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A decadência na suspensão por decisão judicial da constituição do crédito tributário

A decadência na suspensão por decisão judicial da constituição do crédito tributário

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Indaga-se: qual o prazo extintivo para a constituição do crédito tributário, na hipótese de a Fazenda Pública estar impedida, por determinação judicial, de efetuar o lançamento tributário?

É comum a indagação sobre a ocorrência ou não de algum prazo extintivo para a constituição do crédito tributário, na hipótese de a Fazenda Pública estar impedida, por determinação judicial, de efetuar o lançamento tributário.

Dispõe o CTN, no seu art. 151, que a concessão de liminar ou de tutela antecipada, em alguma espécie de ação judicial, [01] suspende a exigibilidade do crédito tributário.

Há se destacar que o art. 151 do CTN trata de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, e não do prazo de prescrição (e muito menos de decadência), pois, antes da constituição definitiva [02] do crédito tributário, não é ele ainda passível de ser exigido, e assim, nos termos do art. 174 do CTN, [03] não se pode suspender um prazo que ainda não se iniciou. [04]

Ocorrendo, no entanto, uma das causas de suspensão da exigibilidade do crédito, após a constituição definitiva do crédito tributário, por conseqüência, estará também suspenso o prazo prescricional, por não estar configurada a inércia do Fisco, pressuposto este necessário para que ocorra o transcurso do prazo extintivo. [05]

A Jurisprudência de nossos tribunais superiores, em especial a do STJ, após julgados divergentes, [06] pacificou o seguinte entendimento: [07]

(...) 3. A suspensão da exigibilidade do crédito tributário na via judicial impede o Fisco de praticar qualquer ato contra o contribuinte visando à cobrança de seu crédito, tais como inscrição em dívida, execução e penhora, mas não impossibilita a Fazenda de proceder à regular constituição do crédito tributário para PREVENIR A DECADÊNCIA DO DIREITO DE LANÇAR. 4. (...). (Grifamos).

A doutrina, [08] em sua grande maioria, tem o entendimento de que a concessão de medida liminar, pelo Poder Judiciário, não tem a eficácia de impedir a constituição do crédito tributário. Sobre o assunto, transcrevemos os bem colocados ensinamentos de Eurico M. D. de Santi: [09]

As cláusulas previstas nos incisos do Art. 151 do CTN, que tratam da suspensão da exigibilidade do crédito, visam a inibir o direito de exigir o crédito, mas não necessariamente o direito de exercer o lançamento.

Sendo assim, não se cogita que a suspensão da exigibilidade do crédito possa impedir a prática do lançamento. (...)

Disciplina, por sua vez, a Lei Federal nº 9.430, de 1996, [10] em seu art. 63, que, quando da constituição do crédito tributário, destinada a prevenir a decadência, não caberá lançar a multa de ofício, se a suspensão ocorrer antes do início de qualquer procedimento de ofício.

Desse modo, na hipótese de haver a concessão de medida liminar em mandado de segurança, ou ainda, de medida liminar ou tutela antecipada em outras espécies de ação (CTN, art. 151, IV e V), é dever da autoridade fazendária efetuar o lançamento tributário, com sua regular notificação, nos termos do que dispõe o art. 142, caput e parágrafo único, c/c o art. 145, todos do CTN. Importante, ainda, ficar disposto na notificação do lançamento que a exigibilidade do crédito tributário está suspensa, em face de medida liminar ou tutela antecipada concedida.

O processo administrativo fiscal referente ao lançamento tributário efetuado, no entanto, terá o seu seguimento normal, com a execução de todos os procedimentos administrativos pertinentes, exceção feita apenas aos atos executórios (exigibilidade do crédito), que terão que aguardar os desfechos do processo judicial, com a sentença judicial final, ou, a perda da eficácia da medida liminar ou tutela antecipada concedida.

Há se colocar, ainda, que se na ordem judicial houver determinação expressa para que a Fazenda Pública se abstenha de lançar o tributo, é evidente que não se poderá efetuar o lançamento tributário, sob pena de cometimento do delito de desobediência. Nesses casos, então, estando o Fisco impedido de agir, não faz qualquer sentido alegar-se o transcurso de prazo extintivo da decadência contra o ato de lançar, pois está ausente um dos pressupostos necessários a sua ocorrência, qual seja, a inércia do titular do direito.

Sendo, contudo, cassada a liminar ou havendo o trânsito em julgado favorável ao Fisco, aplica-se a regra disposta no art. 173, I, do CTN, com o deslocamento do início do prazo de decadência para o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que a medida liminar foi cassada ou em que houve o trânsito em julgado da sentença.


Referências bibliográficas

AMARO, Luciano da Silva. Direito tributário brasileiro. 12 ed., São Paulo: Saraiva, 2006.

DENARI, Zelmo. Decadência e prescrição tributária - breve ensaio, aplicado ao ICM. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

HABLE, José. A extinção do crédito tributário por decurso de prazo. 2 ed., Brasília: Lúmen Juris, 2007.

SANTI, Eurico M. Diniz de. Decadência e prescrição no direito tributário. 2 ed., São Paulo: Max Limonad, 2001.

XAVIER, A. Do lançamento – teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário. 2 ed., São Paulo: Forense, 1998.


Notas

(1) BRASIL. CTN. "Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: (...) IV - a concessão de medida liminar em mandado de segurança. V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; (...)."

(2) Por definitividade da constituição do crédito tributário pode-se afirmar como sendo "a eficácia que torna indiscutível, na esfera administrativa, o crédito tributário, infundindo-lhe a indispensável exigibilidade." DENARI, Z. Obra citada, p. 2.

(3) BRASIL. CTN. "Art. 174. A ação para cobrança do crédito tributário prescreve em 5 (cinco) anos, contados da data da sua constituição definitiva." (Negritamos) Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 12 maio 2008.

(4) Luciano Amaro, in Obra citada. p. 415, discorda deste posicionamento, afirmando que "o exame sistemático da matéria no Código Tributário Nacional mostra que o legislador não se ateve a formulações matemáticas precisas ao regrar os institutos da decadência e da prescrição,. .."

(5) HABLE, J. Obra citada, p. 151-154.

(6) BRASIL. STJ. REsp 453762/RS, rel. Min. Luiz Fux, 1ª T, Data da decisão 03/06/2003, DJ 17.11.2003 p. 205: "(...) 2. Em qualquer caso, emitida a ordem judicial suspensiva não é lícito à Administração Tributária proceder a qualquer atividade que afronte o comando judicial, sob pena de cometimento do delito de desobediência, hodiernamente consagrado e explicitado (...)." Já no Resp 119986/SP, rel. Min. Eliana Calmon, 2ª T, Data do Julgamento 15/02/2001, DJ 09.04.2001 p. 337: "(...) 3. O prazo para lançar não se sujeita a suspensão ou interrupção, sequer por ordem judicial.", ou no REsp 575991 / SP, rel. Min. Eliana Calmon, 2ª T, Data do Julgamento 14/06/2005, DJ 22.08.2005 p. 197, "3. A liminar concedida em mandado de segurança (art. 151, IV, CTN, bem assim as demais hipóteses do mesmo art. 151, não impedem que a Fazenda constitua o seu crédito e aguarde para efetuar a cobrança.", entre outros. Disponível em: http://www.stj.gov.br. Acesso em: 11 maio 2008.

(7) BRASIL. STJ. EREsp 572603/PR, rel. Min. Castro Meira, 1ª Seção, Data do Julgamento 08/06/2005, DJ 05.09.2005 p. 199. No mesmo sentido, EREsp 575991/SP, rel. Min. Denise Arruda, 1ª Seção, Data do Julgamento 12/03/2008, DJ 07.04.2008 p. 1. Disponível em : http://www.stj.gov.br. Acesso em: 11 maio 2008.

(8) XAVIER, A. Obra citada, p. 427-428, entre outros.

(9) SANTI, E. M. D. Obra citada. p. 182.

(10) BRASIL. Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, que dispõe sobre a legislação tributária federal, as contribuições para a seguridade social, o processo administrativo de consulta. "Art. 63. Não caberá lançamento de multa de ofício na constituição do crédito tributário destinada a prevenir a decadência, relativo a tributos e contribuições de competência da União, cuja exigibilidade houver sido suspensa na forma do inciso IV do art. 151 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. (Vide Medida Provisória nº 2.158-35, de 2001). § 1º O disposto neste artigo aplica-se, exclusivamente, aos casos em que a suspensão da exigibilidade do débito tenha ocorrido antes do início de qualquer procedimento de ofício a ele relativo. § 2º A interposição da ação judicial favorecida com a medida liminar interrompe a incidência da multa de mora, desde a concessão da medida judicial, até 30 dias após a data da publicação da decisão judicial que considerar devido o tributo ou contribuição." (Grifamos). Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 10 maio 2008.


Autor

  • José Hable

    Auditor Fiscal da Secretaria de Fazenda do Distrito Federal. Conselheiro e Presidente do Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais (TARF). Mestre em Direito Internacional Econômico pela Universidade Católica de Brasília. Pós-graduado em Direito Tributário, com o título de especialista docente em Direito Tributário, pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF e Instituto de Cooperação e Assistência Técnica – ICAT (2000). Graduado em Direito pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília – CEUB (1999). Graduado em Administração de Empresas pela Faculdade Católica de Administração e Economia - FAE (1990). Graduado em Agronomia pela Universidade Federal do Paraná UFPR (1990). Professor de Direito Tributário. Autor de livros.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HABLE, José. A decadência na suspensão por decisão judicial da constituição do crédito tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1779, 15 maio 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11269. Acesso em: 28 mar. 2024.