Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/12054
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Refundando o Direito Penal do Trabalho.

Primeiras aproximações

Refundando o Direito Penal do Trabalho. Primeiras aproximações

Publicado em . Elaborado em .

No contexto brasileiro, o Direito Penal do Trabalho não tem merecido a atenção merecida. Convivem, na dimensão legislativa, o anacronismo normativo e a resistência ideológica.

RESUMO

No contexto brasileiro, o Direito Penal do Trabalho não tem merecido, da doutrina especializada, a atenção merecida, conquanto as estatísticas judiciais demonstrem que a despeito das inovações legislativas ensaiadas para otimizar a tutela jurídica dos direitos fundamentais dos trabalhadores e da organização geral do trabalho as condutas delinqüentes incrementam-se e sofisticam-se, tanto na esfera privada como na esfera pública. Da mesma forma, a jurisprudência a respeito do tema descobre-se parca e divergente. Nos demais países da América do Sul, o quadro não tende a ser mais promissor. Convivem, na dimensão legislativa, o anacronismo normativo e a resistência ideológica. Promover com máxima efetividade a sublimação constitucional do valor social do trabalho (artigo 1º, IV, da CRFB) e reduzir os índices de violência nas relações trabalhistas são objetivos que reclamam, na perspectiva da prevenção penal positiva, a revisão dos pressupostos ideológicos que basearam o debate da tutela penal-laboral até a década de noventa.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Direito Penal do Trabalho – Noções. 3. O Direito Penal do Trabalho no Brasil. Anacronismo, atecnia e resistência. 4. As funções da pena e o Direito Penal do Trabalho. A prevenção geral positiva fundamentadora. 5. Conclusões. 6. Bibliografia

PALAVRAS-CHAVE: 1. Direito Penal do Trabalho. 2. Crimes contra a organização do trabalho. 3. Prevenção geral positiva. 4. Violência nas relações de trabalho. 5. Crimes trabalhistas.


1.INTRODUÇÃO

Se o leitor examinar as referências do Título IV da Parte Especial do Código Penal brasileiro («Dos Crimes contra a Organização do Trabalho») no conhecido "Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial", coordenado por ALBERTO SILVA FRANCO (5ª edição), não identificará mais do que cento e cinco arestos a respeito do tema, no decorrer de vinte e nove páginas, entre doutrina e jurisprudência (SILVA FRANCO et al., 1995, pp.2351-2379). Ou seja: cento e cinco arestos para onze tipos penais, o que perfaz média aproximada de dez arestos por fattispecie (na verdade, menos que isso). Desses arestos, a maioria trata de questões de competência (Justiça federal vs. Justiças estaduais), sem discorrer sobre quaisquer aspectos materiais da tutela penal laboral. E, nas edições subseqüentes, esse quadro quantitativo não se altera significativamente.

A título de comparação, a mesma obra traz, com respeito ao homicídio ― o simples (artigo 121, caput, do Código de Processo Civil), o privilegiado (artigo 121, §1º), as figuras qualificadas (artigo 121, §2º) e a modalidade culposa (artigo 121, §3º), duzentos e trinta e oito páginas, com mais de mil arestos. Isso para um único tipo penal (com seus subtipos). E, no entanto, a doutrina universal tem sustentado, desde meados do século XX, que o trabalho humano é uma projeção da própria personalidade do trabalhador, confundindo-se com a sua própria vida em sentido dinâmico…

Noutra alheta, com respeito ao crime de redução à condição análoga a de escravo (artigo 149 do Código Penal) ― crime de elevado potencial ofensivo, com penas cominadas de reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência ―, a jurisprudência nacional é igualmente hesitante. A ponto de merecer, em passado recente, a censura da própria Organização Internacional do Trabalho: vejam-se as referências feitas ao caso brasileiro nos relatórios da 74ª e da 75ª reunião da Comissão de Peritos da OIT sobre a Convenção n. 29 ("sobre o trabalho forçado ou obrigatório").

Dados como esses permitem concluir que as questões penais laborais não têm povoado a jurisprudência nacional com o devido vigor. Não como se poderia esperar ― na perspectiva de um observador neutro ― em um país que já ocupou as primeiras posições nos índices mundiais de infortunística laboral [01].

Diante disso, abrem-se à mente do operador mais atento três ordens de indagações:

1. por que razão o acesso à justiça penal é tão restrito em matéria laboral, notadamente quando se sabe que o Brasil ― Estado e sociedade civil ― não é bom cumpridor do standard mínimo de deveres inerentes à noção internacional de trabalho decente (elevada infortunística, focos de trabalho escravo, focos de trabalho infanto-juvenil ilegal, históricos de atos anti-sindicais, etc.)?

2. que papel o Direito Penal poderia cumprir no universo das relações de trabalho (admitindo-se que, hoje, não cumpre praticamente papel algum)?

3. quais os caminhos mais acessíveis para o desencargo desse novo papel institucional refundado?

Conquanto não pareça, responder adequadamente a essas três questões reclamaria alguns volumes de reflexão política, jurídica e sociológica. Não é esse o propósito do presente texto. Nossa intenção é unicamente introduzir o debate, com especial atenção às duas primeiras indagações (visto que, em relação à terceira, já publicamos [02] e tornaremos a publicar). O debate científico, diga-se; não o sectário ou o político-ideológico. Se conseguirmos, o esforço não terá sido em vão.


2. DIREITO PENAL DO TRABALHO – NOÇÕES

Não há, em doutrina, definições consistentes do que seja o «Direito Penal do Trabalho». Se nos coubesse definir, diríamos que, em sentido objetivo, o Direito Penal do Trabalho é o segmento do Direito Penal especial predisposto à tutela jurídica fragmentária ("ultima ratio") da dignidade humana da pessoa trabalhadora e da organização geral do trabalho. Por evidente, não tem autonomia científico-dogmática, enciclopédica ou acadêmica, nem se desprende do Direito Penal. É apenas uma sua especialização (como também é, p.ex., o Direito Penal Econômico e o Direito Penal Ambiental [03]), sem maiores pretensões. Nada obstante, por essa própria natureza interseccional, tende a encruzilhar, tanto no processo legislativo como nas operações hermenêuticas, princípios inerentes ao Direito Penal (taxatividade, culpabilidade, fragmentariedade, insignificância, etc.) e princípios próprios do Direito do Trabalho (primazia da realidade, irrenunciabilidade; menos freqüentemente, princípio da proteção e princípio da continuidade da relação de emprego). E aqui, justamente, reside a sua maior riqueza. Afinal, sem essa percepção axiológica, jamais será mais que uma noção sem conseqüências [04].

No entanto, admitir a existência de um «Direito Penal do Trabalho» é admitir a possibilidade constitucional de criminalização em sede de ilícitos laborais e afins. Em tempos de Direito Penal mínimo, de abolicionismo penal e de recorrentes processos legislativos de descriminalização (como recentemente se viu, no Brasil, em sede de delitos contra os costumes [05]), isso não é pouca coisa.

Afinal, o valor social do trabalho, pensado in abstracto, engendraria importância bastante para desafiar a tutela penal estrita? Aliás, seria o legislador ordinário ― entre nós, por força do artigo 22, I, da CRFB ― um agente criador plenamente livre para estabelecer sanções penais às condutas que bem lhe aprouvessem, sem qualquer parâmetro superior?

CLAUS ROXIN (1997, pp.51-58) respondeu bem a tais questões. Na percepção do catedrático alemão, os processos legislativos de criminalização não se guiam ao inteiro talante do legislador ordinário. Há, nos Estados Democráticos de Direito, um programa penal constitucional, do qual o legislador não pode se desviar sensivelmente. É dizer: nem tudo pode ser criminalizado. Essa tese ― que se ensaiou noutras paragens e já se tem por adquirida em boa parte das doutrinas estrangeiras (inclusive no Brasil) ― atende bem aos propósitos do garantismo penal (LUIGI FERRAJOLI, 2000, pp.353-367) e promove, ao mesmo tempo, uma superfetação da chamada «teoria constitucional do direito penal». E é bom que seja assim. Previnem-se, por essa via, intromissões indevidas do Estado na esfera individual (como ocorrem, p.ex., nos países que criminalizam atos homossexuais entre maiores e capazes, ou naqueles sistemas que outrora profligavam a miscigenação racial, conquanto as respectivas Constituições fossem silentes a respeito).

Nessa linha de idéias, ROXIN vale-se de exemplos históricos e lições análogas para identificar quatro grupos principais de «objetos» que não devem se servir do Direito Penal. Na perspectiva constitucional-garantista, o Direito Penal não pode se prestar a (a) cominações penais arbitrárias (como na lenda de WILHELM TELL, preso pelo «crime» de não reverenciar em praça pública o chapéu do governador GREßER, nos tempos da dominação austríaca); (b) finalidades puramente ideológicas (a exemplo dos tipos penais abertos que grassaram durante o regime alemão nacional-socialista, voltados a punir tudo o que atentasse contra o Volkgeist, i.e., o «espírito do povo»); (c) repressão a meras imoralidades (como os tipos incriminadores de certas modalidades de atos sexuais); (d) guarida de preceitos penais que criem ou assegurem desigualdade entre seres humanos (como nos tipos penais segregatórios ou de «apartheid», já referidos há pouco).

É fácil perceber, todavia, que o trabalho humano e a sua organização público-coletiva ― não pode ser reduzido a nenhuma dessas categorias. Afinal, insista-se ainda uma vez, o trabalho é uma projeção da personalidade humana do trabalhador, confundindo-se com a sua própria vida em sentido dinâmico (supra). Ou, se com ela não se confunde, é um seu atributo indissociável. Trabalha-se para viver; e, não raro, vive-se para trabalhar. São mundialmente conhecidas as estatísticas do sistema japonês de relações de trabalho, a apontar, no século XX, vertiginoso aumento do «tempo de empresa» do trabalhador (i.e., do tempo em que o trabalhador permanece no meio ambiente de trabalho, cumprindo ordens ou aguardando-as, em detrimento do convívio familiar), chegando aos limites do «Karoshi» (= morte por exaustão laboral). Sob tais circunstâncias, admitir a tutela penal para inibir as agressões mais contundentes à dignidade do trabalhador (trabalho escravo ou degradante, assédio sexual ou assédio moral intenso, sujeição negligente a risco iminente de dano físico, etc.) é admiti-la para, direta ou indiretamente, proteger a vida; e, antes dela, a condição mesma de auto-realização integral do indivíduo (FERNÁNDEZ, 1998, p.424).

Mas não é só. O trabalho não é constitucionalizado apenas em seu valor humano, mas também ― e sobretudo ― em seu valor social (artigo 1º, IV, da CRFB). É, indiscutivelmente, um bem jurídico-constitucional inerente à gama de Constituições democráticas contemporâneas, em todo o seu espectro ideológico (desde as mais liberais até aquelas mais engajadas socialmente, próprias de Estados outrora designados como «Estados de Direito Democrático» ― veja-se, por todos, J. J. GOMES CANOTILHO ―, em contraposição aos meros «Estados Democrático de Direito»). Aliás, vem sendo assim desde pelo menos a Constituição mexicana de 1917. Logo, o trabalho é um item inexorável dos panteões constitucionais contemporâneos, ao menos nos países de tradição democrática. Nesses, constituirá, sempre, objeto útil do programa penal constitucional.

Assim é que, no Brasil, pode-se buscar o fundamento constitucional da tutela penal do trabalho ¾ ou, em dicção mais consentânea com a moderna teoria alemã, a jusfundamentalidade do valor-trabalho e de suas emanações [06] ¾ em diversos preceitos da Carta de 1988, dentre os quais se destacam os seguintes:

"Artigo 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

"I - a soberania;

"II - a cidadania;

"III - a dignidade da pessoa humana;

"IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

"V - o pluralismo político".

"Artigo 5º. […] XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer".

"Artigo 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição".

"Artigo 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

"I - soberania nacional;

"II - propriedade privada;

"III - função social da propriedade;

"IV - livre concorrência;

"V - defesa do consumidor;

"VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

"VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

"VIII - busca do pleno emprego;

"IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País".

"Artigo 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

"I - aproveitamento racional e adequado;

"II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

"III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

"IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores".

"Artigo 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.

Tudo isso a par da óbvia menção ao próprio artigo 7º da Lex legum, que inclui os direitos socais dos trabalhadores urbanos e rurais entre os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana (Título II da Constituição).

Da mesma forma, poder-se-ia identificar fundamentos em praticamente todas as Constituições em vigor nos Estados ocidentais sob regime democrático. No vizinho Uruguai, verbi gratia, lê-se nos artigos 7º e 53 da Constitución de la Republica Oriental del Uruguay (1967):

"Artículo 7º. Los habitantes de la República tienen derecho a ser protegidos en el goce de su vida, honor, libertad, seguridad, trabajo y propiedad. Nadie puede ser privado de estos derechos sino conforme a las leyes que se establecen por razones de interés general".

"Artículo 53.- El trabajo está bajo la protección especial de la ley. Todo habitante de la República, sin perjuicio de su libertad, tiene el deber de aplicar sus energías intelectuales o corporales en forma que redunde en beneficio de la colectividad, la que procurará ofrecer, con preferencia a los ciudadanos, la posibilidad de ganar su sustento mediante el desarrollo de una actividad económica".

Para o exemplo europeu, vejam-se os artigos 9º, 12 e 20 da Lei Fundamental alemã (dentre as atuais européias, uma das mais tímidas a esse propósito, ao lado da francesa):

"Artikel 9 [Vereinigungsfreiheit]

"1. Alle Deutschen haben das Recht, Vereine und Gesellschaften zu bilden.

"2. Vereinigungen, deren Zwecke oder deren Tätigkeit den Strafgesetzen zuwiderlaufen oder die sich gegen die verfassungsmäßige Ordnung oder gegen den Gedanken der Völkerverständigung richten, sind verboten.

"3. Das Recht, zur Wahrung und Förderung der Arbeits- und Wirtschaftsbedingungen Vereinigungen zu bilden, ist für jedermann und für alle Berufe gewährleistet. Abreden, die dieses Recht einschränken oder zu behindern suchen, sind nichtig, hierauf gerichtete Maßnahmen sind rechtswidrig. Maßnahmen nach den Artikeln 12a, 35 Abs. 2 und 3, Artikel 87a Abs. 4 und Artikel 91 dürfen sich nicht gegen Arbeitskämpfe richten, die zur Wahrung und Förderung der Arbeits- und Wirtschaftsbedingungen von Vereinigungen im Sinne des Satzes 1 geführt werden" [07].

"Artikel 12 [Berufsfreiheit, Verbot der Zwangsarbeit]

1. Alle Deutschen haben das Recht, Beruf, Arbeitsplatz und Ausbildungsstätte frei zu wählen. Die Berufsausübung kann durch Gesetz oder auf Grund eines Gesetzes geregelt werden.

2. Niemand darf zu einer bestimmten Arbeit gezwungen werden, außer im Rahmen einer herkömmlichen allgemeinen, für alle gleichen öffentlichen Dienstleistungspflicht.

3. Zwangsarbeit ist nur bei einer gerichtlich angeordneten Freiheitsentziehung zulässig" [08].

"Artikel 20 [Grundlagen staatlicher Ordnung, Widerstandsrecht]

"1. Die Bundesrepublik Deutschland ist ein demokratischer und sozialer Bundesstaat.

"2. Alle Staatsgewalt geht vom Volke aus. Sie wird vom Volke in Wahlen und Abstimmungen und durch besondere Organe der Gesetzgebung, der vollziehenden Gewalt und der Rechtsprechung ausgeübt.

"3. Die Gesetzgebung ist an die verfassungsmäßige Ordnung, die vollziehende Gewalt und die Rechtsprechung sind an Gesetz und Recht gebunden.

"4. Gegen jeden, der es unternimmt, diese Ordnung zu beseitigen, haben alle Deutschen das Recht zum Widerstand, wenn andere Abhilfe nicht möglich ist" [09].

É imperioso afirmar, portanto, a centralidade e a jusfundamentalidade do trabalho humano ¾ como fato social e como valor [10] ¾ em praticamente todos os sistemas constitucionais ocidentais contemporâneos.

Mas essa constatação não encerra a discussão político-criminal. Há que debater, ainda, a oportunidade e a necessidade do Direito Penal do Trabalho em tempos de flexibilização e de desregulamentação da legislação tuitivo-laboral, culminando com a chamada «minimização do Direito do Trabalho» (ABRAMOVICH, COURTIS, 1994, p.58). Nesse contexto, a indagação torna-se óbvia: para que o Direito Penal, se o próprio Direito do Trabalho estaria transigindo com soluções técnico-legislativas menos tuitivas para o trabalhador (a exemplo da ampliação das hipóteses de contratação por prazo determinado [11], do trabalho a tempo parcial [12] e da «pejotização» [13], para se tomar o caso brasileiro; ou da chamada «flexissegurança» [14], para se tomar o caso europeu)? Não haveria, nisso, um discurso de contramaré (= maximização da tutela penal em tempos de minimização de tutela laboral)?

Não são poucos, com efeito, os que advogam o fim do emprego (JEREMY RIFKIN, WILLIAM BRIDGES), senão o fim do trabalho (DOMENICO DI MASI). Aponta-se a quebra da rigidez tutelar dos direitos sociais como o prenúncio de um fenômeno universal de «garantismo coletivo» (BAYLOS et al., 1997, p.33), que redimensionaria, em favor da negociação coletiva, o equilíbrio de forças do binômio estrutural do Direito do Trabalho hodierno («negociado vs. legislado») [15]. Nessa linha, GORZ (1980, passim) refere a crise da sociedade assalariada e a perda da centralidade do emprego [16] na civilização pós-industrial, profetizando a neocentralidade do consumo. Na mesma alheta, verificar-se-ia a paulatina diminuição da presença do Estado em todos os setores da socialidade humana (o que inclui os mercados de trabalho). Qual seria, então, o sentido do Direito Penal?

Respondem-nos BAYLOS e TERRADILLOS (1997, pp.33-34) ao ponderarem, na perspectiva do direito espanhol, que a opção por uma tutela penal efetiva (o que não quer dizer máxima [17]) é mandatória, correndo em paralelo à própria tendência flexibilizadora do direito laboral, notadamente nos campos da proteção da liberdade sindical e da garantia das condições pessoais de trabalho (i.e., tutela penal labor-ambiental), quiçá como um contrapeso institucional àquela mesma tendência. Na dicção dos autores,

"es una opción legiferante obligada por el propio desarrollo histórico y funcional de este orden sancionatorio, que ha tomado cuerpo a la vez que la flexibilidad legislativa laboral. La «autonomización» progresiva del sistema de tutelas del Derecho del trabajo, el peso mayor de la negociación colectiva como instrumento regulador de las relaciones laborales […], no ha funcionado como elemento disuasorio de un sistema de tutelas de origen estatal ni mucho menos de la tutela penal" (g.n.).

Ora, se o festejado «garantismo coletivo» não serve como sucedâneo para os mecanismos de tutela penal, remanesce em aberto o espaço de estrita tutela estatal (preventivo-repressiva) que a constitucionalização do valor-trabalho franqueou ao legislador infraconstitucional. E noutras paragens, mesmo onde a Ciência do Direito Penal conhece estágio evolutivo superior àquele encontradiço no Brasil, o legislador penal não tem se furtado à missão de legislar [18].

Quer-se demonstrar, com isso, que há uma via político-criminal mais compatível com o fenômeno da constitucionalização do trabalho (supra); e essa via não passa pela desregulamentação penal (= descriminalização), a não ser pontualmente, no que houver de obsoleto. Mas tampouco é uma via paleorrepressiva [19]. Cuida-se de promover, nos planos legislativo e judiciário, um Direito Penal do Trabalho de feitio democrático, ancorado no Estado de Direito e nos desideratos jurídicos e socioeconômicos da República. Noutras palavras, um Direito Penal do Trabalho com papel eminentemente social, vocacionado à prevenção geral positiva (infra).

A essa idéia, opõem-se naturalmente as representações políticas do empresariado capitalista ¾ dir-se-ia, em expressão mais contundente, os lobbies empresariais. E, na gênese de tal reação, identificam-se ao menos três classes de temores.

Teme-se que a redescoberta do Direito Penal do Trabalho ¾ ou melhor se diria, diante do quadro de amesquinhamento alhures referido alhures, a sua refundação ¾ importe em revalorização do trabalho humano, com conseqüente superávit de efetividade das normas jurídico-laborais. Esse temor é fundado. E aqui justamente reside o papel social de um Direito Penal do Trabalho de feitio democrático, como nos referimos há pouco. Realinhar o valor-trabalho em sua centralidade institucional, como fundamento geral da República (artigo 1º, IV, da CRFB): eis, afinal, o efeito de prevenção geral positiva fundamentadora (infra, tópico 4).

Teme-se, ainda, que aquela refundação desborde em um processo de demonização sociológica, talvez com laivos de «caça-às-bruxas». Erro manifesto. Como se antecipou, a proposta da refundação não diz com o superado modelo paleorrepressivo, mas com a (re)afirmação do bem jurídico sob tutela pela garantia de mínima efetividade para o respectivo aparato penal (sem prejuízo da aplicação dos substituvivos penais já consagrados ¾ penas alternativas, sursis processual, etc. ¾ , onde couberem). Significa dar concreção, na feliz expressão de FERRAJOLI, às «proibições mínimas necessárias» (2000, p.476). Dir-se-á, no que toca à atualização dos textos legais, que a intenção do legislador («mens legislatoris») nem sempre encontra eco na magistratura que aplica a sua lei. Pois bem. Nesse ponto, caberá refletir detidamente sobre o perfil de magistrado mais apropriado para a interpretação e a aplicação do Direito Penal do Trabalho (como subsistema objetivo) [20]. Mas, independentemente dos rumos desse debate, a formação democrática dos corpos judicantes após a Constituição de 1988 inspira a antevisão de que, em qualquer ramo do Judiciário brasileiro, eventuais rompantes paleorrepressivos na realização das normas penais laborais perfarão, sempre, casos de viés, estatisticamente isolados.

Teme-se, enfim, que a redescoberta do Direito Penal do Trabalho importe em perda de produtividade e queda das margens de lucros. E aqui reside o mais desconcertante equívoco. Como encarecem BAYLOS e TERRADILLOS (1997, p. 30),

"El derecho laboral – y con él el Derecho penal del trabajo ― no puede entenderse sólo como fruto de la lucha obrera frente a los propietarios de los medios de producción; debe ser también contemplado como un espacio jurídico que circunscribe el ámbito del conflicto laboral y que permite dirimir, recurriendo a reglas previsibles, las controversias surgidas en ese ámbito. Cierto que refleja un amplio catálogo de los derechos de los trabajadores ― lo que no debe ser desconocido por ningún análisis ―, pero no lo es menos que se impone también como exigencia horizontal de los propietarios industriales" [21].

De fato, se o próprio Banco Mundial insinuou que a falta de previsibilidade desmotivava as inversões financeiras de capital estrangeiro no Brasil (cfr. Documento Técnico n. 319 [22]), há de se reconhecer que a consolidação do pensamento jurídico nacional em torno de questões tão candentes como os efeitos jurídico-penais de autotutelas coletivas diversas da greve (lock-out, piquetes, sabotagens, rattening, ocupações de estabelecimento, boicotes, etc. [23]) e de certos procedimentos gerenciais que «enganam» a legislação do trabalho (à maneira das evasões fiscais) ¾ como, entre nós, a contratação de cooperativas (ut artigo 442, par. único, da CLT) ou de prestadores de «serviços intelectuais» (ut artigo 129 da Lei n. 11.196/2005) ¾ servirá, ao cabo das coisas, como porto seguro para o empregador de boa-fé, que não mais precisaria tatear em campos minados nas suas políticas de gestão. Hoje, à míngua de jurisprudência consolidada a respeito desses temas (ao menos na órbita penal), tornam-se imprevisíveis para o empresário brasileiro, por exemplo, as conseqüências criminais da contratação de uma cooperativa de mão-de-obra que adiante se revele fraudulenta.

Assim pontuado, resta definir, no marco da refundação, o que poderia ser objeto da tutela penal-laboral. Convém se fiar, para tanto, no padrão médio cognoscível das Constituições democráticas contemporâneas, que albergam basicamente as seguintes possibilidades:

(a) tutela penal dos direitos e faculdades que integram a autonomia privada coletiva;

(b) tutela penal dos direitos e liberdades individuais fundamentais da pessoa trabalhadora (que converge para a tutela geral da pessoa humana, mas com ela não se confunde, por configurar tutela penal específica, realizando o propósito bobbiano de «especialidade na universalidade» [24]);

(c) tutela penal das garantias institucionais do trabalho e/ou do trabalhador (organização geral do trabalho e Justiça do Trabalho).

É o que assertam, noutros termos, BAYLOS e TERRADILLOS (1997, p.37):

"La seguridad, la libertad, la dignidad e la igualdad, como valores de relevancia constitucional afectables de modo negativo en el ámbito del trabajo, siguen manteniendo así la naturaleza de bienes jurídicos penalmente protegidos, y siguen considerándose delictivas las conductas que más gravemente afectan a la seguridad del trabajador, a las condiciones de contratación, a la igualdad en el trabajo, al ejercicio de las libertades sindicales o a ciertos derechos en materia de previsión".

Quanto aos fundamentos constitucionais de tais tutelas, já os antecipamos há pouco. Todas elas se reconduzem ao valor social do trabalho (artigo 1º, IV, da CRFB); e, adiante, encontrarão assento em um ou mais dispositivos constitucionais, a referendar a legitimidade democrática da criminalização racional, onde ainda não houver (como, e.g., em matéria de liberdade sindical ¾ item «a», supra).


3. O DIREITO PENAL DO TRABALHO NO BRASIL. ANACRONISMO, ATECNIA E RESISTÊNCIA

Quando se advoga a refundação do Direito Penal do Trabalho no Brasil, sugere-se, nas entrelinhas, que o atual quadro institucional de tutela penal laboral é inerme e insuficiente. Mas isso já havíamos demonstrado supra, ao introduzir este artigo. Resta desvelar, agora, os escaninhos dessa insuficiência, que ora recolhem a herança do anacronismo, ora se ocultam em episódios de atecnia, ora deixam transparecer a resistência ideológica do senso comum teórico brasileiro.

Vejamos.

3.1. ANACRONISMO (1): LEGISLAÇÃO E HERMENÊUTICA

No que diz com o anacronismo legislativo, merecem primeira menção os tipos penais do Título IV da Parte Especial do Código Penal («Dos Crimes contra a Organização do Trabalho»), que ainda mantêm ¾ à exceção dos artigos 203, 206 e 207 (por força das Leis n. 9.777/98 e n. 8.683/93) ¾ a mesma estrutura típica cunhada em 1940, sob inspiração corporativista (para não dizer totalitária), em pleno Estado Novo varguista (1937-1945 [25]). Já esse inexplicável abandono histórico bastaria para revelar, a propósito do Direito Penal do Trabalho, um surdo e vigoroso descaso legislativo.

Mas não é só.

Chama a atenção, por exemplo, o fato de o artigo 197, II, 2ª parte, do Código Penal (atentado contra a liberdade de trabalho, na modalidade "constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a participar de parede ou paralisação de atividade econômica") ainda constar, sem ressalvas, de todas as publicações nacionais do Código Penal. Dir-se-á que o tipo penal nada tem de corporativo ou totalitário, na medida em que a própria Lei de Greve (Lei n. 7.783/89) prevê, em seu artigo 15, que "a responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal". É verdade. E é esse o problema. O piquete violento, que constrange o trabalhador não-alinhado a participar de movimento paredista mediante grave ameaça [26], sugere punição criminal, por vilipendiar, a um tempo, a liberdade de trabalho (artigo 5º, XIII, CF) e a liberdade de ir e vir (artigo 5º, caput e LXVIII, CF) da pessoa humana. A pluriofensividade e a especificidade da tutela penal reclamam, aqui, tratamento diferenciado, apartado das hipóteses dos artigos 146 e 147 do Código Penal (constrangimento ilegal e ameaça). Recorrer-se-ia, portanto, à hipótese do artigo 197, II, 2ª parte, do CP. Certo? Errado. A norma do artigo 197, II, 2ª parte, do CP foi revogada tacitamente pela Lei n. 4.330/64, substituindo-se a fattispecie original por aquela do artigo 29, VII, da «nova» lei de greve [27], havida na aurora da Revolução de Março (o que já antecipa a sua opção ideológica). Mas a Lei n. 4330/64 foi, por sua vez, expressamente revogada pela Lei n. 7.783/89 (artigo), que não previu crimes em espécie ¾ e, como se sabe, a regra vigente no Direito brasileiro veda a repristinação automática de dispositivos legais (artigo 2º, §2º, da LICC [28]) [29]. Quid iuris? Não há, hoje, solução inteiramente satisfatória no ordenamento penal brasileiro, o que torna a tutela penal da liberdade de trabalho e empresa (ambos fundamentos da República, ut artigo 1º, IV, CF), para dizer o mínimo, lacônica e inconsistente: será crime contra a organização do trabalho constranger o trabalhador liberal, mediante grave ameaça, a fechar o seu estabelecimento de trabalho; mas não o será constranger o trabalhador subordinado, ainda sob grave ameaça, a não ingressar em seu local de trabalho (instando-se o intérprete a recorrer, por subsidiariedade implícita, aos tipos dos artigos 146 e 147 do CP, o que significa desconhecer, na espécie, a lesão objetiva ao valor-trabalho).

De outra parte, divisa-se algum surrealismo na redação preservada do artigo 199 do Código Penal (atentado contra a liberdade de associação), que pune com detenção de um mês a um ano e multa quem "constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a participar ou deixar de participar de determinado sindicato ou associação profissional", tencionando tutelar a liberdade de associação e de filiação sindical ou profissional (BITENCOURT, 2008, p.372). Que liberdade é essa, porém, que desafia tutela penal em face da sociedade civil, mas não resguarda o cidadão dos efeitos indiretos de um modelo sindical que não albergou a plena liberdade sindical, nos moldes da Convenção n. 87 da Organização Internacional do Trabalho, notadamente em face da manutenção da unicidade sindical (artigo 8º, II, CF) e das contribuições sindicais compulsórias (artigo 8º, IV, CF)? Se o cidadão não sindicalizado ¾ por lídimo exercício de sua liberdade sindical negativa ¾ pode ser instado a recolher contribuição sindical (artigo 580/CLT), que reverte para o sistema sindical e para o próprio Estado (artigo 589/CLT), pode-se afirmar, em absoluto, que a sua liberdade sindical negativa está sendo respeitada pelo Estado brasileiro? Que sentido há em se «exercer» uma liberdade formal, se alguns efeitos inerentes ao fenômeno da associação sindical podem ser sentidos mesmo por quem decide não se associar? Aliás, tal inconsistência sistêmica não nasceu com a Constituição de 1988. É bem anterior a ela, como outrora ressaltou FRAGOSO (referindo-se ao panorama pós-1964): a «liberdade de associação» tutelada pelo artigo 199/CP é "liberdade inteiramente ilusória, pois o Ministério do Trabalho controla com mão de ferro a organização dos sindicatos, aplicando textos ditatoriais da CLT (arts. 528 e 530, «a»)" (FRAGOSO, 1988, p.652; BITENCOURT, 2008, p.373).

Não se quer, com isso, advogar a revogação do artigo 199 do Código Penal. Tem ele um papel social a cumprir, visto que a prática das «listas negras» por um lado (ofensa à liberdade sindical positiva), e das closed-shops por outro (ofensa à liberdade sindical negativa), devem desafiar reprimendas criminais efetivas, desde que o risco de desemprego e a perda da verba alimentar possam configurar, no ânimo da vítima, hipótese de «grave ameaça» (o que, sustentamos, há se ser avaliado caso a caso). Mas o Estado não pode ser hipócrita. Não pode, sem mais, exigir da sociedade civil um nível de liberdade que ele próprio malfere por vias oblíquas. Deve se adequar ao seu próprio discurso legal. Nesse encalço, refundar o Direito Penal do Trabalho pressupõe idealmente reorganizar alguns subsistemas juslaborais (como, in casu, o sindical), garantindo coerência no propósito universal de tutela daqueles valores por último referidos no tópico 2, supra (autonomia privada coletiva, direitos e liberdades individuais fundamentais da pessoa trabalhadora, garantias institucionais do trabalho e/ou do trabalhador).

Também merece alusão o artigo 201 do CP (paralisação de trabalho de interesse coletivo), igualmente revogado pela Lei n. 4.330/64, que já permitia a greve em atividades fundamentais (artigos 15 e 16). Com maior razão, não resiste ao cotejo com a vigente Lei n. 7.783/89, cujos artigos 10 a 13 regulam o exercício do direito de greve nas atividades essenciais. Como ponderam FRAGOSO (1988, pp.670 e ss.) e MIRABETE (1997, pp.417-418), tratou-se de incriminar uma hipótese de greve pacífica, o que hoje seria impensável. No atual contexto do ordenamento jurídico pátrio, "participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho, provocando a interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo" (artigo 201/CP) ¾ conquanto o tipo prossiga igualmente reproduzido nas publicações editoriais do Código Penal, à falta de revogação expressa ¾ , já não é, per se, fato típico e antijurídico. Deu-se, por via reversa (i.e., pela consagração do direito de greve em atividades essenciais, que são, conceitualmente, ainda mais relevantes que as atividades meramente públicas ou de interesse coletivo [30]), a abolitio criminis da figura em comento, sob os inteiros efeitos do artigo 107, III, do CP (i.e., retroatividade absoluta e neutralização de todos os efeitos penais pretéritos, com alcance e extensão só equiparáveis aos da anistia). Talvez seja esse o melhor exemplo do entulho autoritário que ainda subjaz no Título IV da Parte Especial. E é mister apontar veementemente a sua revogação [31], mercê dos rudimentos do próprio garantismo penal (FERRAJOLI, 2000, pp.459-509; 2002, p.16 [32]), de forma a impedir que a excrescência sirva de instrumento ao empresariado ou ao próprio administrador público para tolher o lídimo exercício de um direito constitucional consolidado (artigo 9º CF).

A rigor, somente se praticada com violência à pessoa ou à coisa, a conduta tendente à interrupção de obra ou serviço público poderá atrair contornos criminais. Subsumir-se-á, porém, à fattispecie do artigo 200/CP, com pena detentiva de um mês a um ano e multa, mais a pena correspondente à violência (cúmulo objetivo de penas) [33].

3.2. ANACRONISMO (2): LACUNOSIDADE

Ainda no quesito anacronismo, releva encarecer, alfim, a necessidade de se legislar sobre a tutela penal dissuasória das condutas anti-sindicais de máxima gravidade. Para além do artigo 199/CP ¾ com as limitações já apontadas ¾ , nada mais há, no Brasil, a coibir penalmente as condutas anti-sindicais, assim compreendidos os atos que prejudiquem indevidamente o titular de direitos sindicais no exercício ou em função da sua atividade sindical, ou ainda aqueles atos tendentes a denegar, injustificadamente, as facilidades ou prerrogativas necessárias ao normal desempenho de suas ações coletivas (URIARTE, 1989, p.35). No fundo, a omissão legislativa parece fazer sentido, diante da opção constitucional por um modelo de liberdade sindical semiplena (artigo 8º, II e IV, CF). Mas um processo histórico de refundação do Direito Penal do Trabalho haverá de passar em revista, necessariamente, essa condição deficitária de tutela. Toma-se por padrão internacional, hoje, o caso francês, cuja legislação contempla uma larga tipificação do chamado délit d’entrave [34], pela qual se sancionam penalmente diversos comportamentos patronais tendentes a obstruir o funcionamento normal das instituições representativas dos empregados ou o legítimo exercício da ação sindical (BAYLOS et al., 1997, p.37). Aliás, o direito francês é dos mais desenvolvidos em matéria penal-laboral, a ponto de tipificar delitos de travail dissimulé (seja par dissimulation d''activité, seja ainda par dissimulation d''emploi salarié, nos termos dos artigos L. 324-10 e L 324-11 do Code du Travail de 1973 e dos artigos L. 8221-3 e L. 8221-5 do Code de 2007-2008) e de admitir efeitos penais à figura da delegação de poderes (délégation de pouvoirs) [35], com possível desoneração do superior hierárquico ¾ i.e., isenção de pena ¾ , caso haja aceitação pelo destinatário [36].

E nem se diga haver, no modelo francês, inclinação paleorrepressiva ou desídia para com o princípio da lesividade. Não há. Há, sim, coerência. Afinal, tratando-se de um estado republicano, democrático e social [37] que proclamou solenemente sua adesão ao sistema internacional dos direitos humanos [38], e tendo ratificado, entre outras, as convenções 87, 98 e 135 da OIT [39], aparelhar a tutela penal em favor das liberdades sindicais, em padrões razoáveis (em geral como délits e não como crimes [40]), não é mais que proporcionar concreção bastante às proibições mínimas necessárias (voltando a FERRAJOLI), eis que

"el principio de lesividad [...] tiene el valor de criterio polivalente de minimización de las prohibiciones penales. Y equivale a un principio de tolerancia tendencial de la desviación, idóneo para reducir la intervención penal al mínimo necesario y, con ello, para reforzar su legitimidad y fiabilidad" (2000, p.479 – g.n.).

Ora, se se tomam as liberdades sindicais como bens essenciais ao Estado Democrático de Direito, e se o aparato legal não-penal tem se revelado insuficiente para a prevenção adequada das condutas anti-sindicais, é forçoso reconhecer a legitimidade da intervenção penal, para resguardo da normatividade «mínima necessária» à pacificação das relações coletivas no âmbito da empresa e do sindicato. Daí a conclusão de BAYLOS e TERRADILLOS (1997, pp.37-38), após sopesarem prós e contras da reprimenda penal às condutas anti-sindicais:

"En general, […] la valoración indicativa mayoritaria se decanta por la poli-utilización alternativa de todos los procedimientos y formas de tutela de los intereses sindicales que brinda el ordenamiento jurídico. Mas ello sin desconocer los riesgos de supra-valorar la eficacia de tal vía sancionatoria; en su vertiente de «castigo» se critican las falsas ilusiones que puede producir y se destaca la ineficacia de la conminación legal de prisión, dado que no comporta efectiva privación de libertad [41]; por el contrario, lo importante, lo que hace eficaz este procedimiento, es su capacidad para actuar en el ámbito específicamente laboral, recomponiendo la correlación de fuerzas, ilegalmente descompensada, mediante el reconocimiento por el ordenamiento jurídico de las capacidades de normación y de tutela colectiva de los intereses de los trabajadores" (g.n.).

É, de fato, como pensamos.

Mas o debate não se encerra aqui.

3.3. ATECNIA

A par da sua condição anacrônica, a legislação penal do trabalho padece ainda, no Brasil, de quadros quase teratológicos de atecnia, tributários daquele mesmo descaso dos órgãos legiferantes (evitando-se, por agora, suposições em torno do propósito inconfesso de produzir legislação penal meramente simbólica, sem pretensões de efetividade). Exemplo paradigmático desta atecnia está no artigo 19, §2º, da Lei n. 8.213/91, que dispõe:

"Constitui contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho".

A norma é, a olhos vistos, inconstitucional. Também é inconveniente.

É inconstitucional, na medida em que o tipo penal é excessivamente aberto, o que compromete a sua função constitucional de garantia (ROXIN, 1997, p.277 [42]; BITENCOURT, 2003, p.202; JESUS, 20022, p.269) e contravém o princípio da taxatividade (mandado de certeza), consectário do princípio da legalidade penal (artigo 5º, XXXIX, da CRFB).

Não bastasse, a norma penal refere a «empresa» como sujeito ativo da contravenção, quando já se tem por adquirido, na doutrina nacional, que empresa não é pessoa; empresa é exercício profissional de atividade econômica para a produção ou a circulação de bens ou de serviços (artigo 966, caput, do NCC). Logo, uma «empresa» sequer em tese pode ser sujeito ativo de infração penal, mesmo à luz do artigo 225, §3º, da CRFB.

Objetar-se-á que o legislador recorreu à noção de empresa em seu perfil subjetivo (REQUIÃO, 2006, p.55 [43]), i.e., empresa como empresário (pessoa física ou jurídica), à maneira do artigo 2º, caput, da CLT. Se o fez, andou mal, porque os tipos penais devem ser tão claros quanto possível, deixando mínima margem a debates semânticos. É a secular exigência da "lex certa" (ROXIN, 1997, p.141; TOLEDO, 1991, p.29). E, para mais, a norma continuaria padecendo de parcial inconstitucionalidade, porque insinuaria, quanto ao empresário pessoa jurídica, uma modalidade de infração penal própria inadmissível no sistema penal vigente, que só reconhece responsabilidade penal de pessoa jurídica nos lindes do artigo 3º, caput, da Lei n. 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), ex vi do artigo 225, §3º, da CRFB [44].

Ademais, a norma em testilha é inconveniente do ponto de vista político-criminal, porque não prevê restrição de liberdade de qualquer ordem à pessoa, limitando-se à sanção pecuniária. Ora, o descumprimento das normas de saúde, higiene e segurança no trabalho é fattispecie que admitiria imensa matização, desde condutas de menor relevância (como, e.g., deixar de fornecer protetores auriculares durante certa semana) até condutas de grave periclitação, com perigo concreto à vida e/ou à integridade física do trabalhador (como, e.g., determinar operações em edificações elevadas sem pré-instalação de proteção contra queda de trabalhadores e/ou projeção de materiais a partir do início dos serviços necessários à concretagem da primeira laje [45]). Nesses derradeiros casos, seria de rigor definir tipos de crimes ¾ não contravenções ¾ e cominar penas detentivas, à maneira do que se fez no Código Penal de 1940 (artigos 130 a 136), mas com especificidade para o contexto labor-ambiental. Se, ao revés, a «mens legislatoris» era alcançar apenas os primeiros casos (condutas de mínimo potencial ofensivo), deixando os ensejos mais graves para o próprio Capítulo III do Título I da Parte Especial do Código Penal, então melhor seria optar pela infração administrativa, sem efeitos penais quaisquer (tais como reincidência penal, conversão secundária em dívida de valor, certificação do "an debeatur", etc.), seguindo-se a tendência contemporânea das legislações européias em sede contravencional (na Itália, e.g., confira-se o teor do artigo 32 da Legge n. 689/81). E para isso, aliás, teríamos já norma legal correlata, inclusive com majoração da penalidade administrativa em caso de reincidência (artigo 201 da CLT).

3.4. RESISTÊNCIA IDEOLÓGICA

Não é raro, ademais, colherem-se na doutrina e na jurisprudência lições que denotam evidente resistência ideológica à interpretação ordinária dos tipos penais já predispostos, contra a aparente vontade do legislador e o próprio aceno institucional no sentido de reverter o déficit de efetividade das normas de direitos sociais.

Assim se dá, p.ex., com a norma do artigo 168-A do CP (apropriação indébita previdenciária). Seguindo-se a linha dos debates havidos antes da Lei n. 9.983/2000, ao tempo do revogado artigo 95, «d», da Lei n. 8.212/91, discute-se se há ou não necessidade de dolo específico ¾ ou, na expressão de LUIZ FLÁVIO GOMES, «intencionalidade especial transcendente» (2001, p.48) ¾ consistente em se apropriar indevidamente ou fraudulentamente das contribuições sociais [46]. Ora, bem se sabe que essa prova é, no geral, impraticável. Como se demonstrar, no plano subjetivo, que a especial motivação de uma conduta omissiva era a de enriquecer, pessoal e imediatamente, às custas da segurança social dos trabalhadores? E, se por acaso fora outra a intenção ¾ como, e.g., a de pagar fornecedores e/ou fazer investimentos no parque produtivo, desconhecendo-se o privilégio relativo dos tributos em geral (entre os quais estão, na condição de contribuições especiais do artigo 149/CF, as contribuições sociais do artigo 195/CF) ¾ , é mesmo o caso de exonerar-se o sonegador?

Convém realçar, a esse propósito, que o tipo penal «a se», como disposto no artigo 168-A do CP, não exige expressamente qualquer especial intenção de agir. E seguiu, nisso, a tradição do tipo básico: acaso se discute a especial intenção de agir do sujeito quando se subsumem atos de expropriação, com inversão do ânimo da posse, à fattispecie do artigo 168, caput, do CP? Ou ¾ o que é coisa diversa ¾ se exige do delinqüente, como "modus operandi", expediente fraudulento à maneira do artigo 171 do CP (artifício, ardil ou outro meio fraudulento)? Não pode ele simplesmente se valer da posse mansa e desvigiada para alienar a coisa, a terceiro de boa-fé ou a receptador, sem que nisso haja qualquer expediente apto a iludir, no momento da conduta, o legítimo proprietário? É claro que pode [47]. E por que não seria assim com a figura análoga (artigo 168-A/CP)?

Eis aqui, manifesto, o traço inconfundível da resistência ideológica. Nem sempre se logra captá-lo na estrutura do discurso ou ao tempo da idéia; mas, consciente ou não, ela está lá. Quer-se poupar o empresário que, por dificuldades financeiras, deixa de repassar as contribuições sociais à União (ut Lei n. 11.457/2007), em prejuízo da segurança social de seus empregados. Mas decerto não se teria igual condescendência com o empresário que, diante das mesmas dificuldades financeiras, decidisse furtar ou recuperar suas finanças mediante aplicação de golpes na praça (estelionatos). É que, na percepção social mediana, frustrar o erário ou ¾ o que é pior ¾ o fundo de seguridade social do trabalhador hipossuficiente (porque o hiper-suficiente não lançará mão dos benefícios do RGPS) não é tão grave como frustrar o patrimônio individual de terceiros. São as bases individualistas do Direito Penal clássico, de feitio liberal, que projetam sua visão de mundo no exercício hermenêutico das cortes e dos pensadores (DOTTI, 1984, passim). E não há, nisso, propósito de crítica pessoal; há, sim, mera constatação. Mas com o foco da mudança ¾ donde se falar, desde o início, em refundação.

Contra-argumenta LUIZ FLÁVIO GOMES, porém, que o castigo penal, na hipótese do artigo 168-A do CP, só cobra relevância quando a apropriação estiver acompanhada de fraude, engano ou má-fé, sendo atribuível a um devedor fraudulento, contumaz ou relapso; do contrário, havendo mera inadimplência, não se poderia esgrimir com a sanção penal, pois "ao juiz, em cada caso concreto, cabe discernir (e bem) o inadimplente do delinqüente" (2001, p.55). Está coberto de razão. Mas isso nada tem com o tipo penal subjetivo (dolo genérico/dolo específico); tem, sim, com a possibilidade de agir-de-outro-modo (TOLEDO, 1991, p.229), que diz respeito à culpabilidade do agente, i.e., ao juízo concreto de censurabilidade social que recai sobre a sua conduta. Se, por razões econômicas e/ou financeiras, o empresário não puder recolher as contribuições sociais de certo mês, certamente estará isento de pena, por aplicação analógica do artigo 22 do Código Pena (dirimente extralegal de culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa [48]). Será assim, ademais, para qualquer conduta omissiva tendente a frustrar direitos sociais fundamentais (apropriação indébita de gorjetas, retenção dolosa de salários ¾ quando finalmente se conferir concretude legal ao mandado de criminalização do artigo 7º, X, 2ª parte, da CRFB ¾ , etc.). Mas essa condição excepcional de quem, no momento da ação ou da omissão, não poderia ter agido de outro modo, "dentro do que é comumente revelado pela humana experiência" (TOLEDO, 1991, p.328), é algo que se pode aferir objetivamente ¾ não raro, por uma perícia contábil demonstrativa da incapacidade econômico-financeira da empresa no período do calote. Pensando-se desse modo, concilia-se a racionalidade da pena ¾ que não é mesmo de se aplicar onde não tem função ou papel a cumprir ¾ com a efetividade da norma penal e do seu valor subjacente; decidir-se-á, casuisticamente, se o desvio consciente e indevido das contribuições sociais (aperfeiçoando-se, portanto, os tipos penais objetivo e subjetivo do artigo 168-A/CP) podia ou não ser razoavelmente evitado por conduta diversa. Do contrário, situando-se tal discussão na esfera do tipo subjetivo, a regra será a impunidade, pela natureza geralmente indemonstrável de um qualquer «dolo específico» nesses casos.

Mais recentemente, outro nicho de resistência ideológica erigiu-se em torno do tipo do artigo 297, §4º, do CP, que pune como falsificador de documento público "quem omite, nos documentos mencionados no §3º, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços". Por estar arrolada, entre os documentos do precitado parágrafo 3º, a própria Carteira de Trabalho e Previdência Social (artigo 297, §3º, III), pareceria óbvio a qualquer leitor mais atento que, a partir da Lei n. 9.983/2000, a conduta de omitir dolosamente anotação em CTPS configuraria crime equiparado ao falso público material [49], nos termos do artigo 297, §4º, do CP (como, de resto, já acontecia com a anotação dolosa de falsa data admissional, nos termos do artigo 49, V, da CLT). E é, de fato, como pensamos: conquanto mais restrita, a norma do artigo 297, §4º, do CP cumpre, no Brasil, funções correlatas àquelas exercidas, em França, pelo tipo de délit de travail dissimulé par dissimulation d''emploi salarié (L. 8221-5 do Code du Travail em vigor).

Diverge, porém, DAMÁSIO E. DE JESUS (20021, pp.483-488), entre outros. Para DAMÁSIO, a conduta de deixar de registrar empregado na carteira profissional, em vista dos artigos 41 e ss. da CLT e da Portaria 3.626/91 do Ministério do Trabalho, não configuraria o crime do artigo 297, §4º, do Código Penal, por força do princípio da taxatividade: a nova lei puniria tão-só a conduta do empregador que, firmando contrato de trabalho com o obreiro, registra-o em CTPS com dados falsos (§3º) ou, no ato do registro, omite dados com o desiderato de burlar o INSS (§4º); "a incriminação, porém, não passa disso, não prevendo como fato típico a simples omissão de registro". Por outro lado, em relação à CTPS, os objetos jurídicos do delito de falsidade documental, que são a autenticidade (função de garantia do documento), a perpetuação (incolumidade física do objeto material) e o valor de prova (função probatória do documento) ¾ aspectos que, reunidos, prefiguram, no tráfico jurídico, a noção da fé pública ¾ , não se sujeitariam a qualquer risco anormal com a mera omissão de registro, donde a impossibilidade de imputação objetiva da conduta, mercê do princípio do fim de proteção do tipo penal [50]. Diversamente, se o empregador registrasse o empregado sob remuneração inferior àquela efetivamente paga (= salário extrafolha), ou se omitisse parte do período de vínculo empregatício, afetaria as funções de garantia e de prova da CTPS, pois as instituições públicas (e.g., União, INSS, CEF e Ministério do Trabalho) e privadas (empresas e empregadores em geral) guiar-se-iam pelo conteúdo da carteira, com prejuízos os mais diversos.

Assim, porém, já não nos parece. A rigor, o discurso excludente da imputação objetiva lança mão de uma teoria inovadora ¾ à qual inclusive nos filiamos (FELICIANO, 2005, pp.184-198) ¾ para chegar, sem mais, a um axioma predefinido: deixar de anotar CTPS não pode ser crime. É que o mais vulgar dos cidadãos poderá sempre incorrer nesse «pecadilho», vez ou outra, se p.ex. omitir a anotação do contrato de trabalho de seu empregado doméstico nos primeiros meses... E, pelo senso comum teórico, o que é assim tão «ordinário» não deve desafiar reprimendas penais. Pressente-se, outra vez, aquela mesma resistência ideológica, calcada antes em uma suposição político-criminal míope que em razões de estrita técnica jurídica.

Com efeito, o fato de se omitir dolosa e integralmente a anotação do vínculo empregatício ¾ o que afasta, pela menção ao elemento subjetivo (dolo genérico), as hipóteses de relação jurídica dúbia (como se dá, o mais das vezes, com os representantes comerciais autônomos [51]) ¾ compromete igualmente as funções de prova e garantia da CTPS, uma vez que (a) o futuro empregador não terá meios para aferir a experiência profissional anterior do obreiro; (b) o trabalhador não terá como fazer prova do tempo de serviço junto ao INSS (prova pública), ou prova de renda junto a instituições bancárias ou empresas comerciais para fins de empréstimos, financiamentos ou crediários (prova privada); (c) a omissão de anotação funciona como ilícito conexo às sonegações previdenciárias (artigo 337-A, I, do CP) e às dissimulações de atividade [52] (i.e., empresas de fato), colaborando para a frustração da fiscalização do trabalho (MTE) e tributária (SRF [53]). Como afirmar, então, que a conduta de omitir dolosamente a anotação da relação de emprego crie riscos jurídicos não alcançados pelo fim de proteção do tipo penal (artigos 297, §4º, do CP)? Afinal, há evidente comprometimento à fé pública no tráfico jurídico, com a criação de riscos não-permitidos que se espraiam pela coletividade, em detrimento do trabalhador, do erário e de terceiros interessados [54].

Aliás, a própria Exposição de Motivos Interministerial n. 52 (Ministros de Estado da Justiça e da Previdência Social), dirigida ao Poder Legislativo Federal por meio da Mensagem n. 624, de 13.05.1999, declarava textualmente que o propósito do projeto de lei então encaminhado ¾ embrião da Lei n. 9.983/2000 ¾ era o de "dotar o aparelho repressivo e judiciário de instrumentos mais eficazes no combate a essa espécie de criminalidade" (sonegação e desvio de verbas previdenciárias). Está claro, portanto, qual fora a «mens legislatoris» (elemento fundamental para se investigar, na perspectiva histórico-sistemática, qual o devido fim de proteção da norma penal): garantir efetividade tanto às normas tributário-previdenciárias como àquelas normas que impõem deveres acessórios ligados à arrecadação previdenciária (como a anotação em CTPS, a informação anual na RAIS, etc.). Pois bem: se a omissão de anotação do vínculo empregatício, ao frustar a função de prova e garantia da CTPS, respalda os expedientes de sonegação previdenciária, como lhe negar pertinência ao âmbito de alcance do tipo penal?

Ademais, à luz da argumentação «a fortiori», soa incoerente afirmar, p.ex., que configure crime a conduta de omitir a anotação de seis meses de vínculo empregatício, malgrado anotados os restantes ano e meio, e que não o configure a conduta de omitir a anotação de todos os dois anos... Seria esse um Direito Penal de casuísmos, sem sentido para a mais comezinha intuição do justo; ou ¾ na expressão que outrora empregamos ¾ um desconcertante Direito Penal do insólito. Decerto não o queremos.

Por fim, ainda como indício dessa resistência ideológica ¾ se bem que, agora, no campo organo-procedimental ¾ , poderíamos cogitar da inteligência vazada na liminar deferida pelo Supremo Tribunal Federal em autos de ADI n. 3.684/2006 (relator Min. CEZAR PELUSO), quando se decidiu pela manutenção do «status quo», com o cerceio prévio de qualquer interpretação tendente a reconhecer, na leitura conjunta dos incisos I e IV do artigo 114 da CRFB, alguma sorte de competência penal exercitável pela Justiça do Trabalho (conquanto o próprio STF afirmasse, até meados da década de noventa, a natureza estritamente penal do habeas corpus [55], previsto no inciso IV do artigo 114). Caberia ainda cogitar, mais recentemente (CTASP [56], 07.11.2008), da rejeição ¾ por uma quase unanimidade ¾ do Projeto de Lei n. 2.636/2007 (Deputado EDUARDO VALVERDE), que dispunha sobre a competência penal da Justiça do Trabalho para o processo e o julgamento dos "crimes oriundos da relação de trabalho", nos termos do artigo 114, IX, da CRFB, à exceção daqueles atribuídos constitucionalmente à Justiça Federal comum [57]. Talvez se oculte, notadamente nesse derradeiro desfecho, agudo receio quanto à possível inflexão dos níveis de efetividade das normas penais laborais, caso trasladada a respectiva competência para os órgãos da Justiça do Trabalho. Mas de nada disso trataremos aqui, até porque já o fizemos em texto próprio (FELICIANO, 20061, passim). A ele remetemos o leitor interessado, para que de tudo tire suas próprias conclusões.


4. AS FUNÇÕES DA PENA E O DIREITO PENAL DO TRABALHO. A PREVENÇÃO GERAL POSITIVA FUNDAMENTADORA

Nos dias de hoje, é certo afirmar que as velhas teorias sobre as funções da pena ¾ tanto as absolutas, ligadas à retribuição penal ("punitur quia peccatum est"), como as relativas ou utilitaristas ("punitur ne peccetur"), ligadas à prevenção geral e especial ¾ perderam força no contexto jurídico europeu. A obra de ROXIN (1997, pp.81-98) é um claro testamento disso.

Após expor as críticas mais intensivas às teorias absolutas (pela renúncia aos fins sociais da pena) e às teorias relativas de prevenção geral negativa e de prevenção especial (ali, pelo risco do terror estatal; aqui, pela inaptidão para limites e pelo contraponto empírico; e, em ambos os casos, pelo aparente malferimento ao princípio da dignidade humana [58]), ROXIN filia-se a uma teoria unificadora preventiva (1997, pp.95-98), que ultrapassa a rede de utilidades da prevenção especial e da prevenção geral negativa para agregar os aspectos positivos da prevenção geral (= prevenção geral positiva).

Na sua dimensão positivo-fundamentadora (BITENCOURT, 2003, pp.85-88 [59]), a prevenção geral não se basta com a mera intimidação abstrata dos cidadãos (FEUERBACH); vai além, colimando a conservação e o reforço da confiança geral na solidez e na efetividade do ordenamento jurídico como um todo. Metaforicamente falando, a aplicação da sanção penal funciona como um farol na imensidão do oceano de possibilidades deônticas; mirando-se nele, o cidadão encontra norte certo (= legitimidade social) para guiar-se em suas condutas futuras. A (re)afirmação ética do valor imanente à conduta valiosa, pelo fato mesmo da reprimenda penal, intensifica o senso geral de dever, reproduzindo ações conformadas ao direito; ao revés, a existência de normas penais inefetivas ¾ como se dá, hoje, com os tipos penais dos artigos 197, 200, 203 e 297, §4º, do CP ¾ tende a reproduzir a ação desvaliosa, pela mensagem social de tibieza dos valores a elas subjacente (na espécie, o valor-trabalho e as suas concreções: liberdade de trabalho, justa retribuição do trabalho, formalização do emprego, etc.). Eis a condição atual do Direito Penal do Trabalho [60].

Seguindo-se de perto o escólio de ROXIN (1997, pp.91-92), pode-se distinguir, na idéia de prevenção geral positiva,

"tres fines y efectos distintos, si bien imbricados entre sí: el efecto de aprendizaje, motivado socialpedagógicamente; el «ejercicio en la confianza del Derecho» que se origina en la población por la actividad de la justicia penal; el efecto de confianza que surge cuando el ciudadano ve que el Derecho se aplica; y, finalmente, el efecto de pacificación, que se produce cuando la conciencia jurídica general se tranquiliza, en virtud de la sanción, sobre el quebrantamiento de la ley y considera solucionado el conflicto con el autor. Sobre todo al efecto de pacificación, mencionado en último lugar, se alude hoy frecuentemente para la justificación de reacciones jurídicopenales con el término de «prevención integradora»" (g.n.).

Filiamo-nos a esse modo de compreender os escopos da sanção penal, reconhecendo-o como a síntese das finalidades maiores do instituto da pena no Estado Democrático de Direito (sem prejuízo, porém, da função preventivo-especial e da própria função retributiva, na acepção neokantiana, que acolhemos como funções penais secundárias [61]).

E, porque assim entendemos, cremos também que a proposta de refundação do Direito Penal do Trabalho nos planos legislativo e hermenêutico, com efeitos de otimização dos níveis de efetividade das normas penais laborais, não confronta, em absoluto, os ideais do garantismo penal. Antes, realiza-os (em parte).

De fato, embora FERRAJOLI repudie com a mesma veemência as teorias absolutas (retribucionistas) e a teoria da prevenção positiva ¾ por confundirem, ambas, as esferas do direito e da moral, além de se reduzirem a petições de princípios (2000, pp.329-330) ¾ , termina por admitir, adiante, duas funções primordiais para o Direito Penal (logo, para as sanções penais), ambas de ordem preventiva: a prevenção geral de delitos (= prevenção geral negativa) e a prevenção geral de penas arbitrárias ou desproporcionais (= prevenção geral positivo-limitadora [62]). E, sobre tais funções, aduz:

"La primera función marca el límite mínimo y la segunda el límite máximo de las penas. Una refleja el interés de la mayoría no desviada; la otra, el interés del reo y de todo aquel del que se sospecha y es acusado como tal. [...] Es, más bien, la protección del débil contra el más fuerte: del débil ofendido o amenazado por el delito, así como del débil ofendido o amenazado por la venganza; contra el más fuerte, que en delito es el delincuente y en la venganza es la parte ofendida o los sujetos públicos o privados solidarios con él. Más exactamente ¾ al monopolizar la fuerza. Delimitar sus presupuestos y modalidades y excluir su ejercicio arbitrario por parte de sujetos no autorizados ¾ , la prohibición y la amenaza penales protegen a las posibles partes ofendidas contra los delitos, mientras que el juicio y la imposición de la pena protegen, por paradójico que pueda parecer, a los reos (y a los inocentes de quienes se sospecha como reos) contara las venganzas u otras reacciones más severas" (g.n.).

Ora, não convergem para outro norte os objetivos colimados na refundação axiológico-epistemológica [63] do Direito Penal do Trabalho, de bases democráticas, nos planos legislativo e hermenêutico (supra). Marcar os limites mínimos de indenidade do valor-trabalho e de suas concreções (inclusive no interesse de tantos quantos, trabalhadores e empresários, já observam esses limites), por um lado, e evitar a justiça privada e/ou as alternativas anti-sociais [64], por outro: eis o seu fito e a sua promessa.

Daí exsurge, de resto, o papel contemporâneo do Direito Penal do Trabalho, no marco do capitalismo pós-industrial: estabelecer padrões mínimos de civilidade («ultima ratio») nas relações entre o capital e o trabalho, assegurando, por um lado, a regular fruição dos direitos sociais fundamentais, e, por outro, o regular exercício da iniciativa privada. Não se olvidam, aqui, os seus nichos sociológicos derivados, como o da regulamentação profissional, o da dimensão tributário-previdenciária, o das lides intra-sindicais, etc.; mas, em tais espaços, o seu papel é secundário. Naqueles primeiros lindes, porém, uma intervenção penal de trato efetivo chega a ser inadiável, na medida em que, do ponto de vista criminológico, não se pode negar, na empresa capitalista, a existência de condições internas favoráveis à gênese de ilícitos penais (SOLIVETTI, 1987, pp.41-77). Afinal, na derradeira expressão de BAYLOS e TERRADILLOS (1997, p.40),

"es pacíficamente admitido que la existencia de comportamientos ilegales en el seno de la empresa se debe no a la eventual predisposición personal de cada individuo, sino a factores estructurales como la división del trabajo, las relaciones jerárquicas o el sistema normativo interno. […] A ello colabora también una nota característica de la empresa de nuestros días: el proceso de toma de decisiones se descentraliza progresivamente ― de modo paradigmático en las uniones de empresas ―, lo que provoca una aminoración de la responsabilidad individual sobre los efectos finales" (g.n.).

Isso é especialmente verdadeiro nas empresas organizadas sob o modelo fordista-taylorista, em face de sua estrutura laboral típica (trabalho subordinado) e da massificação/padronização de procedimentos ― agravando-se, pela pulverização de responsabilidades, quando se incorporam elementos estruturais atípicos (a exemplo das terceirizações) ―, porque, sob tais condições, a pessoa e o patrimônio jurídico do trabalhador tornam-se especialmente vulneráveis. Mas também é verdadeiro nos novos modelos de empresa, desde o paradigma toyotista puro (desconcentração, conglomerados reticulares, just-in-time, etc.) até as formatações mais contemporâneas (regimes de co-gestão, sociedades unipessoais, empresas virtuais baseadas em teletrabalho, etc.), desde que se verifique, no seu "modus operandi", a possibilidade de exploração do trabalho humano (com ou sem os elementos característicos do emprego clássico [65]).

É imperioso, portanto, que, no manejo do Direito Penal do Trabalho, o operador mantenha-se atento às suas peculiaridades e às suas idiossincrasias, o que inclui, inexoravelmente, a sua dimensão criminológica e os fundamentos socioeconômicos da sua visão de mundo (radicados na base da normatividade tutelar do valor-trabalho). Para esse mister, progressos recentes da dogmática penal a exemplo da teoria da imputação objetiva e da responsabilidade penal de pessoas jurídicas terão relevante papel a cumprir. Mas a isso servirão outras considerações nossas, quiçá num futuro próximo.


6. CONCLUSÕES

Diante do quanto exposto, e já à guisa de conclusão, restaria redargüir: em tempos de garantismo penal ¾ descriminalização, despenalização, descarcerização ¾ e de Direito Penal mínimo ¾ no limiar do abolicionismo radical, ao modo de L. HULSMAN, J. BERNAT DE CELIS (1993, passim) e T. MATHIESEN (1974, passim) ¾ , há espaço para a pretendida refundação do Direito Penal do Trabalho? Há ocasião para inflectir os seus níveis da efetividade?

Dados os limites deste trabalho, não foi possível revisar as principais casuísticas de delinqüência laboral no Brasil contemporâneo (infortunística delitual em sede de acidentes e doenças ocupacionais, trabalho escravo contemporâneo, exploração ilegal do trabalho infanto-juvenil, violência nas relações coletivas de trabalho, fraudes contra a legislação do trabalho). Para tanto, sugerem-se leituras mais específicas (PALMA, 2000, passim; FELICIANO, 20062, pp.61-86). Nada obstante, acreditamos ter encaminhado, para aquelas duas questões, uma resposta positiva.

Demonstrou-se, com efeito, que:

(1) o valor humano e social do trabalho tem status jurídico-constitucional universal, compõe o programa penal da maioria das constituições ocidentais e desafia tutela penal;

(2) o «garantismo coletivo» não tem aptidão para substituir os mecanismos de tutela penal, remanescendo em aberto o espaço de estrita tutela estatal (preventivo-repressiva), mesmo ¾ ou sobretudo ¾ nos contextos nacionais de desregulamentação e flexibilização dos direitos sociais;

(3) os sistemas penais em vigor contemplam o Direito Penal do Trabalho, definível como o segmento do Direito Penal especial (subsistema objetivo) predisposto à tutela jurídica fragmentária da dignidade humana do trabalhador e da organização geral do trabalho;

(4) o Direito Penal do Trabalho, em seus padrões atuais, padece de aguda crise de efetividade, o que engendra repercussões sociológicas contrárias à finalidade mesma da norma penal (efeito reverso da prevenção geral positiva fundamentadora);

(5) no caso brasileiro, tal inefetividade é tributária de fenômenos como os lobbies empresariais, o anacronismo da legislação penal laboral, a atecnia dos tipos penais e a resistência ideológica das cortes e da doutrina;

(6) uma legislação penal laboral de caráter meramente simbólico tende a aprofundar a vulnerabilidade do valor-trabalho e de todas as suas concreções (direito à justa retribuição, liberdade profissional e de trabalho, liberdades sindicais, formalização dos empregos, tributação social, etc.), quando deveria preservá-los;

(7) a inflexão desse estado de coisas, com vistas à otimização da tutela preventivo-repressiva dos direitos sociais e ao superávit dos níveis de efetividade das normas gerais do trabalho, passa pela necessária refundação do Direito Penal do Trabalho, nas suas razões internas (matiz epistemológico) e nas suas razões de ser (matiz axiológico), com desdobramentos sensíveis na produção legislativa e no pensamento hermenêutico vigente. Um Direito Penal do Trabalho progressista, fiel à pletora de valores do Estado Democrático de Direito, não se basta com a realização dos direitos humanos de primeira geração, mas compreende também a blindagem dos valores constitucionais pós-liberais (direitos humanos de segunda e terceira gerações). Isso significa resguardar os limites mínimos de indenidade do valor-trabalho e de suas concreções, para além da necessária proscrição da justiça privada e das respostas alternativas anti-sociais.

Realmente, a perspectiva do Direito Penal mínimo não desautoriza essa revisão semântica. Afinal, em leitura mais cuidada, extrai-se do garantismo não apenas a «luta dos direitos contra os poderes», mas também a luta pelos direitos, seja na sua conservação, seja na sua fundação e transformação (FERRAJOLI, 2000, pp.334-336, 931-945). Não há plenas garantias políticas sem efetivas garantias sociais.

Ademais, para essa ordem de considerações, não é suficiente o dado científico-discursivo. Compreender as funções e a utilidade de um Direito Penal do Trabalho refundado, recobrado em sua efetividade e no seu potencial tuitivo, supõe ainda um exercício íntimo de sensibilidade.

Para esse fim, nas palestras que temos proferido a respeito do tema, é costume fazer uso das imagens, que sempre falam mais diretamente ao espírito. São retratos da realidade, denunciando o trabalho rural em condição análoga à de escravos, o trabalho infantil criminoso, os ambientes de trabalho perigosos, os acidentes típicos (optando-se, sempre, pelas cenas de menor impacto), etc. Em textos jurídicos, porém, não dispomos dos mesmos recursos. Mas o leitor poderá suprir essa deficiência, acorrendo às fontes. Há diversas imagens disponíveis na rede mundial de computadores, ilustrativas dos mais diversos riscos laborais [66]. Pode-se concluir, com pouco esforço, que o descaso no cumprimento das normas de higiene, segurança e medicina do trabalho pode ser tão letal quanto o disparo de uma arma de fogo. Basta procurar, constatar e refletir.

É o quanto basta. Acudindo ao prólogo de BOBBIO (1989, p.17), pode-se talvez isolar o binômio essencial de todo este debate, a bem resumir a tese da refundação: no marco dos direitos sociais, trata-se agora de buscar a efetividade, sem perder de vista a normatividade. Para isso, um novo Direito Penal do Trabalho.


7. BIBLIOGRAFIA

ABRAMOVICH, Victor. COURTIS, Christian. "Los anillos de la serpiente : transformaciones del derecho entre el trabajo y el consumo". In: Jueces para la Democracia: información y debate. Madrid: Asociación Jueces para la Democracia, 1994. n. 22.

ALEXY, Robert. Theorie der Grundrechte. 3. Aufl. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1996.

ARAÚJO JR., João Marcello de. "Societas delinquere potest: revisão da legislação comparada e estado atual da doutrina". In: GOMES, Luiz Flávio (coord.). Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica e Medidas Provisórias e Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

BAYLOS GRAU, Antonio. TERRADILLOS BASOCO, Juan M. Derecho penal del trabajo. 2ª ed. Madrid: Editorial Trotta, 1997.

BELTRAN, Ari Possidonio. A autotutela nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 1996.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 3.

_________________________. Tratado de Direito Penal. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1.

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

_________________________. "Prólogo" (jun. 1989). In: FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoria del garantismo penal. Trad. Perfecto Andrés Ibáñez et al. 4ª ed. Madrid: Trotta, 2000. pp.13-19.

DOTTI, René Ariel. "A incapacidade criminal da pessoa jurídica: uma perspectiva do direito brasileiro". In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: IBCCrim, 1995. n. 11.

_________________________. "A tutela penal dos interesses coletivos". In: GRINOVER, Ada Pellegrini (org.). a tutela dos interesses difusos. São Paulo: Max Limonad, 1984.

ERMIDA URIARTE, Oscar. A proteção contra os atos anti-sindicais. Trad. Irany Ferrari. São Paulo: LTr, 1989.

FELICIANO, Guilherme Guimarães. "Aspectos penais da atividade jurisdicional do juiz do trabalho". In: Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. v. 805 (novembro).

_________________________. "Criminalidade e Exercício da Jurisdição. In: Revista LTr - Legislação do Trabalho. São Paulo: LTr Editora, 20041. v. 68. n. 6 (junho).

_________________________. "Da competência penal na Justiça do Trabalho". In: Revista de Direito do Trabalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 20061. v. 32. n. 122 (abril-junho).

_________________________. "Do crime de redução à condição a de escravo na redação da Lei n. 10.803/03". In: Revista de Direito do Trabalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 20042. v. 30. n. 114 (abril-junho).

_________________________. "Sobre a extensão da competência da Justiça do Trabalho para lides de natureza penal". In: Revista LTr - Legislação do Trabalho. São Paulo: LTr Editora, 2000. v. 64. n. 1 (janeiro).

_________________________. Teoria da Imputação Objetiva no Direito Penal Ambiental brasileiro. São Paulo: LTr, 2005.

_________________________. Tópicos avançados de Direito Material do Trabalho: abordagens multidisciplinares. São Paulo: Editora Damásio de Jesus, 20062. v. 2.

FERNANDEZ, Gonzalo D. "Bien Jurídico y Sistema del Delito". In: OUVIÑA, Guillermo et al. (coord.). Teorías Actuales en el Derecho Penal. Buenos Aires: Ad-Hoc, 1998.

FERRAJOLI, Luigi. Crisi della legalità e diritto penale minimo. In: CURI, Umberto. PALOMBARINI, Giovanni. CACCIARI, Massimo (coord.). Diritto penale minimo. Roma: Donzelli Editore, 2002.

_________________________. Derecho y razón: teoria del garantismo penal. Trad. Perfecto Andrés Ibáñez et al. 4ª ed. Madrid: Trotta, 2000.

FRAGOSO, Cláudio Heleno. Lições de Direito Penal: parte especial. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988. v. 1.

FRANCO, Alberto Silva. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

GHEZZI, Giorgio. ROMAGNOLI, Umberto. Il rapporto di lavoro. 3ª ed. Bologna: Zanichelli, 1995.

GOMES, Luiz Flávio. Crimes Previdenciários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

_________________________. Suspensão condicional do processo penal: e a representação nas lesões corporais, sob a perspectiva do novo modelo consensual de Justiça criminal. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

GORZ, André. Adieu au prolétariat: au-delá du socialisme. Paris: Galilée, 1980.

HULSMAN, Louk. BERNAT DE CELIS, Jacqueline. Penas perdidas : o sistema penal em questão. Trad. Maria Lúcia Karam. Rio de Janeiro: LUAM, 1993.

JESUS, Damásio Evangelista de. "Deixar de registrar empregado não é crime". In: Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 20021. v. 799 (maio).

_________________________. Direito Penal. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 20022. v. 1.

MATHIESEN, Thomas. The politics of abolition. Law in Society Series: Scandinavian Studies in Criminology (v. 4). London: Martin Robertson, 1974.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 1997. v. 2.

MORAES, Reinado Branco de. "Resultados práticos da competência penal trabalhista". In: Revista LTr. São Paulo: LTr, fev. 2000. a. 71. n. 02.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

PALMA, João Augusto da. Código Penal aplicado ao trabalho. São Paulo: LTr, 2000.

PRADO, Luiz Régis. Crimes contra o ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

_________________________. Curso de Direito Penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. v. 2.

REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1.

ROXIN, Claus.Derecho penal: parte general. Trad. Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz y García Conlledo, Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997.

SOLIVETTI, Luigi Maria. "La Criminalità di Impresa: alcuni commenti sul problema delle cause". In: Sociologia del diritto. Milano: FAE Riviste, 1987. n. 1.

SUBIJANA ZUNZUNEGUI, Ignacio José. "Los delitos contra los derechos de los trabajadores: cuestiones generales y tutela penal del principio de igualdad en el seno de la actividad laboral". In: Eguzkilore: Cuaderno del Instituto Vasco de Criminología. San Sebastián: Universidad del País Vasco, 2000. n. 14.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991.

TORON, Alberto Zacharias. Crimes hediondos: o mito da repressão penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.


Notas

  1. Entre 1998 e 2000, foram registrados 1.146.157 acidentes de trabalho no Brasil, com aumento do índice de acidentes de trajeto (em 2000 e 1999, em relação a 1998). De 376.240 acidentes registrados em 2000, 3.906 foram letais (somente na região sudeste foram 1.480 óbitos ¾ observei, à época, ser pouco menos que o número de óbitos na última intifada palestina, iniciada em 28.09.2000). Na década de setenta, houve ano em que o Brasil mereceu o "título" de campeão mundial em acidentes de trabalho.
  2. Cfr., e.g., FELICIANO, 2000, pp.29-35; 20062, pp.27-88.
  3. Sobre o Direito Penal Ambiental, cfr. FELICIANO, 2005, passim (especialmente os capítulos 1 e 2 da 2ª parte).
  4. Donde sustentarmos ― até pela permeabilidade axiológica de seus atuais operadores ― a conveniência político-legislativa da transposição de competências materiais em matéria penal-laboral para a Justiça do Trabalho (FELICIANO, 2000, pp.29-35). Mas essa é outra (longa) história, que adiante se vai tanger rapidamente.
  5. Ex vi da Lei n. 11.106/2005, que promoveu a abolitio criminis dos crimes de sedução (artigo 217/CP), de rapto violento ou mediante fraude (artigo 219/CP), de rapto consensual (artigo 220/CP) e de adultério (artigo 240/CP).
  6. Neologismo português para «Fundamentalität der Grundrechtsnormen» (cfr. ALEXY, 1996, pp.473-475).
  7. Tradução livre: "1. Todos os alemães têm direito a constituir associações, sociedades e corporações. 2. Estão proibidas as associações cujos fins ou cujas atividades sejam contrárias às leis penais ou que sejam dirigidas contra a ordem constitucional ou contra a idéia do entendimento internacional. 3. Está garantido a toda pessoa e a todas as profissões, o direito de formar associações destinadas a salvaguardar e promover as condições de trabalho e econômicas. Os acordos tendentes a restringir ou impedir este direito serão nulos e proibidos; as medidas que se adotem com esse fim serão ilegais. As medidas previstas no artigo 12 a), parágrafos 2 e 3 do artigo 35, parágrafo 4 do artigo 87a e artigo 91 não poderão dirigir-se contra os conflitos laborais que se desenvolvam com fins de salvaguarda e promoção das condições de trabalho e econômicas das associações contempladas na primeira frase deste parágrafo".
  8. Tradução livre: "1. Todos os alemães têm o direito de eleger livremente a sua profissão, o seu lugar de trabalho e o de sua educação. O exercício da profissão poderá ser regulado por lei ou em virtude de uma lei. 2. Ninguém poderá ser obrigado a realizar um trabalho determinado, exceto como parte de um serviço público convencional, geral e igual para todos. 3. Os trabalhos forçados são admissíveis unicamente em caso de privação de liberdade disposta judicialmente".
  9. Tradução livre: "1. A República Federal da Alemanha é um Estado federal, democrático e social. 2. Todo poder público emana do povo. Será exercido pelo povo através de eleições e referendos e por meio dos poderes legislativo, executivo e judiciário. 3. O legislativo está submetido à ordem constitucional, o executivo e o judiciário à lei e à justiça. 3. Todos os alemães têm o direito de resistência contra quem quer que intente derrubar a ordem constitucional, quando não for possível outro remédio".
  10. Emergindo, dessa tensão constante, a norma juslaboral, a completar o modelo tridimensional-bilateral-atributivo de MIGUEL REALE (1995, pp.64-68).
  11. Vide, notadamente, a hipótese da Lei n. 9.601/98.
  12. Artigo 58-A da CLT, na redação da MP n. 2.164-41/2001.
  13. Vide, e.g., o artigo 129 da Lei n. 11.196/2005.
  14. Neologismo português para o vocábulo inglês «flexisecurity», cunhado a partir da experiência dinamarquesa. A expressão, segundo a Wikipedia, exprime "a welfare state model with a pro-active labour market policy. The model is a combination of easy hiring and firing (flexibility for employers) and high benefits for the unemployed (security for the employees). It was first implemented in Denmark by the social democratic Prime Minister POUL NYRUP RASMUSSEN in the 1990s. […] The term refers to the combination of both labour market flexibility in a dynamic economy as well security for workers. The Government of Denmark views flexicurity as entailing a "golden triangle" with a "three-sided mix of (1) flexibility in the labour market combined with (2) social security and (3) an active labour market policy with rights and obligations for the unemployed" (cfr. http://en.wikipedia.org/wiki/Flexicurity, acesso em 1º.12.2008).
  15. Como, aliás, já se tentou fazer no Brasil, sem sucesso, ao tempo do PL n 5.483/2001, do Governo Federal (gestão FHC), que pretendia modificar o artigo 618 da CLT para priorizar o «negociado», nos seguintes termos: "As condições de trabalho ajustadas mediante convenção ou acordo coletivo prevalecem sobre o disposto em lei, desde que não contrariem a Constituição Federal e as normas de segurança e saúde do trabalho". Como se sabe, a proposta terminou abandonada, diante da grita emergente da sociedade civil.
  16. Mas não do trabalho, ao contrário do que hoje pontificam DI MASI e outros. Para a abordagem historicista de GORZ, o que está em crise é uma determinada forma de trabalho, a saber, o trabalho subordinado (concebido como emprego na vigente racionalidade econômica), por conta da «revolução informacional» que pulveriza os vínculos hierárquicos. O trabalho humano, entretanto, guardaria ainda uma riqueza intrínseca e promissora, donde ser inconfundível com o conceito histórico de «emprego». Para essa discussão, veja-se ainda ABRAMOVICH e COURTIS (op.cit., pp.56-57).
  17. O que significa que a afirmação da necessidade de uma tutela penal laboral mais efetiva não contradiz as concepções político-criminais de feitio garantista (FERRAJOLI), tributárias de um direito penal mínimo ¾ às quais, inclusive, também nos alinhamos. Volvermos a esse tema (infra).
  18. Para o caso espanhol, BAYLOS e TERRADILLOS (1997, p.35) citam os artigos 177 e 348 bis, «a», do código penal revogado (Ley Orgânica n. 8/1983), assim como os dispositivos penais da Ley n. 31/1995 (Ley de Prevención de Riesgos Laborales), todos vindos a lume já ao tempo das ondas de flexibilização da legislação trabalhista, que têm origem na década de sessenta mas ganham força a partir de meados da década de oitenta.
  19. Empregando-se, aqui, a expressão de LUIZ FLÁVIO GOMES (1997, pp.70-71) para significar o modelo de política criminal que "historicamente sempre depositou toda confiança na força intimidativa da lei em abstrato". A respeito do tema, confira-se ainda ALBERTO ZACHARIAS TORON (1996, passim).
  20. Sobre isso, ponderamos e opinamos em outros vários textos (FELICIANO, 2000, pp.29-35; 20061, pp.243-265; 20062, pp.51-54), sempre a favor da transferência de competências para a Justiça do Trabalho.
  21. No mesmo sentido ¾ sem, contudo, referir o Direito Penal do Trabalho ¾ , ABRAMOVICH e COURTIS (1994, p.54): "Sin embargo, el derecho laboral también se impone como exigencia horizontal de los propios propietarios industriales. La constitución de reglas de juego comunes entre empleadores, y la posibilidad general y homogénea de prever el alcance y el contenido de las controversias con los trabajadores no hacen más que establecer condiciones más transparentes del mercado de producción industrial, y en este sentido representan también un avance para los empleadores, ya que su situación mejora sensiblemente con respecto a la incertidumbre causada por la constante eventualidad de conflictos obreros en fábricas" (g.n.). Parece-nos haver aí, inclusive, fator relevante para a promoção da livre concorrência, na medida em que um Direito do Trabalho inefetivo, escorado por um subsistema de normas penais laborais de aplicação errática, favorece sobretudo o empresário inescrupuloso, que joga com o risco da conduta delitual, fiando-se na inefetividade do modelo. Perde, com isso, o empresário cumpridor das normas estatuídas. Favorece-se, portanto, o comportamento ilícito, na contramão da prevenção geral positiva.
  22. Sobre o tema, analisando os reflexos da economia pós-Bretton Woods no Direito e o próprio Documento n. 319, veja-se FELICIANO (20062, pp.251-252).
  23. Para a descrição pormenorizada dessas várias hipóteses de autotutela, veja-se, por todos, a excelente obra de BELTRAN (1996, pp.155-205).
  24. Cfr., a respeito, a obra do próprio BOBBIO (1992, pp.62-63), ao designar como «especificação» ¾ ou, mais propriamente, "moltiplicazione per specificazione" ¾ a "passagem gradual, porém cada vez mais acentuada, para uma ulterior determinação dos sujeitos titulares de direito. [...] Assim, com relação ao abstrato sujeito «homem», que há encontrara uma primeira especificação no «cidadão» (no sentido de que podiam ser atribuídos ao cidadão novos direitos com relação ao homem em geral), fez-se valer a exigência de responder com nova especificação à seguinte questão: que homem, que cidadão? [...] Essa especificação ocorreu com relação seja ao gênero, seja às várias fases da vida, seja à diferença entre estado normal e estados excepcionais na existência humana. [...] Basta folhear os documentos aprovados nestes últimos anos pelos organismos internacionais para perceber essa inovação. Refiro-me, por exemplo, à Declaração dos Direitos da Criança (1959), à Declaração sobre a Eliminação da Discriminação à Mulher (1967), à Declaração dos Direitos do Deficiente Mental (1971). No que se refere aos direitos dos velhos, há vários documentos internacionais, que se sucederam após a Assembléia mundial ocorrida em Viena, de 26 de julho a 6 de agosto de 1982, a qual pôs na ordem do dia o tema de novos programas internacionais para garantir segurança econômica e social aos velhos, cujo número está em contínuo aumento". Aliás, exemplos dessa «especialização» no campo da tutela penal da pessoa encontram-se às escâncaras na legislação brasileira, ora mediante agravantes/atenuantes genéricas ou causas de aumento de pena (e.g., artigos 61, II, «h», 65, I, 121, §4º, in fine, 133, §3º, III, 141, IV, etc.), ora mediante verdadeiras «retipificações» (e.g., artigos 230, 234, 239, 241-D e 244-A da Lei n. 8.069/90, artigos 97, 98 e 99 da Lei n. 10.741/2003, etc.).
  25. Período em que, aliás, foi também concebida a Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei n. 5.452/43), a par do próprio Código Penal, da Lei de Contravenções Penais e do Código de Processo Penal (respectivamente, Decreto-lei n. 2.848/40, Decreto-lei n. 3.688/41 e Decreto-lei n. 3.689/41), todos ainda em vigor.
  26. Insiste-se com a hipótese da grave ameaça porque, em caso de violência contra a pessoa ou contra coisa, poder-se-á episodicamente subsumir a conduta à fattispecie do artigo 200/CP.
  27. Rezava o artigo 29 da Lei n. 4.330/64: "Artigo 29. Além dos previstos no Título IV da parte Especial do Código Penal, constituem crimes contra a organização do trabalho: I - promover, participar ou insuflar greve ou lock-out com desrespeito a esta lei; II - incitar desrespeito à sentença normativa da Justiça do Trabalho que puser têrmo à greve ou obstar a sua execução; III - deixar o empregador, maliciosamente, de cumprir decisões normativas da justiça do Trabalho, ou obstar a sua execução; IV – iniciar a greve ou lock-out, ou aliciar participantes quando estranho à profissão ou atividades econômicas; V - onerar a despesa com dívidas fictícias ou de qualquer modo alterar maliciosamente os lançamentos contábeis para obter majoração de tarifas ou preços; VI - adicionar aos lucros ou fazer investimentos com os rendimentos obtidos com revisão tarifárias ou aumento de preços especificamente destinados a aumentos salariais de empregados; VII - praticar coação para impedir ou exercer a greve. Pena: Reclusão de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa de Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros) a Cr$ 10.000,00 (cem mil cruzeiros). Ao reincidente aplicar-se-á a penalidade em dôbro. Parágrafo único. Os estrangeiros que infringirem as prescrições desta lei serão passíveis de expulsão do território nacional a juízo do Governo" (g.n).
  28. In verbis: "Salvo disposição [expressa] em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência".
  29. Nesse sentido, veja-se, por todos, a ilação de CEZAR ROBERTO BITENCOURT (2008, p.359): "A segunda parte do inciso II deste artigo foi revogada tacitamente e substituída pelo disposto no art. 29, VII, da Lei n. 4.330/64. Essa lei, no entanto, foi revogada pela Lei de Greve (n. 7.783/89), a qual não prevê crimes especiais, dispondo, apenas, que «a responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal» (art. 15)".
  30. Assim, e.g., as atividades bancárias são de interesse coletivo (tanto que desafiam autorização governamental e fiscalização do Banco Central do Brasil), sendo outrora considerada de interesse da segurança nacional (RT 199/81; RF 210/320). Hoje, porém, não são consideradas atividades essenciais para os efeitos da Lei n. 7.783/89, à exceção da compensação bancária. Com efeito, nos termos do artigo 10 da atual Lei de Greve, são considerados serviços ou atividades essenciais: "I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;  II - assistência médica e hospitalar;  III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;  IV - funerários; V - transporte coletivo; VI - captação e tratamento de esgoto e lixo; VII - telecomunicações; VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais; X - controle de tráfego aéreo; XI compensação bancária".
  31. Como bem fazem, entre nós, BITENCOURT (2008, pp.381-382), SOUZA NUCCI (2002, p.630) e RÉGIS PRADO (2000, pp.101-102), entre outros. Em sentido contrário, cite-se o escólio de RUI STOCCO (SILVA FRANCO et. al., 1995, pp.2362-2363): "Quer parecer que o dispositivo não restou derrogado pela Lei 7.783, de 28.6.89. [...] A CF/88 não reproduziu o dispositivo do art. 62 da Carta Magna revogada, que proibia greve nos serviços públicos e atividades essenciais, além do que, a Lei 4.330/64, que reiterava a proibição, foi varrida do mundo jurídico. [...] Contudo, o art. 11 da Lei 7.783/89 dispõe que: «Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade». [...] Desse modo, descumprida a determinação da Lei de Greve, incidirá a norma incriminadora do art. 201 do CP. [...] É de se notar, porém, que não basta que se trate de obra pública, mas que esta caracterize serviço ou atividade essencial, em face da dicção da nova Lei de Greve (art. 11)". Com a devida vênia, a opinião de STOCCO padece de ao menos dois equívocos: (1) olvida-se que, já ao tempo da Lei n. 4.330/64, os artigos 15 e 16 regulamentavam o exercício da greve nas chamadas atividades fundamentais, que em maioria consistiam de serviços públicos (água, energia, luz, gás, esgotos comunicações, transportes, hospitais, maternidade, etc. ¾ artigo 12), privando de sentido, ainda àquela altura, a norma penal do artigo 201/CP; (2) promove-se, pelo través exegético, a construção de um novo tipo penal, que já não corresponde àquele do artigo 201 (que é de forma livre), mas à conduta de "participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho, provocando a interrupção de obra ou serviço de natureza essencial, sem prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade ou sem observância dos demais requisitos da legislação específica" (i.e., crime de forma vinculada). Ora, não é a lei penal que o diz, mas o intérprete; viola-se, com isso, o princípio da reserva legal (artigos 5º, XXXIX, e 22, I, da CRFB, e artigo 1º do CP), sem qualquer respaldo pela via da interpretação histórico-evolutiva, na medida em que a legislação nacional caminhou precisamente noutro sentido (o da relativa admissibilidade da greve em obras e serviços públicos, inclusive os essenciais). Com efeito, não se pode afirmar, sem mais, que o descumprimento do artigo 11 da Lei de Greve seja «crime», se o artigo 201 não o disse expressamente ¾ e nem poderia fazê-lo, porque então não se houvera cunhado o conceito de serviços ou atividades essenciais ¾ , e se tampouco o diz a própria Lei n. 7.783/89.
  32. In verbis: "[...] assicurare infine il primato della legislazione, e perciò della política e della sovranità popolare, nella definizione dei beni giuridici meritevoli di tutela penale e conseguentemente nell’esatta configurazione come reati delle loro lesioni" (g.n.).
  33. Nesse sentido, por todos, CEZAR ROBERTO BITENCOURT (2008, p.382).
  34. Nos termos do artigo L. 483-1 do Code du Travail de 1973, "toute entrave apportée, soit à la constitution d''un comité d''entreprise, d''un comité d''établissement ou d''un comité central d''entreprise, soit à la libre désignation de leurs membres, soit à leur fonctionnement régulier, notamment par la méconnaissance des dispositions des articles L. 433-13, L. 436-1 et L. 436-3 et des textes réglementaires pris pour leur application, sera punie d''un emprisonnement d''un an et d''une amende de 3 750 euros ou de l''une de ces deux peines seulement. En cas de récidive, l''emprisonnement pourra être porté à deux ans et l''amende à 7 500 euros". Em 1º de maio de 2008, entrou em vigor o novo Código do Trabalho francês, cujo artigo 2328-1 repetiu, basicamente, a definição anterior do délit d’entrave, reduzindo o valor da multa cominada: "Le fait d''apporter une entrave soit à la constitution d''un comité d''entreprise, d''un comité d''établissement ou d''un comité central d''entreprise, soit à la libre désignation de leurs membres, soit à leur fonctionnement régulier, notamment par la méconnaissance des dispositions des articles L. 2324-3 à L. 2324-5 et L. 2324-8, est puni d''un emprisonnement d''un an et d''une amende de 3 750 euros".
  35. Figura que, diga-se, tem papel nevrálgico em qualquer refundação competente do Direito Penal do Trabalho, mercê das características da empresa moderna (reengenharias de inspiração toyotista, desconcentração/terceirização das unidades produtivas, «empowerment», etc.). No Brasil, porém, a doutrina sequer admite a figura da obediência hierárquica (artigo 22 do Código Penal) no plano das relações hierárquicas privadas (i.e., no imo da empresa baseada em contratos de trabalho subordinado)...
  36. Sobre a descentralização da empresa e a conseqüente diluição das responsabilidades pessoais (inclusive na esfera criminal), veja-se, por todos, LUIGI SOLIVETTI (1987, pp.58-61). No contraponto, tivemos ocasião de apontar os possíveis equacionamentos jurídicos para a delegação de poderes em sede penal ¾ e, especialmente, em sede penal-ambiental ¾ , à luz da teoria da imputação objetiva, em nossa tese de doutorado (FELICIANO, 2005, pp.107-111, pp.214-215, p.373 e, em especial, pp.379-386). As mesmas conclusões ali vazadas servem, com pequenas adaptações, para a questão penal laboral.
  37. Artigo 1º da Constitution de 1958 (1ª parte): "La France est une République indivisible, laïque, démocratique et sociale. Elle assure l''égalité devant la loi de tous les citoyens sans distinction d''origine, de race ou de religion. Elle respecte toutes les croyances. Son organisation est décentralisée".
  38. Como se lê no Préambule da Constituição francesa (redação atual), "le peuple français proclame solennellement son attachement aux Droits de l''homme et aux principes de la souveraineté nationale tels qu''ils ont été définis par la Déclaration de 1789, confirmée et complétée par le préambule de la Constitution de 1946, ainsi qu''aux droits et devoirs définis dans la Charte de l''environnement de 2004". De se ver que, no constitucionalismo francês, tende-se a reconhecer força normativa para os próprios preâmbulos constitucionais.
  39. Para essa informação, cfr. http://www.ilo.org/ilolex/english/convdisp1.htm (acesso em 03.12.2008).
  40. Tradicionalmente, o sistema penal francês distingue as infrações penais entre contraventions, délits e crimes, nessa ordem, conforme o seu padrão objetivo de gravidade.
  41. Nem a comportaria no Brasil, a se adotar o marco francês (detenção de um a dois anos), considerando-se o disposto no artigo 61 da Lei n. 9.099/95 (redação da Lei n. 11.313/2006). Nem por isso, está desaconselhada a tipificação penal em matéria de condutas anti-sindicais. Refundar o Direito Penal do Trabalho sobre bases democráticas não significa repovoar o cárcere; significa, antes, reafirmar o valor-trabalho e implementar a reprimenda penal, independentemente de qual seja, para debelar a sensação de impunidade. A experiência catarinense já demonstrou como isso pode trazer excelentes resultados na prática (MORAES, pp.171-179).
  42. Relacionando a função de garantia do tipo com o que dispõe o artigo 103, 2, da GG: "Eine Tat kann nur bestraft werden, wenn die Strafbarkeit gesetzlich bestimmt war, bevor die Tat begangen wurde" ("Um fato somente pode ser punido se constituir delito, segundo a lei, antes de seu cometimento" ¾ tradução livre). No Brasil, a função de garantia do tipo penal reconhece legitimidade constitucional no artigo 5º, XXXIX, da CRFB, como se diz a seguir.
  43. Na passagem, REQUIÃO recorre ao conceito poliédrico do italiano ALBERTO ASQUINI, que vislumbrou a empresa sob quatro perfis: o funcional, o subjetivo, o patrimonial (objetivo) e o corporativo. O artigo 966 do NCC descreve, indiretamente, o perfil funcional da empresa no Brasil.
  44. E, mesmo nesse caso, remanesce a celeuma doutrinária, havendo os que admitem a responsabilidade penal da pessoa jurídica (JESUS, 20022, pp.167-169; ARAÚJO JR., 1999, pp.72-94; FELICIANO, 2005, pp.205-235) e os que a têm por inconstitucional, apesar da letra da Lex legum (BITENCOURT, 2003, pp.166-169; PRADO, 1998, pp.20-23; DOTTI, 1995, pp.184 e ss.).
  45. Vide item 18.13.4 da NR-18 («Construção e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção») da Portaria MTb/GM n. 3.214/78.
  46. Veja-se, e.g., STJ, REsp. n. 216.523-CE, rel. Min. EDSON VIDIGAL, in DJU 07.08.2000; TRF 2ª Reg., Apel.Crim. n. 1999.02.01.055691-9-RJ, rel. Des. ROGÉRIO V. DE CARVALHO, in DJU 03.10.2000.
  47. Logo, não é correta a correlação feita por FLÁVIO GOMES entre o caráter indébito da apropriação e a coexistência de "alguma fraude ou engano ou má-fé" (2001, p.55), exatamente porque essa correlação não existe na figura básica (artigo 168, caput, do CP) ¾ a não ser, talvez, pela má-fé, consistente em se apoderar conscientemente do que seu não é (mas que, nesse caso, confunde-se com o próprio dolo genérico, pois, de outra forma, não saberia o sujeito ativo que a apropriação é indébita, tal como descrita no tipo...).
  48. Como, aliás, decidiu com todo acerto o TRF da 4ª Região, ao tempo do artigo 95, «d», da Lei n. 8.212/91, em voto do Juiz JOSÉ LUIZ B. GERMANO DA SILVA, assim ementado: "APELAÇÃO CRIMINAL – OMISSÃO NO RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS – ART. 95, «D», DA LEI 8.212/91 – MATERIALIDADE – AUTORIA – DOLO – CULPABILIDADEEXCLUDENTEDIFICULDADES FINANCEIRASINEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA – COMPROVAÇÃO – ABSOLUTA INSOLVÊNCIA" (TRF 4ª Reg., Apel.Crim. n. 1999.04.01.129160-2-PR, rel. Des. JOSÉ LUIZ B. GERMANO DA SILVA, in DJU 04.10.2000 – g.n.). Lê-se, no voto, que "o dolo, no tipo em questão, é genérico; é a vontade livre e consciente de não recolher a contribuição previdenciária arrecadada dos empregados"; nada obstante, "as dificuldades financeiras argüidas pela defesa em ações como a presente podem configurar excludente de culpabilidade, sendo imprescindível, porém, que se apresentem provas contundentes da insolvência da empresa e também do(s) sócio(s) responsável(eis)". Não poderíamos dizer melhor. Tese semelhante também se encontra em aresto do TRF da 2ª Região, já referido supra (nota n. 46), no voto da lavra do Des. ROGÉRIO V. DE CARVALHO; mas, como ali se antecipou, aquele decisum refere concomitantemente a questão do dolo específico, sem distingui-lo da própria culpabilidade (quiçá por ser o relator partidário da teoria causal-naturalista da ação, o que não está claro). De todo modo, assim foi lavrada a ementa: "PENAL – NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS – LEI 8.212, ART. 95, «D» - MATERIALIDADE – COMPROVAÇÃO – DOLO – NECESSIDADE – REAL CAPACIDADE DE AGIR – DIFICULDADES FINANCEIRAS – INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA – CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE – PRECEDENTES" (TRF 2ª Reg., Apel. Crim. n. 1999.02.01.055691-9-RJ, rel. Des. ROGÉRIO V. DE CARVALHO, in DJU 03.10.2000 – g.n.).
  49. Embora, a rigor, trate-se de hipótese de falso ideológico (artigo 299/CP), pois o que está em jogo não é a autenticidade do documento, mas a fidedignidade da idéia que ele expressa.
  50. Sobre o princípio do fim de proteção do tipo penal ¾ que não se confunde com o fim de proteção da norma de cuidado limitadora do risco permitido (ROXIN, 1997, p.378), do qual ora não se cuida ¾ , coadjuvante do princípio do risco na teoria da imputação objetiva de CLAUS ROXIN, vejam-se, entre outros, o próprio ROXIN (1997, pp.377-402) e, para a visão deste autor, FELICIANO (2005, pp.133-149).
  51. Casos nos quais evidentemente não se configura o crime, em virtude do erro de tipo (artigo 20, caput, do CP): ao empregador não parecia, sinceramente, tratar-se de segurado empregado ou afim para os efeitos do artigo 297, §4º, do CP; e a figura não admite a responsabilidade penal por culpa (artigo 18, par. único, do CP). Em tais hipóteses, convém ao juiz do Trabalho consignar seu convencimento e deixar de oficiar aos órgãos de persecução criminal, ut artigo 40 do CPP, a contrario sensu (lembrando-se que a tipicidade subjetiva é elemento integrante do conceito de crime). Afinal, se ao próprio magistrado laboral pareceu difícil definir a natureza jurídica do vínculo, não há sentido em assoberbar o Parquet com investigações que, ao final, terminarão arquivadas pelo restrito conhecimento de causa do sujeito ativo (FELICIANO, 2003, pp.445-463).
  52. Hipótese prevista, na legislação francesa, no artigo L. 8221-3 do Code du Travail em vigor. Cfr., supra, o tópico 3.2.
  53. A fiscalização, arrecadação, cobrança e recolhimento das contribuições sociais do artigo 195 da CRFB, que antes cabiam ao INSS, foram acometidas à Secretaria da Receita Federal do Brasil pelo artigo 2º da Lei n. 11.457/2007 (Lei da Super-Receita).
  54. Aqui, estamos alterando parcialmente o ponto de vista externado em artigo anterior (FELICIANO, 2003, pp.445-463). Mas haverá que ressalvar, obviamente, as hipóteses de erro de tipo (supra, nota n. 51), de erro de proibição (artigo 21/CP) e os falsos de bagatela (quando, e.g., omitem-se uma ou duas semanas de vínculo) ¾ no último caso, mercê do princípio da insignificância, que pode ser operado no imo da teoria da imputação objetiva (FELICIANO, 2005, pp.236-248).
  55. Cfr. STF, CC 6979-1/DF, rel. Min. ILMAR GALVÃO, j. 15.08.1991.
  56. Comissão de Trabalho, de Administração e de Serviço Público da Câmara dos Deputados Federais.
  57. Que, nos termos do projeto, seriam os "crimes contra a organização do trabalho, tipificados nos artigos 197 a 207 do código penal brasileiro, quando praticados contra o sistema de órgãos e instituições que preservam, coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores".
  58. Ver ROXIN, 1997, pp.82-83, 87-88 e 92-93.
  59. In verbis: "o Direito Penal cumpre uma função ético-social para a qual, mais importante que a proteção de bens jurídicos, é a garantia de vigência real dos valores de ação da atitude jurídica. A proteção de bens jurídicos constitui somente uma função de prevenção negativa. [...] Destacamos Jakobs como um dos representantes da teoria fundamentadora. [...] Ao Direito Penal, segundo Jakobs, corresponde garantir a função orientadora das normas jurídicas. [...] Quando ocorre a infração de uma norma [...] convém deixar claro que esta continua a existir, mantendo sua vigência, apesar da infração. Caso contrário, abalaria a confiança na norma e sua função orientadora" (g.n.).
  60. E ¾ diga-se ¾ não apenas no Brasil. Recentemente, no Curso de posgrado sobre los cambios recientes en la legislación laboral (Montevideo, UDELAR, 08.08.2008), NATALIA COLOTUZZO relatou a condição de virtual inexistência de normas penais laborais na República do Uruguai. E, até meados da década de noventa, não era diversa a situação dos países europeus (cfr. BAYLOS, TERRADILLOS, 1997, pp.44-45): (a) na Grã-Bretanha, de 3.800 infrações denunciadas em cinco anos pela Factory Inspectorate no final dos anos oitenta (geralmente em matéria de segurança e higiene no trabalho), apenas 1,5% desafiaram procedimentos penais, sendo todas as condenações de natureza exclusivamente pecuniária; (b) na Espanha, a norma penal do artigo 427 do código penal de 1944/1973 (revogado pela Ley Orgánica n. 10/1995, que instituiu o novo código penal), tuitiva da saúde dos trabalhadores, passou despercebida pelos tribunais, que igualmente resistiram, ab initio, à aplicação dos artigos 499 bis (abuso das condições laborais e de seguridade social) e 177 bis (atentado contra a liberdade sindical ou o direito de greve), ambos daquele mesmo código; (c) mesmo na França, no início dos anos noventa, o número de sentenças condenatórias pronunciadas em sede penal laboral fora de aproximadamente 13.000 (cerca de 2,5% do conjunto total de condenações prolatadas na jurisdição penal), gritantemente inferior ao número anual aproximado de infrações então constatadas pela inspeção do trabalho. Ainda para o caso espanhol, em análise mais recente, ver SUBIJANA ZUNZUNEGUI (2000, pp.143-158). E, para o caso italiano (em semelhante condição de inefetividade do subsistema penal laboral), ver GHEZZI e ROMAGNOLI (1995, pp.360 e ss.).
  61. Ver FELICIANO, 2005, pp.497-501.
  62. Ver, no Brasil, CEZAR ROBERTO BITENCOURT (2003, pp.88-90), reportando-se a WINFRIED HASSEMER e SANTIAGO MIR PUIG.
  63. Reproduz-se, na locução adjetiva, o duplo vértice da reflexão ferrajoliana: o epistemológico (2000, pp.33-205), que busca a razão no Direito Penal, e o axiológico (2000, pp.209-349), que busca as razões do Direito Penal.
  64. O que, diga-se, já vem ganhando corpo, paulatinamente, em meio à realidade que os processos judiciais refletem na Justiça do Trabalho. Multiplicam-se, a uma, os ensejos de represálias coletivas, em forma de protestos ou paralisações, que não se prestam à reivindicação de reajustes salariais ou de novos benefícios, mas à retaliação pelo descumprimento contumaz dos conteúdos mínimos da legislação laboral (omissão multitudinária de registros, sonegação previdenciária, meio ambiente de trabalho desequilibrado, etc.). Multiplicam-se, a duas, os pedidos «alternativos», sucedâneos da persecução penal (que o ordenamento impõe, mas que de raro se verifica), como são os pleitos de indenização por danos morais pela não-anotação da CTPS, pela intermediação fraudulenta do trabalho via cooperativas de mão-de-obra, pela sonegação das contribuições sociais, etc. Há, nisso, ao menos três grandes inconvenientes: (a) constrói-se um sentimento social de monetização, difundindo-se a idéia de que os delitos laborais podem ser livremente praticados, a despeito das normas penais proibitivas, desde que adiante se pague por eles (i.e., o efeito reverso da prevenção geral positiva fundamentadora); (b) abrem-se ensanchas à insolvabilidade, com sacrifício da própria atividade econômica, uma vez que, para as «indenizações» pelo descumprimento de normas penais estritas, não existem parâmetros seguros de quantum debeatur; (c) perde-se o sentido utilitário do estigma (shaming reintegration ¾ cfr. FELICIANO, 2005, pp.287-289, a partir dos escólios de J. BRAITHWAITE), que poderia ser aproveitado, até com menor dispêndio, mediante a aplicação de penas alternativas de natureza patrimonial (prestação pecuniária, confisco, multa penal substitutiva). No limite, isenta-se o criminoso contumaz ¾ e a conduta do homicida negligente não é menos reprovável, em tese, apenas porque se trata da inobservância das normas de cuidado no meio ambiente de trabalho (artigos 121, §3º, c.c. artigo 13, §2º, «a», do CP e artigo 157, I a III, da CLT) e não no trânsito (artigo 302 do CTB), por exemplo.
  65. Veja-se, entre nós, o padrão do artigo 3º da CLT: subordinação jurídica, pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade.
  66. A título de simples referência, são especialmente cruentas e impressionantes as imagens disponíveis em http://tecnologossegnotrabalho.blogspot.com/2008/09/acidentes-de-trabalho.html (acesso em 05.12.2008). Em todo caso, interessará sempre atentar mais às imagens que aos textos, que podem oscilar dos mais sóbrios aos francamente sensacionalistas.

Autor

  • Guilherme Guimarães Feliciano

    Professor Associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté/SP. Doutor pela Universidade de São Paulo e pela Universidade de Lisboa. Vice-Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA.

    Textos publicados pelo autor


Informações sobre o texto

Artigo baseado em palestra proferida na cidade de Montevidéu, em 08/08/2008, na Faculdade de Direito da Universidade de la Republica – UDELAR (Escuela de Posgrado), a convite da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região (AMATRA-IV), no Curso de posgrado sobre los cambios recientes en la legislación laboral.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FELICIANO, Guilherme Guimarães. Refundando o Direito Penal do Trabalho. Primeiras aproximações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1987, 9 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12054. Acesso em: 26 abr. 2024.