a referência, o Anteprojeto de ORLANDO GOMES, de 1963, não limitava o valor do prédio a ser constituído em bem de família. Segundo o civilista, "não obstante a indiferença pela instituição do bem de família, devido, talvez, à sua atual regulamentação, é interessante conservá-lo, aproximando-o do patrimônio familiar italiano. Para estimular sua difusão, o Anteprojeto permite que se constitua sobre imóvel de qualquer valor (art. 184)" [36].

c) Ônus aos instituidores, inalienabilidade dos bens:O proveito que se pode obter do bem de família voluntário é a impenhorabilidade dos valores mobiliários, pois o imóvel residencial já dispõe da exceção legal. Entretanto, como visto, raramente se conseguirá instituir bem de família valores mobiliários em soma relevante em relação ao patrimônio.

Em compensação, perde-se a faculdade de dispor de toda a propriedade, inclusive o imóvel residencial, que já era protegido, sem esse ônus (art. 1717). Para tanto, passa a imprescindível o consentimento dos interessados e do juiz, com audiência do Ministério Público. Com escopo no artigo 1716, a doutrina não inclui os filhos maiores, limitando os interessados aos membros da entidade familiar e filhos menores [37] [38].

Dos artigos 1717, "ouvido o MP", e 1719, "poderá o juiz extingui-lo", extrai-se que o bem de família voluntário nasce por escritura pública e morre por ato judicial, o que é uma situação anômala e criticável. Traz ônus considerável ao instituidor depender do Judiciário para ele próprio alienar ou desconstituir o bem de família, que é sua propriedade. Ainda diz o Código que o juiz só o fará se "comprovada a impossibilidade da manutenção do bem de família". Nesse ponto, o Anteprojeto de Orlando Gomes era menos pior, pois falava em sub-rogação em outro bem provada ao juiz a conveniência da medida e em cancelamento da cláusula se motivo relevante o justificar [39].

Para ilustrar o problema, imaginemos que um indivíduo tenha o patrimônio líquido de R$ 1.000.000 e resida em imóvel próprio no valor de R$ 200.000. Legalmente, seu imóvel já é protegido. Conseguiria mais até R$ 133.000 em valores mobiliários como bem de família voluntário. Porém, perderia a capacidade de alienar livremente esses valores mobiliários e também o seu imóvel, em prol de tornar impenhoráveis por dívidas posteriores esses recursos financeiros. A nosso ver, é um ônus demasiado, para vantagem diminuta. Alguém em tal situação tem à disposição diversas formais mais práticas e vantajosas de por a salvo parte de seu patrimônio. Talvez o instituto só possa ser útil a terceiro que busque prevenir a dilapidação dos bens pelos donatários.

Na Itália, pode-se, na instituição, disciplinar a possibilidade de alienação e hipoteca dos bens. Estatui o artigo 169 do Codice Civile que, salvo expressa previsão no ato da constituição do patrimônio, os bens que o compõem não podem ser alienados, hipotecados, oferecidos em penhor ou vinculados, a menos que ambos os cônjuges estejam de acordo em fazê-lo ou, se houver filhos menores, que haja autorização concedida pelo juiz, unicamente em caso de necessidade ou utilidade evidente [40].

Como se vê, pode-se, na escritura de instituição, regular poderes amplos para alienar e gravar o patrimônio familiar, mesmo sem a audiência dos interessados. Além disso, mesmo que nada tenha se disposto a respeito, não havendo incapazes e estando todos concordes, não há necessidade de procedimento judicial.

No entanto, nosso Código, inspirado no modelo de 1942, já entrou em vigor defasado em relação à reformulação italiana, de 1975.

d) A expressão "valores mobiliários", art. 1712: Valores mobiliários, em uma definição teórica de uso corrente, são os títulos representativos de todo investimento em dinheiro ou em bens suscetíveis de avaliação monetária, realizado pelo investidor em razão de uma captação pública de recursos, de modo a fornecer capital de risco a um empreendimento, em que ele, o investidor, não tem ingerência direta, mas do qual espera obter ganho ou benefício futuro. Em definição ainda mais geral, que preferimos, são instrumentos fungíveis e negociáveis, representativos de valor financeiro.

A inspiração do Código, ao seguir o modelo italiano, era principalmente que se pudessem utilizar títulos da dívida pública, como demonstra a fala de REALE, já citada neste trabalho [41]. Com efeito, esses investimentos financeiros têm características de rentabilidade e risco compatíveis com o bem de família.

No entanto, tais instrumentos são expressamente excluídos do regime da Lei n.º 6385/76:

Art. 2º São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:

(...)

§ 1º Excluem-se do regime desta Lei:

I - os títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal;

A menção de que estão excluídos do regime da Lei nº 6.385/76 tem autorizado a maior parte da doutrina a considerar que não são valores mobiliários os títulos da dívida pública. Entretanto, data vênia, não compartilhamos do entendimento.

A nosso ver, em momento algum definiu a Lei o conceito de valores mobiliários, ou listou de forma taxativa as suas espécies. A contrário, a listagem do art. 2º da Lei n.º 6.385/76 delimita exaustivamente apenas os valores mobiliários sujeitos à sua disciplina, ao estabelecer "são valores mobiliários sujeitos ao regime desta lei". Nada obsta, pois, que haja valores mobiliários não sujeitos à Lei n.º 6.385/76, dentre os quais os títulos da dívida pública.

A razão para tanto é simples. Pretendeu a lei, em verdade, antes de conceituar valores mobiliários, definir a competência da Comissão de Valores Mobiliários, que não se estende aos títulos da dívida pública. Portanto, em que pese a posição majoritária, o critério do art. 2º é meramente instrumental, não relaciona taxativamente todos os valores mobiliários. Aliás, o conceito escapa às fronteiras do Direito, para situar-se na Economia.

Não se nega, porém, a importância de se definir os valores mobiliários sujeitos à Lei n.º 6.385/76, para "delimitar o escopo do mercado de capitais, submetendo as negociações nele ocorridas a uma disciplina legal específica" [42].

Em boa síntese, pois, o rol do artigo 2º é exaustivo e de grande relevância no sentido de relacionar todos os valores sujeitos à disciplina da Lei n.º 6385/76. No entanto, não o é quanto ao que sejam valores mobiliários.

A admitir a existência de uma categoria de valores mobiliários não sujeitos à competência da CVM, AUGUSTO DA FONSECA, Procurador da Fazenda Nacional com assento no Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional:

Não se preocupou a nova lei que criou a Comissão de Valores Mobiliários e implantou nova disciplina legal no mercado de valores mobiliários – nº 6.385 – em conceituar o que é valor mobiliário (como também não o fazia antes a Lei 4728/65), preferindo-se adotar no Brasil, como salienta Jean Paul C. Veiga da Rocha, um sistema exclusivamente "de lista" (Aspectos Atuais do Direito no Mercado Financeiro e de Capitais, ed. Dialética, São Paulo, 2000, pg. 71). Eram considerados valores mobiliários pela lei as ações, partes beneficiárias, debêntures, bônus de subscrição, certificados de depósitos de valores mobiliários (art. 2º). A lista seria complementada pelo Conselho Monetário Nacional, que teria competência normativa para atribuir a quaisquer outros títulos criados ou emitidos pelas sociedades anônimas a natureza de valores mobiliários. Exercendo essa competência, o CMN expediu as Resoluções nºs 1723/90, 1907/92, 2405/97 e 2517/98, considerando como valores mobiliários sujeitos ao regime da Lei 6.385/76 as notas promissórias emitidas por sociedade por ações destinadas à oferta pública; os direitos de subscrição de valores mobiliários; os recibos de subscrição de valores mobiliários; as opções de valores mobiliários; os certificados de depósito de ações; os certificados representativos de contratos mercantis de compra e venda a termo de energia elétrica, e os Certificados de Recebíveis Imobiliários – CRI. Anteriormente, o Decreto-lei 2.286/86 já tinha expressamente considerado como valores mobiliários os índices representativos de carteiras de ações e as opções de compra e venda de valores mobiliários .A Lei 8.645, por sua vez, considerou como valores mobiliários os certificados de investimento audiovisual, títulos utilizados para captação de recursos de pessoas físicas e jurídicas para investimento em produções audiovisuais. Assim, os valores mobiliários ficaram divididos em três categorias:

1) valores mobiliários societários emitidos pelas sociedades por ações e seus certificados de depósito;

2) demais valores mobiliários emitidos por sociedades por ações que fossem considerados como tais pelo Conselho Monetário Nacional; e

3) valores mobiliários excluídos expressamente da competência regulatória da CVM (José Eduardo Carneiro Queiroz, "Aspectos Atuais do Mercado Financeiro e de Capitais", ed. Dialética, São Paulo, 1999). [43]

De qualquer forma, possam ou não os títulos da dívida pública ser considerados valores mobiliários não sujeitos à competência regulatória da CVM, o termo "valores mobiliários" no artigo 1712 do Código Civil necessariamente há que se interpretar de maneira a abranger os títulos de dívida pública, que são o instrumento financeiro de vocação mais compatível com o bem de família, conforme idealizou REALE. Nesse sentido, inclusive, a previsão de destinação dos recursos constante do art. 1715, § único.

e) Finalidade dos valores mobiliários: A grande inovação com a qual se pretendeu modernizar e tornar atraente o instituto é a possibilidade de instituir em bem de família valores mobiliários. A noção subjacente é a da insuficiência da proteção apenas à moradia, se podem não restar à família recursos para subsistência e até para a própria manutenção do imóvel, o que faria de sua proteção uma ilusão.

Nos termos do art. 1.712, servirá a renda dos valores mobiliários à "conservação do imóvel", o que é um resquício da característica estritamente fundiária. Porém, também se contempla o "sustento da família", abrindo-se porta à idéia de se garantir um patrimônio mínimo às necessidades básicas de dignidade da pessoa humana, em acepção mais ampla que a da moradia, tão somente.

Apesar disso, o Código perdeu a oportunidade de permitir a existência autônoma dos valores mobiliários e os limitou ao valor do imóvel, além da restrição a um terço do patrimônio líquido para o bem de família como um todo. Criou, na prática, um reforço econômico-financeiro a este.

Pertinente a crítica de VILLAÇA, para quem o instituto deveria ser modificado para que possa verdadeiramente oferecer às famílias que necessitam um meio de se protegerem de reveses futuros:

Esse reforço mobiliário é importante, não nego; todavia, a família que tem imóvel e bens mobiliários já está duplamente garantida. Entretanto, há famílias que só têm o imóvel; outras que são titulares de alguma economia, mas não têm imóvel; e outras que nada têm, a não ser os bens móveis, que guarnecessem sua residência. Para as famílias proprietárias de imóveis, torna-se difícil gravar um deles, dada a impossibilidade de aliená-lo, para atender a dificuldade emergencial da família, o que pode levar esta a viver em ótimo imóvel sem ter a possibilidade de sustento.Portanto, nesse caso, os valores mobiliários atrelados ao imóvel dariam melhores condições de vida a poucas famílias privilegiadas com esse excesso patrimonial. Essa possibilidade, entretanto, é extremamente útil a essas famílias que terão esse reforço para poder pagar os ônus de manutenção da propriedade imóvel, como despesas de conservação, pagamento de tributos, etc. A família proprietária somente de valores mobiliários, que reside em imóvel alheio, ficou esquecida pelo legislador, pois há casos em que esses valores podem ser cadastrados e infungibilizados, como os veículos automotores e as ações ou cotas empresariais que se especificam e que constam dos livros societários. A duração desse bem de família poderia ser limitada e com cláusula somente de impenhorabilidade, para não paralisar a circulação destes bens. Aí estaria, certamente, o bem de família voluntário móvel, por mim idealizado.

Vale destacar, ainda, que os valores mobiliários não podem ultrapassar o valor do imóvel no momento de instituição, mas podem se valorizar posteriormente, de modo a constituir, por exemplo, até várias vezes o valor do imóvel, sem que se abale a sua impenhorabilidade. Se o contrário ocorrer, fica autorizada a família a incrementar, mediante nova escritura pública, novos valores mobiliários ao bem de família, até o diferencial de valorização alcançado pelo imóvel.

f) Exceções à impenhorabilidade do bem de família voluntário: Nossa posição é a de que o Código praticamente não regulou o tema, pois que trouxe apenas as exceções de tributos relativos ao prédio e despesas de condomínio.

Quanto às despesas de condomínio, foi até mais preciso que a Lei n.º 8.009/90. No entanto, nada disse sobre as demais hipóteses, constantes dos incisos do art. 3º da norma extravagante. Da mesma forma que se construiu doutrinaria e jurisprudencialmente a penhorabilidade do bem de família legal por dívidas de condomínio, acreditamos que, com algumas particularidades, aplicam-se as exceções da Lei n.º 8.009/90 ao bem de família voluntário, por analogia e pelas razões de equidade e razoabilidade em que se inspiram [44].

Porém, questões difíceis são a da hipoteca e a da fiança em locação. A bem da verdade, no bem de família voluntário não há livre alienação do bem, como no caso do bem de família legal. Quem não pode alienar livremente, não poderia gravar livremente. Seria necessário o procedimento judicial, nos termos do art. 1.717.

Se a hipoteca for feita à revelia do devido procedimento, a rigor o ato é nulo. Pode-se ponderar ao credor que havia a publicidade pelo registro do bem de família. Por outro lado, não fazer valer a hipoteca é proteger quem propositadamente dá em garantia imóvel que não poderá ser executado. Nemo potest venire contra factum proprium. No caso, é ainda especialmente problemático reconhecer a nulidade do ato, tendo em conta que o Código não tratou expressamente da constituição de hipoteca sobre os bens familiais voluntariamente constituídos [45]. Assim, a sanção de nulidade derivaria de inobservância de formalidade essencial não expressamente prevista em lei, mas apenas extraída de sua interpretação, o que atenta contra a segurança jurídica das relações negociais.

No caso da fiança, trata-se de garantia pessoal. Assim, acreditamos que não se possa executar o bem de família voluntário do fiador, porque o terceiro saberá, quando da aceitação da fiança, que aquele bem está fora de seu alcance. Logo, aceitará a garantia por outras fontes de recursos que a pessoa do fiador disponha. As partes devem poder estabelecer expressamente, porém, que o bem responda pela dívida. No caso do Código, seria necessário observar o procedimento do art. 1717.

g) Bem de família voluntário que gere renda para pagar aluguel:No sistema do Código, conforme artigos 1712 e 1713, a existência de imóvel residencial como núcleo central do bem de família é indiscutível. Assim, não poderão bens mobiliários familiais gerar renda para pagar o aluguel residencial. Perdeu-se a oportunidade de oferecer instrumento jurídico àquelas famílias que detém alguma economia e desejam se precaver dos reveses do futuro, da mesma forma que é oferecido as que possuem imóvel. Servindo, da mesma maneira, à garantia da moradia, consubstanciada no pagamento do aluguel ou parte dele, não há razão para discriminação entre famílias proprietárias ou não de patrimônio imobiliário.

Conforme cita VILLAÇA [46], merece referência acórdão da 12ª Câmara Extraordinária B, do 1º Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, de 11/09/97, em que se entendeu que, mesmo não residindo os executados em seu único imóvel, locado, não se descaracterizaria o bem de família, pois o aluguel era destinado à manutenção de imóvel em outro domicílio, onde os mesmos executados passaram a residir, em razão de trabalho.

No mesmo sentido a decisão da 18º Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

Bem de família – se o único bem residencial do casal ou da entidade familiar está locado, servindo como fonte de renda para subsistência da família, sendo inclusive impossível a convivência da família com os vizinhos, passando inclusive a morar em prédio alugado, nem por isso aquele bem perde a sua destinação mediata, que continua sendo a de garantir a moradia familiar. (TJRJ- Ag. 11.863/99 – 18ª Câm. – j. 14.12.1999 – Rel. Dês. Jorge Luiz Habib – DORJ 6.4.2000 – RT 779/339) [47]

Destacamos que a linha adotada pela jurisprudência se refere, até o momento, ao bem de família legal. Admite-se a proteção a imóvel onde não resida a família, em certas circunstâncias e desde que o seu aluguel se reverta em renda para a subsistência familiar. Apesar de a ratio ser similar, parece, porém, não ser possível a constituição do fundo somente com valores mobiliários, cujos frutos serviriam ao sustento da família, porque se exige o imóvel residencial, diferentemente do que ocorre na Itália [48].

h) A expressão "único bem do casal" no art. 1721 § único: De acordo com o caput do dispositivo, a dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de família. Já o § único estatui que, com a morte de um dos cônjuges, o sobrevivente poderá pedir a extinção do bem de família, se for o único bem do casal. Não compreendemos a razão da restrição. Se houver diversos bens do casal, não se poderá pedir a extinção do bem de família nos termos do art. 1717? Não logramos atingir a inspiração da norma.

VILLAÇA também parece inseguro, pois afirma: "Não é certo, assim, que se deva admitir possa o cônjuge sobrevivente provocar a extinção do bem de família, quando este for "o único bem do casal", pois restarão seriamente prejudicados os filhos menores" [49]. O artigo sequer menciona a existência de filhos menores, certamente supostos em um esforço interpretativo. Porém, ocorre que se admite justo que o sobrevivente solicite a extinção do bem de família se for o único bem do casal, exatamente a contrário do que diz o Professor. DINIZ, por sua vez, repete o comando da norma: "se houver término do vínculo conjugal pelo falecimento de um dos cônjuges, o sobrevivente poderá pedir a extinção do bem de família, se for o único bem do casal. E entrará em inventário para ser partilhado, apenas se a cláusula de bem de família for eliminada" [50].

Parece-nos que o artigo se inspirou no Projeto de Código Civil Brasileiro de Orlando Gomes, que assim dispunha:

Art. 180. Extinção – Poderá extinguir-se o bem de família por sentença, a requerimento do interessado, se ocorrer motivo relevante, ouvido o Ministério Público.

Parágrafo único. Dissolvida a sociedade conjugal pela morte de um dos cônjuges, o sobrevivente poderá pedir a extinção do bem de família, tratando-se de bem único do casal. [51]

Como se vê, apenas se transformou "bem único do casal" em "único bem do casal", sem mudança de fundo.

i) Frutos dos valores mobiliários: Nessa categoria, incluir-se-ão dividendos, juros, etc. São também bens de família, desde que fruto dos bens de família. Acessorium sequitur principale. Também esta é a orientação do código italiano [52], embora o brasileiro tenha se omitido.

j) Vencimento e resgate: Valores mobiliários estão sujeitos a vencimento e resgate. Nessa hipótese, a nosso ver, o valor em dinheiro deverá ser reinvestido em valores mobiliários de mesma espécie ou o mais similares possível, sem necessidade qualquer procedimento judicial e sem a interrupção da proteção em face das dívidas anteriores à instituição do bem de família. Caso se queira dar aos recursos destinação diversa, será necessário o proceder do art. 1717.


4 - CONCLUSÃO:

Com o advento do Novo Código Civil, ganhou especial importância a espécie de bem de família voluntário, que requer expressa manifestação de vontade, a par do bem de família legal, previsto na Lei n.º 8.009/90.

O problema da inaplicabilidade prática do bem de família voluntário é mundial e tem motivado reformas legislativas como a italiana, que em 1975 remodelou a matéria.

Assim, na tentativa de se revigorar o instituto, para que se torne apto à sua relevante função social, o Código Civil de 2002 promoveu alternações substanciais em sua disciplina. Atenderam-se aos reclames da doutrina, na esperança de que o bem de família possa superar as dificuldades de sua implementação. Dentre as inovações que pretenderam dar fôlego ao bem de família voluntário, na esperança de que pudesse alcançar aplicabilidade prática, destacou-se a possibilidade de abrangência de valores mobiliários.

A modernização é significativa, pois que se abandona o caráter exclusivamente fundiário do instituto, para adaptá-lo a reger a realidade de patrimônios cada vez menos baseados na propriedade imobiliária. De outra parte, torna-o capaz de assegurar um mínimo necessário a uma vida humana, que não depende apenas de moradia.

Entretanto, infelizmente, a falta de preocupação na formulação do limites quantitativos ao instituto resultou em um quadro comprometido e incoerente, que, conjugado à sua já complexa implementação, dificilmente o habilitará a superar os entraves que até hoje relegam o bem de família voluntário ao desuso, apesar de seu potencial.

Percebe-se que a disciplina trazida pelo Novo Código Civil para o bem de família voluntário inviabiliza a boa aplicação do instituto e o distancia completamente de seu viés social. Em verdade, para que se possa utilizar a faculdade seria necessário residir em imóvel que representasse menos de um terço do patrimônio líquido dos instituidores, o que é situação extremamente rara.

Além disso, o benefício potencial é pouco atraente comparado aos ônus, pois os valores mobiliários que passariam a gozar de impenhorabilidade são limitados ao valor do imóvel residencial e junto com este a um terço do patrimônio líquido. Por outro lado, as formalidades para a movimentação e desconstituição do bem de família voluntário são demasiadas, passando o instituidor a depender do Judiciário para alienar voluntariamente sua propriedade [53].

Tal como restou disciplinado, o instituto protege a quem não precisa, pois tem à disposição meios mais eficientes, e deixa ao desamparo aqueles que seriam seu público natural.

Como visto, o Codice Civile Italiano de 1942 foi a inspiração de nosso novel Código, como se observa de algumas das suas principais facetas que foram incorporadas ao nosso Direito [54]. Com a reforma de 1975, os italianos objetivaram reformular o instituto e lhe conferir maior aplicabilidade. A matéria passou a ser tratada como fondo patrimoniale, prevendo a lei a possibilidade de constituição de um fundo de bens imóveis ou de móveis registrados ou de títulos de crédito, sem qualquer limite de valor para o patrimônio familiar.

Lamentavelmente, os dispositivos de nosso novo Código, como destacamos em comentários específicos, já entraram em vigor defasados em relação às alterações italianas.

Para a reversão do quadro, seria oportuna a eliminação dos limites relativos a um terço do patrimônio líquido e ao valor do imóvel, no caso dos valores mobiliários. Há que se desmistificar o temor de prejuízo a direitos de terceiros, pois não há a menor dúvida de que não se pode opor a constituição do patrimônio familiar a credores então existentes.

Outrossim, em boa hora também se poderia suprimir a necessidade de um núcleo do bem de família voluntário consistente no imóvel residencial, bem como se admitir que abrangesse bens móveis sujeitos a registro. Ainda seguindo a inspiração da reforma italiana de 1975, melhor seria que no ato da constituição a família pudesse dispor sobre a possibilidade de alienação e hipoteca do bem, além de poder fazê-lo sem a necessidade de processo judicial, se todos forem acordes e não houver filhos menores.

Evidencia-se, portanto, a inaptidão da atual regulação do bem de família voluntário, a ponto de relegar à ineficácia instituto de elevado potencial social, que muito poderia servir à concretização do artigo 226 da Constituição Federal.


REFERÊNCIAS

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Anteprojeto de Código Civil, 1973, Ministério da Justiça, Comissão de Estudos Legislativos.

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O Projeto de Código Civil no Senado Federal, volume II, Senado Federal, 1998.


Notas

01 MENDONÇA, Carvalho, apud AZEVEDO, Álvaro Villaça. Bem de Família com comentários à Lei 8.009/90. 5ª Ed., Revista dos Tribunais, 2002, p. 93.

02 BUREAU, Paul, apud AZEVEDO, Álvaro Villaça, op. cit., p. 28.

03 BUREAU, Paul, apud AZEVEDO, Álvaro Villaça, op. cit., p. 26.

04 AZEVEDO, Álvaro Villaça, op. cit., p. 27.

05 Digest of The Laws of Texas § 3.798, apud AZEVEDO, Álvaro Villaça, op. cit., p. 28.

06 LALOR, JOHN J. e outros. Cyclopaedia of Political Science, Political Economy, and the Political History of the United States by the Best American and European Writers, New York: Maynard, Merrill, and Co., 1899. Disponível em . Acesso em: 10 jun. 2007.

07 AZEVEDO, Álvaro Villaça, op. cit., p. 25.

08 SANTOSUOSSO, Fernando, verbete "Patrimonio Familiare", Novissimo Digesto Italiano, Utet, 1965, v. XII, p. 652, apud AZEVEDO, Álvaro Villaça, op. cit., p. 62.

09 TRABUCCHI, Alberto, Istituzioni di Diritto Civile, Cedam, 1966, 15ª Ed., p. 291 apud AZEVEDO, Álvaro Villaça, op. cit., p. 62.

10 AZEVEDO, Álvaro Villaça, op. cit., p. 30.

11 V. p. 9, deste trabalho.

12 STF Súmula nº 340: Desde a vigência do Código Civil (1916), os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião.

13 AZEVEDO, Álvaro Villaça, op. cit., p. 87-89.

14 REALE, Miguel, apud AZEVEDO, Álvaro Villaça, Ob. Cit., p. 158.

15 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da, Comentários ao Código Civil Brasileiro - Volume XV, comentários aos arts. 1639 a 1783, Coord. Arruda Alvim e Thereza Alvim, Forense, 1ª Ed., 2005, comentário ao art. 1711.

16 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Bem de família internacional. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: jus.com.br/revista/texto/2257>. Acesso em: 11 jun. 2007.

17 V. FACHIN, Luiz Edson, Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo, Renovar, 2ª Ed., 2006.

18 Em uma situação ideal, o máximo de valores mobiliários que poderia constituir bem de família voluntário seria 16,65% do patrimônio líquido familiar, se o imóvel residencial próprio valesse outros 16,55% e, juntos, constituissem um terço do total.

19 p. 15, neste trabalho.

20 REALE, Miguel. Exposição de motivos ao anteprojeto de Código Civil em Anteprojeto de Código Civil, 1972, Ministério da Justiça, Comissão de Estudos Legislativos, p. 29.

21 Anteprojeto de Código Civil, 1972, Ministério da Justiça, Comissão de Estudos Legislativos,p. 322 e 323 – arts. 1923 a 1933.

22 REALE, Miguel. Exposição de motivos ao anteprojeto de Código Civil em Anteprojeto de Código Civil, 1973, Ministério da Justiça, Comissão de Estudos Legislativos, p. 19.

23 Anteprojeto de Código Civil, 1973, Ministério da Justiça, Comissão de Estudos Legislativos, p. 394 e 395 – arts. 1905 a 1916.

24 VELOSO, Zeno, Emendas ao Projeto de Código Civil, Belém, Ed. Grafisa, 1985, p. 105 e 106, apud, AZEVEDO, Comentários ao Código Civil, arts. 1.771 a 1.783, Volume 19, 2003, Saraiva, p. 40.

25 O Projeto de Código Civil no Senado Federal, volume II, Senado Federal, 1998, p. 242. De se notar, ainda, que as propostas do Professor contemplavam a inclusão do bem de famíla legal no corpo do Código Civil, a contemplação do bem de família móvel, como um veículo, bem ainda dispensavam que o imóvel fosse necessariamente a residência familiar.

26 MARQUES DOS REIS, Antônio, apud VILLAÇA, Álvaró, op. cit., p. 111.

27 Nesse ponto, o Professor Álvaro Villaça Azevedo argumenta que não foi esse o primeiro objetivo do instituto, embora hoje se admita esse posicionamento. Após, cita Silvio Rodrigues, que escreveu sobre o artigo 70 do Código de 1916 ter pretendido o legislador facultar ao chefe de família a possibilidade de separar de seu patrimônio, e durante um período de abastança, um prédio para destiná-lo de maneira duradoura ao domicílio de sua família, pondo-o ao abrigo de penhoras por dívidas posteriores à instituição, exceto as provindas de impostos relativos ao prédio. Em VILLAÇA, Álvaro, op. cit., pp. 112-113. Como já tivemos oportunidade de destacar, em suas sugestões ao Senado, pleiteou a eliminação tanto da limitação a um terço do patrimônio, como a um valor absoluto. Mais recentemente, escreveu: "entendo que o art. 1712 deve ser interpretado nos moldes da vontade do instituidor, que pode querer instituir em bem de família imóvel de alta expressão econômica, para garantir à sua família todo o conforto e comodidade possíveis. Sim, porque estando solvendo o instituidor, no momento da instituição, não estará ferindo direitos de credores, que, aliás, poderão impugná-la ou torná-la ineficaz quanto a eles, se seus créditos forem anteriores. Em AZEVEDO, Álvaro Villaça, Comentários ao Código Civil, arts. 1.771 a 1.783, Volume 19, 2003, Saraiva, p. 40.

28 SÁ FREIRE, apud, AZEVEDO, Álvaro Villaça. Bem de Família com comentários à Lei 8.009/90. 5ª Ed., Revista dos Tribunais, 2002, p. 111.

29 COELHO, Ferreira, apud VILLAÇA, Álvaro, op. cit., p. 110.

30 Salvo determinados credores, como veremos oportunamente.

31 "O Código de 1916 foi omisso a respeito do valor do imóvel construído (prédio) para fins de instituição do bem de família, mas tal lacuna foi suprida pelo Decreto-Lei nº 3.200/41, que estabeleceu o máximo de cem mil cruzeiros. Posteriormente, com o art. 2º, da Lei nº 2.514, de 27.06.55, o valor máximo do prédio passou a ser um milhão de cruzeiros, mas a grande questão era a desatualização do padrão monetário. Sobreveio a Lei nº 5.653, de 27.04.71, que estabeleceu o limite em quinhentas vezes o maior salário mínimo vigente no país. Finalmente, por força de nova alteração da redação do art. 19, do Decreto-Lei nº 3.200/41, determinada pela Lei nº 6.742, de 05.12.79, deixou de haver limite de valor para o bem de família, desde que o imóvel servisse de residência para os familiares há dois anos, ao menos." GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da, Comentários ao Código Civil Brasileiro - Volume XV, comentários aos arts. 1639 a 1783, Coord. Arruda Alvim e Thereza Alvim, Forense, 1ª Ed., 2005, comentário ao art. 1711.

32 No mesmo sentido VELOSSO, conforme nota de número 23, ao final.

33 Vide p. 10, deste trabalho.

34 Art. 167. Costituzione del fondo patrimoniale. Tradução livre: Cada um ou ambos os cônjuges, por ato público, ou uma terceira pessoa, também por testamento, podem formar um fundo patrimônial, destinando determinados bens, imobiliários ou móveis inscritos em registros públicos, ou títulos de crédito, à satisfação das necessidades da família.

35 Súmula 205 do STJ: A Lei nº 8.009/90 aplica-se à penhora realizada antes de sua vigência. Esclarecemos que a Lei n.º 8.009/90 previu o cancelamentos das penhoras que haviam sido suspensas pela Medida Provisória 143/90. A nosso ver, independente da controvérsia sobre se a penhora é ato jurídico autônomo, insuscetível de ser atingido pelos efeitos da lei nova, temos em mente a situação do credor que não pode ser obrigado a adivinhar que lei superveniente poderá lhe subtrair garantias por conta das quais avaliou que poderia celebrar negócio jurídico. Por outro lado, o caráter eminentemente social do bem de família legal, protetor da moradia, intimamente ligada à dignidade humana, acreditamos ter sensibilizado a jurisprudência.

36 GOMES, Orlando, Código Civil, Anteprojetos, Volume 2, Anteprojeto de Código Civil de 1963 de Orlando Gomes e Anteprojeto de Código Civil revisto (1964), Senado Federal, p. 175. Dispunha o art. 184 do Anteprojeto (p. 39) : ConstituiçãoQualquer imóvel pode ser constituído em bem de família pelo marido, pela mulher, ou por terceiro, seja qual for o seu valor.

37 CARVALHO SANTOS, J.M. de, Código Civil brasileiro interpretado, v. 2, p. 207, apud AZEVEDO, Álvaro Villaça, Comentários ao Código Civil, arts. 1.771 a 1.783, Volume 19, 2003, Saraiva, p. 69: Não nos parece, em que pese a douta opinião exposta, que o filho maior tenha que dar o seu consentimento, porque diz este art. 72 que o consentimento deve ser dado pelos interessados, e no parágrafo único do art. 70, o Código só considera interessados os filhos menores. Os artigos citados correspondem, respectivamente, aos artigos 1.717 e 1.716.

38 No entanto, atualmente, em consonância com os dispositivos que regem os alimentos em favor de filhos, especialmente diante da consideração da possibilidade da obrigação alimentar existir até os vinte e quatro anos de idade do filho, deve ser considerada sua condição de interessado para fins de aplicação do art. 1.717, do novo Código Civil, conforme GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da, Comentários ao Código Civil Brasileiro - Volume XV, comentários aos arts. 1639 a 1783, Coord. Arruda Alvim e Thereza Alvim, Forense, 1ª Ed., 2005, comentário ao art. 1717.

39 Art. 189 – Cancelamento da Cláusula – A cláusula de bem de família poderá ser cancelada por ordem do juiz, a requerimento do interessado, se motivo relevante o justificar. (...) Art. 190 – Sub-rogação – Sendo conveniente, os cônjuges poderão, com autorização do juiz, alienar o bem clausulado, sub-rogando-o em outro imóvel. Em GOMES, Orlando, Código Civil, Anteprojetos, Volume 2, Anteprojeto de Código Civil de 1963 de Orlando Gomes e Anteprojeto de Código Civil revisto (1964), Senado Federal, p. 41.

40 Art. 169 Alienazione dei beni del fondo - Se non è stato espressamente consentito nell´´atto di costituzione, non si possono alienare, ipotecare, dare in pegno o comunque vincolare beni del fondo patrimoniale se non con il consenso di entrambi i coniugi e, se vi sono figli minori, con l´´autorizzazione concessa dal giudice, con provvedimento emesso in camera di consiglio, nei soli casi di necessità o di utilità evidente.

41 V. nota 14.

42 EIZIRIK, Nelson. Aspectos Modernos do Direito Societário, ed. Renovar, 1992, pg. 153.

43 AUGUSTO DA FONSECA, Paulo Sérgio, Valor Mobiliário – O Conceito de 1976 e sua evolução –a posição da doutrina e os dispositivos legais que disciplinam a matéria. Disponível em . Acesso em: 17 ago. 2007.

44 A doutrina, a nosso ver, ou só vislumbra as exceções expressamente previstas, ou não chega a enfrentar de fato a questão. Por vezes meramente se reproduz o teor do Código Civil, sem qualquer análise de hipóteses que a lei não previu: "O bem de família, devidamente instituído, está isento de quaisquer execuções por dívidas posteriores à sua instituição, exceto se oriundas de tributos relativos ao prédio ou despesas condominiais". DINIZ, Maria Helena, Código Civil Anotado, 8ª Ed., 2002, Saraiva, p. 1116.

45 Na Itália, como vimos, a possibilidade de hipoteca pode ser prevista pelo ato de constituição do bem de família, bem como pode ser constituída ulteriormente por vontade de ambos os cônjuges, se inexistirem filhos menores.

46 AZEVEDO, Álvaro Villaça, Ob. Cit. P. 172 (JTACSP Lex 168/212).

47 AZEVEDO, Álvaro Villaça, Código civil anotado e legislação complementar/Villaça, Venosa, São Paulo, Atlas, 2004, p. 883.

48 Codice Civile Italiano, Art. 167 - Costituzione del fondo patrimoniale: Ciascuno o ambedue i coniugi, per atto pubblico, o un terzo, anche per testamento, possono costituire un fondo patrimoniale, destinando determinati beni, immobili o mobili iscritti in pubblici registri, o titoli di credito, a far fronte ai bisogni della famiglia.

49 AZEVEDO, Álvaro Villaça, Ob. Cit., p. 163.

50 DINIZ, Maria Helena, Código Civil Anotado, 8ª Ed., 2002, Saraiva, p. 1118.

51 Departamento de Imprensa Nacional, Serviço de Reforma dos Códigos, 1965, Comissão Revisora do Anteprojeto apresentado pelo Prof. Orlando Gomes: Prof. Orosimbo Nonato, Prof. Orlando Gomes e Prof. Caio Mario da Silva Pereira, p. 41

52 Códice Civile Italiano, Art. 168 – Art. 168 Impiego ed amministrazione del fondo - (...)I frutti (820) dei beni costituenti il fondo patrimoniale sono impiegati per i bisogni della famiglia. (...)

53 Sobre o ponto, nota-se que o excesso de formalismos em torno do bem de família é um entrave mundial: "o insucesso do bem de família, nos países que o adotaram, deveu-se, principalmente, a uma tentativa de defender a família somente pelo bem imóvel, mas com excesso de formalismos em sua instituição, como escritura pública, registro imobiliário e publicação de editais, tornando o bem, não só impenhorável, mas inalienável, com dificuldades na sua extinção, quando em caso de necessidade de venda do bem, ante a existência de filhos menores, ficando a família, às vezes, em circunstâncias de risco, vivendo em belo imóvel, sem recursos para sua subsistência. A fixação do valor do bem de família é também um entrave na sua instituição, com dificuldades na sua avaliação e na sua atualização em face da inflação. Na Venezuela, por exemplo, exige-se até a intervenção do juiz na instituição do bem de família, como também em Portugal e no México, para sua instituição ou extinção". AZEVEDO, Álvaro Villaça. Bem de família internacional. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: jus.com.br/revista/texto/2257>. Acesso em: 11 jun. 2007.

54 Disciplinou o patrimônio familiar, que objetivava assegurar à família certa quantidade de meios, subtraindo alguns bens imóveis ou títulos de crédito a qualquer outra destinação, isto é, tornando-os não alienáveis pelos proprietários e não expropriáveis pelos credores.


Autor

  • Sergio Avila Doria Martins

    Sergio Avila Doria Martins

    Analista da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Graduado em Comércio Exterior pela Universidade Estácio de Sá (UNESA). Mestrando em Direito Internacional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Admitido ao European Master in Law and Economics (LLM), nas Universidades de Rotterdam, Bologna e Manchester, com bolsa Erasmus Mundus.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Sergio Avila Doria. O bem de família mobiliário no novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1727, 24 mar. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11078. Acesso em: 27 abr. 2024.