Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/11694
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A sujeição do trabalhador à revista pessoal pelo empregador.

Uma análise do Enunciado nº 15 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho

A sujeição do trabalhador à revista pessoal pelo empregador. Uma análise do Enunciado nº 15 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho

|

Publicado em . Elaborado em .

Não pode ser realizada a revista íntima de empregados, prevalecendo a intimidade e a dignidade do trabalhador, no confronto com o direito de propriedade e da livre iniciativa do empregador.

1.Introdução

Em novembro de 2007, na sede do TST, foram aprovados 79 Enunciados resultantes da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho [01], reunião das maiores autoridades em Direito do Trabalho do Brasil. Tal encontro foi organizado pela ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho). Inobstante não terem efeitos legais, mostram como pensam e devem julgar a maioria dos juízes trabalhistas alinhados à ANAMATRA, o que em breve tornar-se-á jurisprudência, quiçá Súmula do TST(Tribunal Superior do Trabalho).

Um dos Enunciados aprovados foi o de nº 15, segundo o qual não pode ser realizada a revista íntima de empregados, devendo prevalecer a defesa dos direitos à intimidade e à dignidade do trabalhador, no confronto com o direito de propriedade e da livre iniciativa do empregador.

Esse Enunciado, apesar de ter passado um tanto despercebido pela mídia brasileira, clarificou a controvérsia que ainda não havia sido enfrentada a fundo nem pela doutrina nem pelos Tribunais Brasileiros. Assentou-se o que já era expresso no art. 373-a, inciso VI, da CLT, que apesar de ser a única norma do ordenamento jurídico brasileiro que cuida do tema, serviu de base, juntamente com os direitos fundamentais à intimidade e à dignidade do trabalhador para fundamentar o entendimento da 1ª Jornada.

Nesse sentido, veio expressamente proibir qualquer tipo de revista pessoal para ambos os sexos, in verbis:

I-REVISTA. ILICITUDE. Toda e qualquer revista, íntima ou não, promovida pelo empregador ou seus prepostos em seus empregados e/ou em seus pertences, é ilegal, por ofensa aos direitos fundamentais da dignidade e intimidade do trabalhador.

II- REVISTA ÍNTIMA - VEDAÇÃO A AMBOS OS SEXOS. A norma do art. 373-A, inc. VI, da CLT, que veda revistas íntimas nas empregadas, também se aplica aos homens em face da igualdade entre os sexos inscrita no art. 5º, inc. I, da Constituição da República.

Exposto o tema, trata-se agora de dar contornos doutrinários e legais à orientação da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, a que se passa a fazer.


2. A revista pessoal no direito do trabalho

Primeiramente, cumpre esclarecer que não será examinada aqui a revista pessoal para acesso a determinados locais ou estabelecimentos com o intuito de resguardar a segurança dos demais indivíduos e bens envolvidos. Esse é o caso, por exemplo, da revista realizada na entrada de casas de festas, estádios de futebol e no embarque em aviões. Nessas hipóteses, a ponderação se faz entre os princípios da vida privada e da segurança (ou até mesmo do direito à vida e à saúde). Contudo, quando se refere à revista pessoal realizada pelo empregador em seus empregados (lato sensu), os princípios em jogo são, por um lado, o direito à vida privada e, por outro, o direito à propriedade e à autonomia de vontade.

Nesse sentido, de acordo com os Profs. Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante,

A sujeição do empregado à revista é um desdobramento do poder diretivo do empregador.

O objetivo da revista é evitar a prática de atos, os quais levam à dilapidação do seu patrimônio.

É imperioso que, no ato de revista, o empregador respeite a dignidade do trabalhador, já que são invioláveis a intimidade, a vida privada e a imagem das pessoas, assegurando-se à vítima o direito à indenização material ou moral decorrente de sua violação (art. 5º, X, CF). [02]

Com efeito, vale ressaltar que a doutrina brasileira até então, não vinha dando a devida atenção ao assunto, relegando unicamente à jurisprudência a atribuição de delinear os limites do referido poder do empregador.

Neste diapasão, fato é que, no Brasil, sempre houve o costume de se permitir ao empregador realizar revista pessoal em seus empregados como forma de proteção de seu patrimônio. Tal prática se torna ainda mais comum dentre empresas de vestuários e medicamentos, pela evidente facilidade de extravio das mercadorias nelas comercializadas, devido ao seu tamanho e mobilidade.

Entretanto, por volta da década de 90, começaram a surgir as primeiras ações judiciais que tinham por objeto contestar esse poder diretivo, bem como exigir indenização pelos danos morais que ele ocasiona aos empregados submetidos a tal conduta.

Ato contínuo, em 1999 foi publicada a lei 9.799/99 que acrescentou o art. 373-A à CLT, que assim dispõe:

Art. 373-A – Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado:

[...]

VI - proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias.

Contudo, esse dispositivo encontra-se topograficamente inserto no Capítulo III do Título III da CLT, que se refere exclusivamente à Proteção do Trabalho da Mulher, pelo que não soluciona, a princípio, a questão sobre a possibilidade do empregador proceder ou não à revista pessoal no empregado.

Dito isso, passemos a analisar primeiramente o citado artigo 373-A para, depois, fazermos um exame mais detido acerca dos princípios envolvidos.


3.Exegese do art. 373-A, inciso VI da CLT frente à segunda parte do Enunciado 15

REVISTA ÍNTIMA - VEDAÇÃO A AMBOS OS SEXOS. A norma do art. 373-A, inc. VI, da CLT, que veda revistas íntimas nas empregadas, também se aplica aos homens em face da igualdade entre os sexos inscrita no art. 5º, inc. I, da Constituição da República".

A lei 9.799/99, que acrescentou à CLT o dispositivo em questão, foi promulgada sob o seguinte título: "Insere na Consolidação das Leis do Trabalho regras sobre o acesso da mulher ao mercado de trabalho e dá outras providências". A partir dessa premissa, um primeiro questionamento que era realizado antes do Enunciado 15, era sobre a possibilidade de se aplicar a citada norma laboral a todas as relações trabalhistas ou somente àquelas em que se tratar de empregada do sexo feminino.

Acerca da dúvida exposta acima, é de se ressaltar que a doutrina brasileira era omissa, não havendo qualquer obra de expressão que se propunha a analisar de forma profunda a extensão da mencionada regra. O que se podia apontar eram as construções jurisprudenciais, por meio dos aplicadores do Direito quando provocados a se manifestar sobre o tema, ora restringindo ora ampliando a interpretação do art. 373-A, inciso VI, da CLT.

Até o que se nota, o Tribunal Superior do Trabalho tem apontado, em uma leitura constitucional do art. 373-A, inciso VI, CLT, o seu entendimento sobre o assunto no sentido do Enunciado 15 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, qual seja, aplica-se para ambos os sexos a vedação, tendo em vista sempre o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da isonomia, inclusive não diferenciando o valor do dano moral em razão do sexo. Alguns julgados do TST ilustram o que se afirma:

"DANOS MORAIS. REVISTA ÍNTIMA. CONDUTA OFENSIVA À HONRA E À DIGNIDADE DOS EMPREGADOS. INDENIZAÇÃO. REDUÇÃO PELO TRIBUNAL REGIONAL. FIXAÇÃO NO MESMO PATAMAR PARA AMBOS OS SEXOS. PRETENSÃO DE DIFERENCIAÇÃO PELO TEMPO DE SERVIÇO. SÚMULA Nº 297, I E II, DO TST. VIOLAÇÃO DE PRECEITOS CONSTITUCIONAIS E DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO-CONFIGURADAS. Recurso de Revista nº TST-RR-1.540/2000-004-19-00.0, em que são recorrentes LUIS EDUARDO BORGES DE LIMA e OUTROS e recorrida C & A MODAS LTDA".

"227489 – RECURSO DE REVISTA – DANOS MORAIS – REVISTA ÍNTIMA – Constitui fundamento do estado brasileiro o respeito à dignidade da pessoa humana, cuja observância deve ocorrer na relação contratual trabalhista; o estado de subordinação do empregado e o poder diretivo e fiscalizador conferidos ao empregador se encontram em linha de tensão, o que não pode levar à possibilidade de invasão da intimidade e desrespeito ao pudor do trabalhador. A comercialização, pela empresa, de produtos que lhe exigem maior vigilância sobre os estoques, apesar de ensejar a adoção de revista do empregado, ao término da jornada, não afasta o dever de que ela seja feita segundo meios razoáveis, de modo a não causar constrangimentos ou humilhação, cuja ocorrência configura dano moral a ser reparado. Recurso de revista conhecido e provido. (TST – RR 533.770/99-3ª R. – 1ª T. – Relª Juíza Conv. Maria do Perpétuo Socorro Wanderley de Castro – DJU 07.12.2006)"

Portanto, ao se examinar algumas breves passagens dos acórdãos provenientes deste Tribunal, extrai-se uma tendência no sentido do Enunciado 15, de se estender a norma jurídica a todas as relações trabalhistas. Corroborando a afirmação anterior, leia-se o seguinte trecho do voto do relator Juiz Convocado José Antônio Pancotti:

A CLT, no capítulo em que trata da proteção do trabalho da mulher, aplicado, analogicamente, a toda relação de emprego, veda apenas a revista íntima (art. 373-A, VI). [03] (grifo nosso)

3.2 Exegese do art. 373-A, inciso VI da CLT frente à primeira parte do Enunciado 15

ENUNCIADO 15 – 1ª PARTE:

I-REVISTA. ILICITUDE. Toda e qualquer revista, íntima ou não, promovida pelo empregador ou seus prepostos em seus empregados e/ou em seus pertences, é ilegal, por ofensa aos direitos fundamentais da dignidade e intimidade do trabalhador.

Em continuidade, é possível vislumbrar outra problemática decorrente da redação do art. 373-A, inciso VI da CLT, qual seja o alcance da expressão "revista íntima". Com efeito, questionava-se se dita expressão traduz somente a revista realizada em lugares efetivamente íntimos, como, por exemplo, debaixo da roupa, ou se também abrange a intimidade em um sentido amplo, como dentro de uma bolsa ou mochila, que é a orientação do Enunciado 15. Caso se entenda pela última acepção, o dispositivo vedará qualquer tipo de revista pessoal.

Nesse ponto, a jurisprudência é dividida ora no sentido de adotar uma interpretação ampla, ou seja, vedando qualquer tipo de revista ao trabalhador, ora afirmando que a interpretação, neste caso, também deve ser estrita, sendo possível a realização de revista pessoal sob determinadas condições, que descaracterizariam a revista íntima.

O TST parece adotar a tese de que é cabível a revista pessoal, desde que não viole a intimidade e a dignidade do empregado, ou seja, depreende-se de seus julgados que a vistoria de bolsas e sacolas, considera-se perfeitamente aceitável, o que o Tribunal veda é a revista íntima caracterizada por uma vistoria mais agressiva, inclusive das partes íntimas do trabalhador, o que seria inaceitável. Acaba definindo no caso concreto se houve excesso ou não do empregador, agindo, repressivamente, para indenizar por danos morais o empregado. Expõem-se algumas decisões do TST que apontam nesse sentido:

Cuida-se de empresa, cujo objetivo econômico é a confecção de roupas íntimas. Tendo em conta que são peças facilmente portáveis, quer pela sua leveza, quer pelo minúsculo tamanho, adaptando-se facilmente sobre outras roupas íntimas, a revista, em princípio, não traduz ofensa ou afronta ao empregado, quando levada a efeito de forma geral, sem constrangimento, sem que seja dirigida apenas para alguns empregados. [04]

Note-se que a revista pessoal do empregado, dentro de limites que não atentem contra a sua intimidade e dignidade, é medida que pode ser adotada pelo empregado em defesa de seu patrimônio, com a advertência de que, na forma do art. 187 do Código Civil vigente, "também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes". [05]

Efetivamente, a maneira como realizada a revista, é que definirá a ocorrência ou não de dano moral. Nesse contexto, somente enseja o pagamento de indenização por dano moral, a revista em que o empregador extrapola o seu poder diretivo, mostrando-se abusiva, por constranger os empregados, colocando-os em situações de ultrajante, em frontal desrespeito à honra e à intimidade da pessoa humana. Na hipótese dos autos, segundo o quadro fático definido pelo Regional, não se pode considerar abusiva, nem vexatória, a revista, não ensejando, portanto, a condenação à indenização por dano moral, já que a revista foi realizada mediante o exame de sacolas e bolsas ao final do expediente, sem que o segurança sequer tocasse no empregado. [06]

RECURSO DE REVISTA – DANOS MORAIS – REVISTA ÍNTIMA – Constitui fundamento do estado brasileiro o respeito à dignidade da pessoa humana, cuja observância deve ocorrer na relação contratual trabalhista; o estado de subordinação do empregado e o poder diretivo e fiscalizador conferidos ao empregador se encontram em linha de tensão, o que não pode levar à possibilidade de invasão da intimidade e desrespeito ao pudor do trabalhador. A comercialização, pela empresa, de produtos que lhe exigem maior vigilância sobre os estoques, apesar de ensejar a adoção de revista do empregado, ao término da jornada, não afasta o dever de que ela seja feita segundo meios razoáveis, de modo a não causar constrangimentos ou humilhação, cuja ocorrência configura dano moral a ser reparado. Recurso de revista conhecido e provido. [07]

Não obstante, parte da jurisprudência, incluindo alguns Tribunais Regionais do Trabalho e o próprio TST(alguns Ministros), posicionam-se no sentido do Enunciado 15, vedando a revista íntima em seu sentido amplo, verbis:

DANOS MORAIS - REVISTAS PESSOAIS - DIREITO DE PROPRIEDADE VERSUS DIREITOS PERSONALÍSSIMOS - EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO - PRINCÍPIOS CONTRATUAIS CIVIL-CONSTITUCIONAIS - VIOLAÇÃO. O paradigma atual emanado da Constituição Federal propugna pela supervalorização da dignidade da pessoa humana, princípio máximo de um Estado Democrático de Direito, o qual encontra aplicabilidade imediata por meio da eficácia horizontal dos princípios fundamentais. Outrossim, os parâmetros estatuídos em princípios maximizadores da eficácia horizontal mediata, como a boa-fé objetiva, a função social do contrato e o abuso de um direito (artigos 422, 421 e 187 do Código Civil de 2002), propugnam pela amoldação das tratativas e execução dos contratos enquadrados por essas cláusulas gerais com suporte constitucional. A baliza de constatação do cometimento de ato ilícito não perpassa, tão-somente, pela comparação entre o direito do proprietário de proteger seu patrimônio, portanto exercício regular de um direito e incursão dessas medidas protetivas na esfera íntima do empregado, mas sim, do objeto, método, forma e momento das revistas, devendo tais procedimentos deixar intacto o supraprincípio da dignidade da pessoa humana, instigador supremo do Bem-Estar coletivo, portanto direito intrínseco à noção de Humanidade. Nesse sentido, há que se afastar a interpretação de não violação aos direitos personalíssimos em revistas pessoais apenas porque não houve imposição de desnudar o empregado, devendo-se analisar os elementos circunstanciadores da generalização do ato investigatório/fiscalizador e do objeto sobre o qual se funda a revista. A boa-fé objetiva imputa às partes um compromisso com os padrões de conduta reta, vigentes no meio social, no sentido de pautar o comportamento dos contratantes, tangentes de uma necessidade de respeito à confiança da outra parte e aos seus legítimos interesses defendidos contratualmente, advindos, ainda, da noção de contrato com vínculo de colaboração. O contrato de emprego é um contrato eminentemente de colaboração, onde a confiança é elemento ínsito, não deixando a menor dúvida que as partes estão imbuídas do espírito fiducial em todas as fases contratuais, mormente na sua execução. Assim, o abuso do direito (art. 187) é parâmetro normativo que visa enquadrar todo e qualquer exercício de um direito aos fins sociais, pautados na boa-fé e na prevalência da dignidade humana e, ainda, ao valor social dado ao trabalho pelo constituinte originário de 1988. Ultrapassadas essas delimitações, impossível não configurar a violação à dignidade da pessoa humana. Qualquer vistoria realizada com o intuito de verificar responsabilidade por mercadorias desaparecidas deve ser cuidadosamente levada a efeito pelo empregador, com o escopo de manter incólume a dignidade da pessoa humana do trabalhador e seus consectários, como a intimidade, a honra etc. O conjunto probatório dos autos comprova a violação aos direitos personalíssimos da reclamante, devendo a reclamada responsabilizar-se pelo extrapolamento, reparando civilmente os danos imateriais sofridos pela autora, conforme relatado na exordial. [08]

DANOS MORAIS – REVISTA ÍNTIMA – INDENIZAÇÃO – A revista íntima de empregada revela-se como conduta que caracteriza malferimento do direito à intimidade e à honra ante a vedação contida no inciso VI do artigo 373A da CLT, justificando a condenação do empregador por danos morais. Precedentes: ERR-641.571/2000, Rel. Min. Maria Cristina Peduzzi, DJ 13/08/04, decisão unânime; RR-2195/99-009-05-00-6, 1ª Turma, Rel. Min. João Orestes Dalazen, DJ 09/07/04, decisão unânime; RR-360.902/97, 2ª Turma, Rel. Min. Vantuil Abdala, DJ 08/06/01, decisão unânime; RR-533.779/99, 2ª Turma, Juiz Convocado Samuel Corrêa Leite, DJ 06/02/04, decisão unânime; RR-512.905/98, 2ª Turma, Juiz Convocado José Pedro de Camargo, DJ 07/02/03, decisão unânime; e RR-426.712/98, 5ª Turma, Rel. Juiz Convocado Walmir Oliveira da Costa, DJ 21/11/2003. Recurso conhecido e desprovido. DANOS MORAIS – FIXAÇÃO DO VALOR – Ao fixar o valor da indenização em R$ 9.360,00 (nove mil, trezentos e sessenta reais) e considerado os critérios estabelecidos, emprestou o regional razoável interpretação aos dispositivos legais invocados, consoante estabelece a Súmula nº 221 do TST. Recurso não conhecido. (...) [09]

REVISTA ÍNTIMA – PROIBIÇÃO – AFRONTA DIRETA A UM DOS DIREITOS HUMANOS – Desde o advento do Direito do Trabalho, a proteção à pessoa do trabalhador era a pedra de toque desse ramo especializado da ciência jurídica. Some-se a isso a evolução dos ordenamentos jurídicos, notadamente após a segunda metade do século XX, em que se constatou que assegurar apenas a igualdade formal não era o bastante para garantir os ideais tão caros aos liberais do século XIX (igualdade, fraternidade e solidariedade). A adesão do Brasil à ONU e a conseqüente Declaração Universal dos Direitos Humanos impõe ao operador do direito diretrizes na interpretação e aplicação das normas jurídicas. Nesse contexto, a intangibilidade pessoal do empregado é direito cuja proteção não se limita ao trabalhador enquanto tal, mas a qualquer ser humano. A relação de trabalho subordinada confere alguns poderes ao empregador, mas não autoriza a relativização do direito à incolumidade física. Destarte, a revista íntima não se justifica, seja pelo poder diretivo, seja pelo direito de propriedade, cuja construção doutrinária teve por fundamento a vetusta concepção do empregado como um dos elementos de produção, e não como ser humano. [10]

Portanto, o que se extrai da argumentação acima exposta nos subitens 3.1 e 3.2 é que o art. 373-A, inciso VI da CLT se aplica às revistas pessoais íntimas realizadas em empregados de qualquer sexo, de acordo com a jurisprudência esmagadora e com o Enunciado 15, não havendo, entretanto, unanimidade nos Tribunais Trabalhistas do país no que tange à amplitude da revista íntima, ou seja, a sua aplicação em alguns casos ou a impossibilidade ampla. Nesse ponto o Enunciado 15 ainda terá mais dificuldade em sedimentar-se.


4. A ponderação de valores na revista pessoal

4.1 Direito à intimidade X direito à propriedade

Conforme foi visto na jurisprudência colacionada no presente trabalho, percebe-se quando da análise do art.373-A, inciso VI, CLT, a colisão entre direitos fundamentais. O legislador no dispositivo em questão optou por preservar o direito fundamental à intimidade e o princípio da dignidade da pessoa humana em detrimento do direito à propriedade do empregador e da autonomia de vontade dos particulares.

Em primeiro lugar, cumpre salientar que tanto o direito à propriedade quanto o direito à intimidade, revelam direitos fundamentais negativos, individuais e integrantes da denominada primeira dimensão. No entanto, essa classificação somente nos será útil no item seguinte. Por ora, vamos simplesmente afirmar que ambos incidem nas relações privadas travadas entre empregador e empregado.

Partindo dessa premissa, nota-se que, mais uma vez, as técnicas ordinárias de solução do conflito aparente de normas (hierarquia, especialidade e cronologia) não resolvem a hipótese exposta. Com efeito, os dois princípios são originariamente constitucionais (mesma hierarquia e cronologia) e nenhum deles traduz especialidade em relação ao outro. Assim, resta-nos, somente, a ponderação de valores.

Segundo o Prof. Alexandre de Moraes,

[...] intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo das pessoas, suas relações familiares e de amizade, enquanto vida privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo, etc. [11]

Sobre o direito à vida privada (intimidade), o Prof. José Afonso da Silva ensina que

A tutela constitucional visa proteger as pessoas de dois atentados particulares: a) ao segredo da vida privada; e b) à liberdade da vida privada. O segredo da vida privada é condição de expansão da personalidade. Para tanto, é indispensável que a pessoa tenha ampla liberdade de realizar sua vida privada, sem perturbação de terceiros. [12]

Destarte, ao ser realizada uma revista pessoal no trabalhador, o empregador está violando (ou pode vir a violar) o seu segredo da vida privada. Para exemplificar, imaginemos um empregado homossexual que nutre um amor platônico com seu chefe de departamento. Sob o pretexto de proteger o patrimônio do empregador, o superior realiza uma revista na mochila daquele e descobre uma carta a ele endereçada que expõe todo o sentimento em voga. Por óbvio, não era esse o objetivo da procura, mas, diante dos fatos, a conseqüência fora inevitável. Em um outro caso hipotético, seria constrangedor para uma empregada solteira que se diz extremamente religiosa (a ponto de afirmar que casaria virgem) que se encontrasse preservativos em sua bolsa, induzindo que ela mantém vida sexual ativa, a despeito de seu discurso.

Por esses exemplos, percebe-se não ser possível a revista pessoal no trabalhador sem que seja devassada sua vida privada. Nesse ponto, não há qualquer divergência aparente. No entanto, fato é que muitos funcionários se aproveitam de sua posição para furtar mercadorias, em especial aquelas de fácil locomoção, gerando uma diminuição ilícita no patrimônio alheio, violando o direito fundamental à propriedade. Surge, então, a necessidade de ponderar os valores em questão.

Com efeito, entendemos que sempre que se for balancear determinados princípios, o resultado deve se aproximar ao máximo da concretização da dignidade da pessoa humana. Nossa posição é corroborada por diversos autores, dentre os quais destacamos o Prof. Daniel Sarmento, em sua obra específica sobre o tema [13].

Portanto, se partirmos dessa premissa, obviamente se concluirá pela prevalência incondicionada do direito à vida privada. Ademais, não bastasse essa afirmativa, vale ressaltar que a simples vedação à revista pessoal não significa uma violação ao direito de propriedade. Isso porque, em especial com o avanço tecnológico, o empregador goza de outros meios de evitar o desvio de mercadorias. É o que se extrai do seguinte trecho do voto Juiz Convocado Samuel Corrêa Leite:

É de todos sabido que o contrato de trabalho envolve um mínimo de fidúcia entre ambas as partes. Se ao empregador remanesce dúvida sobre a integridade moral do candidato ao emprego, então deve recusar a contratação. Não há como conciliar uma confiança relativa com o contrato de trabalho, variável conforme a natureza da atividade da empresa. Se esta a direciona para a manipulação de drogas e substâncias psicotrópicas, deve, naturalmente, tomar as precauções necessárias à segurança, como por exemplo a instalação de câmeras, que em nada ofendem a dignidade do trabalhador. Mas não pode a pretexto disso investir-se dos poderes de polícia e submeter seus empregados a situações de extremo constrangimento, com total desprezo do direito do cidadão à preservação de sua intimidade. [14]

Além de instalação de câmeras, podemos citar como métodos de prevenção de furtos a utilização de sensores eletrônicos de mercadorias nas portas do estabelecimento, investimento em técnicas avançadas de controle de estoque, contratação de um setor de recursos humanos para recrutamento e seleção de funcionários, dentre tantos outros.

Logo, o que se percebe é que a revista pessoal não é imprescindível na proteção do patrimônio do empregador, mas, se realizada, viola, por si só, o direito à vida privada do trabalhador. Portanto, não temos dúvidas em afirmar que, na ponderação entre os valores em jogo – propriedade e vida privada – sempre prevalecerá o segundo, motivo pelo qual entendemos ser incabível tal atividade em qualquer hipótese. Ademais, não se pode olvidar que essa técnica de solução de conflito aparente de normas deve ser guiada pelo princípio da dignidade da pessoa humana que, invariavelmente, levará à mesma conclusão supra exposta.

3.3.2 Direito à intimidade X Autonomia de vontade dos particulares

Inobstante o que foi dito acima, há ainda quem argumente que a revista pessoal seria possível se houvesse cláusula contratual expressa nesse sentido. Nesses casos, a autonomia de vontade, em conjunto com o direito de propriedade, se sobreporiam ao direito à vida privada. Não concordamos com essa corrente, pelos motivos a seguir esposados.

Conforme mencionado no item anterior, o direito fundamental à intimidade(vida privada) é individual, eminentemente negativo e integrante da primeira dimensão. Com efeito, incide de forma direta nas relações privadas, de acordo com a teoria da eficácia horizontal imediata [15], desde que seja realizada, uma ponderação de valores entre este e o princípio da autonomia de vontade, com base em certos parâmetros hermenêuticos. É o que se passa a fazer.

O primeiro critério a ser utilizado é quanto ao grau de assimetria entre as partes envolvidas. Quanto a isso, não resta dúvidas de que estamos defronte do nível máximo de disparidade. Isso porque, quando se trata de revista pessoal, é óbvio que o empregado que sofre o constrangimento é sempre aquele subalterno, que pode ser facilmente substituído, até mesmo, pois o "superior" será encarregado de realizá-la. Ora, historicamente, o trabalhador vem sendo oprimido pelo seu empregador. Ainda que atualmente o poder deste seja limitado por diversos institutos jurídicos, não se pode negar que a relação instaurada entre eles é evidentemente assimétrica. Isso é ainda mais catalisado na sociedade brasileira, que, sabidamente, tem uma das piores distribuições de renda do mundo.

Por outro lado, um outro parâmetro a ser examinado se refere à efetiva autonomia de vontade do trabalhador ao firmar seu contrato laboral. Nesse ponto, ainda que se admitisse, ad argumentandum, que o empregado manifestasse sua livre vontade no sentido de permitir que nele fosse realizada revista pessoal, há de se lembrar que essa cláusula ainda assim seria inválida, pois ela implicaria em violação ao princípio da vida privada e, conseqüentemente, da dignidade da pessoa humana, caracterizados por sua indisponibilidade.

Por fim, cumpre salientar um último critério, qual seja, a essencialidade da relação jurídica na vida do indivíduo ou, em outras palavras, a imprescindibilidade da relação de trabalho em questão para a sobrevivência digna do empregado. Aqui, mais uma vez, é fácil vislumbrar que, ainda mais em um país assolado pelo fantasma do desemprego como o Brasil, também a essencialidade encontra-se em seu nível máximo. É evidente que o contratado abdicaria de diversos direitos fundamentais, dos quais não lhe cabe dispor, para não ser demitido, com medo de, posteriormente, ver-se em dificuldades financeiras extremadas pela falta do salário.

Esses três parâmetros demonstram a necessidade de se supervalorizar o princípio da vida privada em face da autonomia de vontade, aplicando diretamente o referido direito fundamental previsto na Carta Magna para proteger os empregados da conduta inconstitucional dos empregadores de praticar revista pessoal. Diante disso, podemos afirmar que qualquer previsão contratual nesse sentido seria nula de pleno direito.

Contudo, no que se refere às normas que autorizam a revista pessoal oriundas de acordo ou convenção coletiva, essa argumentação é relativamente falha. Isso porque, nesses casos, é possível perceber que os três critérios (pequeno grau de assimetria, livre manifestação de vontade do sindicato e não-essencialidade da relação jurídica) passam a indicar que a autonomia privada deve prevalecer, por se tratar de concessão de direitos ao empregador decorrente da liberdade plena e isonômica de negociação, constitucionalmente atribuída aos sindicatos.

No entanto, inclusive nessas hipóteses, entendemos não ser possível a prática de revista pessoal, pois o sindicato estaria dispondo do direito fundamental dos trabalhadores a uma vida privada, bem como à dignidade, que não podem ser dispostos nem mesmo pelos próprios. Corroborando essa conclusão, vale transcrever a seguinte ementa:

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. O fato de haver instrumento normativo prevendo a revista de empregados revela-se marginal diante do cerne da controvérsia, que reside em aferir o prejuízo à honra e dignidade do empregado nos procedimentos adotados para a realização da aludida revista. Consoante o que ficou registrado no acórdão regional, a revista realizada pela reclamada denuncia excessiva fiscalização, expondo o empregado à vexatória situação de ter de se despir perante funcionários da empresa, com comprometimento da dignidade e intimidade do indivíduo. É sabido ainda que a indenização por dano moral deve observar o critério estimativo, diferentemente daquela por dano material, cujo cálculo deve observar o critério aritmético. Na fixação da indenização do dano moral, deve o juiz se nortear por dois vetores: a reparação do dano causado e a prevenção da reincidência patronal. Vale dizer que, além de estimar o valor indenizatório, tendo em conta a situação econômica do ofensor, esse deve servir como inibidor de futuras ações lesivas à honra e boa fama dos empregados.

Recurso provido. [16] (grifo nosso)

Diante da fundamentação exposta, nos cumpre assinalar o acerto do Enunciado nº 15 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, devendo ser tomado como norte para a extração da norma do caso concreto nas relações trabalhistas sub judice( controle repressivo) e também como conduta a ser imposta aos empregadores pelo Ministério do Trabalho, para que não pratiquem essa exame vexatório no dia-a-dia com seus empregados(controle preventivo).


NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional – 8ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2000

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais - 1ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000

_________. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo – 9ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 1993


NOTAS DE RODAPÉ

  1. Fonte: http://www.anamatra.org.br/jornada
  2. JORGE NETO, Francisco Ferreira e CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Manual de Direito do Trabalho, tomo I – 2ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 453
  3. RR 250/2001-661-09-00 – 4ª Turma do TST, Relator Juiz Convocado José Antônio Pancotti, DJ 03/02/2006
  4. AIRR 379/2001-361-02-40 – 3ª Turma do TST, Relator Juiz Convocado Ricardo Machado, DJ 17/06/2005
  5. AIRR-301/2003-001-12-40 – 5ª Turma do TST, Relator Juiz Convocado Walmir Oliveira da Costa, DJ 14/10/2005
  6. RR 250/2001-661-09-00 – 4ª Turma do TST, Relator Juiz Convocado José Antônio Pancotti, DJ 03/02/2006
  7. RR 533.770/99-3ª R. – 1ª T. – Relª Juíza Conv. Maria do Perpétuo Socorro Wanderley de Castro – DJU 07.12.2006
  8. Brilhante voto proferido no RO - 00932.2007.036.23.00-1 – 1ª Turma, pelo Juiz Convocado Paulo Brescovici(Relator). Revisor: Desembargador Luiz Alcântara. Julgado em: 01/04/08. Publicado em: 07/04/08.
  9. TST – RR 726.906/2001.4 – 4ª T. – Rel. Juiz Conv. Luiz Antônio Lazarin – DJU 03.02.2006
  10. TRT 2ª Região – RO 02609-2002-006-02-00 – (20060318303) – 3ª T. – Rel. p/o Ac. Juiz Rovirso Aparecido Boldo – DOESP 23.05.2006
  11. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional – 8ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2000, p. 73
  12. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo – 9ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 1993, p. 190
  13. SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 74
  14. RR 533.779/1999 – 2ª Turma do TST, Juiz Convocado Samuel Corrêa Leite, DJ 06/02/2004
  15. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais - 1ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 58
  16. RR 641.571/2000 – 4ª Turma do TST, Relator Ministro Antônio José de Barros Levenhagen, DJ 21/02/2003

Autores


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIDAL, Bernardo Raposo; ANELLO, Gustavo Lacerda. A sujeição do trabalhador à revista pessoal pelo empregador. Uma análise do Enunciado nº 15 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1894, 7 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11694. Acesso em: 29 mar. 2024.