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O pagamento de adicional noturno ou serviço extraordinário e exercício de cargos-funções comissionados a servidores públicos remunerados por subsídio.

Uma interpretação dos arts. 39, §§ 3º, 4º e 8º da Constituição Federal

O pagamento de adicional noturno ou serviço extraordinário e exercício de cargos-funções comissionados a servidores públicos remunerados por subsídio. Uma interpretação dos arts. 39, §§ 3º, 4º e 8º da Constituição Federal

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Servidores públicos remunerados por subsídio têm direito a adicionais de serviço extraordinário e de trabalho noturno? Têm direito à retribuição pelo exercício de cargo ou função em comissão?

Palavras-chave: Subsídio. Inteligência dos arts. 7º, 39, §§ 3º, 4º e 8º, da Constituição Federal de 1988. Percebimento de adicional noturno e adicional de serviço extraordinário por servidores públicos remunerados em parcela única. Problema da possibilidade de pagamento pelo exercício de cargos ou funções comissionadas de direção, chefia e assessoramento pelos agentes públicos que recebem na forma do § 4º do art. 39 da Carta Republicana.

Resumo: O artigo gravita em torno da interpretação conciliatória entre o capitulado nos §§ 3º, 4º e 8º do art. 39 da Constituição Federal, no concernente ao problema de os servidores públicos remunerados por subsídio poderem perceber adicionais de serviço extraordinário e de trabalho noturno e retribuição pelo exercício de cargo ou função comissionada por atividades de direção, chefia e assessoramento


1. Introdução

O presente artigo aborda problema crucial, concernente à situação jurídica dos servidores públicos remunerados por subsídio, submetidos à sistemática vencimental em parcela única: é-lhes devido o pagamento de adicionais de serviço extraordinário e de trabalho noturno? Têm direito a auferir retribuição pecuniária pelo exercício de cargo ou função em comissão em atividades de direção, chefia ou assessoramento?

O problema radica no que concerne à interpretação de que algumas parcelas não seriam devidas por estarem compreendidas no valor estipulado em lei para o subsídio de certa carreira dentre o funcionalismo, tais como: adicionais noturnos, adicionais de prestação de serviço extraordinário.


2. Da disciplina constitucional da situação dos servidores remunerados por subsídio

Cumpre transcrever o quanto estatui a Constituição Federal de 1988 para se compreender a questão:

Art.39...................................................................

.............................................................................

§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

§ 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)   

.............................................................................

§ 8º A remuneração dos servidores públicos organizados em carreira poderá ser fixada nos termos do § 4º. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

A seu turno, capitula o art. 7º da Carta Magna de 1988:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

.............................................................................

IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

.............................................................................

VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;

VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;

IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;

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XII - salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; (vide Decreto-Lei nº 5.452, de 1943)

.............................................................................

XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;

XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal; (Vide Del 5.452, art. 59 § 1º)

XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;

XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;

XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei;

XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;

.............................................................................

XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

.............................................................................

XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;

A dificuldade que se apresenta é: uma vez que o regime remuneratório por subsídio pressupõe o pagamento de parcela única, vedado o acréscimo de adicionais, mas, de outro lado, a Constituição Federal prevê que aos servidores ocupantes de cargo público se estendem direitos trabalhistas considerados fundamentais, como o adicional de serviço extraordinário e noturno, dentre outros abrangidos pela regra do art. 39, § 3º, existe incompatibilidade, ou não, entre os §§ 3º e 4º da Carta Magna em vigor?

É mister assinalar que a matéria ainda não foi enfrentada, ao que consta, pelo Pleno do excelso Supremo Tribunal Federal.


3. Jurisprudência em contrário sobre o tema

Há algum entendimento jurisprudencial pela impossibilidade de cumulação de subsídio com adicionais de serviço extraordinário ou noturno, sob a premissa de que a parcela única remuneratória teria alegadamente abrangido os aludidos adicionais, como entendeu o Superior Tribunal de Justiça no RMS Nº 26.609/MT: "A Lei Estadual nº. 8.321/05 regulamentou o regime da categoria e instituiu o subsídio em parcela única, que incorpora todas as verbas remuneratórias, incluindo os adicionais." A Corte Superior reafirmou esse juízo no RMS 17.914/MT.

Assim também firmou o egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios [01]:

1. A remuneração dos policiais civis do Distrito Federal se dá mediante subsídio (art. 1º e incisos da Lei nº 11.361/6), em observância ao que dispõe o § 9º do art. 144 da Constituição Federal.
2. O exercício de atividades em turnos diversos de trabalho, pelos policiais civis, não lhes assegura o direito de cumular com o subsídio o percentual referente ao adicional noturno.

3. Esse adicional, anteriormente assegurado por lei aos policiais civis, foi absorvido pelo subsídio. O contrário, ou seja, o acréscimo do adicional à essa parcela única, redundaria em violação ao § 4º do art. 39 da Constituição Federal.


4. Entendimento da doutrina

A doutrina do direito administrativo, contudo, não adere a esse posicionamento. Nesse particular, é mister trazer à baila ensinamentos de Odete Medauar (destaques nossos):

Com a Emenda Constitucional nº 19/98, a Constituição Federal agora prevê mais um tipo de estipêndio, o subsídio, para certas categorias de servidores. A característica fundamental do subsídio está na sua fixação em parcela única, conforme dispõe o § 4° do art. 39 da CF, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória. De regra, a retribuição pecuniária dos agentes públicos ocorre mensalmente; por isso a parcela única diz respeito a cada retribuição mensal.

O sentido parcela única, sem qualquer acréscimo, é atenuado pela própria Constituição Federal; o § 3º do art. 39 assegura aos ocupantes de cargos públicos vários direitos previstos para os trabalhadores do setor privado: décimo terceiro salário, salário-família, adicional noturno, remuneração por serviço extraordinário, adicional de fériastais direitos representam acréscimos ao subsídio. Também hão de ser pagas aos agentes públicos despesas decorrentes do exercício do cargo, como é o caso das diárias e ajudas de custo. [02]

José dos Santos Carvalho Filho não distoa desse juízo (destaques não são originais):

Mas, como já advertíamos nas edições anteriores desta obra, hodiernamente, assumiu caráter remuneratório, dado que o eleito deve manter-se, a si e a sua família, com a quantia que lhe paga a título de subsídio, enquanto exerce o mandato. Foi correta, portanto, a mudança terminológica, de modo que o estipêndio assume, de vez, o sentido de pagamento por um serviço prestado.

No entanto, apesar do sentido original do vocábulo, é evidente que ele vem, mais uma vez, substituir, para algumas categorias de agentes públicos, a palavra remuneração ou vencimento, para designar a importância paga, em parcela única, pelo Estado a determinadas categorias de agentes públicos, como retribuição pelo serviço prestado. Em conseqüência, não tem natureza de ajuda, socorro, auxílio, mas possui caráter retribuitório e alimentar.

Ao falar parcela única, fica clara a intenção de vedar a fixação dos subsídios em duas partes, uma fixa e outra variável, tal como ocorria com os agentes políticos na vigência da Constituição de 1967. E, ao vedar expressamente o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, também fica clara a intenção de extinguir, para as mesmas categorias de agentes públicos, o sistema remuneratório que vem vigorando tradicionalmente na Administração Pública e que compreende o padrão fixado em lei mais as vantagens pecuniárias de variada natureza previstas na legislação estatutária.

Com isso, ficam derrogadas, para os agentes que percebem subsídios, todas as normas legais que prevejam vantagens pecuniárias como parte da remuneração.

Em conseqüência, também, para remunerar de forma diferenciada os ocupantes de cargos de chefia, direção, assessoramento e os cargos em comissão, terá a lei que fixar, para cada qual, um subsídio composto de parcela única. O mesmo se diga com relação aos vários níveis de cada carreira abrangida pelo sistema de subsídio.

No entanto, embora o dispositivo fale em parcela única, a intenção do legislador fica parcialmente frustrada em decorrência de outros dispositivos da própria Constituição, que não foram atingidos pela Emenda. Com efeito, mantém-se, no artigo 39, § 3°, a norma que manda aplicar aos ocupantes de cargo público o disposto no art. 7°, IV, VII,VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX,XXII, XXX. Com isto, o servidor que ocupe cargo público (o que exclui os que exercem mandato eletivo e os que ocupam emprego público, já abrangidos pelo artigo 7°) fará jus a: décimo terceiro salário, adicional noturno, salário-família, remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, a 50% à do normal, adicional de férias, licença à gestante, sem prejuízo do emprego e salário, com a duração de cento e vinte dias.

Poder-se-ia argumentar que o art. 4° do art 39 exclui essas vantagens ao falar em parcela única; ocorre que o § 3° refere-se genericamente aos ocupantes de cargo público, sem fazer qualquer distinção quanto ao regime de retribuição pecuniária. Quando há duas normas constitucionais aparentemente contraditórias, tem-se que adotar interpretação conciliatória, para tirar de cada uma delas o máximo de aplicação possível. No caso, tem-se que conciliar §§ 3° e 4° do art. 39, de modo a entender que, embora o segundo fale em parcela única, isto não impede a aplicação do outro, que assegura o direito a determinadas vantagens, portanto, igualmente com fundamento constitucional. [03]

Acrescente-se, por oportuno, entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello na mesma toada (destaques nossos):

Como se verá logo em seguida – ao se tratar do limite remuneratório dos servidores públicos -, o disposto no art. 39, §4º, tem que ser entendido com certos temperamentos, não se podendo admitir que os remunerados por subsídio, isto é, por parcela única, fiquem privados de certas garantias constitucionais que lhes resultam do §3º do mesmo artigo, combinado com diversos incisos do art. 7º, a que ele se reporta. Por esta razão, quando for o caso, haverão de lhes ser aditados tais acréscimos, deixando, em tais hipóteses, de ser única a parcela que os retribuirá.

Aliás, a expressão "parcela única" é rebarbativa, pois ‘parcela’ significa parte de um todo maior – no que se nota, ainda esta outra vez, a ‘qualificação’ dos responsáveis pelo "Emendão", isto é, Emenda 19. (...)

A norma do art. 37, XI, não pode ser tomada ao pé da letra, porque, em tais termos, brigaria com outros dispositivos constitucionais. Daí a necessidade de harmonizá-los.

Com efeito, o art. 39, §3º, determina que se aplicará aos titulares de cargos o disposto em numerosos incisos do art. 7º, relativo aos direitos básicos do trabalhador (os ocupantes de emprego já os têm assegurados pela própria natureza da relação trabalhista). Entre estes incisos a que se reporta o art. 39 estão o VIII, que outorga "décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria", o IX, que garante "remuneração do trabalho noturno superior ao do diurno", e o XVI, que assegura "remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% à do normal." Parece razoável entender-se que o teto fixado no art. 37, XI, não poderia se aplicar em tais casos, ainda quando o servidor titular de cargo fosse retribuído por "subsídio", isto é, mediante "parcela única". Esta, nas hipóteses cogitadas, teria que ter sua rigidez atenuada, para atendimento das exigências do art. 39, §3º. [04]

Ainda, tem-se a cátedra de Edmir Netto de Araújo (destaques não são originais):

Há certas parcelas que, apesar da vedação do art. 39, §4º, poderão ser constitucionalmente adicionadas ao tal subsídio fixo: trata-se de adicionais previstos no texto constitucional, como por exemplo o 13º salário, adicional de trabalho noturno, adicional de férias (1/3 de férias), salário-família, gratificação por prestação de serviços extraordinários, que encontram respaldo no art. 39, §3º e art 7º, com os incisos aí referidos, suprimidos inconstitucionalmente os incisos VI e XXIII (também como precaução contra a interpretação provável do Judiciário) da CF, e também aquelas parcelas de caráter indenizatório, tais como diárias, ajudas de custo, despesas de transporte e outras indispensáveis ao exercício das atribuições do servidor. [05]

Dessume-se das citações, pois, que a doutrina esposa, uniformemente, tese favorável à convivência das vantagens estendidas aos servidores públicos estatutários pelo disposto no § 3º do art. 39 da Constituição Federal, inclusive adicionais de serviço extraordinário, adicional por trabalho noturno, com o regime de subsídio.


5. A hermenêutica constitucional

Acerca da problemática, insta consignar que a hermenêutica constitucional, de muito, assentou que a Constituição não pode ser interpretada com o resultado de abrigar antinomias em seu próprio seio, modo por que devem ser afastadas as aparentes contradições no Texto Magno. Se o art. 39, § 3º, da Carta-cidadã, estendeu vantagens trabalhistas do art. 7º aos servidores ocupantes de cargo público, sem discriminar, para esse fim, por qual regime remuneratório era disciplinada a carreira do servidor (se remunerado por subsídio ou vencimentos), não seria, em princípio, incompatível a percepção dos direitos celetistas fundamentais, expressamente conferidos pela Lei Maior, por parte dos agentes públicos estatutários, ainda que pagos mediante subsídio, em parcela única. Colha-se a respeito da inexistência de conflitos no próprio Texto da Lei Maior a lição de Luís Roberto Barroso (os destaques não são originais):

Em decisão posterior, o Tribunal Constitucional Federal alemão voltou a remarcar o princípio, conferindo-lhe, inclusive, distinção especial a primazia: "O princípio mais importante de interpretação é o da unidade da Constituição enquanto unidade de um conjunto com sentido teleológico-lógico, já que a essência da Constituição consiste em ser uma ordem unitária da vida política e social da comunidade estatal". O fim primário do princípio da unidade é procurar determinar o ponto de equilíbrio diante das discrepâncias que possam surgir na aplicação das normas constitucionais, cuidando de administrar eventuais superposições. A tarefa, todavia, pode revelar-se mais complexa do que parece à primeira vista. [...]

Do ponto de vista lógico, as normas constitucionais, frutos de uma vontade unitária e geradas simultaneamente, não podem jamais estar em conflito no momento de sua concretização. Portanto, ao intérprete da Constituição só resta buscar a conciliação possível entre proposições aparentemente antagônicas, cuidando, todavia, de jamais anular integralmente uma em favor da outra. [06]

A aparente antinomia entre os §§ 3º e 4º do art. 39 deveria ser contornada pelo exegeta da Constituição, na esteira do que fez o Supremo Tribunal Federal e a doutrina no quanto concerne ao teto remuneratório e à percepção do direito a férias e décimo terceiro salário com contagem separada para fins de limite remuneratório, em ordem a contornar suposto conflito entre o capitulado no art. 37, XI, e 39, § 3º, do Diploma Fundamental.

Sim, porque a interpretação estrita e obtusa do disposto no art. 39, § 4º, da Carta de Direitos Federal, no que concerne à irrestrita e incontornável percepção de qualquer acréscimo ou adicional, poderia levar à ilação de que o sistema de parcela única impediria também o próprio recebimento de adicional de férias, adicional a título de décimo-terceiro salário, deferidos no art. 39, § 3º, da Constituição Federal, ao pessoal pago por subsídio, o que não se afigura a interpretação mais correta da Carta Magna e que já foi rechaçada por doutrina e jurisprudência, uníssonos no

Solução semelhante pode ser adotada no que tange à possibilidade de recebimento de adicional noturno e de serviço extraordinário pelos servidores remunerados por subsídio, pelo menos é o que defende a doutrina do direito administrativo, por seus nomes de escol.

Basta anotar que o próprio Conselho Nacional de Justiça - CNJ, presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, não tem sido tão rigoroso na aplicação do regime remuneratório de subsídio, permitindo, por exemplo, que juiz perceba, cumulativamente com a "parcela única" do cargo de magistrado, verba adicional, constituída da diferença de seu subsídio e o de Conselheiro do CNJ, na hipótese de auxiliar os serviços do órgão colegiado judiciário nacional. Trata-se, note-se, de pagamento de típica gratificação (em seu conceito doutrinário clássico [07]) a integrante da Magistratura, regido pelo capitulado no art. 39, § 4º, da Carta Republicana, o que demonstra a relatividade da aplicação do regime de subsídio ainda no cenário administrativo – e as dificuldades que ainda restam associadas à sistemática:

Resolução Nº 22, de 26 de Setembro de 2006

Segunda, 27 de Novembro de 2006

Regulamenta o pagamento de retribuição pecuniária aos juízes auxiliares do Conselho Nacional de Justiça.

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RESOLUÇÃO Nº 22, DE 26 DE SETEMBRO DE 2006.

Regulamenta o pagamento de retribuição pecuniária aos juízes auxiliares do Conselho Nacional de Justiça.

A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições, tendo em vista o decidido em Sessão de 26 de setembro de 2006, e com base no § 2º do artigo 5º da Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.2004;

CONSIDERANDO a necessidade de estabelecer regras e critérios gerais e uniformes, estabelecendo a forma de retribuição pecuniária para os magistrados que prestam serviços ao Conselho, até que nova disciplina seja fixada em lei ou no futuro Estatuto da Magistratura;

CONSIDERANDO que a Constituição Federal e o Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça prevêem a requisição compulsória de magistrados para auxiliarem nos serviços da Presidência e da Corregedoria Nacional de Justiça, vedando o ordenamento jurídico a prestação de serviços gratuitos;

CONSIDERANDO que o atual Estatuto da Magistratura estabelece em seu art. 124 o pagamento de diferença de vencimentos ao magistrado que for servir em órgão diverso da origem;

CONSIDERANDO, por fim, que a Lei nº 11.306, de 16.05.2006, estabeleceu expressamente recurso orçamentário para pagamento de pessoal ao Conselho Nacional de Justiça;

R E S O L V E:

Art. 1° Os juízes requisitados para auxiliarem a Presidência do Conselho Nacional de Justiça e a Corregedoria Nacional de Justiça perceberão a diferença de subsídio ou remuneração correspondente ao cargo de Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça.

Art. 2° Esta resolução entrará em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas as disposições em contrário.

Ministra Ellen Gracie Northfleet

Presidente

É notável que a Resolução disponha:

a) que magistrados, requisitados para trabalhar no Conselho Nacional de Justiça, recebam típica gratificação (e esta não se confunde com o subsídio de cargo de assessoramento, direção ou chefia), inacumulável, em princípio, segundo a interpretação literal do art. 39, § 4º, do Diploma Constitucional, no regime dos agentes públicos remunerados em parcela única, como é o caso de integrantes do Poder Judiciário;

b) que, a despeito de os magistrados serem remunerados em parcela única, não teria sido revogado o atual Estatuto da Magistratura na regra de seu art. 124, no quanto institui o pagamento de diferença de vencimentos ao magistrado que for servir em órgão diverso da origem, o que é típica gratificação;

c) é vedada a prestação de serviço público gratuito, ainda que por agente remunerado por subsídio.

Sob outro ângulo, o próprio Conselho Nacional de Justiça - CNJ (Resolução n. 13, de 21 de março de 2006) tem, de outra maneira, excepcionado o sistema remuneratório de subsídios, permitindo algumas cumulações à "parcela única" percebida pelos magistrados:

Art. 5º As seguintes verbas não estão abrangidas pelo subsídio e não são por ele extintas:

I - de caráter permanente: retribuição pelo exercício, enquanto este perdurar, em comarca de difícil provimento;

II - de caráter eventual ou temporário:

a) exercício da Presidência de Tribunal e de Conselho de Magistratura, da Vice-Presidência e do encargo de Corregedor;

b) investidura como Diretor de Foro;

c) exercício cumulativo de atribuições, como nos casos de atuação em comarcas integradas, varas distintas na mesma Comarca ou circunscrição, distintas jurisdições e juizados especiais;

d) substituições;

e) diferença de entrância;

f) coordenação de Juizados;

g) direção de escola;

h) valores pagos em atraso, sujeitos ao cotejo com o teto junto com a remuneração do mês de competência;

i) exercício como Juiz Auxiliar na Presidência, na Vice-Presidência, na Corregedoria e no Segundo Grau de Jurisdição;

j) participação em Turma Recursal dos Juizados Especiais.

Note-se que o CNJ admite o cúmulo de indisfarçada gratificação propter laborem (exercício de atividade especial de participação em Turma Recursal dos Juizados Especiais, exercício cumulativo de atribuições, como nos casos de atuação em comarcas integradas, varas distintas na mesma Comarca ou circunscrição, distintas jurisdições e juizados especiais; substituições) para magistrados, os quais deveriam ser remunerados, em princípio, em parcela única, vedado o acréscimo de adicionais e gratificações ao subsídio.

Rememore-se, além disso, que o Supremo Tribunal Federal [08] pontificou seu juízo excelso no sentido de que as resoluções do Conselho Nacional de Justiça ostentam poder normativo primário, emanadas diretamente do poder concedido ao órgão judiciário pela Constituição Federal, dotado de competência para dispor, primariamente, sobre as matérias que lhe foram confiadas pelo art. 103-B, § 4º e incisos, da Carta Nacional.


6. Da impropriedade da discriminação entre servidores públicos no que concerne a direitos trabalhistas fundamentais

Demais disso, impende asseverar que não se afigura razoável inferir que os direitos trabalhistas considerados fundamentais pelo Constituinte, tanto que foram estendidos aos servidores públicos estatutários em geral (art. 39, § 3º, Constituição Federal de 1988), somente deveriam amparar os agentes públicos remunerados pelo sistema tradicional de vencimento mais vantagens adicionais, relegando os iguais colegas de serviço público, regidos pela disciplina remuneratória do subsídio (e tão-somente por esse fato), à declarada exploração de seu trabalho com locupletamento do Estado, legitimado a sujeitar, sem ônus financeiros, os servidores pagos na forma do § 4º do art. 39 da Carta ao trabalho extraordinário ou noturno gratuito, discriminando-se os agentes públicos, sob a ótica da proteção laboreira, estritamente pela sistemática vencimental, como se todos não fossem trabalhadores e, nessa qualidade, merecessem a tutela estatal mínima do art. 7º, da Carta-cidadã, voltada para a tutela da pessoa humana que sacrifica sua energia no labor, seja no serviço público, seja na iniciativa privada, independentemente da forma remuneratória.

Replicar-se-ia que os agentes públicos remunerados por subsídio constituiriam, supostamente, especial e elevada categoria de servidores estatais, não sujeitos, em tese, a rigores de horário ou de condições laborais mais gravosas, o que afastaria desses agentes públicos superiores essas normas de natureza trabalhista do serviço em caráter extraordinário ou noturno.

Em uma primeira análise, a tese até poderia impressionar, não fosse o capitulado no próprio Texto Constitucional no sentido de que a remuneração de todo e qualquer servidor público, desde que organizado em carreira, independentemente da complexidade das funções desempenhadas e do padrão remuneratório, pode ser instituída, por lei, no regime de subsídio (art. 39, § 8º, Constituição Federal de 1988), o que permite que se inclua, nessa sistemática vencimental inovadora, não somente os agentes políticos e algumas categorias elevadas no funcionalismo, mas também funcionários de menor grau de complexidade de suas atribuições, excluindo-se apenas os titulares de cargos de provimento isolado, de mais rara presença na estrutura da Administração Pública brasileira, em que domina o funcionalismo em carreira.

Ora, se servidores de certa expressão de complexidade em suas atribuições, de nível superior, por exemplo, remunerados pela sistemática convencional (não necessariamente pagos em parcela única, porque podem auferir gratificações, adicionais e outras vantagens pecuniárias sobressalentes ao vencimento básico), têm direito a perceber o pagamento de adicional noturno ou de serviço extraordinário, sendo tutelados pelas normas trabalhistas estendidas pela própria Carta (art. 39, § 3º, CF 1988), quanto mais deveriam, sim, ser amparados pelos direitos fundamentais laborais os agentes públicos de carreiras mais simples e de menor nível de complexidade, com menores remunerações, para as quais venha, porventura, todavia, a ser instituído o regime de subsídio, como autoriza o § 8 do art. 39 da Constituição Federal, sem restrição.

Será que a Constituição teve, por acaso, por escopo excluir servidores que justificariam ainda mais, até pelo menor nível remuneratório, o amparo de direitos fundamentais trabalhistas, como as garantias compensatórias pecuniárias contra o trabalho extraordinário, noturno, somente pelo motivo de que o Estado resolveu se valer da remuneração por subsídio?

Pior, será que tão-somente pelo fato de o Estado ter decidido remunerar alguns servidores por subsídio, haveria nisso legitimidade para suprimir direitos celetistas básicos, objeto de especial preocupação do Constituinte, a ponto de estender a garantia expressamente no art. 39, § 3º, da Constituição de 1988?

O trabalhador do serviço público, organizado em carreira, remunerado por subsídio, tem um corpo físico, uma estrutura biológica diferenciada dos demais servidores remunerados por vencimento básico mais vantagens adicionais? Enquanto pessoas humanas, de carne e osso, os agentes públicos pagos por subsídio ou pelo sistema convencional são diferenciados? Um servidor de carreira que desempenha atividades em horário noturno, remunerado por subsídio, tem menos fadiga que seus consortes remunerados por vencimento mais adicionais e, por esse suposto fato exclusivamente, o agente público pago na forma do art. 39, § 4º, da Constituição Federal de 1988, teria uma composição orgânica peculiar, que lhe permitiria a sujeição a excessos de jornada de trabalho sem qualquer desgaste nem contraprestação pecuniária correspondente pelo Estado, a despeito do enforçado pelo art. 7º, da Carta-cidadã?

Procede que certos funcionários de carreira, apenas porque o ente estatal resolveu remunerá-los na sistemática de subsídio, podem ser submetidos a labor noturno, sem que sintam sono, exaustão nem percam convívio com seus familiares, de modo a justificar a dispensa da tutela laboreira básica constitucional, expressamente estendida a todos os servidores ocupantes de cargo público, sem exceção, pela condição simples de serem trabalhadores, seja da iniciativa privada, seja do serviço público?

Parece que a Constituição teve em mira, ao contemplar com seu manto protetor (art. 39, § 3º) não só os empregados particulares, mas também o funcionalismo público de regime estatutário (os servidores ocupantes de cargo público em geral), fundar regras basilares para proteção do trabalho humano, independentemente do vínculo e da forma de remuneração.

Será que foi intenção do legislador constituinte, ao expressamente assegurar direitos trabalhistas essenciais para os servidores ocupantes de cargo público (art. 39, § 3º, Constituição Federal de 1988), permitir, entretanto, paradoxalmente, que os aludidos direitos fossem burlados e esbulhados pelo processo legislativo ordinário do Estado, mediante o simples expediente de instituir a disciplina remuneratória por subsídio, ainda que para carreiras que não desempenham complexas atividades públicas nem tenham sequer dignidade constitucional, cujos componentes podem ser submetidos a condições gravosas laborais sem qualquer contraprestação adicional pelo Poder Público, explorador da mão-de-obra do funcionário público?

O ser humano que titulariza cargo na Administração Pública não precisa, como os celetistas, de ter respeitadas certas conquistas fundamentais, que colimam amparar o homem contra a sujeição a regime diretivo empregador arbitrário ou desrespeitoso de condições laborais básicas inalienáveis, conquistadas pela civilização, pelo menos com a instituição de proteção financeira contra a exploração do labor em situações mais desfavoráveis, como o trabalho noturno ou extraordinário? Vale a resposta de Valentin Carrion (destaques nossos):

A evolução da doutrina entende que as leis sociais se aplicam às atividades exploradas pelo Estado, sendo hoje inadmissível o trabalho humano, contínuo, para qualquer entidade pública sem proteção jurídica. Nem a União, os Estados-Membros, ou os Municípios, diretamente ou através de serviços com relativa ou completa autonomia, podem manter colaboradores sem que gozem os correspondentes direitos trabalhistas, ou de funcionários públicos. [09]

É mister rememorar, outrossim, a advertência de Mauricio Godinho Delgado, Desembargador do Trabalho [10] (destaques nossos), que discorre sobre os adicionais, incidente no caso de serviço extraordinário e noturno para os servidores públicos:

Os adicionais correspondem a parcela salarial deferida suplementarmente ao obreiro por este encontrar-se, no plano do exercício contratual, em circunstâncias tipificadas mais gravosas. A parcela adicional é, assim, nitidamente contraprestativa; paga-se um plus em virtude do desconforto, desgaste ou risco vivenciados. [...] O Direito do trabalho não apenas serviu ao sistema econômico deflagrado com a Revolução Industrial, no século XVIII, na Inglaterra; na verdade, ele fixou controles para esse sistema, conferiu-lhe certa medida de civilidade, inclusive buscando eliminar as formas mais perversas de utilização da força de trabalho pela economia. [11]

Calha lembrar, outrossim, o ensino da Desembargadora do Trabalho [12] Alice Monteiro de Barros, que explica a existência dos adicionais noturno e de serviço extraordinário, deferidos aos servidores públicos estatutários pela Constituição Federal (destaques nossos):

As normas sobre duração de trabalho têm por objetivo primordial tutelar a integridade física do obreiro, evitando-lhe a fadiga. Daí as sucessivas reivindicações de redução da carga horária de trabalho e alongamento dos descansos. Aliás, as longas jornadas de trabalho têm sido apontadas como fato gerador do estresse, porque resultam em um grande desgaste para o organismo. O estresse, por sua vez, poderá ser responsável por enfermidades coronárias e úlceras, as quais estão relacionadas também com a natureza da atividade, com o ambiente de trabalho e com fatores genéticos. A par do desgaste para o organismo, o estresse é responsável ainda pelo absenteísmo, pela rotação de mão-de-obra e por acidentes do trabalho.

Além desse fundamento de ordem fisiológica, as normas sobre duração do trabalho possuem, ainda, um outro de ordem econômica, pois o empregado descansado tem o seu rendimento aumentado e a produção aprimorada. Já o terceiro fundamento, capaz de justificar as normas sobre duração do trabalho, é de ordem social: durante o dia o empregado necessita de tempo para o convívio familiar e para os compromissos sociais. [13]

Ora, indaga-se: a finalidade da norma constitucional deferitória de direitos trabalhistas fundamentais aos servidores públicos estatutários (art. 39, § 3º, Constituição Federal de 1988), consistentes na proteção contra a duração excessiva do trabalho ou da tutela especial da jornada noturna, tem sua ratio essendi, porventura, na forma de remuneração auferida pelo agente público, se subsídio ou vencimento básico mais vantagens adicionais, ou a justificativa reside, sim, diretamente, na proteção da pessoa biológica do trabalhador do serviço público contra o serviço extraordinário e noturno demasiado, contra os efeitos decorrentes à sua saúde, como estresse, doenças, cansaço, privação de sono, perda do convívio familiar? Como nota Valentin Carrion, o trabalho noturno trata-se de "período prejudicial ao descanso e convívio do empregado." [14] A própria Declaração Universal dos Direitos do Homem, das Nações Unidas, de 10 de dezembro de 1948, enuncia que todo homem tem direito a "condições justas e favoráveis de trabalho" (art. 23).

Se a tutela laboral constitucional se justifica para os servidores de carreira em geral, ocupantes de cargos públicos in genere, parece que a forma de remuneração, se subsídio ou vencimento mais vantagens adicionais, não serve de razoável fator de discrímen para o fim de se deferir o pagamento de adicionais noturno e de serviço extraordinário, pois o ser biológico é igual, seja pago por uma sistemática ou por outra, e se sujeita a cansaço, estresse e precisa conviver em família, sendo gravoso sujeitar o trabalhador do serviço público remunerado por subsídio ao trabalho noite adentro e nas madrugadas.

Note-se, demais, é de se repetir, que o Constituinte considerou tamanha a magnitude do respeito à tutela laboral essencial, sob a ótica da defesa e proteção da pessoa humana e da exploração de sua força de trabalho, que não irradiou seu manto normativo somente sobre os empregados celetistas, mas se preocupou em que os servidores públicos de regime estatutário, que também são trabalhadores do complexo administrativo das pessoas políticas e entidades de direito público, fossem amparados (art. 39, § 3º, Constituição Federal de 1988).

Não se pode confundir, além disso, os agentes políticos remunerados por subsídio, sob a ótica de inexistência de garantias trabalhistas fundamentais, como é o caso dos membros do Poder Legislativo, porque não exercem seus misteres constitucionais em condições de subordinação hierárquica, além de receberem uma série de até criticadas (sobretudo pela imprensa e pela opinião pública geral) regalias constitucionais, legais e regimentais para compensar eventuais sessões de votação noturnas ou extraordinárias, como décimo terceiro e décimo quarto e até décimo quinto salário!, verbas extras de mais um subsídio por convocação extraordinária pelo Chefe do Poder Executivo, verbas de auxílio de custo de elevada monta, sistema de descanso no longo recesso legislativo semestral, passagens aéreas semanais para retorno ao convívio familiar, expediente semanal encurtado, segundo noticia a mídia eletrônica nacional, de terça a quinta-feira, dentre outras vantagens pecuniárias.

Some-se a isso a irrestrita liberdade de comparecimento à Casa Legislativa pelo Parlamentar, que, enquanto titular de mandato popular, não tem que prestar contas de sua assiduidade e produtividade senão ao povo que o elegeu, a justificar, portanto, a não-incidência dos direitos trabalhistas essenciais aos que não se inserem na qualidade de trabalhadores em sentido estrito, até porque ninguém os pode forçar a trabalhar à noite, durante madrugadas, ou a prestar serviços extraordinários, exceto no que concerne às pressões partidárias e da própria base eleitoral dos membros do Poder Legislativo para votação de certas matérias de interesse de grupos ou de ordem nacional.

É inteiramente distinta a situação dos servidores públicos de carreira remunerados por subsídio, os quais, ainda que integrantes de carreiras importantes no funcionalismo e até de dignidade constitucional, possuem chefias imediatas para lhes controlar a freqüência e comparecimento e regular exercício das funções administrativas, subordinam-se a jornadas de trabalho ou a volume de tarefas a executar controlado pelos hierarcas superiores, dentre outras restrições, a evidenciar que esses servidores de carreira fazem jus, sim, à tutela da regra do art. 39, § 3º, da Carta Republicana.

Last but not least, vale admoestar que, a despeito de a Lei Fundamental ter estabelecido a sistemática da parcela única para a remuneração dos detentores de mandato eletivo no âmbito do Poder Legislativo (art. 39, § 4º), há uma série de verbas acessórias tradicionalmente agregadas ao subsídio parlamentar, pagas à guisa de auxílios de custo com passagens aéreas, com combustíveis, auxílio-moradia, verba livre estipulada em valor fixo para despesas gerais de montante substancioso (não se sabe se todos os órgãos legislativos já suprimiram esse tipo de parcela, embora tenha havido notícias em torno disso no âmbito federal), verbas de gabinete, etc., as quais terminam por dilatar o quantum auferido por parlamentares, direta ou indiretamente, modo pelo qual é de indagar se seria justo e conforme a teleologia constitucional incorrer na exegese de que até direitos trabalhistas fundamentais, como adicional noturno e de serviço extraordinário, poderiam ser ab-rogados com a criação legislativa de subsídio para qualquer carreira do funcionalismo. Parece ser caso de aplicação do velho brocardo: Summum jus, summa injuria. O excesso de direito gera injustiça.

Indaga-se mais: será que a Constituição Federal resolveu permitir que o Estado tratasse carreiras de servidores públicos de forma diferenciada no que concerne ao respeito a direitos trabalhistas fundamentais, permitindo que funcionários de igual grau hierárquico ou de complexidade de atribuições no funcionalismo fossem submetidos a serviço extraordinário ou noturno sem direito a qualquer contraprestação adicional, como expressamente determinado pelo art. 39, § 3º, da Lei Fundamental, tão-somente porque são diferenciados pela sistemática vencimental por subsídio?

Por que deveria haver, por exemplo, tratamento in pejus de uma carreira de Auxiliar de Administração Pública de um órgão, remunerada por parcela única, a qual não deveria receber tutela jurídica laboral essencial quanto a adicionais noturno e de serviço extraordinário, ao passo que outra carreira, similar, de Auxiliar de Atividades Administrativas de terceiro órgão, paga na forma tradicional de vencimento básico mais vantagens adicionais, gozaria da tutela jurídica obreira, ambas com igual situação jurídica na estrutura administrativa sob o prisma da complexidade das atribuições e do padrão remuneratório, unicamente pelo motivo de o Estado ter se valido do capitulado no art. 39, § 8º, da Lei Maior? Donde se situa o princípio da isonomia num panorama hipotética dessa natureza? Foi para permitir isso que a Constituição Federal expressamente conferiu direitos trabalhistas essenciais aos trabalhadores do serviço público (art. 39, § 3º)?

Bastaria ao Estado, para negar vigência ao disposto no art. 39, § 3º, da Constituição, então, genericamente estabelecer a disciplina remuneratória por meio de subsídio para o funcionalismo organizado em carreira, correspondente quase à totalidade dos servidores públicos, podendo o legislador ordinário, com esse expediente, suprimir direitos constitucionais essenciais, vinculados à proteção do trabalho humano, ainda mais em se cuidando não de agentes políticos, mas de funcionários públicos em geral. Está conforme os fins visados pelo Constituinte uma interpretação como essa?

De que valeria a notável conquista dos trabalhadores, determinada no rol do art. 7º, da Lei Maior, explicitamente estendido em boa parte (art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, Constituição Federal de 1988) aos servidores públicos ocupantes de cargo (art. 39, § 3º, CF 1988), se fosse possível ao Estado manejar o processo legislativo ordinário para instituir a sistemática remuneratória por subsídio como meio indireto de suprimir os direitos trabalhistas fundamentais deferidos pela Carta-cidadã?

Porventura um médico em regime celetista deve perceber remuneração adicional pelos serviços extraordinários, enquanto um colega de profissão, só que ocupante de cargo público remunerado por subsídio, deve ser relegado ao desamparo, embora ambos desempenham trabalho em situações fáticas assemelhadas e são igualmente trabalhadores que a Constituição procurou proteger? Foi para negar valores elevados, albergados na própria Carta Magna, que o legislador constituinte instituiu a remuneração por subsídio?

Eis o porquê de se supor a tendência do Supremo Tribunal Federal de conciliar os §§ 3º e 4º do art. 39 da Constituição Federal. Nesse diapasão, aliás, existe julgado do Tribunal Regional Federal da 5ª Região:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. REESTRUTURAÇÃO DE CARREIRA DA POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. MP Nº 305, DE 29/06/2006. IRREDUTIBILIDADE REMUNERATÓRIA. SUPRESSÃO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE.

- A interpretação sistêmica da Constituição Federal, leva ao entendimento de que a vedação aos acréscimos pecuniários indicados no parágrafo 8º, do art. 39, da CF/88, não se estende às verbas remuneratórias contempladas no art. 7º c/c o parágrafo 3º, do art. 39, da CF/88.

- Agravo de instrumento provido, em parte, para suprimir da Parcela Complementar de Subsídio, na remuneração dos agravados, apenas o adicional de insalubridade. [15]

Também o e. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios julgou:

A própria Constituição Federal, compondo o referido equilíbrio das normas constitucionais, mitigou a regra segundo a qual os agentes públicos serão remunerados por subsídio como parcela única, deixando à parte de tal espécie remuneratória direitos constitucionais como o 13.º salário, 1/3 de férias, dentre outros relacionados no § 3.º do artigo 39 da CF, aplicáveis, por força da referida norma, ao servidor público. [16]

Não parece que a forma de remuneração deva ser o diferencial para o pagamento, ou não, de justos adicionais de serviço extraordinário ou trabalho noturno, mas, sim, o efetivo labor em condições mais gravosas (serviço noturno ou extraordinário), daí, por sinal, a conclusão de que o preceito do § 3º do art. 39 da Constituição Federal assegurou vantagens trabalhistas aos ocupantes de cargo público, sem precisar se remunerados por vencimento básico mais adicionais ou subsídio.

Sob outro viso, como é que, de antemão, no cômputo da definição pecuniária do sistema de subsídio pelo Estado, em seu processo legislativo ordinário, poderia ser observada a eventual absorção de horas extraordinárias e do trabalho noturno, ambos fatos eventuais e em quantitativo incerto, no valor da definida parcela vencimental única para os servidores que não poderiam, em princípio, auferir adicionais quaisquer?

Ou se teria simplesmente estabelecido uma categoria com menos direitos – a dos servidores remunerados por subsídio, em detrimento dos que são pagos por vencimentos ordinários? Sim, se a Constituição Federal assegura que o serviço extraordinário seria remunerado com 50% acima do valor da hora normal, como seria antecipadamente retrucar que o trabalho extra estaria absorvido no montante do subsídio, se o número de horas laboradas além do normal é variável e eventual, além de o labor noturno também poder ostentar feição eventual?

Se há trabalho extraordinário, deve haver, sim, contraprestação do adicional correspondente, da mesma forma que pelo labor noturno, sob pena de ineficácia da regra constitucional do art. 7º., IX e XVI, c.c. 39, § 3º, todos da Constituição Federal de 1988.

Em última ratio, pois, afigura-se inadequado asseverar que a verba remuneratória exclusiva conglobaria, antecipadamente, todas as hipóteses de trabalho noturno ou extraordinária, haja vista a variabilidade quantitativa do labor de cada servidor público, mensalmente variável, a depender das circunstâncias e necessidades esporádicas do serviço.

Daí que parece impróprio afirmar que o subsídio conglobaria já "x" horas extraordinárias mensais ou noturnas. E se o agente público trabalhasse acima dessa estimativa aproximada? Sem dúvida que teria direito a uma complementação, por força do art. 39, § 3º, da Carta da Nação Brasileira, sob pena de ineficácia do Texto Magno. Deflui disso a tese de que, em realidade, o subsídio não poderia impedir a percepção de horas extraordinárias e noturnas.

O valor da parcela única contemplaria a jornada normal da categoria, não o trabalho extra e à noite.

Por todo o articulado é que se ousa chegar à conclusão de que o sistema de parcela única deve ser entendido como a vedação de que a contraprestação pelo exercício ordinário das funções do cargo público seja decomposto em parcelas diversas, com gratificações e outras vantagens pecuniárias complementares, sem que, contudo, o subsídio abranja o pagamento de direitos trabalhistas fundamentais, expressamente estendidos aos servidores públicos em geral pela própria Constituição, nos termos do seu art. 39, § 3º, como é o caso do serviço extraordinário, do adicional noturno, complementação de salário mínimo, décimo terceiro salário, adicional de férias, salário-família.

Será que o escopo constitucional não foi proteger os trabalhadores da exploração de sua força de trabalho em condições adversas ou mais gravosas, em serviço extraordinário, em trabalho noturno, sejam do serviço público ou da iniciativa privada, exatamente pelo fato de que são seres humanos, cujos corpos reclamam respeito ao direito de descanso, pessoas que desejam usufruir de convívio familiar, etc?

Quando se onera o Estado com maiores custos de retribuição pecuniária pelo serviço prestado no período noturno ou em horas a fio além da jornada ordinária, o desiderato constitucional é tornar mais eficazes os direitos à saúde, ao lazer, à convivência em família (art. 6º, Constituição Federal de 1988), dos trabalhadores do serviço público. Pode-se afirmar que os servidores em geral, desde que integrantes de carreiras (art. 39, § 8º, CF 1988), amparados pelas garantias trabalhistas estendidas pelo art. 39, § 3º, da Lei Fundamental, não teriam direito a essas condições essenciais para a própria dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF 1988) e para o valor social intrínseco do trabalho (art. 1º, IV, CF 1988), podendo ser submetidos à privação do descanso noturno e a limites penosos de jornadas laborais, pior ainda, sem receber nada em contraprestação por serviço extraordinário ou durante noites e madrugadas?

Se pode ser adotada pelo Estado a sistemática remuneratória do subsídio para todos os servidores organizados em carreira, então, conclui-se que a Constituição teria incorrido em paradoxo de embalde assegurar direitos trabalhistas fundamentais, cujo desrespeito poderia ser consumado, porém, nos termos do art. 39, § 4º, da Carta Republicana, inclusive com eficácia sobre praticamente todo o funcionalismo organizado em carreira (art. 39, § 8º, Lei Maior de 1988). Antolha-se escorreita essa exegese constitucional? De um vértice, a Constituição institui direitos trabalhistas considerados tão fundamentais que foram estendidos até para os servidores ocupantes de cargos públicos, enquanto, de forma inconguente, de outro, teria permitido que o legislador ordinário, pela adoção da sistemática da parcela única remuneratória, extinguisse conquistas laborais previstas no art. 7º., da Carta-cidadã, como o adicional por serviço extraordinário e noturno em favor do funcionalismo! Será que a esse tipo de exegese pode prestar-se a dogmática e a hermenêutica constitucional?

Não é necessário muito empenho para concluir que não, salvo posterior entendimento em contrário do Supremo Tribunal Federal, que surpreenderia.

Será que o Estado poderia negar vigência ao disposto no art. 39, § 3º, da Constituição, para alguns agentes públicos que desempenham, em virtude das funções inerentes a seus cargos, labor noturno ou extraordinário, ampliando-lhes a jornada laboral sem qualquer contraprestação, apenas pela instituição de subsídio?

Existe, em suma, contraditoriedade entre o capitulado nos §§ 3º e 4º do art. 39 da Norma Fundamental? Eis a controvérsia ainda a ser dirimida pelo Supremo Tribunal Federal.


7. O percebimento de retribuição pecuniária pelo exercício de cargo ou função comissionada por parte dos servidores remunerados por subsídio

O subsídio dos integrantes da Carreira não exclui o direito à percepção de outro subsídio, pelo exercício de função de direção, chefia e assessoramento, além de parcelas indenizatórias previstas em lei. Há respaldo doutrinário para a disposição.

Nesse sentido, ainda, calha transcrever trechos da obra de José dos Santos Carvalho Filho (destaques não originais):

Em conseqüência, também, para remunerar de forma diferenciada os ocupantes de cargos de chefia, direção, assessoramento e os cargos em comissão, terá a lei que fixar, para cada qual, um subsídio composto de parcela única. O mesmo se diga com relação aos vários níveis de cada carreira abrangida pelo sistema de subsídio. Também não podem deixar de ser pagas as vantagens que têm caráter indenizatório, já que se trata de compensar o servidor por despesas efetuadas no exercício do cargo; é o caso das diárias e das ajudas de custo. [17]

Em princípio, o subsídio, como forma de retribuição pelo exercício do cargo efetivo, não impediria, salvo melhor juízo, que o desempenho de outro cargo, comissionado, de direção, chefia ou assessoramento, pudesse ensejar a correspondente retribuição pecuniária específica pelo Estado. O Conselho Nacional de Justiça admite o pagamento de parcelas outras, juntamente com o subsídio, nas hipóteses seguintes, regradas na Resolução n. 13, de 21 de março de 2006:

Art. 5º As seguintes verbas não estão abrangidas pelo subsídio e não são por ele extintas:

............................................................................

II - de caráter eventual ou temporário:

a) exercício da Presidência de Tribunal e de Conselho de Magistratura, da Vice-Presidência e do encargo de Corregedor;    

b) investidura como Diretor de Foro;

............................................................................

f) coordenação de Juizados;

g) direção de escola;

Não obstante, a solução jurídica da matéria não é tão clara como se supõe, pois, nos moldes da mesma Resolução n. 13, de 21 de março de 2006, o Conselho Nacional de Justiça pontifica que:

Art. 4º Estão compreendidas no subsídio dos magistrados e por ele extintas as seguintes verbas do regime remuneratório anterior:

............................................................................

II - gratificações de:

a) Vice-Corregedor de Tribunal;

b) Membros dos Conselhos de Administração ou de Magistratura dos Tribunais;

c) Presidente de Câmara, Seção ou Turma;

d) Juiz Regional de Menores;

e) exercício de Juizado Especial Adjunto;

f) Vice-Diretor de Escola;

g) Ouvidor;

h) grupos de trabalho e comissões;

i) plantão;

j) Juiz Orientador do Disque Judiciário;

k) Decanato;

l) Trabalho extraordinário;

m) Gratificação de função.

............................................................................

VII - vantagens de qualquer natureza, tais como:

a) gratificação por exercício de mandato (Presidente, Vice-Presidente, Corregedor, Diretor de Foro e outros encargos de direção e confiança).

Daí a dificuldade em torno do assunto, apesar de algum lastro doutrinário para o percebimento de subsídio de cargo comissionado. A dúvida maior incidiria na hipótese de o servidor ocupar função comissionada, paga mediante gratificações ou verbas de representação, que estariam vedadas, numa interpretação literal de primeira toada do estipulado no art. 39, § 4º, da Constituição Federal de 1988.

Novamente se suscita tema para que o Supremo Tribunal Federal enfrente, mas não se pode deixar de antecipar uma visão inicial no sentido de que a Constituição Federal previu que as funções em comissão seriam ocupadas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo (art. 37, V), sem discriminar a forma de remuneração dos funcionários concursados, titulares de posto de provimento efetivo (se pelo sistema de subsídio, em parcela "única", ou comum, de vencimento básico mais vantagens adicionais).

Será que a Constituição Federal de 1988 pretendeu instituir o exercício de função comissionada, para atividades de assessoramento, direção ou chefia, de forma gratuita pelos servidores remunerados por subsídio, enquanto o fez de modo oneroso para outros funcionários efetivos, pagos mediante vencimento básico mais vantagens adicionais?

É justa e razoável essa exegese, no sentido de uma incompreensível discriminação pelo Constituinte entre agentes públicos de carreira, apenas porque o Estado resolveu, aleatoriamente, com fulcro no permissivo do art. 39, § 8º, da Carta, estabelecer a sistemática remuneratória por subsídio para algumas carreiras e manter o regime ordinário para outras?

Sob outra ótica, o provável resultado dessa interpretação poderia ser que, no caso de servidores de carreira remunerados por subsídio, se considerado vedado o percebimento de gratificação ou adicional pelo exercício de função comissionada, todos se recusassem, com toda a razão, a desempenhar, graciosamente, função de confiança, no exercício de trabalhos especiais de assessoramento, chefia e direção, sem receber qualquer contraprestação pelo encargo extraordinário,, inclusive determinante de maiores responsabilidades em nível administrativo, cível e criminal, haja vista os encargos funcionais especiais.

É a esse tipo de conseqüência que deve induzir a aplicação da Carta Magna, com a possível inviabilização parcial do serviço público, porque ninguém exerceria atividades comissionadas, privativas de servidores de carreira (na hipótese das funções em comissão: art. 37, V, Carta Magna de 1988), de modo gratuito, deixando os postos de confiança vagos e com prejuízo à continuidade dos misteres administrativos?

Será, por outro lado, que o Constituinte pretendeu discriminar os servidores públicos apenas pelo critério da forma de remuneração, favorecendo os que percebem pelo sistema comum de vencimento básico mais vantagens adicionais, autorizados a receber, como é justo e de direito, pelo exercício de função em comissão, tratando, de outro lado, de forma prejudicial e gravosa os infelizes funcionários retribuídos por subsídio, forçados a trabalhar de graça em postos de confiança?

Esse tipo de tratamento discriminatório é compatível com os consectários do princípio constitucional da isonomia? Tanto que o eminente Procurador-Geral da República, em parecer junto ao Supremo Tribunal Federal na ADI 3638, noticiado na Internet pelo Ministério Público Federal em 28 de julho de 2008, destacou que

Antonio Fernando afirma que inconstitucional, nos termos do artigo 39, parágrafo 4º, seria recompensar pelo exercício do cargo com quantia já remunerada pelo subsídio. Ele não inclui nesse caso as gratificações por exercício de função de chefia, direção e assessoramento, quando elas não forem próprias das tarefas essenciais e padronizadas cometidas como objeto da prestação definida para o agente. Também seria constitucional o pagamento do adicional de magistério policial e as verbas indenizatórias, pelo fato de atenderem a uma situação extraordinária, que não é considerada no momento da fixação do subsídio.

A questão ora discutida, pois, é outra hipótese em que se vêem as perplexidades emanadas da obtusa e literal interpretação do sistema remuneratório por subsídio em parcela única. De outro ângulo, o ordenamento jurídico brasileiro alberga a prestação de serviço público gratuita? Basta atentar para o explicitamente enunciado em contrário no Regime Jurídico dos Servidores Públicos da União: "É proibida a prestação de serviços gratuitos, salvo os casos previstos em lei" (art. 4º, Lei federal n. 8.112/1990).

Lembre-se de que o próprio Conselho Nacional de Justiça assentou esse fundamento como inspirador dos considerandos da Resolução n. 22, de 26-09-2006 (Regulamenta o pagamento de retribuição pecuniária aos juízes auxiliares do Conselho Nacional de Justiça), estabelecendo que (negrito nosso):

CONSIDERANDO que a Constituição Federal e o Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça prevêem a requisição compulsória de magistrados para auxiliarem nos serviços da Presidência e da Corregedoria Nacional de Justiça, vedando o ordenamento jurídico a prestação de serviços gratuitos;

Será que o sistema remuneratório por subsídio é uma condenação sobre o servidor de carreira, fadado a não receber um centavo a mais sequer por serviço extraordinário ou noturno, além de ser forçado a desempenhar funções de chefia, direção e assessoramento de forma gratuita? Destaque-se, aliás, que a Câmara dos Deputados dispôs sobre o subsídio de função comissionada de seus servidores Resolução nº 28/1998 (Dispõe sobre a reorganização do Plano de Carreira dos servidores da Câmara dos Deputados e dá outras providências). [18]

O Estado de Mato Grosso também fixou subsídio de cargos comissionados (Projeto de Lei Complementar n° 64 de novembro de 2006 e também Lei Complementar Estadual Mato-Grossense n. 332, de 10-10-2008 [19]), juntamente com o Estado de Tocantins (Decreto Estadual n. 1.690, de 17 de janeiro de 2003), assim como o Estado de Goiás (Lei Delegada Estadual Goiana de 20 de junho de 2003) para postos de direção, facultando que

Art. 2º - O servidor ocupante de cargo de provimento efetivo ou emprego permanente no âmbito da Administração direta, autárquica e fundacional ou militar titular de posto que, nomeado para exercer cargo previsto no Anexo Único desta Lei, optar, na forma legalmente permitida, por sua remuneração de origem, percebê-la-á cumulativamente com o subsídio a que fizer jus pelo exercício do cargo em comissão, reduzido de um quarto.

Como restará o provimento dos cargos comissionados, quando privativos de integrantes da carreira por expressa disposição legal, no caso de se cuidar de servidores remunerados em regime de subsídio, os quais poderiam, com todo o direito, se recusar a trabalhar de graça e a desempenhar atividades de direção, chefia e assessoramento, nos postos comissionados, maiormente porque os cargos em comento são regrados em sistema de dedicação integral, ficando o seu titular, além do cumprimento da jornada normal, sujeito a ser convocado a qualquer hora, sempre que houver interesse da Administração (art. 19, par. único, Lei n. 8.112/1990)?

Será razoável considerar que uma restrição a direito e um acréscimo de responsabilidades, com maior grau de responsabilidade administrativa, civil e criminal, por ser imposto pelo Estado ao agente público, sem qualquer contraprestação adicional, além do pagamento da parcela única pelo exercício das atribuições do cargo efetivo?

Daí o juízo de boa parte da doutrina de que seria legítima a instituição de subsídio específico pelo exercício do cargo comissionado, o qual deveria ter valor correspondente ao montante das atribuições do cargo efetivo mais o equivalente pecuniário devido pelo desempenho dos misteres do cargo de confiança.

Impende trazer à colação que o Conselho Nacional de Justiça entende lícito (Resolução n. 13/2006) que ao subsídio de magistrado seja acumulada parcela adicional recompensadora do exercício de exercício da Presidência de Tribunal e de Conselho de Magistratura, da Vice-Presidência e do encargo de Corregedor (art. 5º, II, "a"); investidura como Diretor de Foro (art. 5º, II, "b"); coordenação de Juizados (art. 5º, II, "f"); direção de escola (art. 5º, II, "g"); exercício como Juiz Auxiliar na Presidência, na Vice-Presidência, na Corregedoria e no Segundo Grau de Jurisdição (art. 5º, II, "i") - perceba-se que todas as hipóteses são de atividades ou cargos de direção e chefia ou assessoramento).

Sim, acréscimo de outras frações remuneratórias a pessoal remunerado por parcela "única"!

Nem se diga que se cuidaria de parcelas de natureza indenizatória, porquanto a sobredita Resolução do órgão judicial é expressa no sentido de que esses valores, acumulados ao subsídio de magistrado, estão sujeitos à incidência do teto remuneratório (art. 5º, par. único), ao passo que, caso de tratasse de quantum indenizatório, poderia ser percebido além do teto de remuneração (art. 37, § 11, Constituição Federal de 1988, incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005).

Eis, de toda sorte, o delicado problema a ser cotejado pelo Supremo Tribunal Federal, o qual, contudo, supõe-se, deva prestigiar a regulamentação primária desenvolvida pelo alto Conselho do Poder Judiciário.


Conclusão

Por isso que se conclui que:

a) a Constituição Federal não pode ser interpretada com o efeito de abrigar antinomias em seu seio, modo pelo qual se deve conciliar o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 39 da Constituição Federal, no sentido de reconhecer a possibilidade do pagamento de adicional de serviço extraordinário e de trabalho noturno aos servidores públicos remunerados por subsídio;

b) os direitos trabalhistas fundamentais dos incisos determinados do art. 7º da Constituição Federal, estendidos aos servidores ocupantes de cargo público por força do disposto no art. 39, § 3º, da Carta Magna, não excluem os agentes públicos remunerados na forma de subsídio, haja vista que as normas tutelares obreiras destinam-se a assegurar direitos sociais essenciais, como o lazer, o convívio familiar, o descanso, em defesa da pessoa humana que trabalha no serviço público, independentemente da maneira como estipulada sua remuneração, se em parcela única ou em se em vencimento básico mais vantagens pecuniárias adicionais;

c) os servidores públicos remunerados por subsídio podem perceber específica retribuição pelo exercício de cargo ou função comissionada por atividade de direção, chefia ou assessoramento, sem violação ao art. 39, § 4º, da Constituição Federal;

d) o Conselho Nacional de Justiça - CNJ, em suas resoluções, tem permitido o pagamento de gratificações e adicionais aos magistrados, apesar de remunerados por parcela única, assim como tem admitido a percepção de retribuição pecuniária pelos membros do Poder Judiciário quando do exercício de alguns cargos de direção, chefia ou assessoramento, como de juiz auxiliar requisitado pelo próprio Conselho, além de exercício da Presidência de Tribunal e de Conselho de Magistratura, da Vice-Presidência e do encargo de Corregedor; investidura como Diretor de Foro; exercício cumulativo de atribuições, como nos casos de atuação em comarcas integradas, varas distintas na mesma Comarca ou circunscrição, distintas jurisdições e juizados especiais; substituições; diferença de entrância; coordenação de Juizados; direção de escola; exercício como Juiz Auxiliar na Presidência, na Vice-Presidência, na Corregedoria e no Segundo Grau de Jurisdição; participação em Turma Recursal dos Juizados Especiais.


REFERÊNCIAS

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Barroso, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora, 5. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003.

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CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho: legislação complementar e jurisprudência. 31ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2006.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo – 17ª ed. rev. e atual, Rio de Janeiro, Editora Lumen Júris, 2007.

CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro, 2. ed.. Rio de Janeiro: Forense,, 2000.

DELGADO, Mauricio Godinho. 5ª ed., Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTR, 2006.

MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno, 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, 24 ed. São Paulo: Malheiros.1999.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17º Edição, revista e atualizada. Editora Malheiros: São Paulo.


Notas

  1. 20060020125060 MSG, Relator GETULIO PINHEIRO, Conselho Especial, julgado em 29/01/2008, DJ 14/04/2008, p. 59)
  2. MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno, 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 270-271.
  3. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo – 17ª ed. rev. e atual, Rio de Janeiro, Editora Lumen Júris, 2007.
  4. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17º Edição, revista e atualizada. Editora Malheiros: São Paulo, 2004, p. 249-253.
  5. ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 323-325.
  6. Barroso, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora, 5. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003. p.121 ss.
  7. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo, 7. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001, p. 530-532. CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro, 2. ed.. Rio de Janeiro: Forense,, 2000, p. 503. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, 24 ed. São Paulo: Malheiros., 1999, p. 430.
  8. Brasil. Supremo Tribunal Federal. ADC 12-MC/DF, Tribunal Pleno, relator o Ministro Carlos Britto, DJ de 01-09-2006, Ementário n. 2245-1.
  9. CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho: legislação complementar e jurisprudência. 31ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 62.
  10. O título de desembargador do trabalho tem sido adotado pelos integrantes de Tribunais Regionais do Trabalho, apesar de a constituição intitulá-los apenas de juízes.
  11. DELGADO, Mauricio Godinho. 5ª ed., Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTR, 2006, p. 81, 736.
  12. O título de desembargador do trabalho tem sido adotado pelos integrantes de Tribunais Regionais do Trabalho, apesar de a constituição intitulá-los apenas de juízes.
  13. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 630/631
  14. CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho: legislação complementar e jurisprudência. 31ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 133.
  15. Brasil. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. AG-Agravo de Instrumento – 76119, Processo: 200705000205070 UF: CE, Desembargador Federal Ridalvo Costa, DJ: 10/09/2007.
  16. Brasil. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. 20060020011321MSG, Relator LECIR MANOEL DA LUZ, Conselho Especial, julgado em 04/12/2007, DJ 10/03/2008 p. 44)
  17. FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo – 17ª ed. rev. e atual, Rio de Janeiro, Editora Lumen Júris, 2007.
  18. Art. 11. A Mesa da Câmara dos Deputados promoverá, mediante Ato próprio, a consolidação da retribuição das funções comissionadas, em parcela única, sob a denominação de Subsídio de Função Comissionada Integrada – SFCI, observado escalonamento vertical de acordo com a hierarquia funcional, a partir do índice de 0,95 (noventa e cinco centésimos) da remuneração em espécie estabelecida como limite retributivo nos termos do art. 37, XI, da Constituição Federal.

    § 1º Sem prejuízo do disposto no caput deste artigo, será preservada relação de proporcionalidade entre o Subsídio de Função Comissionada Integrada – SFCI e os subsídios previstos no art. 49, VIII, da Constituição Federal.

    § 2° A opção pela percepção do Subsídio de Função Comissionada Integrada – SFCI exclui o direito de recebimento das parcelas discriminadas nos incisos do art. 6º desta Resolução.

    § 3º Em caso de opção pela percepção do Subsídio de Função Comissionada Integrada – SFCI, ocorrendo decesso remuneratório, fica assegurada ao servidor, a título de vantagem pessoal nominalmente identificada, a diferença resultante da sua anterior remuneração, sempre obedecido o limite retributivo constitucional.

    § 4º A opção de que trata este artigo será revista sempre que mais vantajosa a situação anterior.

  19. Art. 1º O Art. 15 caput e §§ 3º, 4º e 5º da Lei Complementar nº 266, de 29 de dezembro de 2006, passam a vigorar com a seguinte redação:"Art. 15 O servidor civil ou militar, titular de cargo efetivo da Administração direta, autárquica ou fundacional, nomeado em cargo em comissão, poderá optar pelo subsídio integral do cargo em comissão ou pelo percentual de comissionamento aplicado sobre o valor do subsídio do cargo exclusivamente comissionado, conforme estabelecido na tabela do Anexo V desta lei complementar, acrescido ao seu subsídio mensal atual.

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CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. O pagamento de adicional noturno ou serviço extraordinário e exercício de cargos-funções comissionados a servidores públicos remunerados por subsídio. Uma interpretação dos arts. 39, §§ 3º, 4º e 8º da Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1974, 26 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12007. Acesso em: 29 mar. 2024.