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Estado e Justiça.

Concepções e correlações

Estado e Justiça. Concepções e correlações

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Se o Estado pode ser visto como a expressão política da sociedade e de seus conflitos, a cada tipo de sociedade corresponderá um Estado particular. E, por conseguinte, a cada modelo de Estado, com seus valores, corresponderá um tipo específico de Justiça.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O Estado segundo Maquiavel. 3. Hobbes e a busca da paz. 4. Locke e o direito de propriedade. 5. Rousseau: A vontade geral. 6. O Estado Liberal. 7. Marx e o fim do Estado. 8. O Estado Social. 9. O Estado Democrático (e Social) de Direito. 10. Estado e Justiça: Algumas teorias contemporâneas. 11. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO

O que é justiça? Para essa pergunta em torno da qual se debatem filósofos, cientistas políticos, juristas e outros tantos pensadores há séculos, a primeira resposta que vem à mente é o "dar a cada um o que é seu" [01], segundo a máxima de Cícero e Ulpiano.

Como denota Ross (2003:313), essa proposição soa esplêndida, inquestionável; mas se apresenta vazia de sentido em si mesma, porque pressupõe que se saiba, de antemão, o que é devido a cada um. E, nesse sentido, bem pode servir somente para referendar a injustiça, pois, bem ponderou João Mangabeiras, em sua Oração aos Bacharelandos da Faculdade de Direito da Bahia (apud SILVA, B., 2007), "[...] se a justiça consiste em dar a cada um o que é seu, dê-se ao pobre a pobreza, ao miserável a miséria, que isso é o que é deles. Nem era senão por isso que ao escravo se dava a escravidão, que era o seu, no sistema de produção em que a fórmula se criou".

Alguns tendem a identificar a Justiça com o Direito, utilizando um e outro termos como sinônimos. Mas essa é uma perspectiva um tanto reducionista: o Direito é a ordem posta, o conjunto de regras que se destinam a regular a sociedade e que, por suposto, dessa mesma sociedade se originam. Têm ambos os termos uma origem comum (ius, em latim, ou diké, em grego)

O que há de comum a todas as teorias acerca da Justiça é que esta é um ideal. O direito, afirmava Stammler, não é justiça; mas há de ser uma tendência, uma tensão, uma inclinação para a justiça, ou sequer poderá ser considerado direito. Como esclarece Aguiar (1993:67), "a idéia de justiça implica o vislumbrar de algo melhor. Logo, a idéia de justiça é um dever-ser". Mas reconhece esse autor que não existe, nem pode existir, uma idéia universal a esse respeito, pois a justiça "é o dever-ser da ordem para os dirigentes, o dever-ser da esperança para os oprimidos. Podendo também ser o dever-ser da forma para o conhecimento oficial, enquanto é o dever-ser da contestação para o saber crítico" (id., 15).

Justiça é, portanto, antes de tudo, um valor: não um ser, mas um atributo do ser. Não a ordem posta, mas o valor dessa ordem, ou melhor, os valores que ela exprime, a "característica possível de uma ordem social" (Kelsen, 2001). Não apenas o direito e o correspondente aparato judicial, mas, também e sobretudo, a ideologia e as contradições que moldam esse direito.

Ora, se o Estado pode ser visto como a expressão política da sociedade e de seus conflitos, a cada tipo de sociedade corresponderá um Estado particular. E, por conseguinte, a cada modelo de Estado, com seus valores, corresponderá um tipo específico de Justiça. É essa correlação que nos propomos a investigar, nas páginas a seguir. Com uma ressalva: embora certamente se possa falar em algumas formas de Estado, como sociedade politicamente organizada, em épocas anteriores à Idade Moderna, nossa investigação se aterá às formas do Estado Moderno [02], ou Estado tal qual o conhecemos hoje ― caracterizado, segundo Gruppi (1980), por ser dotado de soberania interna; por se distinguir da sociedade civil, embora derivado dela; e, ao contrário do Estado medieval, propriedade de um senhor, pela completa identificação entre o aparato estatal e o governante.


2. O ESTADO SEGUNDO MAQUIAVEL

Maquiavel (1469-1527) é, reconhecidamente, o primeiro teórico do dito Estado Moderno. Porém, não elaborou ele, propriamente, uma teoria desse Estado, nem se preocupou em defini-lo, mas realizou um acurado estudo acerca dos meios pelos quais se forma o Estado, por quais vias se pode alcançar e manter o poder.

A Itália renascentista achava-se fragmentada em pequenos principados, em luta uns contra os outros e sob a ameaça de dominação por potências estrangeiras, como o Império Germânico, a Espanha e a França. Funcionário público em ascensão, Maquiavel vê em César Bórgia, filho do papa Alexandre VI e condottiere (chefe militar) de destaque, o homem capaz de unir o país, e, inspirado, em boa parte, por seus atos, escreve O Príncipe, um tratado de ciência e ética política.

A natureza humana, para Maquiavel, é instável, caótica:

É que os homens geralmente são ingratos, volúveis, simuladores, covardes e ambiciosos de dinheiro, e, enquanto lhes fizeres bem, todos estão contigo, oferecem-te sangue, bens, vida, filhos, [...] desde que a necessidade esteja longe de ti. Mas, quando ela se avizinha, voltam-se para outra parte (capítulo XVII).

Importa, pois, estabelecer a ordem nesse caos. Mas "o povo não deseja ser governado nem oprimido pelos grandes, e estes desejam governar e oprimir o povo" (capítulo IX), sendo que, nesse jogo de forças, em que se deve temer ser abandonado pelo povo e atacado pelos grandes, deve-se "encontrar mecanismos que imponham a estabilidade das relações, que sustentem uma determinada correlação de forças" (SADEK, 2006:21). Nesse contexto é que surge o Estado, e, em seu âmbito, ou mesmo fundando-o, o Príncipe.

Esse Príncipe, porém, não deve usar o poder como meio para atingir fins pessoais, e sim para servir a uma causa maior (CHISHOLM, 2004). Qual? Um legado, um projeto para a posteridade; algo que o torne digno de ser lembrado.

Os vinte e seis capítulos da obra poderiam ser assim classificados: I a XI, o estudo dos diversos tipos de principados [03] e das maneiras pelas quais se pode conquistá-los e mantê-los; XII a XIV, a análise dos aspectos militares, a manutenção das tropas, a importância da guerra; XV a XIX, o exame da conduta do príncipe ideal; XX a XXIII, conselhos ao príncipe, sobre como obter a estima do povo, como escolher seus assessores e assim por diante; e, finalmente, XXIV a XXVI, uma reflexão sobre a conjuntura da Itália à época.

Dois aspectos distinguem grandemente Maquiavel dos pensadores que o precederam. Primeiro, o Estado, em sua visão, não se destina a assegurar felicidade ou quaisquer outros benefícios aos seus súditos, mas, tão-somente, a manter-se. Segundo, não tem esse Estado origem ou legitimação divina: o poder político, ao contrário, possui uma origem inteiramente terrena (SADEK, 2006).

Maquiavel, em toda a sua obra, não chega a ocupar-se da questão da justiça. Ao longo de O Príncipe, são feitas, quando muito, algumas considerações a respeito das leis, como, por exemplo, nos capítulos III e IV, em que se recomenda ao Príncipe, ao anexar um novo principado, "não alterar as leis".

Também no capítulo XII, tratando das milícias e dos soldados mercenários, se lê que "as principais bases que os Estados têm, sejam novos, como velhos ou mistos, são as boas leis e as boas armas". Ressalta Maquiavel, porém, que, "como não pode haver boas leis onde não existam boas armas e onde existam boas armas convém que haja boas leis", deixará de falar destas últimas, referindo-se apenas às armas. Também nesse capítulo recomenda que um príncipe deve constituir-se pessoalmente capitão, e a República enviar para o posto um de seus cidadãos, contra o qual devem ser manejadas as leis para o caso de exorbitar de suas funções.

No capítulo XIII, sobre de que forma devem os príncipes guardar a fé, pondera Maquiavel:

Deveis saber, então, que existem duas formas de combater: uma, pelas leis, outra, pela força. A primeira é própria do homem; a segunda, dos animais. Como, porém, muitas vezes a primeira não seja suficiente, é preciso recorrer à segunda. Ao príncipe torna-se necessário, porém, saber empregar convenientemente o animal e o homem.

Por fim, no derradeiro capítulo do livro, Maquiavel afirma que

nenhuma coisa faz tanta honra a um príncipe novo, quanto as novas leis e os novos regulamentos por ele elaborados. Estes, quando são bem fundados e em si encerrem grandeza, tornam o príncipe digno de reverência e admiração.

Nenhuma palavra, como se vê, acerca do conteúdo ou do processo de formação dessas leis. Elas aparecem somente em sua faceta instrumental, como um dos meios de que deve o Príncipe lançar mão para a manutenção do poder. Destarte, se o Estado não tem qualquer dimensão transcendental, é um fim em si mesmo, a justiça, em Maquiavel, não terá outro papel que não o de assegurar a perpetuação desse Estado.


3. HOBBES E A BUSCA DA PAZ

Conquanto não tenha sido Thomas Hobbes (1578-1679) o fundador do jusnaturalismo ― a origem dessa idéia, de um ordenamento jurídico que precede os homens e cujos princípios podem ser conhecidos por meio da razão, remonta à filosofia grega ―, foi, seguramente, quem em tempos modernos, retomou o tema no âmbito da ciência política. Bobbio (1991:36) aponta sua obra De Cive como a primeira grande obra política, que assinala o início do jusnaturalismo político e do tratamento racional do problema do Estado.

Na época de Hobbes, o absolutismo ― o sistema de governo no qual é conferido ao soberano o poder supremo ― encontrava-se ameaçado pela ascensão das idéias liberais. E já não predominava com tanta força a idéia da origem divina desse poder, uma vez que a monarquia havia rompido com a Igreja Católica. Era também uma época de violentos confrontos, dos quais o mais recente a Revolução Puritana, na qual Cromwell depôs e fez executar o rei Carlos I.

Cria Hobbes, ainda, no poder absoluto do soberano. Mas fazia-se necessário achar uma nova justificação para esse poder: não mais como um direito divino, e sim oriundo da pura razão. Isso será feito em Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil, no qual Hobbes desenvolverá sua teoria do Estado.

Assim como para Maquiavel, para Hobbes a natureza humana é eminentemente má: os homens, antes da formação da sociedade política organizada (Estado), vivem em um estado de natureza [04], no qual, sem que se conheçam limites, predominam a violência, a desconfiança, a insegurança. Sem um "poder comum capaz de os manter a todos em respeito" (cap. 13, 98), eles vivem em guerra perpétua, todos contra todos.

O estado de natureza é, portanto, uma condição de absoluta liberdade, na medida em que todo homem tem direito a tudo; mas essa liberdade é danosa, porquanto põe as pessoas em conflito, e, por conseguinte, ameaça a integridade, os bens e a própria existência dos homens. Mister se faz, pois,

que um homem concorde, conjuntamente com outros, e na medida em que tal considere necessário para a paz e para a defesa de si mesmo, em renunciar a seu direito a todas as coisas, contentando-se, em relação aos outros homens, com a mesma liberdade que aos outros homens permite a si mesmo (cap. 14).

Trata-se, então, de celebrar um contrato social, de "conferir toda força e poder a um homem, ou a uma assembléia de homens, que possa reduzir suas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade". Surge, daí, o Leviatã, o deus mortal ao qual se confiará a paz e a defesa.

Importante observar que o soberano não toma parte no contrato; ele surge desse contrato. Se os homens estão jungidos às cláusulas que pactuaram, e não podem jamais descumpri-las, o poder do monarca, ao invés, é absoluto, não conhecendo limites nas leis civis, aquelas que ele próprio cria, mas, tão-somente, na lei natural, fonte e origem da justiça, pois "estar sujeito a leis é estar sujeito ao Estado, quer dizer, ao soberano representante, isto é, a si próprio, o que não é sujeição, mas liberdade em relação às leis" (cap. 29).

Essa lei natural é, segundo Hobbes,

um preceito ou regra geral, estabelecido pela razão, mediante o qual se proíbe a um homem fazer tudo o que possa destruir sua vida, privá-lo dos meios necessários para preservá-la ou omitir aquilo que se pense poder contribuir melhor para preservá-la (cap. 14).

A lei natural é a única a que deve obedecer o soberano porque essa lei tem origem divina, e não humana, e, assim, não pode ser revogada por nenhum homem ou Estado. E sua desobediência é a única hipótese que desobriga os súditos do contrato. Senão, vejamos: se a essência da lei natural é a preservação da vida, e se os homens aderem ao pacto justamente com esse objetivo, o desatendimento desse objetivo faz desaparecer a própria razão de ser do pacto. Ninguém pode obrigar-se a matar a si mesmo ou a outrem, e uma ordem nesses termos pode ser desobedecida; só se deve ressalvar aquelas situações concernentes à defesa do Estado, como, por exemplo, o dever de combater o inimigo, pois, em tais casos, a recusa em obedecer "prejudica o fim em vista do qual foi criada a soberania" (cap. 21).

Hobbes distingue direito de lei: aquele consiste na "liberdade de fazer ou omitir", enquanto esta "determina ou obriga a uma dessas duas coisas" (cap. 14). Mas, no Estado hobbesiano, não há direito à igualdade, fonte dos males existentes no estado de natureza; não há direito à liberdade, senão a liberdade de desobedecer ao Estado quando este não mais cumpra os fins para os quais foi criado; e não há direito à propriedade, a não ser se, quando e na medida em que concedido pelo soberano, o que implica, por óbvio, a possibilidade de sua revogação.

A noção de justiça, para Hobbes, está ligada à do pacto social. Não existe no estado de natureza: onde não há poder comum não há lei, e onde não há lei a disciplinar o certo e o errado não há injustiça. Justiça e injustiça, afirma ele, não fazem parte das faculdades do corpo e do espírito, pois, se assim fosse, poderiam existir num homem isolado; são, ao invés, "qualidades que pertencem ao homem em sociedade" (cap. 13).

Do princípio geral antes aludido derivam as leis naturais. A primeira lei da natureza é procurar a paz; a segunda, cuidar por todos os meios, da própria defesa, o que só se pode efetivar por meio do aludido pacto; e a terceira é a que manda aos homens cumprir os pactos que celebrarem. A injustiça é o não cumprimento de um pacto, e a natureza da justiça "consiste no cumprimento dos pactos válidos" (cap. 15), o que demanda um poder civil com autoridade suficiente para obrigar a tanto.

Outras várias leis naturais se seguem, como, por exemplo: a da complacência, que determina aos homens acomodarem-se uns com os outros; a do perdão das ofensas passadas; a que impede declarar ódio ou desprezo pelos outros; a do reconhecimento dos outros como iguais; a da eqüidade, que ordena igual distribuição a todos, segundo a razão; e assim por diante. Hobbes acaba por resumir todas em um único preceito que crê acessível a todos: "Faça aos outros o que gostaria que fizessem a ti". Na essência de todas essas formulações se percebe a preocupação quase obsessiva com a paz, e ele próprio o declara: "As leis naturais é que ditam a paz como meio de conservação das multidões humanas. E são as únicas que dizem respeito à doutrina da sociedade civil" (cap.15).

Freqüentemente hobbesiano é tomado como sinônimo de autoritário. E, com efeito, o Estado pensado por Hobbes reina absoluto sobre os homens. Mas o Leviatã tem sua gênese, fundamentalmente, na guerra civil já referida, que abalara a Inglaterra poucos anos antes (MONTEIRO, 2004; RIBEIRO, 2006), circunstância que explicaria a antes mencionada obsessão com a busca da paz: o Estado por ele proposto, pouco espaço deixando para o individualismo, seria uma maneira de evitar que os horrores que presenciou voltassem a se repetir.

Justiça, em Hobbes, portanto, equivale a ordem, no sentido da regularidade do funcionamento das instituições. Tudo gira em torno de paz e segurança: esse é o espírito que anima as leis naturais, e é também o que norteia as leis civis, que daquelas devem derivar.


4. LOCKE E O DIREITO DE PROPRIEDADE

È também John Locke (1632-1704) jusnaturalista e contratualista. Diversamente de Hobbes, porém, o estado de natureza por ele delineado no Segundo Tratado sobre o Governo era: a) um estágio real pelo qual teria passado, em épocas históricas diversas, a maioria dos povos, e no qual alguns, poucos, ainda se encontrariam; b) não uma situação de permanente belicosidade, mas de harmonia entre os homens,

[...] um estado de perfeita liberdade para ordenar-lhes as ações e regular-lhes as posses e as pessoas conforme acharem conveniente, dentro dos limites da lei da natureza, sem pedir permissão ou depender da vontade de qualquer outro homem.

Estado também de igualdade, no qual é recíproco qualquer poder e jurisdição, ninguém tendo mais que qualquer outro; (cap. II).

Atente-se para a expressão "dentro dos limites da lei da natureza". Esse é outro traço a distinguir Locke de Hobbes: para aquele, a lei natural é tão dotada de imperatividade quanto a lei positiva, e pode ser executada para castigar os infratores, na medida de sua transgressão; a vantagem da lei positiva, como se verá, é a sua maior coercibilidade, decorrente da possibilidade mais efetiva de sua execução. Uma e outra, de qualquer forma, devem fundar-se em Deus (KUNTZ, 2004).

Se há paz, se há direitos ― de propriedade, de liberdade, de igualdade ―, por que, então, abandonar o estado de natureza? Para garanti-los, sobretudo o direito de propriedade.

A terra foi dada em comum a todos os homens, mas estes poderiam explorá-la pelo trabalho e, assim, apossar-se dela; e a medida da propriedade seria "a extensão do trabalho". E esse estado de coisas, satisfatório para todos, poderia manter-se indefinidamente, "se a invenção do dinheiro e o tácito acordo dos homens, atribuindo um valor à terra, não tivessem introduzido ― por consentimento ― maiores posses e o direito a elas” (cap. V).

O aparecimento do dinheiro acarretará sérios problemas: quando a medida do direito era o próprio trabalho, o homem não sentia a tentação de trabalhar para obter mais do que pudesse utilizar, e, por conseguinte, não havia lugar para "controvérsia com respeito ao direito, nem para usurpação do direito de terceiros" (id.). Mas a nova situação, permitindo o surgimento do comércio e a possibilidade de acumulação, acarretará desigualdades e violação a direitos, e trará aos homens o estado de guerra.

A necessidade de superação do estado de guerra leva os homens a estabelecer o contrato social, renunciando cada um ao seu poder natural para transferi-lo às mãos da comunidade. Tem início, assim, a sociedade civil ou política, com “lei comum estabelecida e judicatura ― para a qual apelar ― com autoridade para decidir controvérsias e punir os ofensores". Mello (2006:86) aponta, aí, outra distinção em relação à teoria hobbesiana: enquanto em Hobbes o pacto é de submissão, trocando os homens a liberdade pela segurança proporcionada pelo Estado, em Locke esse pacto é de consentimento: os homens a ele aderem livremente para preservar e consolidar ainda mais os direitos que já detinham no estado de natureza. No estado civil, acrescenta Mello, "os direitos naturais inalienáveis do ser humano à vida, à liberdade e aos bens estão melhor protegidos sob o amparo da lei, do árbitro e da força comum de um corpo político unitário" (ibid.).

Se no estado de natureza possuía o homem dois poderes, o de fazer tudo quanto julgasse conveniente para sua preservação e a dos demais homens e o de castigar os crimes cometidos contra a lei natural, esses poderes, a partir do pacto, pertencem ao Estado. Surgem, daí, o Poder Legislativo, por Locke denominado poder supremo, incumbido da feitura das leis destinadas a garantir a preservação da sociedade; e o Poder Executivo, ao qual compete a execução das leis. A eles é acrescido um terceiro, o Poder Federativo, incumbido das relações com as outras sociedades, aí compreendidos "o poder de guerra e paz, de ligas e alianças, e todas as transações com todas as pessoas e comunidades estranhas à sociedade" (cap. XII) [05]. Esse sistema de repartição de poderes irá inspirar o modelo monárquico-parlamentarista vigente na Inglaterra até nossos dias.

Sendo de consentimento o pacto, daí decorre que pode ser desfeito. O objetivo do governo é o bem dos homens; estes se colocam sob o governo para a proteção da propriedade. Se o soberano utiliza seu poder não para esses fins, mas para vantagens próprias, legítimo é resistir. E à força injusta e ilegal se poderá opor também força (cap. XVIII).

Reconhece Locke a existência de outros direitos básicos, como o direito à vida, à saúde, à integridade física e à liberdade; mas, para ele, haverá justiça, efetivamente, se respeitado o direito de propriedade. Igualdade e liberdade implicam-se: na visão lockiana é necessário, como aponta Kuntz (2002), conceber os homens iguais para vê-los como livres. Todavia, a igualdade, na sociedade civil, é apenas formal; não cabe ao Estado prover mecanismos para assegurá-la, ou para corrigir as desigualdades, e, sim, apenas, proclamá-la. O mesmo Kuntz lembra que, ao propor, em 1697, um esquema de trabalho aos pobres, Locke sugere o engajamento forçado de mendigos para serviços no mar, e, quanto às crianças, preconiza que se deva recolhê-las e educá-las, mas fazendo-as trabalhar para custear ao menos parte das despesas.

Garantir o direito de propriedade é algo que só se pode realizar, de forma plena, no âmbito do Estado. Em outras palavras, a essência da justiça reside no pacto social celebrado mediante o exercício da liberdade individual. Como aponta Castro (2002), assegurar a prevalência de condições para a formação autônoma de preferências relativas à produção de utilidades é o valor moral e o ideal de justiça ao qual o Estado deve servir.


5. ROUSSEAU: A VONTADE GERAL

Rousseau (1712-1778) opõe-se frontalmente a Locke no que tange à propriedade e à sociedade civil: em seu Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre os Homens, proclama ele que

o verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto é meu e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não pouparia ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: ‘Defendei-vos de ouvir esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém!’

Também o estado de natureza em Rousseau difere daquele proposto por seus antecessores. O homem é naturalmente bom; a sociedade é que irá corrompê-lo:

Ora, nada é mais meigo do que o homem em seu estado primitivo, quando, colocado pela natureza a igual distância da estupidez dos brutos e das luzes funestas do homem civil,e compelido tanto pelo instinto quanto pela razão a defender-se do mal que o ameaça, é impedido pela piedade natural de fazer mal a alguém sem ser a isso levado por alguma coisa ou mesmo depois de atingido por algum mal. Porque, segundo o axioma do sábio Locke, "não haveria afronta se não houvesse propriedade".

A propriedade gera a desigualdade: aqueles que "tendo se tornado pobres sem nada ter perdido" devem, para sobreviver, receber ou roubar dos ricos sua subsistência; os ricos, por sua vez, só pensam em subjugar e dominar seus vizinhos. Os conflitos se acirram, levando a combates e assassinatos: "a sociedade nascente foi colocada no mais tremendo estado de guerra".

O pacto social é a saída desse estado de coisas. Mas é um pacto espúrio, porquanto proposto pelos ricos, que, decidindo empregar em seu favor as próprias forças dos que os atacavam, assegurando a estes apenas segurança e si próprios os bens. Eis a proposta:

Unamo-nos [...] para defender os fracos da opressão, conter os ambiciosos e assegurar a cada um a posse daquilo que lhe pertence; instituamos regulamentos de justiça e de paz, aos quais todos sejam obrigados a conformar-se, que não abram exceção para ninguém e que, submetendo igualmente a deveres mútuos o poderoso e o fraco, reparem de certo modo os caprichos da fortuna. Em uma palavra, em lugar de voltar nossas forças contra nós mesmos, reunamo-nos num poder supremo que nos governe segundo sábias leis, que protejam e defendam todos os membros da associação, expulsem os inimigos comuns e nos mantenham em concórdia eterna.

Daí porque outra obra sua, O Contrato Social, inicia-se com a afirmação de que "o homem nasce livre e por toda parte encontra-se a ferros". Nessa obra, porém, feito antes o diagnóstico, irá ele propor a transformação do pacto, de modo a torná-lo legítimo: estabelecer "as condições de possibilidade de um pacto legítimo, através do qual os homens, depois de terem perdido sua liberdade natural, ganhem, em troca, a liberdade civil" (NASCIMENTO, 2006).

O objetivo é "encontrar uma forma de associação que defenda e proteja, com toda a força comum, a pessoa e os bens de cada associado, e pala qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes". Os termos do pacto, diz Rousseau, são: "Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo seu poder sob a suprema direção da vontade geral, e recebemos, enquanto corpo, cada membro como parte indivisível do todo". E as cláusulas podem ser reduzidas a uma só:

a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, à comunidade toda, pois, em primeiro lugar, desde que cada um se dê completamente, a condição é igual para todos e, sendo a condição igual para todos, ninguém se interessa em torná-la onerosa aos demais.

O pacto social deverá substituir a "existência física e independente" havida no estado natural por uma existência "parcial e moral", transformando os homens em povo e o indivíduo em cidadão, tarefa confiada, especificamente, aos legisladores. Nesse processo de transformação, o homem perde "a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo quanto aventura e pode esperar", mas ganha, em troca, "a liberdade civil e a propriedade de tudo quanto possui".

A mudança de estado acarretará outra: substituirá na conduta do homem o instinto pela justiça, dando às suas ações uma moralidade antes inexistente:

Suas faculdades se exercem e se desenvolvem, suas idéias se alargam, seus sentimentos se enobrecem, toda a sua alma se eleva a tal ponto que, se os abusos dessa nova condição freqüentemente inferior àquela da qual saiu, deveria sem cessar bendizer o instante feliz que dela o arrancou para sempre e fez, de um animal estúpido e limitado, um ser inteligente e um homem.

Importante notar o papel central da assembléia rousseauniana, a vontade geral à qual o homem cede seu poder natural. Não há, nela, representação, e sim o exercício direto da vontade, pois, "no momento em que um povo se dá representantes, não é mais livre, não mais existe". Pode haver, por outro lado, representantes no Poder Executivo, o governo, "um corpo intermediário estabelecido entre os súditos e o soberano para sua mútua correspondência, encarregado da execução das leis e da manutenção da liberdade, tanto civil quanto política". Adverte Rousseau, contudo, contra os possíveis abusos desse governo: "Assim como a vontade particular age sem cessar contra a vontade geral, o governo faz um esforço contínuo contra a soberania", podendo chegar ao ponto em que "o príncipe [o governo] oprima, enfim, o soberano e rompa o tratado social".

Como bem salienta Nascimento (2004), na sociedade civil historicamente considerada, tal qual descrita no Discurso Sobre a Desigualdade, a lei, transmudando posse em propriedade, se presta a legitimar a desigualdade, eis que emanada dos ricos em detrimento dos pobres; no Contrato Social, porém, essa transmutação torna cada proprietário, em essência, depositário do bem público. Numa sociedade justa, conclui ele, a relação entre o público e o particular só pode ser pensada se o particular for tomado como parte do todo.

Justa é, para Rousseau, a sociedade política que assegure a paz social e a liberdade civil. Mas essa sociedade só será justa se oriunda de uma vontade também justa, a vontade geral, o assentimento de todos.

A justiça advém de Deus, "sua única fonte"; mas como esta não se encontra imediatamente acessível aos homens, são necessárias "convenções e leis para unir os direitos aos deveres, e conduzir a justiça a seu objetivo". Leis essas que, criadas quando "todo o povo estatui sobre todo o povo", de forma genérica, sem individualizações, são as próprias condições da associação civil, da sociedade política [06]. Uma vez que o Estado deve pautar-se pela lei, em o fazendo acaba por se colocar a serviço da justiça.


6. O ESTADO LIBERAL

Os termos liberal e liberalismo tornaram-se amplamente difundidos, sem que, contudo, se tenha mais do que uma vaga idéia de seu conteúdo, razão pela qual acabam por designar uma série de autores e tendências com pouco em comum entre si.

Boudon (2004) explica que essas designações embutem três conjuntos de princípios:

a) uma visão do homem como ser racional, animado por paixões e interesses e mais ou menos consciente deles, esforçando-se para empregar os meios que melhor lhe pareçam para alcançar seus objetivos;

b) uma visão da sociedade como um tecido complexo de interações e relações sociais, de conflito e cooperação, aceita, nesse contexto, a existência de desigualdades sociais desde que calcadas em competências, responsabilidades e méritos ou resultantes dos mecanismos de mercado; e

c) uma visão do Estado como dotado de tripla função: garantir a segurança pública, pôr em funcionamento as instituições necessárias à administração da justiça e tomar todas as iniciativas desejáveis do ponto de vista do interesse geral nos assuntos em que não se pode esperar que tais iniciativas sejam tomadas pelo setor privado.

Nota distintiva nessa concepção é o reconhecimento da autonomia do indivíduo [07]. Segundo MacIntyre (2001:361), prestava-se o projeto liberal a fornecer "um esquema político, legal e econômico" no qual, desde que concordando com o mesmo conjunto de princípios racionalmente justificáveis, poderiam indivíduos com concepções radicalmente diferentes viver pacificamente em sociedade, "desfrutando da mesma posição política e assumindo as mesmas responsabilidades econômicas". Eis a essência desse esquema:

Todo indivíduo deve ser igualmente livre para propor e viver de acordo com qualquer concepção do bem que lhe apraza, derivada de qualquer teoria ou tradição a que ele possa ter aderido, a não ser que essa concepção do bem implique que a vida da comunidade deva ser reformulada de acordo com ela (id., ibid.).

Bafejado por esses ventos, o Estado Liberal, também denominado Estado de Direito ou Estado burguês, é o modelo que irá nascer, sobretudo, da Revolução Francesa de 1789, inspirado nas idéias de Locke e na teoria da tripartição de poderes de Montesquieu. Funda-se na concepção de que o ser humano é portador de uma individualidade, reservado ao Estado o papel de guardião e defensor da liberdade individual (SILVA, O., 2005).

Esse é o Estado do império da lei, em contraposição ao império da vontade do soberano; e essa lei, é bom que se diga, assume um caráter bilateral, garantindo direitos ao indivíduo e impondo limites à atuação estatal: têm-se, aí, as denominadas liberdades negativas, porquanto impõem ao Estado, em certos casos, uma abstenção de atividade em relação ao cidadão. A lei é a medida de todas as coisas: pode-se fazer tudo o que a lei não proíbe, e só se obriga o indivíduo àquilo que ela expressamente determina.

Silva, J. (2003:112) assim sintetiza as características do Estado liberal: a) submissão ao império da lei, esta ato formal emanado do Poder Legislativo; b) divisão de poderes entre Legislativo, Executivo e Judiciário, assegurada a produção das leis ao primeiro e a independência deste último; c) enunciado e garantia dos direitos individuais.

A independência do Judiciário implica numa nova concepção da função jurisdicional (GORCZEVSKI, 2007): ao invés de juízes leigos, escolhidos pela nobreza e comprometidos com os interesses desta, tem-se, agora, juízes profissionais, reativos e imparciais.

Laissez-faire, laissez-passer: deixe fazer, deixe passar. As esferas social e econômica devem desenvolver-se livremente, sem amarras ou qualquer tipo de interferência estatal, assegurada a autonomia do indivíduo. O mercado tudo regulará, a partir de leis como a da oferta e da procura, a da livre concorrência etc.

Padece, porém, de sérios problemas esse Estado. Como aponta La Bradbury (2006), o lema dos revolucionários franceses, Liberdade, Igualdade e Fraternidade, resumia, em verdade, os desejos da burguesia vitoriosa:

liberdade individual para a expansão dos seus empreendimentos e a obtenção do lucro; igualdade jurídica com a aristocracia, visando a abolição das discriminações; e fraternidade dos camponeses e sans-cullotes, com o intuito de que apoiassem a revolução e lutassem por ela.

Se traz o desenvolvimento do Estado liberal progresso acentuado, esse progresso está quase todo restrito ao campo econômico, mas para alguns somente. O direito fundamental, tal qual em Locke, continua a ser o de propriedade; mas nem todos tem acesso a ela, uma vez que a igualdade em que se assenta a sociedade civil é somente uma igualdade formal, conferida por declaração legal. A lei ganhou tal importância que se confunde com a justiça; mas não o é, porque

a norma geral regula as ações humanas, mas não lhe dá um sentido concreto; delimita o campo da liberdade, pela definição de fronteiras entre o permitido e o proibido, mas não se substitui à vontade individual na escolha de objetivos de vida. (COMPARATO, 1997:12).

A supostamente benéfica inércia do Estado não foi capaz de lidar com o fenômeno da Revolução Industrial, que substituiu em larga medida o trabalho humano pelo das máquinas e produziu uma legião de desempregados e miseráveis: de não-cidadãos. É por isso que, nas palavras de Maluf (1993:130), o liberalismo, perfeito na teoria, na prática se revelou "inadequado à solução dos problemas reais da sociedade. Converteu-se no reino da ficção, com cidadãos teoricamente livres e materialmente escravizados". Sua substituição, portanto, fazia-se imperiosa.


7. MARX E O FIM DO ESTADO

Karl Marx (1818-1883) engendrou um dos mais formidáveis edifícios político-filosóficos de nossos tempos, uma obra que, passando pelos campos da História, da Ciência Política, da Sociologia, da Economia e outros tantos, recebeu, em seu conjunto, o nome de "marxismo" [08]. Discutida, aprofundada ou negada por boa parte da intelectualidade do séc. XX essa obra revela-se extremamente complexa e vária; nestas páginas, far-se-á apenas uma breve digressão sobre alguns de seus aspectos, no que pertine ao escopo deste estudo.

Não se poderia falar, propriamente, em uma teoria marxista do Estado, eis que o objetivo almejado por esse pensador era o fim do aparato estatal (GORCZEVSKI, 2007), constituindo-se seus escritos, destarte, em uma fortíssima crítica a essa estrutura, mais especificamente ao Estado Liberal; de outra parte, como pondera Bobbio (2004:151), não havendo nenhuma obra de Marx dedicada especificamente ao tema, para reconstruir seu pensamento nessa área é necessário recorrer às indicações esparsas presentes em suas obras econômicas, históricas e políticas.

Bobbio (id., ibid.) classifica em cinco pontos a teoria marxista do Estado: 1) crítica das teorias precedentes, em particular da teoria hegeliana do Estado, de que não nos ocuparemos aqui; 2) teoria geral do Estado; 3) teoria do Estado burguês em particular; 4) teoria do Estado de transição; e 5) teoria da extinção do Estado.

Para Marx, não é o Estado o fundador da sociedade civil; é, ao contrário, na sociedade civil, entendida como o conjunto das relações econômicas, que se encontra o fundamento do Estado, seu caráter, a natureza de suas leis etc. (GRUPPI, 1980:27).

A história da sociedade seria a história da luta de classes. Na abertura dO Manifesto Comunista, escrito por Marx e Friedrich Engels, lê-se:

A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, mestre de corporação e oficial, numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada, uma guerra que termina sempre ou por uma transformação evolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das suas classes em luta.

O Estado seria o instrumento de que se servem as classes dominantes para impor seu jugo e explorar as classes inferiores. Em A Ideologia Alemã (2006:78), referem Marx e Engels:

As idéias (Gedanken) da classe dominante são, em todas as épocas, as idéias dominantes, ou seja, a classe que é o poder material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios para a produção material dispõe assim, ao mesmo tempo, dos meios para a produção espiritual, pelo que lhe estão assim, ao mesmo tempo, submetidas em média as idéias daqueles a quem faltam os meios para a produção espiritual. As idéias dominantes não são mais do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as relações materiais dominantes concebidas como idéias; portanto, das relações que precisamente tornam dominante uma classe, portanto as idéias do seu domínio. [...] Numa altura, por exemplo, e num país em que o poder real, a aristocracia e a burguesia lutam entre si pelo domínio, em que portanto o domínio está dividido, revela-se idéia dominante a doutrina da divisão dos poderes, que é agora declarada uma "lei eterna".

Nesse esquema, a burguesia teria papel central: de acordo com o Manifesto, de classe oprimida pelo despotismo feudal, ela, "desde o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, conquistou, finalmente, a soberania política exclusiva no Estado representativo moderno".

Essa conquista, no entanto, revela-se altamente danosa para as demais classes, pois a burguesia, onde quer que tenha alcançado o poder, não só destruiu as relações "feudais, patriarcais e idílicas", como também

Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca; substituiu as numerosas liberdades, conquistadas com tanto esforço, pela única e implacável liberdade de comércio. Em uma palavra, em lugar da exploração velada por ilusões religiosas e políticas, a burguesia colocou uma exploração aberta, cínica, direta e brutal.

Esse estado de coisas não pode subsistir. É por essa razão que o proletariado, explorado e oprimido, com sua força de trabalho apropriada e desvalorizada para que possa servir à acumulação de riquezas de outrem, haverá de promover a chamada "revolução do proletariado". Segundo o Manifesto,

O proletariado utilizará sua supremacia política para arrancar pouco a pouco todo capital à burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, isto é, do proletariado organizado em classe dominante, e para aumentar, o mais rapidamente possível, o total das forças produtivas.

O ciclo da historia, entretanto, não cessa aí: o passo seguinte é a destruição "do direito de propriedade e das relações de produção burguesas". Com uma conseqüência fundamental: se o proletariado, convertido em classe dominante, destrói as antigas relações de produção, destrói também, com elas, "as condições dos antagonismos entre as classes, destrói as classes em geral e, com isso, sua própria dominação como classe".

Sem luta de classes, esvanece-se a razão de ser do Estado: desaparece ele e surge, em seu lugar, "uma associação onde o livre desenvolvimento de cada um é a condição do livre desenvolvimento de todos".

Qual o papel reservado ao direito e à justiça no Estado burguês, tal como visto por Marx? Se o Estado é "a forma pela qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer seus interesses comuns", a conseqüência disso é que todas as instituições comuns são mediadas pelo Estado e dele adquirem uma forma política. Daí a ilusão de que a lei se baseia na vontade e, mais, ainda, na vontade livre, destacada de sua base real. Do mesmo modo, o direito é reduzido, por seu turno, à lei (2006:98).

O direito e a justiça, pois, são expressões da ideologia das classes dominantes. Pregam a igualdade, mas uma igualdade apenas formal, jamais substancial. É contra isso que verbera Marx na Crítica ao Programa de Gotha [09]:

[...] o direito igual ainda continua onerado por uma limitação burguesa. O direito do produtor é proporcional ao trabalho que forneceu; a igualdade consiste aqui no emprego do trabalho como unidade de medida comum.

Mas uns indivíduos são física ou moralmente superiores a outros e, portanto, fornecem mais trabalho no mesmo tempo ou podem trabalhar mais tempo, e para que o trabalho possa servir de medida, é precise determinar a sua duração ou a sua intensidade, senão deixaria de ser unidade. Esse direito igual é um direito desigual para um trabalho desigual. [...] Portanto, no seu teor, é um direito baseado na desigualdade, como todo o direito.

Denuncia Marx o caráter reducionista e uniformizante do direito, que consistiria "no emprego de uma mesma unidade de medida" para todos os casos. Distintos e, portanto, naturalmente desiguais os indivíduos, não poderiam ser mensurados por uma régua única, salvo se reduzidos a uma simplificação excessiva, como, por exemplo, "trabalhadores e nada mais", abstraído todo o resto.

É por essa razão que, após lembrar, nO Manifesto, que "na sociedade burguesa, o capital é independente e pessoal, ao passo que o indivíduo que trabalha não tem nem independência nem personalidade", Marx adverte:

É a abolição de semelhante estado de coisas que a burguesia verbera como a abolição da individualidade e da liberdade. E com razão. Porque se trata efetivamente de abolir a individualidade burguesa, a independência burguesa, a liberdade burguesa. Por liberdade, nas condições atuais da produção burguesa, compreende-se a liberdade de comércio, a liberdade de comprar e vender.

A injustiça é inerente ao Estado burguês; somente com a extinção deste, por intermédio da revolução do proletariado, será alcançada a justiça.


8. O ESTADO SOCIAL

Estado implica sempre, em algum grau, em tensão, dominação; e, como nos diz Silva, O. (2005), se o Estado Liberal surgiu do confronto da nobreza e do clero, que detinham os privilégios, com a burguesia, o Estado Social, ou Estado de Bem-Estar Social (Welfare State) será resultado do conflito da burguesia, proprietária, com o operariado proletário que almeja dignidade e condições humanas de trabalho. Seu marco, costuma-se dizer, é o final da Primeira Guerra Mundial, com a Constituição do México (1917) e a Constituição alemã da República de Weimar (1919), as primeiras a falar em direitos sociais.

O que importa salientar, nessa reconfiguração do Estado, é que a postura neutra anteriormente adotada vai ser substituída por outra mais atuante, destinada a garantir, ao menos em tese, a efetivação dos direitos antes apenas formalmente assegurados: essa é a medida da justiça. O Estado passa a intervir na sociedade com esse fim, como atesta o art. 151 da Constituição de Weimar: "A organização da vida econômica deverá realizar os princípios da justiça, tendo em vista assegurar a todos uma existência em conformidade com a dignidade humana [...]".

Gorczevski (2007) assinala, dentre os principais instrumentos para essa atuação: a proteção ao cidadão conta riscos individuais e sociais, como o desemprego, a doença ou a invalidez; e a promoção de serviços essenciais para os cidadãos, como educação, saneamento básico, habitação, acesso à cultura.

Nessa nova ordem,

o Estado se arvora em superpatrão para dirigir as condições de trabalho, fixar bases salariais mínimas, impor contratos coletivos de trabalho e prestar assistência efetiva ao trabalhador. As relações de natureza econômica que o liberalismo catalogara nos estatutos de direito privado passam ao domínio do direito público (MALUF, 1993:301).

O papel do cidadão, agora, é o de um cliente que, agindo estrategicamente, persegue seus interesses privados (MOREIRA, 2004); o cliente de uma Administração Pública garantidora de bens e serviços (MAULAZ, s/d).

Em vista da consecução dos fins do Estado, a lei já não pode ter caráter puramente declaratório: ela "passa a ser, a despeito de seu caráter de generalidade e abstração, instrumento de ação, inclusive, com marcas de especificidade e concretude" (SILVA, O., 2005). E também os Poderes, ou funções, do Estado se alteram: ao Executivo são atribuídos novos mecanismos jurídicos e legislativos de intervenção direta e imediata na economia e na sociedade civil, em nome do interesse público; ao Legislativo, acrescem-se funções de controle, de "fiscalização e apreciação da atividade da Administração Pública e da atuação econômica do Estado"; e do Judiciário se exige "uma aplicação construtiva do direito material vigente", de modo a garantir a justiça no caso concreto (Marcelo Cattoni, apud MAULAZ, s/d).

Também esse Estado, porém, tem suas fraquezas. O epíteto social é impreciso: observa Paulo Bonavides (apud SILVA, J., 2003:116) que toda uma gama de Estados dos mais variados matizes, inclusive os totalitários como a Alemanha nazista e a Itália fascista, assim se autodenominaram. Mas não é isso que realmente importa.

A multiplicidade de tarefas acaba por tornar o Estado Social lento, burocrático, ineficiente e perdulário. E as tarefas que ele se propõe a realizar acabam descumpridas. Ademais, bem o diz Silva, O. (2005), assim como o modelo liberal, o modelo social não se propõe a uma efetiva alteração da situação existente, mas, tão-só, uma adaptação dessa situação; embora provendo (e só até certo ponto) as necessidades básicas da população mais pobre, resguarda também, nesse processo, os interesses dos mais favorecidos, mesmo porque prover necessidades não se traduz, necessariamente, em garantir igualdade ou democracia. A justiça prometida fica, portanto, a meio caminho.

Outro modelo, pois, para cuja superação se caminhará.


9. O ESTADO DEMOCRÁTICO (E SOCIAL) DE DIREITO [10]

O Estado Social, como se viu, não se mostrou apto a assegurar justiça social. Nem, tampouco, efetiva participação do povo no processo político. Tentar-se-á conciliar essas duas finalidades no Estado Democrático de Direito.

Nessa denominação, de acordo com Silva, J. (2003: 112), democracia e direito estão unidos "não como simples união formal dos respectivos elementos": o termo revela "um conceito novo que os supera, na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo".

Da mesma opinião, quanto ao conteúdo transformador da proposta, partilha Lênio Luiz Streck:

[...] o seu conteúdo ultrapassa o aspecto material de concretização de uma vida digna ao homem e passa a agir simbolicamente como fomentador da participação pública quando o democrático qualifica o Estado, o que irradia os valores da democracia sobre todos os seus elementos constitutivos e, pois, também sobre a ordem jurídica. E mais, a idéia de democracia contém e implica, necessariamente, a questão da solução do problema das condições materiais de existência [...] Assim, o Estado Democrático de Direito teria a caracterização de ultrapassar não só a formulação do Estado Liberal de Direito, como também a do Estado Social de Direito – vinculado ao welfare state neocapitalista – impondo à ordem jurídica e à atividade estatal um conteúdo utópico de transformação da realidade (apud SILVA, O., 2005).

Essa pretensa transformação da realidade se operaria, precipuamente, de duas maneiras. Primeiro, por meio da lei: a lei não puramente abstrata, mas que detém a função de regulação fundamental (SILVA, J., 2003:121), que intervém na realidade; e que é formada com a efetiva participação da sociedade. O principal foco de atenção do Estado Democrático de Direito é a comunidade como um todo, a ênfase nos direitos da comunidade (SILVA, O., 2005). A atividade estatal é reorganizada em função de finalidades coletivas (COMPARATO, 1997), e aqui transparece o segundo instrumento de transformação da realidade: as políticas públicas, programas de ação por meio dos quais se estabelecem metas visando a diminuição das desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico (HOFFLING, 2001:31).

Se, como usualmente assentado, ao Estado Liberal correspondem os chamados direitos de primeira geração (civis e políticos), e ao Estado Social os de segunda geração (de conteúdo econômico e social), para La Bradbury (2006) o Estado Democrático (e Social) de Direito cria os direitos de terceira geração, situados no plano do respeito, de conteúdo fraternal, compreendendo os direitos essencial ou naturalmente coletivos, isto é, os direitos difusos e os coletivos strictu sensu, passando o Estado a tutelar, além dos interesses individuais e sociais, os transindividuais (ou metaindividuais), que compreendem, dentre outros, o respeito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a paz, a autodeterminação dos povos e a moralidade administrativa.

Martinez (2003) assim conceitua o modelo, por ele denominado Estado Democrático de Direito Social:

[...] é a organização do complexo do poder em torno das instituições públicas, administrativas (burocracia) e políticas (tendo por a priori o Poder Constituinte), no exercício legal e legítimo do monopólio do uso da força física (violência), a fim de que o povo (conjunto dos cidadãos ativos), sob a égide da cidadania democrática, do princípio da supremacia constitucional e na vigência plena das garantias, das liberdades e dos direitos individuais e sociais, estabeleça o bem comum, o ethos público, em determinado território, e de acordo com os preceitos da justiça social (a igualdade real), da soberania popular e consoante com a integralidade do conjunto orgânico dos direitos humanos, no tocante ao reconhecimento, defesa e promoção destes mesmos valores humanos. De forma resumida, pode-se dizer que são elementos que denotam uma participação soberana em busca da verdade política.

Ao Poder Executivo, no Estado Social, era conferida a preponderância na consecução das finalidades estatais; no modelo aqui examinado, porém, essa preponderância se desloca para o âmbito do Poder Judiciário (SILVA, O., 2005; FIGUEIREDO, 2007): a ele compete "viabilizar a promoção da legitimação do Estado democrático pelo procedimento da cidadania" (MOULAZ, s/d). Os tribunais são chamados a atuar nos vazios institucionais deixados pelos demais poderes; para isso, contam com o instrumental que a própria Constituição previu (SILVA, O., 2005; FIGUEIREDO, 2007:61).

Entre nós, o Estado Democrático Brasileiro teria sido adotado na Constituição de 1988: isso é proclamado no preâmbulo e no art. 1º. Silva, J. (2003:122) elenca os princípios balizadores desse paradigma, identificando-os no texto constitucional:

a) princípio da constitucionalidade, indicando a fundamentação do Estado em uma Constituição rígida, emanada da vontade popular;

b) princípio democrático, norteando a construção de uma democracia representativa e participativa, pluralista e que seja a garantia geral da vigência e eficácia dos direitos fundamentais (art. 1º);

c) sistema de direitos fundamentais, aí abrangidos os individuais, coletivos, sociais e culturais (títulos II, VII e VIII);

d) princípio da justiça social (art. 173, caput, e art. 193), embasando a ordem econômica e a ordem social;

e) princípio da igualdade (art. 5º, caput e I);

f) princípios da divisão de poderes (art. 2º) e da independência do juiz (art. 95);

g) princípio da legalidade (art. 5º, II); e

h) princípio da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI a LXXIII).


10. ESTADO E JUSTIÇA: ALGUMAS TEORIAS CONTEMPORÂNEAS

Dentre as várias teorias contemporâneas que se dedicam ao Estado, à Justiça ou à relação entre ambos, destacamos, aqui, aquelas tidas como mais influentes.

E a mais influente de todas, sem sombra de dúvida, é a Teoria da Justiça do norte-americano John Rawls (1921-2002). O livro que recebeu esse nome, publicado em 1971, é considerado um clássico da filosofia moral e do pensamento político contemporâneo (IHU ON-LINE, 2002).

Contratualista como vários dos pensadores aqui examinados, e fundando-se em Locke, Rousseau e Kant, Rawls, porém, não elabora uma concepção de Estado: o objetivo de seu contrato seria a própria justiça, por ele tida como "a primeira virtude das instituições sociais".

Para Rawls, uma sociedade é "uma associação mais ou menos auto-suficiente de pessoas que em suas relações mútuas reconhecem certas regras de conduta como obrigatórias e que, na maioria das vezes, agem de acordo com elas" (2002:4). Um "empreendimento cooperativo visando vantagens mútuas", ela é, a um só tempo, marcada por identidade de interesses ─ porque a cooperação possibilita ao conjunto dos indivíduos uma vida melhor do que poderiam ter eles dependendo dos próprios esforços ─ e por conflito de interesses ─ porque, ao perseguir seus fins, cada indivíduo irá preferir uma participação maior nos benefícios (id., ibid.). Para, então, atribuir direitos e deveres nas instituições básicas da sociedade e definir a apropriada distribuição dos benefícios e encargos, far-se-ia necessário eleger um conjunto de princípios por todos aceitos e seguidos: os princípios de justiça.

A exemplo do que fazem os contratualistas clássicos ao conceber o estado de natureza, fala Rawls em uma posição original, uma situação hipotética de liberdade na qual seriam escolhidos os princípios de justiça estruturadores da sociedade. Uma vez que no acordo de vontades tendente a essa escolha se partiria de uma condição de igualdade entre os contratantes ─ em contraposição à realidade vigente, recheada de profundas desigualdades ─, Rawls identifica a noção de justiça aí presente com a eqüidade.

Rawls situa os contratantes originais atrás de um véu de ignorância, sem qualquer informação a seu próprio respeito ou acerca dos demais. Explica ele:

Em primeiro lugar, ninguém sabe qual é o seu lugar na sociedade, a sua posição de classe ou seu status social; além disso, ninguém conhece a sua sorte na distribuição dos dotes naturais e habilidades, sua inteligência e força, e assim por diante. Também ninguém conhece a sua concepção do bem, as particularidades de seu plano de vida racional, e nem mesmo os traços característicos de sua psicologia, como por exemplo sua aversão ao risco ou sua tendência ao otimismo ou ao pessimismo. Mais ainda, admito que as partes não conhecem as circunstâncias particulares de sua própria sociedade. Ou seja, elas não conhecem a posição econômica e política dessa sociedade, ou o nível de civilização e cultura que ela foi capaz de atingir. As pessoas na posição original não têm informação sobre a qual geração pertencem (id., 147).

Por outro lado, as pessoas nessa condição conhecem "os fatos genéricos sobre a sociedade humana. Elas entendem as relações políticas e os princípios da teoria econômica; conhecem a base da organização social e as leis que regem a psicologia humana" (id., 148). Em suma, sabem as conseqüências que suas decisões poderiam ter; só não têm condições de discernir como elas próprias serão afetadas por isso.

O resultado disso é que cada contratante, podendo identificar-se com todo e qualquer membro da sociedade, procuraria escolher racionalmente princípios que pudessem beneficiar a todos ou, ao menos, que causassem o menor grau de prejuízo, propiciando direitos e deveres iguais, exatamente para evitar que pudesse ser atingido por arbitrariedades ou disparidades. Dificilmente alguém acolheria como forma de governo a tirania, diante da maior possibilidade de ser o oprimido que o tirano, ou um sistema de privilégios para os dotados de maior renda, já que poderia estar colocado na base da pirâmide econômica e não no topo.

A teoria rawlsiana é, também, uma forte crítica ao utilitarismo [11], doutrina inspirada nas idéias de Jeremy Bentham e Stuart Mill, que, pregando a maior felicidade possível para o maior número de pessoas, admite que a situação de alguns indivíduos piore em nome do bem-estar coletivo: para Rawls, o princípio da utilidade é incompatível com a concepção da cooperação social entre indivíduos iguais para vantagem mútua, pois, embora possa parecer conveniente, não é justo que alguns tenham menos para que outros possam prosperar (id., 16).

Os dois princípios de justiça que Rawls apresenta como oriundos do consenso originário, e que irá desenvolver ao longo do livro, são:

Primeiro Princípio: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema total de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para as outras.

Segundo Princípio: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis para todos (id., 64).

Esses princípios, como se vê, são, na verdade, três, já que o segundo princípio se desdobra em dois. Teríamos, então: princípio 1, ou da igual liberdade, princípio 2a, ou da diferença, e princípio 2b, da igualdade eqüitativa de oportunidades. Como refere van Parijs (1997:69), há uma hierarquia entre esses princípios, prevalecendo o primeiro sobre o segundo e a segunda parte do segundo princípio sobre a primeira, o que significa que

Uma sociedade é mais justa que a outra se as liberdades fundamentais são maiores e mais bem distribuídas, qualquer que seja a distribuição dos outros bens primários; e entre duas sociedades semelhantes no plano das liberdades fundamentais, a que assegura as oportunidades mais iguais para todos é a mais justa, qualquer que seja o grau em que o princípio da diferença é realizado.

Em outros termos, a justiça não consistiria nem em inflar tanto quanto possível as vantagens socioeconômicas, nem em igualizar tanto quanto possível a repartição, mas em tornar tanto quanto maior e duradouramente possível a parte menor (VAN PARIJS, 2002).

Fala Rawls, ainda, em justiça política, isto é, a justiça da Constituição, esta entendida como o mais alto sistema de normas sociais. Afirma ele que uma constituição justa é "um caso de justiça procedimental imperfeita", pois é uma entre várias ordenações viáveis, devendo ser, porém, a que tem maiores probabilidades de resultar num sistema de legislação justo e eficaz (2002:241). A Constituição deve ser elaborada da mesma maneira que os princípios de justiça na posição original, com iguais direitos de participação de todos os cidadãos em seu processo de formulação.

As duas outras teorias, a dos bens sociais de Michael Walzer e a do Estado Mínimo de Robert Nozick, contrapõem-se à da justiça como eqüidade de Rawls.

Segundo Walzer, não pode haver um critério único de distribuição de justiça; a justiça é uma construção humana, sendo duvidoso que possa ser feita de um único modo (SILVA, R., 1998). A normalidade social dependeria da observância dos critérios internos de distribuição de justiça em cada esfera da sociedade. Esses critérios seriam o mérito, na educação, a necessidade, na saúde, e o consentimento, na política; a injustiça decorreria da errônea aplicação em uma esfera de critérios de distribuição típicos de outra (id., ibid.).

Walzer faz distinção entre igualdade simples e igualdade complexa. A igualdade simples se dá sempre que o bem é distribuído igualmente (a mesma quantidade de dinheiro para todos, p. ex.), mas leva, ao final, à desigualdade, já que o mercado produz as diferenças (id., ibid.). Já a igualdade complexa significa que "a posição de nenhum cidadão em uma esfera ou em relação a um bem social pode ser minada por sua posição em alguma outra esfera, em relação a algum outro bem" (Walzer, apud ROUANET, 2002).

Robert Nozick, por sua vez, argumentando que o Estado maior, por seu grau de interferência, viola os direitos dos cidadãos, defende, tal como os liberalistas clássicos, a estruturação de um Estado mínimo, limitado estritamente às funções de proteção contra a violência, o furto e a fraude no cumprimento dos contratos.

O Estado mínimo, segundo Nozick,

nos trata como indivíduos invioláveis, que não podem ser utilizados de certas maneiras por outros, como meios, ferramentas, instrumentos ou recursos; ele nos trata como pessoas que têm direitos individuais, com a dignidade que isso supõe. Tratando-nos com respeito e respeitando nossos direitos, ele nos permite, individualmente ou com aqueles que preferimos, escolher nossa vida e realizar nossas aspirações e nossa concepção de nós mesmos, na medida em que podemos fazê-lo, com a ajuda da cooperação voluntária de outros indivíduos que possuem a mesma dignidade. Como um Estado ou grupo de indivíduos ousa fazer mais? Ou menos? (apud van Parijs, 1997:111).

Assim como no liberalismo clássico, a noção de propriedade é extremamente cara a Nozick. Propõe ele uma teoria do justo título, pela qual afirma caber à justiça, afastando-se das vagas expressões justiça distributiva e justiça social, especificar regras para a correta aquisição de títulos sobre bens, a correta transferência de títulos e a correta retificação das violações a esses dois tipos precedentes de regras. A isso se liga a noção de uma sociedade justa: se os bens de cada pessoa são justos, o conjunto total de bens é justo.

Um título é uma noção moral, um âmbito de livre disposição que não deve ser invadido sem o consentimento de quem detém o título; o erro das teorias tradicionais, fundadas na justiça distributiva, seria, ignorando os títulos especiais que as pessoas podem legitimamente invocar frente a bens concretos, autorizar medidas coativas de expropriação e redistribuição, assim violando direitos individuais e barreiras morais.

Ao nos apropriarmos de algo que não era possuído por ninguém, e compensarmos os outros razoavelmente pelas perdas que isso poderá acarretar, estaremos cumprindo o princípio da justa aquisição (VAN PARIJS, 1997; MORRESI, 2002). De posse dele, poderemos fazer o que nos convenha, inclusive destruí-lo ou transferi-lo, sempre sem violar o direito de nossos semelhantes. A transferência voluntária atende ao segundo princípio, segundo o qual toda transação produzida sem coerção é justa (MORRESI, 2002). O terceiro e último princípio é o da compensação, consistente na obrigação de ressarcir aqueles cujos direitos não foram contemplados na apropriação original ou nas sucessivas transferências (id., ibid.).

Van Parijs salienta que, mesmo reconhecendo que os dois primeiros critérios produziram graves injustiças no passado e moldaram profundamente a (injusta) distribuição atual, Nozick não especifica suficientemente como se operaria seu terceiro princípio; e que esse autor, mesmo sustentando que nenhum princípio de justiça final e padronizado poderia ser realizado sem interferência na vida das pessoas (1997:165), acaba por sugerir que "um princípio final ou padronizado, tal que a maximização da posição do mais desfavorecido, poderia ser utilizado como uma ''regra empírica grosseira'' (rough roule of thumb) que permite fornecer uma aproximação ao princípio de retificação" (id., 120).

John Rawls, em textos posteriores, sobretudo no livro Justiça como Eqüidade, respondeu a esses e outros críticos. Afirmou que jamais teria pretendido um conceito único, metafísico, de justiça, mas sim político, derivado de um consenso político resultante da pluralidade de concepções da justiça: esta seria sempre um conceito relativo, fundado no entendimento da maioria (SILVA, R., 1998). E, no tocante à interferência do Estado na vida dos cidadãos e na titularidade dos bens, esclareceu:

Não há interferência não anunciada ou imprevisível nas antecipações e aquisições dos cidadãos. As titularidades (entitlements) são merecidas e honradas (em uma sociedade regida pelos princípios de justiça) em conformidade com o que decreta o sistema público de regras. As taxas e restrições são todas previsíveis em princípio, e os haveres são adquiridos sob a condição conhecida de que algumas transferências e redistribuições serão efetuadas (apud VAN PARIJS, 1997:165).

Como refere Nedel (2002), Rawls é um liberal, mas o liberalismo por ele defendido é político, não econômico: os planos de vida particulares devem harmonizar-se com a concepção pública de justiça, mas essa é a única exigência; obedecido isso, o Estado em nada interfere, nada prescreve, permitindo que na sociedade democrática moderna a convivência seja caracterizada pelo pluralismo das concepções filosóficas, morais, religiosas e quaisquer outras.


11. CONCLUSÃO

O jusfilósofo Hans Kelsen, de influência crucial no séc. XX, unificou Direito e Estado, afirmando ser este último uma ordem jurídica (KELSEN, 1991:302). Ao mesmo tempo, porém, separou o direito da justiça. O direito e o Estado não passariam de "uma ordem coerciva de conduta humana — com o que nada se afirma sobre seu valor moral ou de Justiça" (id., 334). Justiça, para Kelsen, seria aplicar uma regra onde ela deva ser aplicada, constituindo-se a injustiça, nessas condições, deixar de aplicá-la. Em outras palavras, a justiça, legalmente considerada, não concerne ao conteúdo da norma, mas à sua aplicação; não a conteúdos, mas à própria ordem jurídica (KELSEN, 2000:20).

Justiça, contudo, já o dissemos, é, a nosso ver, valor, e, enquanto tal, uma categoria a ser preenchida de acordo com os costumes, a cultura, a ideologia de cada povo, de cada época. Se o Estado pode ser visto como instrumento de dominação dos mais fortes, também o seria, em boa medida, a justiça; mas não completamente.

Não há teoria do Estado perfeita, assim como não há Estado perfeito. Truísmo absoluto, não é demais, no entanto, reafirmá-lo.

O Estado não se modifica por si próprio; não é auto-referente. Evolui, por assim dizer, no fluxo dos acontecimentos históricos, por conta das pressões e dos anseios das classes menos favorecidas. Assim foi com a instauração do Estado liberal, com o qual a antes oprimida burguesia ascendeu ao poder; e continua a sê-lo até hoje.

Nessa arena de pressões e conflitos, as expectativas dos estratos inferiores política e economicamente acabam por ser satisfeitas, mas não de forma profunda, completa; apenas o quanto seja suficiente para acomodar as tensões e permitir a preservação da estrutura sociopolítica. Como na famosa frase do romance Il Gattopardo, de Tommaso di Lampedusa, "é necessário que as coisas mudem para que continuem as mesmas".

Mas não é o caso, cremos, de, simplesmente, propor a extinção do Estado, ou de reduzir o direito, simploriamente, à pura ideologia do mais forte. Desde os tempos mais primitivos, quando dois ou mais homens se puseram juntos, houve necessidade de estabelecer regras de conduta e convívio; e nenhum grupamento humano prescindirá de alguma estrutura de liderança, de poder propriamente dito, estrutura essa tanto mais complexo e especializado quanto mais complexo e vário for o grupamento de que se origina. Acrescente-se, ainda, que formular os princípios jurídicos dessa estrutura levando em conta apenas o interesse daqueles situados no topo da pirâmide social seria provocar, mais cedo ou mais tarde, sua derrocada.

Fala-se, hoje, em crise do Estado: frente a nações cujas decisões podem afetar os cidadãos de outros países, a corporações transnacionais, algumas delas com orçamentos maiores que muitos países, e a organismos supranacionais que diluem fronteiras e identidades, como a União Européia, o Estado se esforça por manter-se, por reencontrar sua razão de ser (PFETSCH, 1998).

Ao mesmo tempo, entretanto, assistimos a uma maior organização da sociedade civil, a uma maior consciência das suas possibilidades de participação no debate político. Mesmo entre as classes mais hipossuficientes se percebe algum nível de associativismo. Exemplo disso são as conquistas sociais positivadas na Constituição de 1988: ainda que de cunho programático muitas delas, o só fato de constarem da lei fundamental do país traz ínsita a possibilidade de sua concretização. Exemplo disso, também, são movimentos como os dos sem-terra, estruturados para chamar a atenção do Estado e para arrancar-lhe concessões no que tange à redistribuição da propriedade e de outros bens.

Essa maior participação desses atores sociais, por óbvio, implica também a possibilidade de interferir de forma mais efetiva na formação das leis, na produção do direito, levando a uma maior aproximação com o sentido da expressão Estado Democrático de Direito e a uma maior inclinação na direção de uma justiça mais ampla e mais comprometida com todos os setores da sociedade.

Não se pode perder a conexão entre direito e justiça, ver o processo legislativo como algo estranho ao cotidiano, feito em prédios monumentais por técnicos especializados (que no mais das vezes não o são). Como nos diz Silva, B. (2007), a justiça sem o direito é pura especulação metafísica, sem efetividade, mas o direito sem justiça é ordem destituída de legitimidade, comando do mais forte, e, sem a interação de ambos, perde-se a humanidade nas relações intersubjetivas. Da mesma forma entende Reale (2001), ao sustentar que o direito positivo pressupõe a justiça como condição de sua legitimidade, enquanto a justiça põe o direito como condição de sua realizabilidade.

Promover a igualdade substancial, pressuposto da liberdade, demanda um verdadeiro pluralismo democrático. O Judiciário, nestes novos tempos, tem certamente um papel fundamental na realização da justiça social; mas essa tarefa não deve ser deixada exclusivamente sobre os ombros dos juízes. Ao se admitir o direito como algo não estático, mas em construção e transformação, há que se admitir a possibilidade de que essa construção seja participativa, de que essa transformação possa fundar-se em um consenso abrangente. Não há como saber para onde se dirigem Estado e justiça, pois, como afirmava Marx, os homens fazem a história, mas a história os conduz; mas há como influir nesses rumos, para que dar a cada um o que é seu seja uma expressão repleta de conteúdo ético e de concretude.


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Notas

  1. honeste vivere, neminem laedere, sum cuique tribuere ― viver honestamente, a ninguém lesar, dar a cada um o que é seu.
  2. Cujas raízes, embora não consensualmente, poderíamos localizar na Revolução Inglesa de 1688, em que o Parlamento delimitou os poderes políticos do rei Jaime II, submetendo-os à lei.
  3. O capítulo I se inicia com a seguinte afirmação: "Todos os Estados, todos os domínios que exerceram e exercem poder sobre os homens, foram ou são repúblicas ou principados".
  4. Esse estado de natureza, para Hobbes, é pura hipótese, ao menos em termos de universalidade; embora reconheça ele a existência de "lugares onde atualmente se vive assim" (cap. 13), tal concepção mais se presta a que daí se possa desenvolver uma justificação do Estado.
  5. Note-se que não há um Poder Judiciário: para Locke, aquele que julga deve ser o mesmo que faz as leis.
  6. Em seu Discurso Sobre a Economia Política (1762), iria mais tarde dizer Rousseau: "É somente à lei que os homens devem a justiça e a liberdade; é esse órgão salutar da vontade de todos que restabelece no direito a igualdade natural entre os homens; é essa voz celeste que dita a cada cidadão os preceitos da razão pública e o ensina a agir de acordo com as máximas de seu próprio julgamento a não ficar em contradição consigo mesmo".
  7. Van Parijs (1997:208) pondera que "toda teoria liberal é por certo individualista em algum sentido", pois não poderá conceber "interesse geral" ou "bem comum" que não se reduza de modo último aos bem dos indivíduos que compõem a sociedade.
  8. Cf. Bobbio (2004:149), entende-se por marxismo "o conjunto das idéias, das teses, das teorias, das propostas de metodologia científica e de estratégia política e, em geral, a concepção do mundo, da vida associada e da política, consideradas como um corpo homogêneo das proposições até constituir uma verdadeira e autêntica ''doutrina'', derivadas das obras de Karl Marx e Friedrich Engels".
  9. Esse texto, de 1875, é uma crítica ao projeto de programa do Partido Operário Unificado Alemão ― denominação sob a qual se fundiriam o Partido Operário Social Democrata e a União Geral dos Operários Alemães ―, projeto esse que, na ótica de Marx e Engels, continha graves erros e concessões ao liberalismo. O excerto transcrito neste trabalho integra a glosa à Proposição 3, "A libertação do trabalho exige que os instrumentos de trabalho se elevem a patrimônio comum da sociedade e que o trabalho coletivo seja regulamentado pela comunidade, com repartição eqüitativa do produto", cujo primeiro parágrafo estabelece que "todos os membros da sociedade têm igual direito a perceber o fruto integral do trabalho".
  10. Há grande variabilidade de denominações e periodicizações quando se enfoca a classificação dos modelos estatais. Para alguns, o que se denomina Estado Social seria justamente o que denominamos Estado Democrático de Direito. Entendemos, porém, que no Estado Democrático de Direito, além de se concretizar o retorno da participação popular no governo, a intervenção da Administração Pública na sociedade, iniciada no período anterior, irá manter-se, só que modificada, com a utilização das políticas públicas; daí porque o título desse capítulo.
  11. Como explica van Parijs (1997:16), nesse sistema "a cada indivíduo e a cada opção é possível fazer corresponder um nível de utilidade (ou bem-estar)"; para cada opção possível, então, dever-se-ia somar os níveis de utilidade atingíveis para cada um dos indivíduos atingidos, daí resultando que a melhor opção seria correspondente à soma mais elevada.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRANDÃO, Luiz Carlos Kopes. Estado e Justiça. Concepções e correlações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1852, 27 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11528. Acesso em: 28 mar. 2024.