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A sociedade limitada e o falecimento de sócio

A sociedade limitada e o falecimento de sócio

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A ocorrência de morte do sócio de uma sociedade simples ou limitada encontra regulamentação específica, como uma hipótese ensejadora da resolução da sociedade em relação a um sócio, conforme o art. 1.028 do Código Civil, nos seguintes termos:

Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:

I - se o contrato dispuser diferentemente;

II - se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;

III - se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido.

Ressalte-se que a referida norma, apesar de prevista no Capítulo atinente às sociedades simples, é aplicada de forma subsidiária às sociedades limitadas, conforme dito acima.

Em exame ao citado dispositivo legal, observe-se que se trata de norma dispositiva, [01] haja vista que a lei deixa, primeiro, a cargo dos sócios e herdeiros disporem contratualmente, por deliberação ou por acordo, sobre o destino da sociedade quando sobrevier o falecimento de um de seus sócios, para somente posteriormente impor a resolução parcial da sociedade.

Nesse sentido, leciona a professora Mônica Gusmão que: "Não havendo previsão contratual expressa, opção dos demais sócios pela terminação da sociedade ou, por acordo de herdeiros, substituição do morto, resolve-se a sociedade em relação ao sócio falecido e liqüida-se a sua quota". [02]

Desse modo, cabe, de início, avaliar até que limite os sócios podem dispor sobre a morte do sócio no contrato social da limitada, segundo autoriza o art. 1.028, I, do Código Civil.

Observe-se que os sócios, neste caso, não possuem considerável liberdade para estabelecer suas próprias regras, haja vista que não é possível se desvencilhar das demais regras sobre a sucessão referentes às quotas sociais, consideradas como sendo bens móveis incorpóreos, conforme o art. 83, II, do Código Civil, [03] componente do espólio deixado pelo sócio falecido, e, tampouco, prever outra forma de liquidação das referidas quotas que não aquela prevista no o art. 1.031 do Código Civil, já que uma vez prevista contratualmente a resolução parcial, impõe-se a liquidação da quota, de acordo com o disposto no art. 1.028, caput, c/c o art. 1.031, ambos do Código Civil.

Com efeito, o contrato social poderia prever, segundo o art. 1.028, I, do Código Civil, que a sociedade, por exemplo, permaneceria, mediante a representação do espólio do sócio falecido, na forma da lei, ou seja, por seu inventariante, conforme o art. 991, I, do Código de Processo Civil, até a partilha, com a posterior resolução parcial da sociedade, na forma do art. 1.031 do Código Civil, ou a substituição do sócio falecido por seus herdeiros, legatários e meeiros. [04]

Ressalte-se que os herdeiros vão passar a fazer parte da sociedade, mesmo que prevista essa substituição contratualmente, somente se concordarem, já que ninguém pode ser obrigado a associar-se ou manter-se associado. Não tendo interesse em ser sócios, farão jus ao recebimento de seus haveres, mediante liquidação das quotas recebidas.

Uma vez não havendo qualquer disposição contratual sobre o assunto, passa-se à segunda opção legal, prevista no inciso II, do art. 1.208, do Código Civil, que se refere à possibilidade de os sócios remanescentes aprovarem a dissolução da sociedade.

A aprovação da dissolução da sociedade pelos sócios remanescentes se realizará mediante o consenso da totalidade destes, não sendo aplicadas as normas previstas nos incisos II e III do art. 1.033, do Código Civil, aplicáveis por força do art. 1.087, pelos quais a dissolução da sociedade se dará por deliberação da unanimidade dos sócios na sociedade por prazo determinado (art. 1.033, II, do Código Civil) e da maioria absoluta, na sociedade por prazo indeterminado (art. 1.033, III, do Código Civil), tendo em vista se tratar de regra específica para o caso de ocorrência da morte de sócio.

Prosseguindo, de acordo com o citado inciso III, do art. 1.028 do Código Civil, em não havendo disposição contratual sobre a morte de sócio, podem os sócios em acordo com os herdeiros estabelecer a substituição do sócio falecido.

Destaque-se que tal acordo somente poderá se realizar depois que os herdeiros e receptores puderem dispor das quotas sociais, mediante a comprovação de justo título, ou seja, apenas depois de ultimada a partilha das quotas da sociedade, comprovada mediante o formal de partilha, ou escritura pública elaborada por Tabelião, ou testamento.

Vencidas as opções demonstradas acima, impõem-se a liquidação da quota do sócio falecido, segundo a regra geral prevista no caput do art. 1.028, do Código Civil.

Conforme já aventado, essa regra contida no caput do art. 1.028, do Código Civil é dispositiva, aplicável somente no caso de não ter ocorrido uma das hipóteses descritas nos incisos do referido artigo, privilegiando a manutenção da sociedade, em consonância com o princípio da preservação da empresa.

Hipótese interessante ocorre quando da morte de todos os sócios, seria possível a permanência da sociedade?

A resposta só pode ser uma: aplicam-se normalmente as regras do art. 1.028, do Código Civil, com exceção, por óbvio, do disposto no inciso II, pois que não mais haverá sócio na sociedade.

Essa resposta se coaduna perfeitamente com o intuito de preservação da empresa, tendo já o Superior Tribunal de Justiça se pronunciado nesse sentido, ao julgar caso que abordava a questão sob a égide do Código Comercial revogado pelo Código Civil de 2003:

Ementa

RECURSO ESPECIAL. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. DEMANDA PROPOSTA POR PESSOA JURÍDICA REPRESENTADA PELOS HERDEIROS DO SÓCIO FALECIDO. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA SOCIEDADE. ARTIGO 335, N. 4, DO CÓDIGO COMERCIAL.

Não há no acórdão recorrido qualquer omissão, contradição ou obscuridade, pois o egrégio Tribunal de origem apreciou toda a matéria recursal devolvida e expôs seu posicionamento, fundamentadamente.

A questão discutida nos autos se insere no contexto daquelas que podem ser apreciadas a qualquer momento processual pelo juiz da causa.

Aqui se não cuidou da hipótese de substituição processual, visto que a empresa demandou o seu direito em nome próprio. Na verdade, o que se está a impugnar é a regularidade da representação da empresa pelos sucessores dos sócios pré-mortos.

De acordo com os elementos de convicção reunidos nos autos – cujo reexame é inadmissível em recurso especial -, concluiu o douto colegiado "a quo" estar provada a condição de herdeiros.

Não se pode desprestigiar o princípio da preservação da empresa, uma vez que, in casu, exsurge cristalina a intenção dos herdeiros de prosseguir com os negócios do sócio falecido, pois ao invés de promoverem a dissolução da sociedade, de comum acordo partilharam as cotas, tudo com a aprovação do espólio do outro sócio, que passou mesmo a integrar o pólo ativo da demanda.

Recurso especial não conhecido.

Acordão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Paulo Medina, Francisco Peçanha Martins e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator. (grifou-se) [05]

No caso de haver necessidade de liquidação da quota do sócio falecido, tal operação se dará conforme o disposto no art. 1.031 do Código Civil. Essa liquidação se realizará com apuração de seus haveres, na data da abertura da sucessão, mediante balanço levantado especialmente para a hipótese.

Os haveres serão pagos aos herdeiros, se não previsto contratualmente ou acordado pelos envolvidos de forma diversa (art. 1.031, § 2), em dinheiro, no prazo de 90 (noventa) dias a contar da efetiva liquidação.

São esclarecedoras as palavras do professor José Edwaldo Tavares Borba:

A apuração de haveres destina-se a calcular qual a parcela do patrimônio da sociedade que corresponde às quotas do ex-sócio.

(...)

Na ausência de convenção, deve-se levantar um balanço especial, a fim de bem aferir o valor efetivo do patrimônio líquido da sociedade. Esse levantamento se procederá de forma amigável, salvo no caso de divergência insuperável, quando então se recorrerá às vias judiciais. [06]

Ressalte-se que, em não estando encerrada a partilha das quotas sociais, os haveres devem permanecer em nome da sociedade à disposição dos herdeiros, haja vista que ainda no correr do inventário não se conhece quem detém o poder de receber tais valores, segundo se denota da sistemática do Código, conforme a previsão contida em seu art. 1.032, ao prever que "a retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, (...)".

Note-se que a Lei Civil permite que os recursos necessários para o pagamento dos haveres sejam supridos pelos demais sócios ou pela sociedade, mediante a redução do capital social, conforme expressamente dispõe o § 1º do art.1.031 do Código Civil.

Neste caso, sendo as quotas pagas pelos sócios, observado o direito de preferência em relação aos outros sócios, quem supriu o valor terá o direito de adquirir a participação.

Não havendo interesse dos sócios em adquirirem as quotas liquidadas, o valor será suprido pela própria sociedade, impondo-se o cancelamento das quotas representativas da participação social do falecido, com a redução proporcional do capital social da sociedade.

Sendo assim, confirmada a redução do capital da sociedade, para o arquivamento de seus atos na Junta Comercial, se empresária, ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, se simples, deverá a pessoa jurídica apresentar as certidões de regularidade fiscal: Certificado de Regularidade do FGTS emitido pela Caixa Econômica Federal; Certidão Negativa de Débito junto ao INSS emitida pela Receita Federal do Brasil; Certidão Negativa de Débito de Tributos e Contribuições para com a Fazenda Nacional emitida pela Receita Federal do Brasil; Certidão Negativa de Inscrição de Dívida Ativa da União emitida pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, salvo se for uma micro ou pequena empresa. [07]


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Turma. REsp 237772/SP, publicado no DJ de 19.05.2003. p. 153. Relator Ministro FRANCIULLI NETTO, Julgado em 08/10/2002. Disponível em: jus.com.br/artigos/1152 http://www.presidencia.gov.br/. Acesso em: 10 mar. 2008. http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&livre=falecido+e+s%F3cio+e+sociedade+e+extin%E7%E3o&b=ACOR.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: jus.com.br/artigos/1152 http://www.presidencia.gov.br/. Acesso em: 10 mar. 2008.

BRASIL. Lei n° 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/ L6404consol.htm. Acesso em: 10 mar. 2008.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil In: CAHALI, Yussef Said. Constituição Federal, Código Civil e Código de Processo Civil. 9. ed. atual. até 10/01/2007. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

BRASIL. Instrução Normativa n° 88, de 02 de agosto de 2001, do DNRC - Departamento Nacional de Registro do Comércio. Dispõe sobre o arquivamento dos atos de transformação, incorporação, fusão e cisão de sociedades mercantis. Disponível em: http://www.dnrc.gov.br/. Acesso em: 10 mar. 2008.

BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 10. ed. rev. aum. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

CAMPINHO, Sérgio. Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 6. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 1.

______. ______. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 25. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 2.

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DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 10. ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10.01.2002). São Paulo: Saraiva, 2004.

GUSMÃO, Mônica. Direito Empresarial. Rio de Janeiro: Impetus, 2003.

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LUCENA, José Waldecy. Das Sociedades Limitadas. 6. ed. atual. Rio de Janeiro: Renovar 2005.


Notas

01 "considera-se permissiva, supletiva ou dispositiva a lei quando os seus preceitos não são impostos de modo absoluto, prevalecendo no caso de silêncio das partes, isto é, se estas não determinaram, nem convencionaram procedimento diverso". (MAXIMILIANO, apud, BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 10. ed. rev. aum. E atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 122)

02 GUSMÃO, Mônica. Direito Empresarial. Rio de Janeiro: Impetus, 2003. p. 74.

03 BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 10. ed. rev. aum. E atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 45.

04 CAMPINHO, Sérgio. Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 125/126.

05 Superior Tribunal de Justiça. Primeira Turma. REsp 237772/SP, publicado no DJ de 19.05.2003. p. 153. Relator Ministro FRANCIULLI NETTO, Julgado em 08/10/2002. (Disponível em: jus.com.br/artigos/1152 http://www.presidencia.gov.br/. Acesso em: 10 mar. 2008. http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&livre=falecido+e+s%F3cio+e+sociedade+e+extin%E7%E3o&b=ACOR).

06 BORBA, op. cit. p. 82. (grifou-se)

07 (art. 1º, incisos V e VI, do Decreto-lei n° 1.715, de 22 de novembro 1979; nº art. 47, inciso I, alínea "d", da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, alterada pela Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997; no art. 27, alínea "e", da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990; no art. 62, do Decreto-lei nº 147, de 03 de fevereiro de 1967; no art. 1º do Decreto nº 5.586, de 19 de novembro de 2005 e Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007; da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006; IN n° 105/DNRC, 16 de maio de 2007).



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CEREZOLI, José. A sociedade limitada e o falecimento de sócio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1829, 4 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11451. Acesso em: 28 mar. 2024.