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Prisão preventiva em sentido estrito.

Os fundamentos do art. 312 do Código de Processo Penal e a motivação do decreto prisional

Prisão preventiva em sentido estrito. Os fundamentos do art. 312 do Código de Processo Penal e a motivação do decreto prisional

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INTRODUÇÃO

A prisão preventiva em sentido estrito é medida de natureza cautelar, consistente na privação da liberdade do indivíduo antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Por assim ser, é medida de caráter excepcional, cuja aplicação é viabilizada em casos de extrema necessidade.

A adoção da referida prisão, contudo, legitima-se quando essa necessidade é demonstrada, o que requer não apenas a simples invocação dos pressupostos e fundamentos que a autorizam, mas sim a efetiva motivação do decreto prisional.

Diante disso, assume fundamental importância o estudo sobre a prisão preventiva, centrado mais especificamente na análise dos fundamentos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, bem como da necessidade de motivação do decreto prisional, que decorre de princípio estabelecido no artigo 93, IX, da Constituição Federal, e de disposição específica concernente ao instituto, disposta no 315 do Código de Processo Penal.

Essa relevância é reforçada diante da realidade retratada pela doutrina e pela jurisprudência, mediante as quais se verifica a existência de decisões em que há, a título de motivação, mera referência às hipóteses autorizadoras da prisão preventiva, previstas no citado artigo 312. Assim, ficam tais decisões limitadas à simples transcrição dos dizeres da lei, fato que ocasiona a expressiva interposição de habeas corpus baseados em constrangimento ilegal.

É a partir dessa questão que se expressa claramente a divergência entre prática e teoria, ou seja, entre o conteúdo das decisões que decretam, mantêm ou denegam a prisão preventiva, o que determina a lei, o que é apregoado pela doutrina e a posição emitida em sede de jurisprudência.

Em decorrência disso, evidencia-se a insegurança que essa situação gera para o indivíduo e para a sociedade, impondo-se, assim, a necessidade de reflexão sobre o dever de motivação do decreto prisional, sobre os fundamentos em que este deve estar baseado, bem como sobre as razões da ausência da fundamentação, de maneira a contribuir para a adequação do instituto à sua finalidade, de buscar o equilíbrio entre o direito à liberdade e o direito de punir inerente ao Estado e de atenuar os efeitos nefastos oriundos de uma restrição antecipada da liberdade sem justificação.

A situação apontada também denota a atualidade do tema e sua significância para o Direito, para a sociedade e para o indivíduo, diante da necessidade da promoção e da manutenção da segurança jurídica.

Além disso, merece destaque o fato de que o tema está diretamente relacionado com a linha de pesquisa definida para o curso de Direito do Centro Universitário Franciscano, qual seja, "Teoria Jurídica, Cidadania e Globalização", em razão da abordagem deste pela doutrina e pela jurisprudência, através das quais são expressas interpretações dos respectivos dispositivos legais, desenvolvendo-se teorias a respeito destes, bem como pelo fato de que o tema abrange a prisão, ou seja, a segregação do indivíduo, envolvendo, dessa forma, direitos humanos e fundamentais, os quais estão previstos na Constituição Federal, como o direito à liberdade.

Para o estudo do tema, o método de abordagem utilizado foi o dedutivo, uma vez que se partiu do geral para o particular, ou seja, da análise de dispositivos legais pertinentes, até chegar-se às premissas. Já quanto ao procedimento, utilizou-se o método histórico, pois foi estudada a prisão preventiva no passado e na atualidade, abordando-se a formação do instituto e as modificações sofridas por este, e o método comparativo, tendo em vista que se comparou a interpretação do texto legal realizada pela doutrina e pela jurisprudência, com um tipo de decisão adotada quanto à referida prisão.

O presente trabalho foi estruturado em dois capítulos, de forma a abordar, no primeiro, aspectos gerais quanto à prisão preventiva, a fim de viabilizar a compreensão do instituto até se chegar, no segundo capítulo, ao enfoque dos fundamentos da prisão preventiva estabelecidos no artigo 312 do Código de Processo Penal e da motivação do decreto prisional com base nestes.

A partir disso, inicialmente realizou-se um paralelo entre o direito à liberdade e a prisão, abordaram-se os diferentes tipos de prisão existentes, a cautelaridade no processo penal e as medidas de tal natureza, o que é de suma importância para a compreensão da prisão preventiva.

Em segundo momento, estudou-se a admissibilidade das prisões processuais no Direito Brasileiro diante do Princípio da Presunção de Inocência, a fim de perquirir a viabilidade destas. A partir de então, introduziu-se a análise da prisão preventiva em sentido estrito, e, na seqüência, abordaram-se as disposições legais que a regem, pontos fundamentais para o desenvolvimento do tema escolhido.

Utilizando-se do embasamento teórico realizado, aprofundou-se a análise dos pressupostos e fundamentos da prisão preventiva previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, relatando-se, essencialmente, a interpretação que a doutrina e a jurisprudência lhes atribui e a imprecisão das expressões que os identificam.

Por fim, foi realizado o estudo da motivação das decisões judiciais em consonância com o disposto no artigo 93, IX, da Constituição Federal, para o que se conceituou motivação, relatou-se sua importância, as decisões em que deve ser aplicada, bem como a relação desta com as prisões cautelares. A partir de então, procedeu-se à abordagem da fundamentação da prisão preventiva com base no artigo 315 do Código de Processo Penal e também na disposição constitucional mencionada, de modo a verificar como deve ser a motivação do decreto prisional com base nos fundamentos do artigo 312 do último diploma legal referido, para que tal prisão seja admitida.


1 PRISÃO PREVENTIVA EM SENTIDO ESTRITO

Neste capítulo, serão abordadas questões básicas concernentes à prisão preventiva, no intuito de viabilizar o entendimento desse instituto desde sua natureza e, a partir disso, ter-se subsídios para adentrar-se na análise específica dos pressupostos e fundamentos inseridos no artigo 312 do Código de Processo Penal e na abordagem da motivação do decreto prisional com base nos artigos 93, IX, da Constituição Federal e 315 do Código de Processo Penal.

1.1 A Cautelaridade no Processo Penal e as Medidas Cautelares

O direito à liberdade é tutelado de forma expressa pela Constituição Federal vigente no art. 5º, caput, dentre os direitos e garantias fundamentais. Entretanto, especial destaque é conferido por José Afonso da Silva (1998, p. 238-239) ao inciso II do citado artigo 5º, o qual dispõe que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei". Isso porque o mencionado dispositivo conjuga o princípio da legalidade e a previsão da "liberdade de ação geral", a qual o autor também chama de "liberdade-matriz". Dessa correlação decorre que a liberdade é limitada àquilo que a lei determina.

De outro lado, é importante acrescentar que a Constituição Federal contempla no art. 5º, incisos III, XLIX, LIV, LXII, LXIII, LXIV, LXV e LXVI, garantias que têm por escopo estabelecer limites ao Poder Público e resguardar o cidadão. A partir disso, extrai-se a possibilidade da cominação de sanções, tais como a privação da liberdade, àquelas condutas proibidas pelo ordenamento jurídico, mas desde que observadas tais garantias. A previsão das hipóteses em que é lícito decretar-se a prisão caberá à lei ordinária, à qual também incumbirá estabelecer as formalidades necessárias para tanto (TOURINHO FILHO, 1998, P. 383-384).

Nesse contexto, a título de conceituação, conforme o entendimento de Mirabete (2002, p. 359), a palavra prisão possui vários significados no direito pátrio, podendo ser substituída pelos termos "custódia" e "captura", sendo definida juridicamente como "...a privação da liberdade de locomoção, ou seja, do direito de ir e vir, por motivo ilícito ou por ordem legal".

No direito brasileiro, há diferentes tipos de prisão, os quais podem ser divididos em duas espécies: prisão-pena, também chamada de prisão penal, prisão-sanção ou ad poenam, como define Tourinho Filho (1998, p. 374), e prisão sem pena ou ad custodiam, como esta era chamada na época do direito canônico (TOURINHO FILHO, 1998, p. 381).

A primeira é decorrente de sentença penal condenatória transitada em julgado e tem sua aplicabilidade legitimada pelo fato de que, hipoteticamente, foram esgotados todos os meios de defesa, sendo comprovada a culpabilidade do agente, o que leva à conclusão de que a prestação jurisdicional realizada pelo Estado atingiu seu objetivo, justificando-se a punição do culpado por meio da pena (MOREIRA, 1996, p. 64).

Segundo Tourinho Filho (1998, p. 374), a prisão-pena apresenta-se sob várias formas, dentre elas, através da aplicação das penas de reclusão e de detenção; da prisão simples, prevista pela Lei das Contravenções Penais, e da prisão disposta no artigo 240 do Código de Processo Penal Militar.

Quanto à prisão sem pena, esta abrange as prisões civil, decretada nos casos de devedor de alimentos e depósito infiel (art. 5º, LXVII, da Constituição Federal), administrativa (art. 319, I, do Código de Processo Penal, e leis especiais), disciplinar, aplicada às transgressões militares e crimes propriamente militares (arts. 5º, LXI, e 142, § 2º, da Constituição Federal), e processual penal, também chamada de provisória ou cautelar (MIRABETE, 2002, p. 359), a qual constitui uma das medidas cautelares aplicáveis pelo Magistrado no âmbito do processo penal.

No que tange à cautelaridade do Processo Penal, esse ramo do direito, em consonância com o que foi referido, assim como o Direito Processual Civil, é caracterizado pela existência de uma modalidade própria de processo: o processo cautelar. Contudo, ao contrário do processo civil, o processo cautelar, no Direito Processual Penal, não se apresenta por meio de ação autônoma, no sentido de ser distinta de um processo principal. Apesar disso, considera-se que há autonomia do processo cautelar na seara do processo penal, tendo em vista que este pode existir antes do processo principal, de maneira preparatória, ou se apresentar de maneira acessória ao processo de conhecimento ou ao de execução (MOREIRA, 1996, p. 60-63), tendo função "meramente instrumental" em relação a estes (JARDIM, 2003, p. 244).

Nesse ponto, importante trazer a lição de Tourinho Filho:

Não há, no nosso Direito Processual Penal, um processo cautelar distinto do processo principal, tal como existe no Processo Civil. As medidas cautelares, no processo penal, sujeitam-se a procedimento distinto exclusivamente quando disserem respeito às medidas assecuratórias que visam a resguardar a satisfação do dano emergente da prática de uma infração penal. No que tange à prisão, não (1998, p. 382).

Os institutos mencionados no trecho transcrito (medidas assecuratórias e prisão cautelar) serão objeto de abordagem no decorrer do presente trabalho.

Voltando-se ao processo cautelar, por meio deste são aplicadas medidas cautelares cuja finalidade, segundo David Alves Moreira (1996, p. 60), é diversa da pretendida no processo principal.

As medidas cautelares são providências tomadas no decorrer do processo, antecedendo, portanto, à sentença definitiva. São utilizáveis em casos de extrema necessidade, diante de situações que requerem medidas urgentes, a fim de se garantir a originalidade de fatos, bem como de situações até mesmo anteriores à propositura da demanda. A aplicação de medidas com essa característica justifica-se em função de que o desenvolvimento normal do processo, muitas vezes, se estende por tempo maior do que o esperado, o que faz com que situações sejam alteradas e, dessa forma, sejam as partes ou uma delas prejudicadas. Daí a necessidade de que, em razão da demora, sejam tomadas medidas cautelares com o intuito de se "manter o estado das coisas" e assim se evitar os prejuízos decorrentes da demora da prestação jurisdicional. Além dessa proteção aos interesses das próprias partes, também há a preocupação em se garantir a efetividade do processo e a concretização da prestação jurisdicional com base em situações que não sofreram alteração (MOREIRA, 1996, p. 60-62).

Reforça essa idéia o ensinamento de Antônio Magalhães Gomes Filho:

Na técnica processual, as providências cautelares constituem os instrumentos através dos quais se obtém a antecipação dos efeitos de um futuro provimento definitivo, exatamente com o objetivo de assegurar os meios para que esse mesmo provimento definitivo possa ser conseguido e, principalmente, possa ser eficaz (1991, p. 53).

A partir das considerações até então expostas, emerge um dos pressupostos ou requisitos da medida cautelar, qual seja, o perigo da demora da prestação jurisdicional ou periculum in mora, ou ainda, periculum libertatis (TOURINHO FILHO, 1998, p. 394), caracterizado quando "houver, de fato, uma ameaça de dano em função da demora na conclusão do processo" (MOREIRA, 1996, p. 62), que dispensa maiores explicações em função do que já foi explanado. Acrescenta-se, apenas, que segundo Antônio Magalhães Gomes Filho (1991, p. 54-55) há necessidade de que, na maioria dos casos, a verificação do perigo da insatisfação do direito, diante da demora mencionada, seja feita "de forma plena e aprofundada antes da concessão da medida cautelar."

Outro pressuposto é o fumus boni iuris ou fumus comissi delicti (RANGEL, 2005, p. 597), que significa "fumaça de bom direito". Este se liga ao mérito da causa e consiste na probabilidade de que o resultado final da demanda seja compatível com o da pretensão. Não se exige, contudo, a fim de concessão da medida cautelar, a prova de êxito da pretensão da acusação, uma vez que esta será apurada por meio da sentença (MOREIRA, 1996, p. 61).

Configurados esses dois elementos (perigo da demora e aparência de bom direito), podem as medidas cautelares ser aplicadas, sendo passíveis de incidir sobre o patrimônio do acusado, sobre sua própria pessoa ou sobre os meios de prova (MOREIRA, 1996, p. 59).

No que se refere aos meios de prova, pode-se determinar a produção de depoimentos antecipados (BARROS apud GOMES FILHO, 1991, p. 56), exame de corpo de delito, perícia complementar e exame do local do crime, e outras perícias em geral (BARROS apud MOREIRA, p. 1996, p. 62).

No âmbito patrimonial, são previstas as chamadas medidas assecuratórias, cuja finalidade é, basicamente, a de evitar os danos decorrentes da demora na prestação jurisdicional, para o que a coisa é mantida sob custódia (NORONHA, 2002, p. 96). São questões incidentes, autuadas em apartado (CAPEZ, 1997, p. 314), passíveis também de serem propostas durante o inquérito policial (MIRABETE, 1999, p. 212).

Tais medidas consistem, de acordo com E. Magalhães Noronha (2002, p. 96-103), no seqüestro, hipoteca legal e arresto de bens (artigos 125 a 144 do Código de Processo Penal), e na busca e apreensão (artigos 240 a 250 do Código de Processo Penal). Mirabete (1999, p. 212), Capez (1997, p. 314) e Tourinho Filho (1998, p. 28), entretanto, apresentam como medidas assecuratórias apenas as três primeiras referidas, as quais serão objeto de abordagem.

Em breves linhas, o seqüestro é "a retenção judicial do bem imóvel ou móvel, havido com os proventos da infração, com o fim de assegurar as obrigações advindas da prática dessa". Em se tratando de bem móvel, este será dirigido ao depósito judicial. Quanto ao bem imóvel, este terá o registro da medida efetivado junto ao Cartório de Registro de Imóveis, por determinação judicial (NORONHA, 2002, p. 96-99).

A medida, conforme o teor do artigo 125 do Código de Processo Penal, poderá ocorrer na fase do inquérito policial, fato que é ratificado na segunda parte do artigo 127, segundo o qual esta poderá ser tomada "em qualquer fase do processo ou ainda antes de oferecida a denúncia ou queixa", tendo competência para requerê-la, conforme o mesmo artigo, o Ministério Público, a vítima do crime, a autoridade policial, podendo, ainda, o Juiz determiná-la de ofício ( TOURINHO FILHO, 1998, p. 29-30).

Também é relevante destacar que o seqüestro poderá ser levantado em três casos: quando a ação penal não for intentada no prazo de sessenta dias a partir da data em que for realizado o seqüestro; quando o terceiro adquirente do bem prestar caução que garanta a efetivação do disposto no art. 91, II, b, 2ª parte, do Código Penal, ou seja, "perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou do terceiro de boa-fé.. . de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática de fato criminoso"; "quando extinta a punibilidade ou absolvido o acusado" (NORONHA, 2002, p. 96-99). Essa última hipótese também constitui motivo para levantamento do arresto e da hipoteca legal (NORONHA, 2002, p. 99).

Quanto à hipoteca legal, esta é disciplinada pelo art. 134 do CPP e pode ser convencional, quando for proveniente de acordo entre credor e devedor; judicial, quando o credor, após sentença, inscreve no Registro Geral imóveis do réu condenado, penhorando-os para, após, realizar execução; ou legal, quando resulta da lei, que institui a hipoteca em favor de alguma das pessoas enumeradas pelo Código Civil (NORONHA, 2002, p. 100).

A hipoteca prevista no Código de Processo Penal é a legal, ou seja, é "instituída por lei, como medida cautelar, em favor de certas pessoas" (CAPEZ, 1997, p. 316).

Essa medida, segundo Noronha (2002, p. 100), somente poderá ser adotada após o oferecimento da denúncia ou queixa, uma vez que há, no artigo 134 do Código de Processo Penal, referência expressa no sentido de que poderá ser requerida em qualquer fase do "processo". Também, deverá atender simultaneamente, a fim de que seja viabilizada sua efetivação, a dois pressupostos típicos das medidas cautelares, quais sejam, "prova inequívoca da materialidade do crime e indícios suficientes de autoria" (CAPEZ, 1997, p. 316), de acordo com indicação constante no mesmo dispositivo, conforme o primeiro autor citado (NORONHA, 2002, p. 100).

Uma peculiaridade inerente à hipoteca legal é a de que o imóvel continua em poder do acusado, podendo ele "perceber seus frutos e rendimentos". Já os bens seqüestrados ou arrestados são entregues à pessoa estranha à lide (NORONHA, 2002, p. 103).

Relativamente ao arresto, este não vem expressamente previsto no Código de Processo Penal, podendo ser vislumbrado no disposto no artigo 136 do diploma legal mencionado, o qual dispõe que pode ser "previamente seqüestrado o imóvel, cujo processo de especialização e inscrição hipotecária deva ser promovido dentro de 15 dias". Nesse caso, incidirá sobre imóvel que não foi proveniente do crime e terá como objeto tantos bens quantos forem suficientes à garantia do pagamento da dívida (NORONHA, 2002, p. 102) [grifo do autor].

Embora o artigo 137 do Código de Processo Penal preveja que "se o responsável não possuir bens imóveis ou os possuir de valor insuficiente, poderão ser seqüestrado bens móveis suscetíveis de penhora, nos termos em que é facultada a hipoteca legal dos móveis", também na disposição citada contempla hipótese de arresto segundo o entendimento de Noronha (2002, p. 102), podendo os bens sobre os quais incidiu a medida serem levados à venda judicial após o trânsito em julgado da sentença condenatória (penal), conforme o artigo 133 do CPP. Tourinho Filho (1998, p. 44) e Capez (1997, p. 317) afirmam, ainda, quanto ao previsto no artigo 137 do Código de Processo Penal, que o legislador utilizou equivocadamente a palavra seqüestro, pois a hipótese contemplada é a de arresto.

Retomando-se o já referido, as medidas cautelares também podem ser de natureza pessoal, o que resulta na prisão do indivíduo. Nesse caso, a prisão é chamada pelos doutrinadores, além de cautelar, de provisória ou preventiva.

Consoante David Alves Moreira (1996, p. 62), a prisão cautelar está submetida às regras gerais concernentes à cautelaridade anteriormente expostas e se reveste de caráter excepcional, visto que incide, de forma direta, sobre a liberdade do indivíduo, o que requer a tomada de "excepcionais cuidados" quando da sua aplicação.

No direito brasileiro, as prisões cautelares são apresentadas em cinco modalidades: prisão em flagrante, prisão temporária, as prisões resultantes de pronúncia e de sentença condenatória recorrível e prisão preventiva stricto sensu, assim chamada a fim de se estabelecer a diferenciação entre esta e as demais prisões cautelares, que são consideradas preventivas (TOURINHO FILHO, 1998, p. 381-382).

Nesse ponto, é importante fazer-se a ressalva de que essa subdivisão é aceita pela maioria da doutrina. Por assim ser (maioria e não unanimidade), destaca-se o posicionamento de Afrânio Silva Jardim (2003, p. 242-243), para o qual a prisão decorrente de sentença condenatória recorrível "não apresenta natureza cautelar", constituindo "verdadeira execução provisória da pena".

Feitas as considerações necessárias, passa-se, a seguir, à breve análise de cada uma das espécies de prisões cautelares, especificamente quanto à natureza destas.

A prisão em flagrante é regulada pelos arts. 301 a 310 do Código de Processo Penal. Segundo Mirabete (2002, p. 370-371), é medida prevista, de forma expressa, pela Constituição Federal, no art. 5º, LXI, cabível tanto quando é praticado crime, quanto da prática de contravenção, dispensando ordem escrita. Prossegue o doutrinador asseverando que a situação de flagrância engloba o momento da prática do ato ilícito e as situações de flagrante próprio, impróprio ou quase-flagrante e de flagrante presumido, que dispensam maiores comentários, tendo em vista que a espécie de prisão em análise, embora seja medida cautelar, não constitui o objeto do estudo que ora se desenvolve.

No que tange à natureza acautelatória da prisão em flagrante, entretanto, esta apresenta parcial correspondência com a prisão preventiva em sentido estrito, uma vez que sua manutenção está subordinada, além da caracterização do fumus boni iuris, representando pela própria circunstância em que ocorre a prisão, hábil a demonstrar a existência do fato típico e de sua autoria, à configuração do periculum in mora, resultante da verificação da existência dos pressupostos elencados no artigo 312 do Código de Processo Penal (JARDIM, 2002, P. 250-253), o qual será analisado em subcapítulo específico.

A prisão temporária é regida pela Lei nº 7.960 de 1989, constituindo medida utilizada como garantia para o fim de serem realizadas investigações durante a fase do inquérito policial (MOREIRA, 1996, p. 72-74). De acordo com Tourinho Filho (1998, p. 394), o periculum in mora, nesse caso, é caracterizado pela imprescindibilidade da medida para que sejam efetuadas as investigações policiais, e o fumus boni iuris, pela autoria ou participação do indiciado em um dos crimes elencados no art. 1º, inc. III, da lei mencionada, o que deve ser demonstrado por "fundadas razões", consoante dispõe o texto legal.

Essa constitui uma idéia geral a respeito da prisão temporária, a fim de conceituação e identificação do instituto com os requisitos das prisões cautelares. Ressalta-se que muitas são as críticas dirigidas a essa prisão, especialmente no que se refere à lei que a rege.

Quanto à prisão decorrente de pronúncia e a resultante de sentença penal condenatória, também há várias críticas, especialmente no que se refere à recepção destas pelo texto constitucional. A partir disso e tendo em vista o objeto do presente trabalho, serão feitas apenas algumas considerações de forma conjunta e comparativa, a fim de viabilizar a compreensão de tais institutos. Inicialmente destaca-se que "a pronúncia é um instituto processual de aplicação própria nos crimes de competência do Tribunal do Júri e, portanto, nos casos de crime dolosos contra a vida e os conexos a este", sendo que o ato de pronunciar o réu significa levá-lo a julgamento pelo referido Tribunal (MOREIRA, 1996, p. 69-70). Um dos efeitos da decisão da pronúncia é a prisão do acusado, o que, conforme Moreira (1996, p. 96), é disposto "taxativamente pelo § 1º do art. 408 do CPP". Entretanto, deve ser observado o que dispõe o § 2º do mesmo artigo, que determina que "sendo o réu primário e de bons antecedentes, poderá o Juiz deixar de decretar-lhe a prisão" [grifo do autor]. Nesse ponto, a expressão "poderá" não significa mera faculdade, mas dever. Contudo, diversa é a posição do Supremo Tribunal Federal, o qual a considera faculdade e "não direito subjetivo do réu", conforme se pode verificar através da decisão proferida nos autos do HC 75.077-SP (RANGEL, 2005, p. 649-652).

Da mesma forma que ocorre com a prisão prevista no artigo 408 do CPP, da leitura do art. 594 combinado com o art. 393, I, ambos do mesmo diploma legal mencionado, interpreta-se que a prisão é um dos efeitos da sentença penal condenatória, sendo que "o primário e de bons antecedentes fará jus ao recurso em liberdade" (FREITAS, 2004, p. 72). Nesse ponto, Moreira (1996, p. 99-100) assevera que esses dois dispositivos passaram a ser analisados diante da Constituição Federal, não se podendo mais afirmar que a prisão decorre naturalmente da sentença condenatória, mas sim que passou a depender do trânsito em julgado desta. Nesse ponto o autor transcreve decisão constante na RT 643/303, da qual se destaca que a prisão antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória deve ocorrer através de decisão fundamentada em que estejam presentes os requisitos previstos para a prisão preventiva.

Esse aspecto de que devem ser analisados os requisitos da prisão preventiva, quando da aplicação de tal prisão, também é aplicável à prisão decorrente de pronúncia. Paulo Rangel (2005, p. 649) afirma, inclusive, que se deve fazer uma interpretação sistemática dessa prisão com a prisão preventiva, o que vai ao encontro do posicionamento de Afrânio Silva Jardim (2002, p.255) para o qual a pronúncia, por si só, não é hábil a promover a prisão.

Em relação à prisão preventiva em sentido estrito e seus requisitos acima mencionados, bem como quanto à prisão prevista no artigo 594 do CPP, estas serão retomadas e analisadas no decorrer deste trabalho. Antes, porém, passa-se à abordagem da admissibilidade das prisões comentadas diante de outras disposições do ordenamento jurídico brasileiro.

1.2 A Admissibilidade da Prisão Processual no Direito Brasileiro em Face do Princípio da Presunção de Inocência

Primeiramente, considerando-se as divergências quanto à interpretação e quanto ao alcance atribuído ao chamado princípio da presunção de inocência, previsto expressamente pela Constituição Federal vigente, é relevante a consideração de alguns aspectos históricos a fim de se compreender o sentido desse preceito constitucional.

De acordo com Antônio Magalhães Gomes Filho (1991, p. 9-11), o princípio da presunção de inocência, característico do sistema "commom law", foi previsto no art. 9º da "Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão", de 1789, a partir da reforma ocorrida no sistema repressivo, a qual foi provocada pela revolução liberal do século XVIII. Constituiu, em síntese, uma reação a determinadas medidas, tais como a tortura, que era utilizada indiscriminadamente e que assim consistiu em característica do sistema processual-repressivo existente na época, o qual foi herdado da fase da Inquisição. Neste, o acusado era considerado previamente culpado, sendo a ele, por conseqüência, imposto o encargo de provar sua inocência.

Esse aspecto é demonstrado na lição de Aury Lopes Jr.:

na inquisição a dúvida gerada pela insuficiência de provas equivalia a uma semiprova, que comportava um juízo de semiculpabilidade e semicondenação a uma pena leve. Era na verdade uma presunção de culpabilidade. (2004, p. 174).

Prossegue Gomes Filho (1991, p. 11) asseverando que a ineficácia de tal sistema em combater a delinqüência fez com que fossem desenvolvidas teorias iluministas, as quais demonstravam preocupação humanística e a consciência de que tanto culpados quanto inocentes eram submetidos ao processo criminal, chegando-se à constatação de que "à sociedade civilizada é preferível a absolvição de um culpado à condenação de um inocente" (NOBILI apud GOMES FILHO, 1991, p. 11).

O princípio em comento serviu de dogma fundamental na elaboração doutrinária do direito repressivo, sendo adotado pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1791, na França. Foi posteriormente acolhido na Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948 (CARVALHO, 1998, p. 95) e repercutiu na legislação positiva, tanto que foi incluído, por exemplo, nas Constituições Francesas de 1946 e 1958, na Constituição Italiana de 1948, na Constituição Portuguesa de 1976, na Constituição Espanhola de 1978 e, inclusive, na Constituição Brasileira de 1988, sendo tomado por tais diplomas legais, entretanto, não como simples enunciado humanitário, mas como garantia básica do processo penal, hábil a fixar parâmetros para o exercício da repressão estatal (GOMES FILHO, 1991, p. 22-30).

As antigas Constituições brasileiras não contemplaram de forma expressa o princípio da presunção de inocência. Entretanto, este constituía princípio informador do direito brasileiro (CÂMARA, 1997, p. 40). Afrânio Silva Jardim (2003, p. 281) chega a afirmar, inclusive, que "é certo que ele já se encontrava implícito em todo o anterior sistema constitucional". Assim, a referência expressa ocorreu somente na Carta de 1988, no art. 5º, inciso LVII (TOURINHO FILHO, 1997, p. 64), dentre os direitos e garantias fundamentais (CÂMARA, 1997, p. 41), disposição que teve sua forma inspirada no art. 27, § 2º, da Constituição Italiana de 1948, porém de forma a abranger todos os estágios da repressão penal, ao contrário do diploma legal estrangeiro (GOMES FILHO, 1991, p. 30-32).

Dispõe o citado art. 5º, LVII, que "ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Este, considerado "o princípio reitor do processo penal" (LOPES JUNIOR, 2004, p. 175), em face de sua elevação a mandamento constitucional, trouxe conseqüências, uma vez que se impôs primeiramente ao legislador, e após, ao aplicador da lei (CÂMARA, 1997, p. 41-42).

Também o princípio, consoante já referido, gerou discussões e interpretações divergentes no que se refere ao alcance de seus reflexos diante de determinados institutos.

Uma divergência apontada por Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho (1998, p. 95) é relativa à possibilidade de chamar-se o princípio também de princípio da não-culpabilidade, como o mesmo autor o denomina e segue aduzindo que,

parte da doutrina entende existir diferença entre os termos presunção de inocência e não-culpabilidade. Sustenta que não se pode presumir a inocência do réu, se contra ele tiver sido instaurada ação penal, pois, no caso, haverá um suporte probatório mínimo. O que se poderia presumir é sua não-culpabilidade, até que assim seja declarado judicialmente.

Embora a divergência levantada, o mesmo autor, com acerto, afirma que "o que realmente importa é interpretar corretamente o dispositivo constitucional". Diante disso, passa-se à análise do posicionamento doutrinário acerca da interpretação do preceito em comento e da abrangência desta no processo penal.

Para Aury Lopes Jr. (2004, p. 176-178), do princípio da presunção de inocência decorrem conseqüências, tais como regras de tratamento da parte passiva, uma vez que obriga o Juiz a ter uma "postura positiva", no sentido de tratá-la como inocente, o que coloca o julgador em um "estado de alheamento", que consiste na "consagração do Juiz de garantias ou garantidor", bem como regras para o julgamento, implicando na valoração da prova. Também o princípio, segundo o autor, leva à "obrigatoriedade de que a constatação do delito, e a aplicação da pena, será por meio de um processo com todas as garantias e através de uma sentença fundamentada".

Coaduna-se ao entendimento acima exposto, a posição de Afrânio Silva Jardim:

O que a norma constitucional tutela é a legalidade das formas processuais, bem como a adoção pelo legislador ordinário de garantias mínimas aos réus, concebidos como sujeitos de direitos e não meros objetos de investigação autoritária por parte do Estado (2003, p. 282).

Antônio Magalhães Gomes Filho (1991, p. 37-40) afirma que o princípio da presunção de inocência é informador de todo o processo penal, sendo o instrumento de aplicação de sanções punitivas em um sistema no qual devem ser respeitados os "valores inerentes à dignidade da pessoa humana". Também, para o autor, o princípio impõe-se como regra para o tratamento de suspeito, indiciado, ou acusado, o qual não poderá ser equiparado ao culpado, bem como indica a necessidade de se assegurar um processo "justo", no qual deverá haver igualdade entre cidadão e poder punitivo.

No que se refere aos reflexos do princípio da presunção de inocência quanto à disciplina da prova, volta-se à lição de Afrânio Silva Jardim, para o qual o preceito acarreta na atribuição de todo o ônus à acusação:

Na verdade, o que a nova Constituição proíbe é que o legislador ordinário inverta o ônus da prova, exigindo que o réu tenha que provar a sua inocência, sob pena de condenação em razão de dúvida. Vale dizer, a presunção de não culpa faz com que o Ministério Público ou querelante tenham que alegar e provar cabalmente que o réu praticou uma infração penal (2003, p. 280).

E não é diferente a posição de Aury Lopes Jr. (2004, p. 179-180) quanto à questão. Segundo o autor, "a partir do momento em que o imputado é presumidamente inocente, não lhe incumbe provar absolutamente nada", devendo a presunção ser "destruída pelo acusador". Dessa forma, todo o ônus da prova é atribuído à acusação, chegando o autor a afirmar, ainda, que incumbe ao acusador "provar a presença de todos os elementos que integram a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade e, logicamente, a inexistência das causas de justificação" [grifo do autor], referindo-se, nesta última parte, às excludentes de ilicitude. Estes conceitos serão abordados de forma pormenorizada no decorrer deste trabalho.

Outro reflexo importante é referente à valoração da prova. Entende-se que caberá ao Juiz absolver o acusado em caso de dúvida, ou seja, se não provadas a autoria e materialidade delitivas, pois, se estas não forem provadas, a acusação não terá "desconstruído" a presunção de inocência. Nesse ponto, o princípio da presunção de inocência liga-se ao do in dubio pro reo (LOPES JR., 2004, p. 179-181).

Também para Antônio Magalhães Gomes Filho (1991, p. 39-40), "o princípio da presunção de inocência expressa outras garantias fundamentais no âmbito do direito probatório", sendo que, a partir do preceito, deve-se verificar a existência dos fatos imputados e não a versão do acusado, que não pode ser "obrigado a colaborar na investigação dos fatos".

Relatadas as conseqüências do princípio da presunção de inocência quanto ao tratamento da parte passiva e à disciplina da prova, é de se salientar a ressalva de Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho (1998, p. 99-100), o qual afirma que não se pode restringir os efeitos do preceito apenas às repercussões no ônus da prova, pois assim este estaria sendo interpretado restritivamente e o constituinte não lhe incluiu qualquer restrição.

No ensejo, passa-se à análise dos reflexos do princípio em estudo na disciplina das prisões cautelares.

A partir da inserção do princípio da presunção de inocência no texto constitucional surgiram várias discussões, chegando alguns a acreditar que as espécies de prisões provisórias teriam sido revogadas, uma vez que afrontariam a Constituição (CÂMARA, 1997, p. 40-41).

Quanto a esse aspecto, Alexandre de Moraes afirma que,

a consagração do princípio da inocência, porém, não afasta a constitucionalidade das espécies de prisões provisórias, que continua sendo, pacificamente, reconhecida pela jurisprudência [...]. Desta forma, permanecem válidas as prisões temporárias, em flagrante, preventivas, por pronúncia e por sentenças condenatórias sem trânsito em julgado (2001, p. 126).

Complementa esse entendimento o posicionamento expresso por Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho:

A Constituição proibiu terminantemente que o acusado fosse considerado culpado antes da sentença judicial transitada em julgado. De outro lado, previu e manteve as medidas cautelares de prisão, como o flagrante e a prisão preventiva, como não poderia deixar de fazer, porque instrumentos indispensáveis à legítima defesa da sociedade. Não previu a Constituição qualquer outro fundamento para a prisão que estes: a cautelaridade e a pena (1998, p. 96).

Nesse ponto, cumpre elucidar que a Constituição admite a prisão provisória nos casos de flagrante (art. 5º, LXI) e crimes inafiançáveis (art. 5º, XLIII), e ainda autoriza o legislador infraconstitucional a prever e a disciplinar a liberdade provisória (art. 5º, LXVI) (CAPEZ, 1997, p. 211).

A partir desses elementos, a prisão anterior à condenação "somente poderá ser admitida a título de cautela" (TOURINHO FILHO, 1997, p. 65), justificando-se apenas diante de situações excepcionais nas quais "a liberdade do acusado possa comprometer o regular desenvolvimento do processo e a eficácia da atividade processual" (GOMES FILHO, 1991, p. 65). Dessa forma, faz-se necessário que o Juiz busque fundamento no fumus boni iuris e no periculum in mora constantes no artigo 312 do Código de Processo Penal, a fim de que a prisão cautelar seja admitida pela Constituição (CARVALHO, 1998, p. 97). Ausentes os dois requisitos, a prisão seria desnecessária para o processo e não teria caráter instrumental, tornando-se uma "execução da pena privativa de liberdade antes da condenação transitada em julgado", o que violaria o princípio constitucional da presunção de inocência (CAPEZ, 1997, p. 211-212).

Em resumo, segundo Tourinho Filho (1997, p. 69- 71), a medida constritiva de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória será legítima nos "casos estritamente necessários, ditados por evidente cautela", a exemplo do que ocorre com a prisão preventiva, que se baseia em uma "presunção concreta de culpabilidade". Além da presença dos requisitos da medida cautelar, há a necessidade de que a decisão relativa à prisão seja fundamentada sob pena de contrariar o preceito em exame (CAPEZ, 1997, p. 212). Afrânio Silva Jardim (2003, p. 282) afirma, inclusive, que "a própria constituição prevê expressamente a possibilidade de decretação judicial da prisão provisória, desde que resultante de ordem escrita e fundamentada de Juiz competente." Esses fundamentos, conforme referido anteriormente, são os constantes no artigo 312 do Código de Processo Penal.

O Superior Tribunal de Justiça exprimiu seu entendimento quanto ao fato de as prisões provisórias contrariarem ou não o princípio da presunção de inocência, através da Súmula 9, que assim dispõe: "A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência."

Em que pese o entendimento exposto, divergentes são as posições na doutrina quanto à constitucionalidade do artigo 594 do Código de Processo Penal, o qual determina que "o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime de que se livre solto".

Destaca-se, primeiramente, que consoante Alexandre de Moraes (2001, p. 126), a posição do Supremo Tribunal Federal, emitida através de decisão proferida por seu Plenário por "seis votos contra cinco", é a de que a referida disposição continua em vigor, ou seja, não foi revogada pelo princípio da presunção de inocência, "que, segundo a maioria, concerne à disciplina do ônus da prova".

Quanto ao STJ, o mesmo procedeu à reavaliação de seu próprio posicionamento expresso na Súmula 09, através de uma releitura do artigo 594 do CPP, manifestando-se, ultimamente, no sentido de "compatibilizar a presunção de inocência com a exigência da necessidade da prisão" (CARVALHO, 1998, p. 100).

Com relação à doutrina, Tourinho Filho (1997, p. 65-71) considera o dispositivo em comento afrontoso à Constituição, aduzindo que a prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória só se justifica se o réu "estiver dando sinais de que pretende subtrair-se à aplicação da lei penal. Senão, não" (p. 70), devendo ser demonstrada, pelo Magistrado, a necessidade da prisão, que não poderá ser imposta automaticamente.

Já o entendimento de Afrânio Silva Jardim (2003, p. 280) quanto à revogação do artigo 594 do Código de Processo Penal é contrário. O autor considera que o princípio insculpido no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, não tem o "indevido alcance que alguns, apressadamente, lhe outorgam" ao lhe negarem vigência.

A matéria em questão, consoante afirma CARVALHO (1998, p. 98), está "longe de ser pacífica" e, no presente trabalho, não comporta maior abordagem, dado o objeto deste. Acrescenta-se, apenas, que também há divergência quanto à revogação do artigo 408, § 1º, do Código de Processo Penal, bem como de outros dispositivos, em face do princípio constitucional em análise.

De todo o exposto, o que se pode extrair é a predominância do posicionamento que considera não estarem revogadas as prisões cautelares diante da disposição do art. 5º, LVII, da Constituição Federal, devendo estas, entretanto, ser aplicadas em situações excepcionais e estar apoiadas em decisões fundamentadas que contemplem os requisitos da cautelaridade expressos pelo artigo 312 do Código de Processo Penal.

Tratada a questão da admissibilidade das prisões cautelares diante do princípio constitucional da presunção da inocência, passa-se à prisão preventiva em sentido estrito, a qual será objeto de estudo no subcapítulo seguinte.

1.3 Prisão Preventiva em sentido estrito: conceito e características

O termo prisão preventiva designa "prisão cautelar de natureza processual" (TOURINHO FILHO, 1998, p. 461), através da qual se "suprime da liberdade do indivíduo antes do trânsito em julgado da sentença condenatória". Tal termo pode ser entendido em duas acepções: uma "lata" e outra "restrita" (NORONHA, 2002, p. 221). A primeira compreende todas as prisões cautelares ou provisórias que foram mencionadas no início deste trabalho, as quais, conforme já referido, também são chamadas de preventivas. Já a segunda acepção, referente à prisão preventiva stricto sensu, é utilizada para denominar a prisão disciplinada pelos artigos 311 a 316 do Código de Processo Penal (TOURINHO FILHO, 1998, p. 381-382). Essa diferenciação é relevante, tendo em vista que através deste trabalho se desenvolve um estudo com base na prisão preventiva em sentido estrito. A partir disso, faz-se a ressalva de que se optou pela adoção do termo "prisão preventiva" simplesmente para designar tal medida.

A prisão preventiva faz parte da tradição jurídica do direito brasileiro (NORONHA, 2002, p. 227). Nesse aspecto, as medidas restritivas de liberdade foram previstas desde a Constituição Imperial. Quanto a estas, por influência da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que previu a presunção de inocência, o Código de Processo Criminal e a Lei nº 2.033, de 20.09.1871, permitiam ao Juiz julgar sobre a conveniência da medida, o que lhe era possibilitado também na época do Brasil colonial (TOURINHO FILHO, 1998, p. 464).

Essa possibilidade, contudo, encontrou óbice diante da previsão legal da prisão preventiva como medida obrigatória, que constituiu, em face do que foi referido, em "verdadeira inovação" (TOURINHO FILHO, 1998, p. 465) no ordenamento jurídico pátrio.

A referida prisão foi disposta no artigo 312 do Código de Processo Penal de 1941 (NORONHA, 2002, p. 225), sendo chamada de obrigatória ou compulsória (TOURINHO FILHO, 1998, p. 463). Decorria, assim, de exigência legal imposta no caso de condenação por crimes cuja pena prevista fosse igual ou superior a dez anos de reclusão, sendo o Juiz obrigado a decretá-la nessa hipótese, observados os pressupostos da prova da existência do crime e dos indícios suficientes de autoria. Entretanto, antes de preencher tais requisitos, esta deveria atender ao pressuposto específico da quantidade da pena antes mencionado, o qual foi fixado com base no periculum in mora, ou seja, na presunção de que o réu fosse se subtrair da execução da pena (TOURINHO FILHO, 1998, p. 463-467).

Dessa forma, o critério legal para a decretação da prisão preventiva tinha como fundamento a quantidade da pena, não tendo o Magistrado a faculdade de apreciar sua conveniência (NORONHA, 2002, p. 225), como antes lhe era viabilizado.

Fora essa hipótese em que a prisão deveria ser decretada, para os demais casos a lei facultava ao Juiz decretar ou não a prisão preventiva com base na análise de sua conveniência e necessidade, ficando assim, a adoção de tal prisão ao "prudente arbítrio" do julgador. Dessa forma, a medida se sujeitava a outros requisitos além da prova da existência do crime e dos indícios suficientes de autoria. Essa era a denominada prisão preventiva facultativa, cuja expressão, embora não utilizada pelo Código de Processo Penal, foi criada em oposição à prisão obrigatória antes mencionada. (TOURINHO FILHO, 1998, p. 463 e 467).

A Lei nº 5.349, de 3 de novembro de 1967, modificou os artigos 311 a 316 do Código de Processo Penal, trazendo alterações significativas ao artigo 312, hoje disposto no mesmo diploma legal em conformidade com a redação dada pela Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994 (NORONHA, 2002, p. 225-226). A partir disso, Tourinho Filho (1998, p. 468) afirma que a prisão preventiva existente na atualidade não pode ser denominada obrigatória nem facultativa. Já para Magalhães Noronha (2002, p. 226) a medida é conceituada dessa última forma. Apesar da divergência conceitual, segundo Mirabete (1999, p. 409), a medida não possui mais caráter obrigatório, afirmando que "a lei deixou de prever como obrigatória a prisão em determinadas situações, para ser uma medida facultativa, devendo ser aplicada apenas quando necessária segundo os requisitos estabelecidos nas normas processuais".

Partindo-se da lição colacionada, surge o "princípio da necessidade da prisão preventiva" (JARDIM, 2003, p. 248), que será explicado a seguir.

A necessidade é um elemento que deverá estar presente quando da decretação da prisão preventiva, uma vez que esta possui caráter excepcional em função de sua natureza cautelar (CAPEZ, 1997, p.211). Dessa forma, sendo ato de "coação processual", é medida extrema que se justifica apenas em situações específicas em que sua aplicação é indispensável (MIRABETE, 2002, p. 384).

Fernando de Almeida Pedroso (1994, p. 90-91), no tópico em que trata em sua obra da finalidade da prisão preventiva, agrega à idéia de necessidade a proteção social, argumentando que,

são o interesse e proteção sociais, e não a antecipação de uma condenação, que se constituem em fundamento exponencial da espécie em exame de custódia provisória. Daí a necessidade, em casos especiais e como medida de exceção, de sua decretação. [...] A custódia provisória, desta sorte, na espécie ora em foco, esteia-se, fundamentalmente, na necessidade e interesse sociais.

Complementa esse entendimento a função atribuída por Mirabete (1999, p. 409) à referida prisão, qual seja, a de "assegurar os interesses sociais de segurança".

Não obstante, no que tange à configuração da necessidade, passa-se a colacionar a lição de David Alves Moreira:

Como se trata de medida excepcional, antes de se verificar os fundamentos legais, necessário se faz atentar para os pressupostos amplos de toda medida cautelar para se constatar se de fato será preciso recorrer a uma decisão que imponha a restrição da liberdade do acusado (1996, p. 90).

Partindo-se dessa concepção, destaca-se o posicionamento de Paulo Rangel (2005, p. 625), segundo o qual "esta necessidade será verificada na análise dos pressupostos do fumus boni iuris e periculum in mora", sendo que, como o próprio autor refere, "a comprovada e não apenas alegada necessidade é o que fundamenta a existência da prisão preventiva."

O periculum in mora é traduzido pelas expressões garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução criminal e assegurar a aplicação da lei penal (RANGEL, 2005, p. 628), as quais constituem os chamados fundamentos da prisão preventiva, dispostos no artigo 312 do Código de Processo Penal (MIRABETE, 2002, p. 385).

Assim, considera-se que a prisão em exame possui finalidade "tríplice", pois é "providência de segurança, é garantia da execução da pena e asseguradora da boa prova", nesse último caso, representando "meio de instrução", só se justificando quando vai ao encontro de sua finalidade (NORONHA, 2002, p. 222).

Quanto à necessidade da configuração dos elementos caracterizadores do periculum in mora, destaca-se o posicionamento de Mirabete (2002, p. 387), para o qual, estando ausentes os fundamentos legais que indicam a necessidade da medida, esta "não pode ser" adotada. Nessa linha, Capez (1997, p. 211) também assevera que a medida "somente poderá ser decretada quando necessária, isto é, se ficar demonstrado o periculum in mora."

Feitas as considerações sobre um dos requisitos da cautelaridade, é de se salientar que antes da verificação dos fundamentos da prisão preventiva, deverá a medida atender a determinados pressupostos, sem os quais não poderá ser decretada (MIRABETE, 2002, p. 385). Estes representam outro requisito da tutela cautelar, qual seja, o fumus boni iuris (CAPEZ, 1997, p. 212).

No caso da prisão preventiva, são pressupostos a "prova da existência do crime (prova da materialidade delitiva)" e os "indícios suficientes da autoria" (CAPEZ, 1997, p. 212), os quais constam na segunda parte do artigo 312 do Código de Processo Penal, cuja verificação fica a cargo do "prudente arbítrio do magistrado" (MIRABETE, 2002, p. 385).

A partir da idéia de arbítrio, bem como do fato de a prisão preventiva não ser mais obrigatória, é importante fazer a ressalva de que a decisão relativa à prisão preventiva deverá ser fundamentada e conter os requisitos da cautelaridade (CAPEZ, 1997, p. 212) até então mencionados. Esse ponto, entretanto, será abordado mais especificamente no decorrer deste trabalho, quando se tratará da motivação do decreto prisional, assim como ocorrerá em relação aos pressupostos e fundamentos da prisão preventiva, que por esse motivo dispensam maiores explicações neste momento.

Voltando-se à idéia de necessidade e cautelaridade, é importante referir a disposição do artigo 314 do Código de Processo Penal, segundo o qual a prisão preventiva não é permitida quando o ato for praticado em situação excludente de ilicitude, ou seja, "em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal e no exercício regular de um direito", pois nesses casos não existirá crime, devendo o acusado ser absolvido (MIRABETE, 1999, p. 419) e, conforme afirma Paulo Rangel (2005, p. 635), "não havendo crime [...], a prisão preventiva deixa de ser necessária".

Prossegue o autor asseverando, ainda, que "não são necessárias provas robustas, cabais" de que o réu praticou o ato em situação excludente de ilicitude, pois o que se analisa é se estão presentes os requisitos da medida cautelar e não o "mérito da imputação" (2005, p. 635).

Nesse contexto, mais especificamente no que se refere à presença de tais requisitos, destaca-se um outro aspecto da prisão preventiva, ou seja, a possibilidade de sua revogação e de nova decretação, prevista no artigo 316 do Código de Processo Penal, que assim dispõe: "O Juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no decorrer do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la se sobrevierem razões que a justifiquem."

A partir do dispositivo legal destaca-se "a característica de rebus sic stantibus" da prisão em estudo referida por Mirabete (1999, p. 421), que assim a considera tendo em vista que pode ser revogada "conforme o estado da causa".

Nesse aspecto, da lição de Tourinho Filho (1998, p. 484) extrai-se que se não mais subsistirem as circunstâncias caracterizadoras do periculum in mora constantes no artigo 312 do CPP (já explicitadas) que ensejaram a decretação da prisão, o Juiz poderá revogá-la.

A revogação é possível em qualquer momento do procedimento, tendo em vista que a medida pode ser decretada em qualquer fase deste (NORONHA, 2002, p.228) [grifo do autor]. Nesse sentido, Afrânio Silva Jardim (2003, p. 248-49) afirma que a prisão preventiva poderá ser revogada a qualquer tempo, quando cessar o motivo que a determinou.

Quanto à expressão "poderá", constante no artigo 316 do Código de Processo Penal, Paulo Rangel (2005, p. 638) faz a ressalva de que a revogação não constitui mera faculdade do Juiz, pois se configurará o direito subjetivo do réu à liberdade, uma vez presentes os requisitos legais para tanto. Segue o autor, afirmando, ainda que,

verificando o Juiz que o motivo que autorizou a prisão preventiva desapareceu, ou seja, o periculum in mora (periculum libertatis) (não obstante exisitir o fumus boni iuris – fumus comissi delicti-), deverá revogar o decreto de prisão. Entretanto, se, após a revogação, sobrevierem razões que justifiquem a prisão, poderá de novo decretá-la (2005, p. 638).

A partir disso, tendo em vista que a qualquer momento a medida pode tornar-se necessária (MIRABETE, 2002, p. 391), a redecretação da prisão preventiva poderá ocorrer após sua revogação se surgirem "razões que a justifiquem" (TOURINHO FILHO, 1998, p. 484).

Abordados aspectos básicos do instituto em estudo, passa-se à análise de previsões legais específicas quanto a este.

1.4 Os legitimados ao requerimento da prisão preventiva, as fases em que é possível o requerimento e as condições em que é admitida

Além dos pressupostos genéricos inerentes às medidas cautelares (fumus boni iuris e periculum in mora), que consoante já exposto devem estar presentes para a decretação da prisão preventiva, também é necessária a observância de outras disposições específicas que regulam o instituto, previstas no Código de Processo Penal.

Uma delas é a do artigo 311 do referido diploma legal, que apresenta a seguinte redação: "Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva decretada pelo Juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, ou do querelante, ou mediante representação da autoridade policial".

Da leitura do citado artigo, depreendem-se três pontos importantes: as fases em que é cabível a decretação da prisão preventiva, quem poderá decretar a medida e quais são os legitimados a requerê-la.

Quanto ao primeiro ponto, prevê o artigo 311 do CPP que "a prisão preventiva somente caberá durante o inquérito policial ou no curso da instrução criminal" (RANGEL, 2005, p. 626), sendo possibilitada em qualquer fase destes. Esse aspecto caracteriza, assim, a chamada "ocasião" (MIRABETE, 1999, p. 409) ou "momento para a decretação" da medida (TOURINHO FILHO, 1998, p. 470).

Nesse aspecto, acrescenta-se que decorre também do texto legal, o ensinamento de Mirabete (2002, p. 388), segundo o qual a decretação da prisão preventiva nas referidas fases é possível nos casos de ação penal pública e nos de ação penal privada, "desde que presentes os pressupostos, fundamentos e condições de admissibilidade previstos em lei".

Quanto às condições mencionadas, estas serão abordadas ao final deste capítulo. Já os pressupostos e fundamentos foram objeto de breve estudo anteriormente e serão abordados de forma mais ampla no capítulo seguinte.

No que se refere aos pressupostos, entretanto, é importante relembrar que a prisão preventiva "somente poderá ser decretada ante a prova da existência do crime e de indícios suficientes da autoria". Esse fato apresenta relação com as fases em que é cabível a decretação da referida prisão, tendo em vista que os elementos hábeis a configurar a existência dos pressupostos são colhidos durante o inquérito policial ou na instrução (TOURINHO FILHO, 1998, p. 470-471).

Nessa esteira, relativamente ao inquérito policial, Fernando Capez (1997, p.214-215), considerando a possibilidade de devolução deste pelo Ministério Público à polícia para a realização de diligências complementares, afirma que,

se o inquérito ainda estiver em andamento, sem que a polícia tenha concluído as investigações, nada impede seja decretada a prisão, contando-se, a partir da sua efetivação, o prazo de dez dias para a conclusão. Por outro lado, se o inquérito policial já estiver concluído, mas o Ministério Público requerer a realização de novas diligências, por entender ainda não demonstrada suficientemente a autoria, neste caso não caberá a prisão preventiva [...].

Apenas a título de complementação, salienta-se que o prazo de dez dias para a conclusão do inquérito policial a que se refere a lição acima decorre do disposto no artigo 10 do CPP que estabelece essa determinação para o caso de o réu estar preso em função de flagrante ou preventivamente. Também é de se destacar que a lei estabelece prazos para o oferecimento da denúncia (art. 46 do CPP) e para a oitiva das testemunhas de acusação (art. 401 do CPP) e, em função disso, é fixado pela jurisprudência o prazo de 81 dias para a instrução criminal "no processo de rito comum em caso de réu preso" (MIRABETE, 1999, p. 410-411). Relativamente a esse prazo, acrescenta-se a lição de Jayme Walmer de Freitas (2004, p. 55-57), o qual refere que o Código de Processo Penal não estabeleceu um prazo para a duração das prisões cautelares e que assim, "a jurisprudência delimitou o marco máximo e seu alcance". Segundo o autor, contudo, o prazo de oitenta e um dias é para a conclusão do processo, o que engloba a sentença. Embora a divergência em relação ao entendimento do autor citado anteriormente, o que merece especial destaque é o fato de que, de acordo com o autor, a posição dos tribunais, especialmente do STF e do STJ, é a da "não-adoção de um prazo aritmético", devendo-se analisar cada processo individualmente em respeito ao princípio da razoabilidade [grifo do autor].

Voltando-se ao artigo 311 do Código de Processo Penal, embora o teor da disposição legal, admite-se a decretação da prisão preventiva quando da inexistência de inquérito policial (MIRABETE, 2002, p. 388). Nessa hipótese, a medida estaria baseada em informações consistentes em "documentos e outros elementos de prova" que demonstrem a materialidade e autoria delitivas (TOURINHO FILHO, 1998, p. 471). A partir disso, torna-se possível, inclusive, a decretação da medida "no curso de um processo administrativo, sem que haja inquérito policial" (RANGEL, 2005, p. 626).

Quanto à segunda ocasião em que é cabível a decretação da prisão preventiva, primeiramente é importante fazer uma definição de instrução criminal.

Conforme Paulo Rangel (2005, p. 626-627), esta apresenta as fases probatória e instrutória. A primeira abrange desde o interrogatório do réu, aos depoimentos das testemunhas da defesa. Já a segunda compreende "oitiva de testemunhas" e "alegações finais" (art. 500 do CPP), sendo que na fase das referidas alegações é possibilitada às partes a juntada de novos documentos, diante da disposição do artigo 400 do Código de Processo Penal, o qual dispõe que "as partes poderão oferecer documentos em qualquer fase do processo". Assim, a instrução criminal consiste, para o referido autor, no período que vai desde o interrogatório do réu até as alegações finais.

Para Mirabete (1999, p. 410), o término da instrução criminal ocorre com o cumprimento do artigo 499 do Código de Processo Penal, o qual refere, resumidamente, que após a conclusão da oitiva de testemunhas, autor e réu poderão requerer a realização de diligências.

Tourinho Filho (1998, p.472), assim como Paulo Rangel, afirma que o fim da instrução criminal ocorre com as alegações finais. Entretanto, relaciona estas à fase do artigo 499 e não do artigo 500 do Código de Processo Penal.

De qualquer forma, e adentrando-se no enfoque do aspecto em estudo, consoante o mesmo autor (1998, p. 472-473), não é possível a decretação da prisão preventiva após o encerramento da instrução criminal, pois nessa hipótese "a prisão cautelar só pode decorrer de sentença penal condenatória recorrível", a qual é prevista no artigo 594 do CPP. Como esta já foi abordada, salienta-se apenas que, quando de sua aplicação, também deverão ser analisados os requisitos do artigo 312 do mesmo diploma legal mencionado, o que faz com que a referida prisão também seja considerada prisão preventiva, consoante se pode verificar no entendimento expresso pelo Superior Tribunal de Justiça no Habeas Corpus 26.772.

A respeito dos legitimados a requerer a prisão preventiva, menciona o artigo 311 do Código de Processo Penal que "têm atribuições para tanto" o órgão do Ministério Público, o querelante e a Autoridade Policial, sendo que quanto os dois primeiros será sob a forma de requerimento, e quanto à última, sob a forma de representação (TOURINHO FILHO, 1998, p.478) [grifo do autor].

Paulo Rangel (2005, p. 627) estabelece a diferenciação entre requerimento e representação, afirmando que "requerimento é pedido, solicitação", podendo ser aceito ou não. Já a representação não constitui pedido, uma vez que e o delegado de polícia (autoridade policial) "representa" pela prisão preventiva, o que faz com base em uma exposição de fatos por meio da qual é mostrada a necessidade da decretação. Contudo, a avaliação da necessidade fica submetida à apreciação do Juiz, o qual poderá, assim, deixar de adotar a medida. Tourinho Filho (1998, p. 474) sintetiza o significado da representação, conceituando-a como uma "exposição escrita de motivos".

Como se pode verificar, a lei menciona expressamente os legitimados ao requerimento da prisão preventiva. A partir disso, considera-se o rol que apresenta como taxativo, não havendo, portanto, outros legitimados senão aqueles. Também se entende que em face do caráter excepcional da referida prisão, "não há que se fazer interpretação extensiva nem analógica" do artigo 311 do CPP, a fim de se conferir legitimidade àqueles não previstos pela lei, como é o caso do assistente do Ministério Público (RANGEL, 2005, p. 627).

O assistente do Ministério Público pode ser definido, de forma resumida, como o ofendido ("titular do bem jurídico lesado ou posto em perigo pela conduta criminosa") ou seu representante legal, ou na falta, o cônjuge, ascendente, descendente ou irmão (art. 268 combinado com o art. 31 do CPP). Ao assistente do Ministério Público é conferida a faculdade de auxiliar o Ministério Público na acusação em crimes sujeitos à ação pública e não privada, pois nesta figura como parte. É considerado "parte contingente (adjunta ou adesiva)" (MIRABETE, 2002, p. 346-348), cujo objetivo é o de se ressarcir na esfera civil dos prejuízos decorrentes do ilícito penal. Dessa forma, considera-se que o assistente do Ministério Público não tem legitimidade para requerer a prisão preventiva (RANGEL, 2005, p. 627-628), uma vez que não estará resguardando seus direitos por meio do encarceramento do ofensor (TOURINHO FILHO, 1998, p. 474). Isso, é claro, além da falta de previsão legal que lhe confira legitimidade, referida anteriormente.

Requerida a prisão preventiva, do teor do artigo 311 do Código de Processo Penal também se extrai a autoridade competente para a decretação, ou seja, o Juiz. Já nos casos de competência originária dos Tribunais, a competência é do Relator, consoante o art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 8.038/90, considerado "o Juiz da instrução". Ainda, tanto o Juiz de primeiro grau quanto o Relator podem decretar tal prisão de ofício, ou seja, sem que haja solicitação (provocação) (TOURINHO FILHO, 1998, p. 474), o que também se depreende da leitura do citado artigo 311.

Considerados os três aspectos que resultam do artigo 311 do CPP (fases em que é cabível a decretação da prisão preventiva, legitimados ao requerimento e autoridade competente para a decretação), passa-se à análise das "condições de admissibilidade" (MIRABETE, 1999, p. 418) de tal medida, as quais estão ligadas à "natureza da infração" (FREITAS, 2004, p. 44). Estas estão previstas no artigo 313 do CPP, segundo o qual a decretação da prisão preventiva é admitida quando da ocorrência de crimes dolosos "punidos com reclusão" (inc. I); "punidos com detenção, quando se apurar que o indiciado é vadio ou, havendo dúvida sobre sua identidade, não fornecer ou não indicar elementos para esclarecê-la" (inc. II); "se o réu tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o parágrafo único do art. 46 do Código Penal (inc. III)."

A partir dessas hipóteses legais de admissibilidade da prisão em questão, um primeiro aspecto a ser considerado, colocado por Paulo Rangel (2005, p. 632), consiste no fato de que "somente caberá prisão preventiva nos crimes dolosos, não sendo admissível prisão preventiva nos crimes culposos nem nas contravenções penais" [grifo do autor]. Quanto à expressão "crimes dolosos", esclarece Noronha (2002, p. 226) que são aqueles "praticados com vontade livre e consciente, havendo ciência de sua antijuridicidade".

O entendimento de Rangel acima exposto quanto às contravenções é corroborado pela posição de Fernando de Almeida Pedroso (1994, p. 113), para o qual "a prisão preventiva somente tem cabida quando se cuide de cometimento de crime, e não também quando seja perpetrada uma contravenção penal", referindo-se, com essa afirmação, à utilização da palavra "crime" nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal.

Cabível a decretação da prisão preventiva nos casos em que há crime, destaca-se que o inciso I do mencionado art. 313 refere a pena de reclusão, a qual é destinada aos delitos de maior gravidade (TOURINHO FILHO, 1998, p. 478).

Freitas (2004, p. 52), em face do fato de que a prisão preventiva deve ser aplicada em casos de "extrema necessidade", afirma não ser bastante a "qualidade do crime ou da pena" para a aplicação da medida e sugere uma "nova leitura" do dispositivo em questão, através da qual entende ser cabível a prisão preventiva "desde que as circunstâncias objetivas e/ou subjetivas sejam desfavoráveis ao indiciado ou réu." Em que pese o entendimento da necessidade de dar nova leitura ao dispositivo, é de se ressaltar a posição de Paulo Rangel (2005, p. 633), o qual, sem mencionar tal necessidade, diz que primeiramente deve-se verificar a permissão legal para a decretação da prisão preventiva contida no art. 313 do CPP e depois verificar a existência do fumus boni iuris e do periculum in mora, sendo que agregados esses três elementos, "a prisão preventiva deve ser decretada pelo Juiz, fundamentadamente."

Quanto ao teor do inciso II do art. 313 do CPP, a fim de que seja admitida a decretação da prisão preventiva, este "leva em conta a personalidade do agente" (NORONHA, 2002, p. 226), reunindo à prática de crime doloso punido com detenção, a condição de vadio do indiciado ou o fato de este não fornecer dados que "dirimam dúvidas" (FREITAS, 2004, p. 53) sobre sua verdadeira identidade.

Com relação ao primeiro caso, a definição da expressão "vadio" é extraída do artigo 59 da Lei das Contravenções Penais, consistindo este em "quem, voluntariamente, vive ocioso; aquele que, embora precise e possa trabalhar, não o faz, ou ainda vive de ocupação ilícita" (FREITAS, 2004, p. 52).

Tourinho Filho (1998, p. 478), quanto a essa questão, afirma a necessidade de que fique "apurada a condição de vadio", não sendo suficientes "simples suspeitas" para caracterizar tal condição. Também diz o autor que aquele que não fornece ou não indica elementos em havendo dúvida sobre sua identidade, ainda que não esteja na condição de vadio, poderá ter sua prisão preventiva decretada e, em ambas as hipóteses que a lei coloca, a medida "se justifica como providência altamente cautelar", pois "tais circunstâncias indicam que, se o indiciado permanecer em liberdade" poderá frustrar o cumprimento de "eventual pena". É de se acrescentar que para ambos os casos aqui tratados, a prisão também poderá ser decretada se o crime for apenado com reclusão (FREITAS, 2004, p. 53), mas nesse caso incidirá a disposição do inciso I anteriormente referida, independentemente da condição de vadio ou de que o indiciado crie obstáculos à verificação de sua identidade (TOURINHO FILHO, 1998, p. 478).

Ainda nesse ponto, ressalta-se o entendimento de Paulo Rangel (2005, p. 632) para o qual o legislador vedou a prisão preventiva quanto aos crimes punidos com detenção, "não sendo admissível que se decrete prisão somente por ser o réu vadio ou por haver dúvida quanto à sua identidade". Isso porque considera que o art. 59 da LCP não tem mais aplicação social e que "o operador do direito deve analisar a norma à luz dos usos e costumes no tempo e no espaço". Afirma não ser cabível a prisão preventiva em crime doloso punido com detenção, pois tal crime, isoladamente, não autoriza a "prisão em decorrência de uma pena imposta".

Relativamente à possibilidade de decretação da prisão preventiva no caso de o réu ter sido condenado por outro crime doloso, constante no inciso III do art. 313 do CPP, o "parágrafo único do artigo 46 do Código Penal", a que se refere tal disposição, é correspondente, na atualidade, ao artigo 64, I, do mesmo diploma legal (MIRABETE, 2002, p. 387), o qual determina que,

para efeito de reincidência, não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação.

Na previsão do citado inciso III, a prisão preventiva é admitida em "crime doloso", seja a pena aplicada a de reclusão ou detenção (RANGEL, 2005, p. 632). Entretanto, deve-se observar a "regra da prescrição da reincidência" constante no artigo 64, I, do Código Penal, acima transcrita.

Para elucidar a aplicação do disposto no inciso III, traz-se o exemplo citado por Paulo Rangel (2005, p. 633), consistente no caso de "se o réu tiver cumprido pena há seis anos [...], pela prática de crime doloso, por sentença transitada em julgado, inadmissível será sua prisão preventiva com base no inciso III do art. 313 do CPP.

Assim, ocorrendo a prescrição da reincidência, é incabível a decretação da prisão preventiva com base na regra mencionada no parágrafo anterior.

As questões até então estudadas são básicas e essenciais não somente à compreensão do instituto da prisão preventiva, mas das demais idéias que serão desenvolvidas. A partir do próximo capítulo, voltar-se-á à disposição do artigo 312 do Código de Processo Penal, que será estudada de maneira mais aprofundada. Após, será abordada a questão da motivação do decreto prisional com base nos fundamentos contidos no referido artigo e em outras disposições legais pertinentes.


2 OS FUNDAMENTOS DO ARTIGO 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E A MOTIVAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL

Abordadas as previsões legais específicas que regem a prisão preventiva bem como as características particulares desse instituto, passa-se à análise das expressões constantes no artigo 312 do Código de Processo Penal, dispositivo gerador de posicionamentos divergentes quanto à interpretação do significado das expressões e que, ao mesmo tempo, é determinante para a aplicação da medida em estudo.

2.1 Os pressupostos e fundamentos autorizadores da prisão preventiva constantes no artigo 312 do Código de Processo Penal

Já se analisou, no capítulo anterior, o caráter excepcional do qual se reveste a prisão preventiva, a exigência da configuração da necessidade para sua aplicação, os legitimados ao seu requerimento e as condições em que é admitida. A partir disso, quando da aplicação da medida é necessário que o julgador verifique a existência desses elementos e constate se efetivamente estão preenchidos os pressupostos e os fundamentos da referida prisão, dispostos no artigo 312 do Código de Processo Penal, os quais, consoante já referido representam, respectivamente, o fumus boni iuris e o periculum in mora.

A título de informação, é de se destacar o posicionamento expresso por Aury Lopes Jr. (2004, p. 189-190) quanto a essas duas expressões utilizadas para caracterizar os referidos pressupostos e fundamentos, o qual também foi repetido na obra de Paulo Rangel (RANGEL, 2005, p. 594). O entendimento daquele autor é o de que constitui uma "impropriedade jurídica (e semântica)" a utilização da expressão fumus boni iuris, sendo o termo correto a ser utilizado, "fumus comissi delicti", uma vez que tal requisito consiste na probabilidade da ocorrência de um delito e não da existência do direito da acusação. Também o autor considera inadequada a utilização do termo periculum in mora tendo em vista que o perigo decorre do "estado de liberdade do imputado" e não do tempo, motivo pelo qual deve ser utilizada a expressão "periculum libertatis". Acrescenta, ainda, que o periculum é fundamento das medidas cautelares, enquanto que o fumus comissi delicti é requisito.

Não obstante, e tendo em vista o objeto do presente trabalho, passa-se à análise do artigo 312 do Código de Processo Penal, para o que se continuará utilizando os termos adotados pela doutrina clássica.

O referido dispositivo apresenta a seguinte redação: "A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria".

Inicialmente será analisada a última parte do citado artigo, uma vez que sinaliza os pressupostos da prisão preventiva, sem os quais a medida não poderá ser decretada, conforme já se aventou. Estes estão contidos nas expressões "prova da existência do crime" e "indícios suficientes de autoria".

De acordo com Mirabete (1999, p. 412-413), o primeiro pressuposto está relacionado à materialidade delitiva, ou seja, à existência de "laudo de exame de corpo de delito, documentos, prova testemunhal etc.". Referindo o texto legal a existência de prova, não são admitidas, a fim de se justificar a decretação da prisão preventiva, simples suspeitas ou indícios de que tenha ocorrido um ilícito penal. A lição de Paulo Rangel (2005, p. 631) complementa esse entendimento ao referir que a materialidade deverá ser atestada por "laudo pericial, documentos ou prova testemunhal idônea", sendo que o referido laudo é hábil a comprovar a materialidade dos crimes que deixam vestígios (FREITAS, 2004, p. 44).

Também é necessário ressaltar que são "elementos conceituais e estruturais do crime" a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade e, por assim ser, faltando algum desses elementos não haverá crime. Como conseqüência disso, a prisão preventiva não será passível de ser decretada. Nesse diapasão, quando se faz presente alguma causa excludente de ilicitude, não é possível a decretação da prisão preventiva, o que é determinado, inclusive, pelo art. 314 do CPP [já explicitado no capítulo anterior]. De igual forma não será possível a adoção da medida quando existir uma "eximente de culpabilidade", ou seja, quando houver inimputabilidade, erro de tipo ou proibição (casos em que o erro deverá ser comprovado), coação moral irresistível ou "estrita obediência a ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico" (PEDROSO, 1994, p. 99-100).

Para elucidar essa questão, colaciona-se a lição de Mirabete (2001, p. 98), o qual define como fato típico "o comportamento humano (positivo ou negativo) que provoca, em regra, um resultado, e é previsto como infração penal". Nesse contexto, "positivo" e "negativo" significam, respectivamente, ação ou omissão.

Como fato antijurídico, o autor entende "aquele que contraria o ordenamento jurídico", sendo a antijuridicidade "a relação de contrariedade entre o fato típico praticado e o ordenamento jurídico". Já a culpabilidade é definida como "a reprovação da ordem jurídica em face de estar ligado o homem a um fato típico e antijurídico [...] a contradição entre a vontade do agente e a vontade da norma".

Necessária que é a prova para atestar a existência do crime, o mesmo não ocorre quanto aos "indícios suficientes de autoria", como bem resume Fernando de Almeida Pedroso (1994, p. 99-100), ao afirmar que "o delito precisa estar ‘provado’ e a autoria necessita ser pelo menos ‘provável". Isso porque, conforme se verifica do texto legal, este se refere a "indícios" e não a provas. Nesse sentido, Aury Lopes Jr. (2004, p. 191), citando o pensamento de Carnelutti em sua obra "Lecciones sobre el Processo Penal (1950, p. 180)", salienta a imprecisão da expressão relativa ao segundo pressuposto da prisão preventiva, mencionando que "a proposição ‘indícios suficientes’ não diz nada".

Em que pese a amplitude de tal expressão, a doutrina a interpreta de maneira a agregar-lhe um "juízo de probabilidade" (LOPES JR., 2004, p. 192). Neste aspecto, é a lição de Paulo Rangel, como se verifica de suas palavras:

Indícios suficientes de autoria não são provas contundentes, robustas e que geram certeza absoluta de autoria do indiciado ou acusado. Basta apontamentos de que o indigitado ou acusado é o autor do fato. Elementos que apontem a fumaça no sentido de que o acusado é o autor do ilícito penal que ora se apura. São indicações. Não é necessário o fogo da certeza, mas sim a mera fumaça de que ele pode ser o autor do fato (2005, p. 631) [grifo do autor].

Não sendo, portanto, necessária a certeza quanto à autoria, a verificação da suficiência dos indícios é confiada ao Magistrado, o qual deverá, com base nos "elementos colhidos", decidir se estes são suficientes à decretação da prisão preventiva (MIRABETE, 1999, p. 413). O mesmo se aplica em relação ao pressuposto da existência do crime, pois as causas de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade, da mesma forma, são "objeto de análise e valoração" pelo Juiz quando da aplicação da medida (LOPES JR., 2004, p. 193).

Configurados os pressupostos abordados, também se faz necessária a análise dos fundamentos da prisão preventiva contidos nas expressões garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução criminal e assegurar a aplicação da lei penal, indicados na primeira parte do artigo 312 do Código de Processo Penal, os quais devem existir paralelamente aos pressupostos a fim de que seja possível a decretação da medida (MOREIRA, 1996, p. 89).

Quanto ao primeiro fundamento da prisão preventiva (garantia da ordem pública), segundo David Alves Moreira (1996, p. 68-69) "a interpretação dada à expressão ‘ordem pública’ nem sempre tem sido pacífica, constituindo ponto de grande controvérsia na análise do caso concreto". Aury Lopes Jr. (2004, p. 205) chega a classificar tal expressão como vaga, imprecisa e indeterminada. A partir disso, o "enquadramento das situações pertinentes", na hipótese da garantia da ordem pública, fica confiado à doutrina e à jurisprudência (FREITAS, 2004, p. 46).

A doutrina traz o conceito de ordem pública como "a paz, a tranqüilidade no meio social" (TOURINHO FILHO, 1998, p. 475), sendo que o fundamento em exame se destina a dois aspectos: "evitar que o acusado volte a cometer delitos e evitar a perturbação da ordem pública nos casos em que surge o grave abalo social" (BECK, 2001, p. 79).

No primeiro caso, considera-se que a ofensa a um bem juridicamente tutelado ofende a ordem pública (FREITAS, 2004, p. 46), destinando-se, assim, a medida, a impedir que o agente, estando solto, continue a delinqüir. Trata-se de caso de "prevenção especial" (GOMES FILHO, 1991, p. 67), sendo a "provável prática de novos delitos" aferida a partir de elementos tais como antecedentes do réu e reincidência (CAPEZ, 1997, p. 213).

Essa constatação da possibilidade de reiteração de delitos é criticada. Aury Lopes Jr. (2004, p. 204) salienta, inclusive, a expressão "futurologia perigosista" utilizada em decisão proferida no HC 70006140693, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que foi relacionada à questão. Também Gomes Filho (1991, p. 69) tece críticas a essa hipótese de decretação da prisão preventiva, afirmando que a aferição periculosidade do réu ocorre com base em um "juízo de probabilidade", bem como que antecedentes criminais e gravidade do delito "mais revelam uma impressão pessoal do magistrado do que uma realidade assentada em fatos concretos".

A questão da gravidade do delito está relacionada ao aspecto do abalo social antes mencionado. Este, por sua vez, está ligado à gravidade e à repercussão do crime, aplicando-se a medida com o intuito de "acautelar o meio social" e resguardar a "credibilidade da justiça" (MIRABETE, 1999, p. 414). Cuida-se de "exemplariedade’, no sentido de imediata reação ao delito, que teria como efeito satisfazer o sentimento de justiça da sociedade" (FOSCHINI apud GOMES FILHO, p. 67).

Há o entendimento de que apenas a gravidade do delito não é suficiente para ensejar a prisão preventiva, devendo ser analisadas outras circunstâncias que possam causar clamor público e, assim, o abalo da ordem pública. De igual forma, a simples repercussão do fato sem outras conseqüências como a periculosidade do réu e a reiteração da prática do delito não são hábeis a ensejar a prisão preventiva (MIRABETE, 1999, p. 414). Também se deve salientar o posicionamento de Paulo Rangel (2005, p. 628), para o qual o indivíduo não pode ser segregado cautelarmente a pretexto de assegurar sua integridade física em face do clamor social causado pelo crime.

Embora a interpretação realizada pela doutrina quanto à garantia da ordem pública, dada abrangência do termo "ordem pública" já referida, há dificuldades de delimitar um conceito para este (GOMES FILHO, 1991, p. 66). A partir disso, poderá ocorrer que o termo justifique qualquer prisão, por menos necessária que seja, tendo em vista que a prática de ato contrário à lei pode ofender a ordem pública.

Uma crítica relevante quanto a esse fundamento para a custódia preventiva está relacionada à constitucionalidade da prisão decretada com base nesta hipótese. Quanto a esse ponto, transcreve-se a lição de Aury Lopes Jr.:

As medidas cautelares não se destinam a "fazer justiça", mas sim garantir o normal funcionamento da justiça através do processo (penal) de conhecimento. Logo, são instrumentos a serviço do instrumento processo [...] só é cautelar aquela medida que se destinar a esse fim [...]. E somente o que for verdadeiramente cautelar é constitucional (LOPES JR., 2004, p. 202-203) [grifo do autor].

O autor justifica esse posicionamento afirmando que a prisão preventiva decretada com base no fundamento da garantia da ordem pública ou da ordem econômica "nada tem a ver" com os fins da tutela cautelar, pois nesses casos a prisão é utilizada como medida de segurança pública. Também refere o autor que "a única presunção que a Constituição permite é a de inocência e ela permanece intacta em relação a fatos futuros". Ainda nesse pensamento, a prisão decretada com base nesses fundamentos consistiria em pena antecipada (LOPES JR., 2004, p. 203-205). No mesmo sentido, é a posição de Gomes Filho (1991, p. 68), para o qual a prisão para a garantia da ordem pública é uma antecipação da punição e ofende à Constituição.

A garantia da ordem econômica acima referida também é um dos fundamentos que viabilizam a decretação da prisão preventiva, consoante a redação do artigo 312 do Código de Processo Penal. Essa hipótese foi incluída no citado artigo através do artigo 86 da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994 (Lei Antitruste), consistindo em uma "repetição" do fundamento da garantia da ordem pública (CAPEZ, 1997, p. 214).

A prisão preventiva decretada com base no fundamento em exame visa a resguardar a ordem econômica de modo a "permitir a prisão do autor do fato-crime" que perturbe "o livre exercício de qualquer atividade econômica" (RANGEL, 2005, p. 629).

As condutas que atentam contra a ordem econômica são aquelas cujo objeto ou efeito consista naqueles mencionados no artigo 20 da lei acima mencionada, os quais referem em "limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência e a livre iniciativa; dominar o mercado relevante de bens ou serviços; aumentar arbitrariamente os lucros; e exercer de forma abusiva posição dominante" (MIRABETE, 1999, p. 415).

Também é possível a aplicação da prisão preventiva a partir de hipóteses previstas em leis extravagantes, das quais podem ser citadas as Leis nº 8.137, de 27-12-90, a qual define crimes contra a ordem tributária e econômica e contra as relações de consumo, nº 7.492, de 16-6-1986, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional e dá outras providências, e a Lei nº 1.521, de 26-12-1952, que dispõe sobre crimes contra a economia popular (FREITAS, 2004, p. 49), e outras normas que se refiram à ordem econômica, em conformidade com a disposição do artigo 170 da Constituição Federal e seguintes [os quais dispõe sobre os princípios gerais da atividade econômica], combinado com o art. 20 da Lei nº 8.884/94 (RANGEL, 2005, p. 629).

Com base no que foi dito inicialmente a respeito da prisão para a garantia da ordem econômica, a esta são dirigidas as mesmas críticas realizadas quanto à prisão preventiva para a garantia da ordem pública, pois também considera-se que a hipótese em exame desvirtua "as finalidades instrumental e cautelar" da custódia preventiva (BECK, 2001, p. 83).

Prosseguindo-se no estudo do artigo 312 do Código de Processo Penal, outro fundamento que possibilita a decretação da prisão preventiva é a conveniência da instrução criminal.

A palavra "conveniência", utilizada no texto legal, poderia remeter a uma idéia de "oportunidade, de utilidade ou de mera vantagem processual". Embora a adoção desse termo pelo citado artigo 312, a mera conveniência não é hábil a determinar a privação da liberdade, devendo haver, para tanto, a comprovada necessidade para a instrução criminal (FREITAS, 2004, p. 50). Assim, nas palavras de Hélio Tornaghi (1990, p. 93), "deve entender-se conveniente a prisão para a instrução criminal somente quando estritamente necessária, isto é, quando sem ela a instrução não se faria ou se deturparia". Nesse sentido, estariam obstaculizando a instrução criminal determinadas práticas por parte do indiciado ou réu, tais como afugentar ou ameaçar testemunhas, subornar pessoas que possam levar ao Juiz elementos relevantes para o esclarecimento do fato, ameaçar peritos, a vítima (TOURINHO FILHO, 1998, p. 476), o Juiz ou promotor de justiça que atua no processo, subtrair documentos úteis, (RANGEL, 2005, p. 629) dentre outras.

Diante da ocorrência de tais práticas, infere-se a necessidade da tutela da prova para resguardar a instrução criminal. Nesse aspecto, Jaime Walmer de Freitas (2004, p. 51) afirma que a posição da jurisprudência é no sentido de que "a conveniência da instrução criminal evidencia a necessidade de a coleta de provas não ser perturbada, impedindo a busca da verdade real". Esse posicionamento foi extraído do Habeas Corpus 3.169, que tramitou no Superior Tribunal de Justiça, cuja decisão será colacionada no decorrer deste trabalho.

A partir do entendimento citado, a custódia preventiva expressa sua necessidade para que o Juiz possa colher de maneira segura os elementos de convicção necessários ao julgamento do processo (TOURINHO FILHO, 1998, p. 476), ou, conforme Paulo Rangel (2005, p. 629), é justificada tal prisão com o objetivo de se "garantir um processo justo, livre de contaminação probatória e seguro para que o Juiz forme, honesta e legalmente, sua convicção", na forma em que preconiza o item VII da Exposição de Motivos do Código de Processo Penal [grifo do autor].

Quanto à adoção da medida, é importante salientar o posicionamento de David Alves Moreira (1996, p. 93), segundo o qual, para que a prisão preventiva seja "de toda aplicável", deve haver "indícios veementes", ou seja, quase que uma certeza de que o acusado tenha agido ou possa vir a agir de forma a obstruir a instrução criminal, devendo haver a constatação da intenção deste com base em tais indícios. Dessa forma, não bastam suposições, sob pena de se ter uma medida ilegal.

Outro ponto que merece destaque quanto à prisão destinada a garantir a instrução criminal é colocado por Fernando de Almeida Pedroso:

encontrar-se-á o réu alijado de seus direitos se, preso preventivamente por conveniência da instrução criminal [...], esta findar e ele permanecer encarcerado, aguardando o pronunciamento da Justiça. Cessada a causa que determinou a prisão, esta há de ser – incontinenti – revogada (1994, p. 94).

Esse posicionamento está ligado à possibilidade de revogação da prisão preventiva disposta no artigo 316 do Código de Processo Penal. Nesse caso é viabilizada diante do "desaparecimento" do fundamento caracterizador do periculum in mora, qual seja, a conveniência para a instrução criminal.

Também no mesmo sentido do pensamento do autor acima citado é o entendimento de Aury Lopes Jr. (2004, p. 209-211), o qual, após sugerir a substituição da prisão preventiva com base no fundamento em análise pela detenção do sujeito passivo a fim de que este seja ouvido e realizada a produção antecipada de provas, afirma que depois da realização desses atos não há mais motivo para a segregação, pois o suspeito não poderá "alterar mais nada", posicionamento que pode ser aplicado quanto à prisão preventiva para a conveniência da instrução criminal.

Acrescenta-se que a questão referida, de substituição da prisão cautelar pela detenção, está inserida na crítica que o autor faz quanto à prisão com base no fundamento em questão, ao afirmar que a tutela da prova poderia ser realizada de outras formas que demandariam um custo "social e para o imputado" menor do que o de uma prisão cautelar.

O artigo 312 do Código de Processo Penal, por fim, estabelece a possibilidade de decretação da prisão preventiva para "assegurar a aplicação da lei penal". Com base nesse fundamento, o que se busca é assegurar a execução da pena, decretando-se a prisão do autor da infração penal que objetive subtrair-se dos efeitos de eventual condenação (MIRABETE, 1999, p. 416).

A possibilidade de subtração referida é constatada através de determinadas circunstâncias como, por exemplo, não ser o indiciado ou acusado radicado no distrito da culpa, se desfazer de seus "bens de raiz" de forma injustificada (TOURINHO FILHO, 1998, p. 476), não ter residência fixa, ocupação lícita, dentre outras situações que como estas indicam a "provável evasão" (CAPEZ, 1997, p. 214).

Nesse ponto, Paulo Rangel (2005, p. 629) afirma que para decretar-se a prisão preventiva com o fim de assegurar a aplicação da lei penal, deve haver provas seguras dessas circunstâncias, como em relação ao fato de que o acusado está "tentando livrar-se de seu patrimônio" e o de que este se encontra em "lugar incerto e não sabido com a intenção de se subtrair à aplicação da lei", hipótese essa que caracteriza a fuga. Quanto a esta, Fernando de Almeida Pedroso, baseado em uma série de julgados que cita em sua obra, assevera que,

a fuga do réu do distrito da culpa (ou não possuir ele emprego ou domicílio fixos) exsurge, por si só, como motivo suficiente, respaldado em necessidade de assegurar-se a aplicação da lei penal, para o enclausuramento provisório do indigitado autor do delito (1994, p. 93).

Entretanto, é necessário voltar-se à lição de Paulo Rangel (2005, p. 629), para o qual a fuga não pode ser presumida, mas aferida com base em elementos constantes nos autos que demonstrem de forma cabal o desejo de subtração. Nesse contexto, o poder econômico do réu, por si só, sem estar apoiado em tais elementos que demonstrem a pretensão de fuga, ou o simples fato de aquele estar desempregado não podem autorizar a prisão preventiva. Assim, "deve-se apresentar um fato claro, determinado, que justifique o receio de evasão do réu" (LOPES JR., 2004, p. 211).

Da mesma forma em que ocorre com os outros dois fundamentos da prisão preventiva abordados anteriormente, a decretação da medida para garantir a aplicação da lei penal recebe críticas, as quais são no sentido de ser "absolutamente inconcebível qualquer presunção de fuga" diante do princípio constitucional da presunção de inocência, que impõe a presunção do comparecimento do acusado, bem como de que existem outras formas de se assegurar a presença do réu, como obrigá-lo ao comparecimento periódico para informar suas atividades e comprovar sua presença, reter seu passaporte e outras, de maneira que a privação da liberdade seria aplicável a situações realmente excepcionais. Pode-se acrescentar também a hipótese de condução forçada do acusado, colocada por Tornaghi (1990, p. 94), a qual está disposta no artigo 260 do Código de Processo Penal.

Abordados os fundamentos da prisão preventiva segundo a doutrina, é oportuno colacionar-se a título de complementação a ementa da decisão proferida nos autos do Habeas Corpus 3.169, citado por Jaime Walmer de Freitas (2004, p. 51), no que é pertinente:

EMENTA: HC - PROCESSUAL PENAL - PRISÃO PREVENTIVA - FUNDAMENTAÇÃO – [...] a ordem publica resta ofendida quando a conduta provoca acentuado impacto na sociedade, dado ofender significativamente os valores reclamados, traduzindo vilania do comportamento. A conveniência da instrução criminal evidencia necessidade de a coleta de provas não ser perturbada, impedindo a busca da verdade real. Assegurar a aplicação da lei penal, por fim, traduz idéia de o indiciado, ou réu demonstrar propósito de furtar-se ao cumprimento de eventual sentença condenatória. Aqui, e suficiente o juízo de probabilidade (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 1995).

Observa-se que a decisão acima é condizente com a posição doutrinária que se refere à conceituação dos fundamentos estudados. Contudo, é certo que, como bem refere David Alves Moreira (1996, p. 94), estes dão margem a diversas interpretações, o que possibilita a aplicação da prisão preventiva com base em meras referências a tais fundamentos. Assim, é necessária a atenção à motivação da decisão que determina a prisão preventiva, ponto que será abordado no subcapítulo seguinte.

2.2 A Motivação do Decreto Prisional conforme os Artigos 93, IX, da Constituição Federal, e 315 do Código de Processo Penal

Partindo-se da abordada dificuldade de conceituar os fundamentos da prisão preventiva elencados no artigo 312 do Código de Processo Penal, bem como da característica excepcionalidade de que se reveste tal prisão, uma vez que implica na privação da liberdade do indivíduo antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, mostra-se essencial o estudo da motivação do decreto prisional com base em tais fundamentos.

A importância desse estudo é evidenciada inclusive pela doutrina, que refere a proliferação de "decisões formulárias e sem a menor fundamentação" em que se ampara a decretação da prisão preventiva (LOPES JR., 2004, p. 193). Também nesse contexto, afirma-se que "a matéria vem sendo tratada ao longo dos anos de maneira pouco razoável", de modo que "os abusos e arbitrariedades, calcados principalmente na falta de justificação e necessidade da medida, têm se tornado uma constante" (BECK, 2001, p. 79).

Considerando-se a realidade retratada, passa-se ao estudo da motivação da decisão que decreta, denega ou mantém a prisão preventiva.

A necessidade de motivação das decisões judiciais é prevista no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, o qual apresenta a seguinte redação:

Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

[...]

IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes; [...]

Do texto legal decorre, além do "dever de motivar", o dever de publicidade dos julgamentos, que constitui "direito fundamental do cidadão", estando expresso no artigo 5º, LX, da Constituição Federal, o qual dispõe que "a lei só poderá restringir a liberdade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem". Essa questão da publicidade, entretanto, não comporta aprofundamento, tendo em vista o objeto do estudo que ora se desenvolve. Salienta-se, apenas, a ligação entre os deveres de publicidade e de motivar, consistente no fato de que "não se conceberia julgamento público sem motivação, que é o momento em que as razões da decisão se exteriorizam", isso no sentido de viabilizar o controle social quanto às decisões do Poder Judiciário. A exceção quanto à necessidade de motivação ocorre em casos excepcionais como na decisão do Júri, a qual "não é motivada e segue o sistema do livre convencimento para a apreciação da prova" (CARVALHO, 1998, p. 125-126).

Adentrando-se no estudo da motivação, esta constitui princípio constitucional, devendo todas as decisões proferidas pelos órgãos do Poder Judiciário ser fundamentadas, sob pena de nulidade (RANGEL, 2005, p. 482).

Em termos de conceituação, Paulo Rangel (2005, p. 482) estabelece que "a fundamentação é a exteriorização do raciocínio desenvolvido pelo Juiz para chegar à conclusão". É a fundamentação, a exposição das "razões de fato e de direito" (TORNAGHI, 1990, p. 91). Aury Lopes Jr. (2004, p. 254) aduz, ainda, que "não se trata de gastar folhas e folhas para demonstrar a erudição jurídica (e jurisprudencial) ou discutir obviedades. O mais importante é explicar o porquê da decisão, o que levou a tal conclusão".

A partir disso, a motivação deve conter de forma clara as escolhas feitas pelo Magistrado, devendo este justificar a escolha de determinada regra jurídica e dizer, de forma adequada, por que fez determinada opção (GRINOVER, 1995, p. 169-170).

No mesmo sentido é a posição expressa pelo Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do Habeas Corpus 18681, abaixo transcrita:

EMENTA: HABEAS CORPUS. ROUBO COM CAUSA DE AUMENTO DE PENA. APELO EM LIBERDADE. RÉU QUE RESPONDEU CUSTODIADO AO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE.

1. A toda evidência, a fundamentação das decisões do Poder Judiciário, tal como resulta da letra do inciso IX do artigo 93 da Constituição da República, é condição absoluta de sua validade e, portanto, pressuposto da sua eficácia, substanciando-se na definição suficiente dos fatos e do direito que a sustentam, de modo a certificar a realização da hipótese de incidência da norma e os efeitos dela resultantes.

2. Tal fundamentação, para mais, deve ser deduzida em relação necessária com as questões de direito e de fato postas na pretensão e na sua resistência, dentro dos limites do pedido, não se confundindo, de modo algum, com a simples reprodução de expressões ou termos legais, postos em relação não raramente com fatos e juízos abstratos, inidôneos à incidência da norma invocada [...] (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 2002).

A partir dessas definições, evidencia-se que a exigência da motivação influencia sobremaneira a atividade do Magistrado, o qual fica obrigado a "justificar seu pronunciamento" (GRINOVER, 1995, p. 169). Nesse contexto, destaca-se o princípio do "livre convencimento motivado" ou "persuasão racional", que sustenta a garantia da fundamentação das decisões judiciais. Esse princípio é previsto no artigo 157 do Código de Processo Penal (LOPES JR., 2004, p. 271), o qual dispõe que "o Juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova".

Trata-se, dessa forma, de garantia para impedir julgamentos parciais, significando que o Juiz está impedido de julgar com base no eventual conhecimento que tenha extra-autos, sendo o processo, "o mundo" para este (TOURINHO FILHO, 1997, p. 46). Cuida-se, assim, de uma "limitação do Juiz ao que está nos autos e que lá tenha regularmente ingressado", de modo que seu convencimento deverá ser pautado por esses elementos (LOPES JR., 2004, p. 272-273).

O posicionamento expresso na obra de Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarance Fernandes e Antônio Magalhães Gomes Filho corrobora o exposto ao mencionar a questão da imparcialidade e vinculação do Juiz aos autos:

É através da fundamentação, com efeito, que se expressam os aspectos mais importantes considerados pelo julgador ao longo do caminho percorrido até a conclusão última, representando, por isso, o ponto de referência para a verificação da justiça, imparcialidade, atendimento quanto às prescrições legais e efetivo exame das questões suscitadas pelos interessados no pronunciamento judicial (1995, p. 242-243).

Diante dessas considerações, expressa-se a importância da obrigatoriedade da motivação das decisões judiciais ao servir a fundamentação de "instrumento de legitimação do Poder Judiciário", demonstrando que a atuação deste não é arbitrária, mas unicamente pautada pela lei (CARVALHO, 1998, p. 126). Outros reflexos decorrentes do dever constitucionalmente imposto são os de que possibilita à sociedade conhecer da atividade jurisdicional, podendo esta formar uma opinião a respeito da qualidade dos serviços prestados pela justiça (GRINOVER, 1995, p. 169), bem como que "cumpre a função de viabilizar minimamente a irresignação daqueles que, não se dando por satisfeitos com as razões do decidido [...] venham a optar por sua impugnação" (FLACH, 2000, p. 79-80).

É importante ressaltar que os aspectos até então tratados quanto à obrigatoriedade de motivação das decisões judiciais estão relacionados tanto à sentença quanto às decisões interlocutórias (GRINOVER, 1995, p. 170), sendo fundamental que ambas sejam "suficientemente motivadas" (LOPES JR., 2004, p. 253).

Partindo-se dessa concepção, impõe-se a necessidade de fundamentação prevista no artigo 93, IX, da Constituição Federal aos provimentos relativos à restrição antecipada da liberdade, como no caso das prisões cautelares, de maneira que,

somente através da declaração expressa dos motivos da decisão será possível reconstituir o caminho seguido pelo magistrado para a decretação da medida extrema, aferindo-se, assim, o atendimento das prescrições legais e o efetivo exame das questões suscitadas pelos interessados no provimento (GRINOVER, 1995, p. 232-233).

Assim, quanto às prisões cautelares é imperativa a "declaração expressa dos motivos que ensejaram a restrição da liberdade individual no caso concreto" (GOMES FILHO, 1991, p. 79-81), ficando o Juiz obrigado a explicitar as circunstâncias concretas que o levaram a entender que há o perigo da liberdade do acusado para o desenvolvimento dos atos instrutórios, para a aplicação da pena ou para a garantia da ordem pública (CÂMARA, 1997, p. 59).

Ainda deve-se acrescentar que, no tocante à prisão, de maneira geral, o dever de fundamentar também é disposto no artigo 5º, LXI, do mesmo diploma legal, que estabelece que "ninguém será preso senão em flagrante de delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade competente" (GRINOVER, 1995, p. 232).

A partir de tais disposições, bem como de outras pertinentes previstas na Constituição Federal a respeito da prisão, vislumbra-se o objetivo de submeter as prisões de natureza cautelar ao Poder Judiciário, não podendo a ordem judicial respectiva ser resultante de apreciação discricionária do Juiz (GRINOVER, 1995, p. 232), o que, na verdade, já se depreende do disposto no artigo 93, IX, conforme se referiu anteriormente.

Com base no que se expôs, verifica-se a aplicação às prisões cautelares do entendimento empregado à prisão preventiva quanto à caracterização do fumus boni iuris e do periculum in mora no que se refere à fundamentação destas.

Dessa forma, quanto ao primeiro é indispensável que o Juiz demonstre a tipicidade do fato e sua efetiva existência, indicando, para tanto, as provas em que baseia sua convicção (GRINOVER, 1995, p. 243), de modo a caracterizar-se uma probabilidade e não o reconhecimento antecipado da culpabilidade, em respeito ao princípio constitucional da presunção de inocência (GOMES FILHO, 1991, p. 81).

Quanto ao periculum in mora, a fundamentação deve conter, de forma explícita, os fatos que caracterizam a necessidade da medida (GRINOVER, 1995, p. 243), havendo, ao contrário do fumus boni iuris, que admite um juízo de probabilidade, necessidade de se analisar de maneira mais aprofundada as circunstâncias que configuram a necessidade da prisão (GOMES FILHO, 1991, p. 79).

No que se refere à prisão preventiva, a imposição da fundamentação é mais explícita, tendo em vista disposição legal específica existente antes mesmo da Constituição Federal vigente, que recepcionou tal disposição (FREITAS, 2004, p. 54). Esta consiste no artigo 315 do Código de Processo Penal, o qual apresenta a seguinte redação: "o despacho que decretar ou denegar a prisão preventiva será sempre fundamentado".

Nesse ponto, inicialmente é importante frisar, em face do conteúdo do texto legal, que a nova redação proposta ao referido artigo, constante no Projeto de Lei nº 4.208/01, que modifica o Título IX do Código de Processo Penal que trata "Da Prisão e da Liberdade Provisória", exige que "a decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva seja sempre fundamentada". Trata-se de observância ao exigido no artigo 93, IX, da Constituição Federal, referindo-se a "decisão interlocutória simples e não mero despacho", como consta na atual redação do artigo 315 do Código de Processo Penal (MOREIRA, 2002).

Prosseguindo-se na análise do citado artigo 315, este impõe que o Juiz justifique o porquê da restrição da liberdade, o qual deverá, para tanto, demonstrar as razões de seu entendimento de forma clara e objetiva e estruturar sua linha de raciocínio de modo a demonstrar as etapas que o levaram à decretação da medida (CÂMARA, 1997, p. 60).

Destaca-se, ainda, que a fundamentação é exigida por se tratar a prisão preventiva de "medida extrema e excepcional", visto que é prisão sem imposição de pena. Também reclama motivação porque se interliga ao direito de defesa do réu, o qual, conhecendo daquela, poderá impugnar os motivos que considere ilegais para a decretação de sua prisão (PEDROSO, 1994, p. 100-102).

Embora as expressas determinações legais quanto à necessidade de motivação da decisão que determina a prisão preventiva, pode-se verificar a existência de decisões em que há carência ou ausência de fundamentação, tanto que há diversos julgados proferidos em terceiro grau que tratam do tema e, muitas vezes, concedem a ordem de habeas corpus. Também, a doutrina, conforme já referido, reconhece a existência de decisões marcadas por essa característica e relata sua proliferação.

Nesse sentido, Aury Lopes Jr. (2004, p. 193) aduz que "se repetem com uma freqüência espantosa (ou apavorante)" as decisões do tipo: "Homologo o flagrante, eis que formalmente perfeito. Decreto a prisão preventiva para a garantia da ordem pública (ou conveniência da instrução criminal)" [grifo do autor].

Segue o referido autor afirmando que em casos como esse, "sequer deve-se falar em ‘falta de fundamentação’, senão em inexistência de decisão".

Na mesma esteira, Hélio Tornaghi tece críticas em sua obra quanto a decisões do estilo, asseverando que,

não basta de maneira alguma, não é fundamentação, frauda a finalidade da lei e ilude as garantias da liberdade o fato de o Juiz dizer apenas: ‘considerando que a prisão é necessária para a garantia da ordem pública...’. Ou então: ‘a prova dos autos revela que a prisão é conveniente para a instrução criminal...’. Fórmulas como essa são a mais rematada expressão da prepotência, do arbítrio e da opressão. Revelam tirania ou ignorância [...] (1990, p. 91-92).

Assim, não obstante todas as considerações realizadas acerca da motivação das decisões judiciais, faz-se necessária, quanto à prisão preventiva especificamente, que é objeto do estudo que se desenvolve, a análise dos elementos que se considera que devem estar presentes na decisão.

Primeiramente, no que se refere à caracterização dos pressupostos da medida em estudo constantes no artigo 312 do Código de Processo Penal, há a necessidade de que o Juiz indique "sempre" quais as provas da existência do crime e quais as da autoria (TORNAGHI, 1990, p. 91) [grifo nosso]. Para elucidar essa questão, tendo em vista que quanto à autoria a lei admite indícios, é necessário que o Juiz indique "os elementos informativos ou instrutórios" que caracterizam ambos os pressupostos, embasando, assim, sua decisão em dados fáticos (PEDROSO, 1994, p. 101).

A jurisprudência expressa-se em consonância com o entendimento doutrinário exposto, como se depreende da decisão proferida pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal abaixo colacionada:

EMENTA: PRISÃO PREVENTIVA. DESPACHO DO JUIZ DE PRIMEIRO GRAU QUE DEVERIA SER MAIS EXPLICITO, MORMENTE A RESPEITO DOS INDÍCIOS DE AUTORIA. Entretanto, indicando ele as fontes de seu convencimento e se encontrando nelas, como bem demonstrou o acórdão recorrido, os fatos dos quais emergem tais indícios, é de negar-se provimento ao recurso ordinário endereçado ao Supremo Tribunal Federal (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 1983).

Da mesma forma em que ocorre com relação ao pressupostos, deverá o Juiz "mencionar de maneira clara e precisa os fatos que o levam a considerar necessária a prisão para garantir a ordem pública ou para assegurar a instrução criminal ou a aplicação da lei penal" (TORNAGHI, 1990, p. 91) [grifo do autor], o que impõe ao Magistrado o dever de apoiar-se em elementos do processo ou do inquérito (TOURINHO FILHO, 1998, p. 479), ou seja, em dados objetivos, com base sólida (FREITAS, 2004, p. 54), esclarecendo o porquê da necessidade da prisão (CÂMARA, 1997, p. 60).

Diante disso, evidencia-se que a prisão preventiva "exige uma exposição fundada em dados concretos que motivem sua decisão", o que, do contrário, violaria o disposto no artigo 5º, LXI, da Constituição Federal (MIRABETE, 1999, p. 420), e também o artigo 93, IX, como se pode concluir da abordagem feita quanto a este.

Dessa forma, não se admite que a medida esteja apoiada em suposições ou "hipóteses ou conjecturas sem apoio nos autos", não sendo suficiente a mera alusão genérica ao texto legal ou transcrição deste. Nesse sentido, tem destaque, também, a inadmissibilidade da simples gravidade do crime como fundamento da prisão preventiva (MIRABETE, 1999, p. 417-420), abordada no capítulo anterior.

A posição doutrinária exposta é condizente com o entendimento expresso pelas decisões do Supremo Tribunal Federal, como se pode verificar das ementas abaixo:

EMENTA: [...] PRISÃO PREVENTIVA - FUNDAMENTAÇÃO. O pronunciamento judicial em que implementada a prisão preventiva ou negada a liberdade provisória há de estar individualizado ante o caso concreto e fundamentado, mostrando-se imprópria a alusão genérica aos artigos que a disciplinam [...] (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 2003).

EMENTA: [...]Também tranqüila a orientação de que não constitui fundamentação idônea a simples referência aos pressupostos legais do art. 312 do CPP, sem menção a fatos concretos capazes de atestar sua ocorrência. As adjetivações de hediondo ou, como preferiu o magistrado, "crime mercenário", também não são suficientes, por si sós, para justificar a custódia [...] (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 2003).

Partindo-se das considerações expostas quanto à motivação da decisão relativa à prisão preventiva, resta verificar de que maneira devem estar previstos no decreto prisional os fundamentos dispostos no artigo 312 do Código de Processo Penal, já explicitados no subcapítulo anterior, para que aquele esteja motivado.

Nesse ponto, não é demais ressaltar, com base no entendimento abordado, que, para constituírem fundamento da prisão preventiva, as hipóteses de garantia da ordem pública, da ordem econômica, da conveniência da instrução criminal e da garantia da aplicação da lei penal, quando invocadas, não devem estar baseadas em meras suposições, mas em fatos concretos, os quais que devem ser indicados na respectiva decisão, não podendo, ainda, simplesmente ser transcritas as palavras da lei.

Assim, embora o problema conceitual que envolve a questão da garantia da ordem pública, esta constituirá fundamento para a referida prisão se estiver apoiada em fatos que evidenciem sua real necessidade e não em fatos generalizadores (MOREIRA, 1996, p. 93). Devem, portanto, ser apontados fatos idôneos nesse sentido que "bem caracterizem essa situação" (FREITAS, 2004, p. 54).

Quanto à conveniência da instrução criminal, deve ser demonstrada a tentativa de obstrução desta (MOREIRA, 1996, p. 94) por meio da indicação de fatos que caracterizem essa intenção, como o aliciamento de testemunhas (FREITAS, 2004, p. 54), por exemplo, e outras já abordadas.

Relativamente ao fundamento de assegurar a aplicação da lei penal, da mesma forma é "indispensável a comprovação de fatos idôneos" que demonstrem esse objetivo, consistentes em certas condutas já abordadas (FREITAS, 2004, p. 54).

Esse entendimento quanto à motivação do decreto prisional com base nos citados fundamentos previstos no artigo 312 CPP é bem explicitado no julgamento proferido pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal nos autos do Habeas Corpus 82446, abaixo colacionado:

EMENTA: HABEAS-CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. PRISÃO PREVENTIVA. REQUISITOS: AUSÊNCIA. 1. Conveniência da instrução criminal. A mera afirmação de que o paciente influiria nas investigações, sem elementos concretos que a comprove, não constitui fundamento idôneo à decretação da prisão cautelar. 2. Necessidade de preservação da ordem pública. É insuficiente o argumento de que esse requisito satisfaz-se com a simples assertiva de clamor público em razão da hediondez do fato delituoso e da sua repercussão na comunidade, impondo-se a medida constritiva de liberdade sob pena de restar abalada a credibilidade do Poder Judiciário. 3. Garantia da aplicação da lei penal. A circunstância de o paciente ter fugido após a consumação do crime não significa que pretenda furtar-se à sanção penal que eventualmente lhe for aplicada, já que, decorridos cinco dias do fato delituoso, compareceu perante a autoridade policial e confessou a autoria, permanecendo no distrito da culpa durante cinqüenta dias, quando foi decretada a sua prisão preventiva. 4. O caráter hediondo do crime não consubstancia motivo suficiente à adoção da prisão preventiva automática, de muito abolida do sistema processual penal brasileiro. Habeas-corpus deferido (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 2002).

Além da questão dos fundamentos examinados na motivação do decreto da prisão preventiva, é necessário acrescentar que a sumariedade da cognição é característica da tutela preventiva, que possui natureza urgente (GOMES FILHO, 1991, p. 78-79). A partir disso, considera-se que a decisão concernente à prisão preventiva não precisa ser longa tal como uma sentença condenatória. Admite-se, assim, que seja sintética (PEDROSO, 1991, p. 103), mas desde que sejam apontados os fatos em que é embasada a decisão e exposta a "conveniência da custódia" (MIRABETE, 1999, p. 420).

No que tange à ausência de fundamentação, para caracterizá-la, volta-se às considerações feitas por Hélio Tornaghi (1990, p. 91-92) e Aury Lopes Jr. (p. 193), os quais asseveraram, respectivamente, que "não é fundamentação" e há "falta de fundamentação" quando a decisão relativa à prisão preventiva apresenta a simples menção da garantia da ordem pública, da ordem econômica, da conveniência da instrução criminal e da garantia da aplicação da lei penal.

Relativamente a essa questão é de se salientar, também, em consonância com os já tratados artigos 5º, LXI, e 93, IX, da Constituição Federal, que a motivação das decisões judiciais constitui pressuposto de validade destas.

Em conseqüência disso, "a ausência de fundamentação conduzirá à nulidade absoluta do decreto de prisão preventiva" (GRINOVER, 1995, p. 243), nulidade que é, portanto, insanável, ou seja, não convalesce. (RANGEL, 2005, p. 722).

Da falta de fundamentação da medida decorre sua inadmissibilidade, caracterizando-se constrangimento ilegal, restando ao imputado a impetração de habeas corpus para saná-lo (MIRABETE, 1999, p. 411).


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com efeito, a prisão preventiva não deve ser entendida como uma medida excepcional tão-somente por implicar na restrição antecipada da liberdade do indivíduo, mas também por ser um ato extremamente gravoso.

Como se não bastassem os efeitos da restrição da liberdade no âmbito pessoal e social, essa onerosidade é acentuada diante da imprecisão dos termos utilizados no artigo 312 do Código de Processo Penal, essencialmente quanto aos fundamentos da prisão preventiva.

Essa situação se expressa, na prática, por meio de um grande poder dado ao Magistrado no sentido de que lhe possibilita a análise da conveniência da medida de acordo com seu entendimento quanto à interpretação dos referidos fundamentos e quanto à questão de os fatos existentes configurarem estes, podendo ocorrer de a medida ser aplicada em relação a uma pessoa e não em relação à outra, sendo o fato o mesmo, mas os Juízes diferentes. Disso resulta que não há um parâmetro para sua aplicação.

Sem embargo quanto ao fato de que o Magistrado deve ter liberdade para julgar, a questão essencial está na limitação desta. Como se pôde verificar do estudo realizado, muito embora a exigência da motivação esteja expressa em disposições constitucionais e no artigo 315 do Código de Processo Penal, isso além da existência do princípio da persuasão racional, inúmeras decisões afrontam tais disposições ao simplesmente repetir as palavras da lei, sem justificar a adoção da prisão.

Essa falta de motivação é ainda mais grave quando envolve a restrição da liberdade.

Também a constitucionalidade da prisão decretada através de decisões em que a fundamentação é ausente é questionável, uma vez que, sem que seja expressa a necessidade de cautela, vai-se de encontro ao Princípio da Presunção de Inocência, isso além de contrariar a natureza cautelar e instrumental da prisão preventiva.

Outro ponto que deve ser destacado é o de que, sem se poder determinar expressamente o significado de garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal e garantia da aplicação da lei penal, nem se delimitar com certeza a abrangência de tais expressões, embora a doutrina e a jurisprudência indiquem como deveria ser a motivação do decreto prisional, ou em que esta deve estar embasada, certamente a dificuldade de se determinar o que é a adequada fundamentação, no sentido de conciliar a liberdade do indivíduo e o direito de punir do Estado, é latente.

Diante de toda essa problemática, resulta que a prisão preventiva assume característica de verdadeira pena antecipada, desvirtuando-se sua finalidade instrumental. Isso tanto que a detração do tempo em que se fica submetido a essa prisão é possibilitada quando de eventual sentença condenatória. Mais evidente é essa característica nos casos de posterior absolvição, em que o indivíduo se sujeita à prisão, cumpre antecipadamente uma pena, e após não é condenado.

Em síntese, a conclusão a que se chegou a partir do estudo realizado é a de que emerge a insegurança jurídica e social, devendo várias questões ser repensadas, tais como, especialmente, a liberdade, as prisões cautelares e a fundamentação das decisões, para que a segurança, tomada nos dois âmbitos mencionados, seja promovida.

Essa situação deixa presente a necessidade de reflexão no sentido de procurar a melhor forma de se aplicar a prisão, ou de até mesmo, adotar-se outras medidas, deixando esta aos casos extremos.

Em função disso, o que se pretendeu foi chamar à atenção sobre a importância do tema escolhido, despertar o pensamento quanto a este, bem como de propiciar a construção de um posicionamento sobre a questão, passível de ser utilizado na vida profissional, para que daí possa ser modificada a realidade então vigente.


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESBICK, Fabiana. Prisão preventiva em sentido estrito. Os fundamentos do art. 312 do Código de Processo Penal e a motivação do decreto prisional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1763, 29 abr. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11216. Acesso em: 28 mar. 2024.