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Simulação e falência: um estudo comparado das mudanças nas legislações civil e falimentar

Simulação e falência: um estudo comparado das mudanças nas legislações civil e falimentar

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo principal estudar o instituto da simulação e suas aplicações na Falência, especialmente nos diplomas normativos que abordaram a problemática falimentar.

Tendo consciência de que a simulação é elemento importantíssimo no Direito Privado, especialmente no Direito Falimentar, o qual é regido por inúmeras regras tanto de direito material quanto de direito adjetivo, adotamos uma metodologia de estudo que partiu da concentração inicial no instituto da simulação dentro do Direito Civil, tratando do conceito de simulação no Código Civil de 1916 e as significativas mudanças supervenientes, com o Código Civil de 2002.

Tais alterações foram sentidas profundamente pela simulação em sua aplicação ao Direito Falimentar. Conforme demonstraremos nas páginas que seguem, muitos dispositivos tradicionalmente aplicados pelo Decreto-Lei 7.661/1945 não mais puderam persistir com a entrada em vigor do Novo Código Civil. Assim, não temos dúvida de que essas mudanças, além de outras igualmente ou até mais importantes, ajudaram a precipitar a edição de nova lei regulando as falências, que foi a Lei 11.101/2005.

Não poderíamos nos esquecer de mencionar, ainda, a travessia histórica em que foi levado o Decreto-Lei. Publicado nos anos quarenta, quando o primeiro Código de Processo Civil de âmbito nacional ainda tinha apenas seis anos, o referido Diploma atravessou três constituições (além da Emenda Constitucional n° 1, de 1969) e não mais se enquadrava perfeitamente com os valores da Carta de 1988, sendo necessária essa mudança.

Novas perspectivas surgiram com a Constituição Federal de 1988. Exemplos surgem aos montes, sendo a questão da função social da propriedade algo bem característico dessa mudança de paradigmas. Enquanto esse princípio não era tão difundido nos anos 40, com a Constituição passou a ser uma das mais importantes diretrizes do País. Através desse exemplo, podemos ver que não mais se adequava o Decreto-Lei à realidade jurídica e fática do Brasil.

Esse conjunto de fatores influenciou marcantemente a elaboração da Nova Lei de Falências. Nela, contemplou-se a noção de que, mais importante do que salvar o devedor empresário, é salvar a atividade por ele desempenhada. Mais importante do que salvar a empresa com problemas é salvar a atividade que a empresa desenvolve, podendo ela ser substituída por outra, como prevê expressamente a legislação em alguns casos referentes aos meios de recuperação judicial.

Portanto, não há dúvidas de que esse exercício comparativo entre os dois diplomas, cada um deles representando um período específico da História Brasileira, é algo essencial para se entender a essência do Direito Comercial. E, a fim de realizar esse estudo, escolhendo um instituto que também se alterou ao longo de cerca de um século, faremos um verdadeiro passeio histórico pelos institutos jurídicos.

Esperamos, por fim, que a abordagem por nós apresentada seja satisfatória e que o leitor aprecie o texto.


2 SIMULAÇÃO

As aplicações para o termo simulação são inúmeras. Enquanto somos alunos de cursinhos pré-vestibulares, por exemplo, somos constantemente bombardeados com vestibulares simulados, que consistem em provas aplicadas com intuito de nos preparar para o exame vestibular real. Os aplicadores imitam todo o processo de avaliação, desde o ambiente onde será realizada a prova até as questões, geralmente parecidas com as frequentemente encontradas em seleções desta natureza.

Há, portanto, uma tentativa de fazer com que os alunos pensem que estão diante do exame real, para que, assim, se portem como se estivessem realmente fazendo vestibular. Obviamente, os alunos se comportarão com mais seriedade do que se fosse uma prova outra, porque a carga valorativa trazida por um vestibular simulado é bem diferente daquela que acompanha quaisquer outras avaliações.

A partir deste exemplo, verificamos que nem toda simulação é errada, bem como nem todas elas prejudicam aqueles a ela submetidos. Há, entretanto, algo a se ressaltar: na situação exemplificativa, os alunos submetidos ao vestibular simulado têm conhecimento da natureza imitativa do exame; por mais que se comportem como se estivessem diante do vestibular real, é plena a sua consciência de que aquilo não é real.

Bastante diferente seria a situação em que os alunos se submetessem a um vestibular simulado pensando que faziam um vestibular real. Provavelmente, comportar-se-iam de modo idêntico à maneira como se portariam diante de um vestibular simulado, mas os fins almejados pelos exames seriam bastante diferentes: enquanto no exame preparatório eles atuariam no sentido de verificarem o seu desempenho diante do exame vestibular, neste, aplicado verdadeiramente, o intuito é ser aprovado e, assim, entrar em uma universidade.

Assim, ser-nos-ia forçoso admitir que a consciência da real natureza ato praticado influencia de modo decisivo a conduta do agente, bem como as expectativas por ele geradas. Do mesmo modo, quando dos resultados, as frustrações da não-realização dessas expectativas ocasionam sentimentos diversos, com reações igualmente diversas.

É neste sentido que reside a grande diferença entre as duas simulações: quando há plena consciência de que o ato não passa de mera simulação, aquele que, em teoria, seria o prejudicado, não se frustra com a não-realização das conseqüências próprias que seriam oriundas do real acontecimento daquilo que foi simulado; em se tratando, porém, de caso de falta de consciência de um dos agentes, ou, utilizando um vocábulo mais jurídico, de um dos sujeitos da relação estabelecida, têm-se como frustradas as expectativas geradas pela parte que não tinha conhecia da natureza do ato a ela submetido, uma vez que ela esperava que, praticando determinado ato, algo acontecesse, e, na situação em discussão, jamais a conseqüência aguardada se realizaria, pois o negócio pelas partes estabelecido jamais existiu, o que impede que sejam geradas expectativas da parte que sabia da realidade.

Diante de situações como a descrita acima, o Direito criou mecanismos para impedir que as pessoas se utilizem de simulações em larga escala. Um dos parâmetros que distinguem a simulação tolerada legalmente daquela que traz conseqüências para o mundo jurídico é, como já se poderia esperar após o exemplo dos parágrafos anteriores, a consciência das partes de que estão praticando um ato simulado, ou seja, um ato que, aparentemente, tem uma natureza, mas, de fato, não a possui, não tendo, por óbvio, as conseqüências que o ato sobre o qual recaiu a imitação tem.

Portanto, nem todas as simulações são legalmente proibidas. Se alguma das partes a desconhece, não há como deixar o ato persistir, a princípio, uma vez que a vontade de uma parte de praticar o ato tinha em mente que este possuía determinadas configurações, e só o praticou porque desejava atingir determinado resultado, o qual jamais será alcançado.

A primeira conclusão lógica a que chegamos após essa rápida análise da simulação é que, para sofrer a interferência do Direito, a simulação tem que ser desconhecida por uma das partes. Não conseguimos, por hora, vislumbrar uma situação em que as duas partes não tinham conhecimento do que verdadeiramente se passava, o que implica não constituir esta situação violação às regras jurídicas. Assim, podemos obter uma segunda conclusão lógica, que seria o fato de que, na simulação, sempre há um enganado e um enganador, já que, para que surja um negócio falso, é preciso que alguém tenha agido conscientemente no sentido de falsificar o negócio, atuando propositadamente para que a outra parte reste prejudicada com seu ato. Visível deve ser a malícia do enganador.

Há, no entanto, uma outra característica da simulação, esta ainda mais importante do que as outras: a intenção de prejudicar alguém. Nas páginas seguintes, essa idéia será mais satisfatoriamente desenvolvida, a fim de que fique bem claro que, para ser contra legem, a simulação precisa ter como intuito prejudicar alguém, seja parte da relação ou, principalmente, terceiro.

§2º

A simulação não é, obviamente, a única forma de uma pessoa enganar a outra parte em um negócio jurídico. Outras condutas podem ser praticadas objetivando a finalidade de ludibriar a parte, podendo, a partir dos meios utilizados pelo enganador, ter conseqüências diversas no âmbito jurídico.

Quando estamos diante de uma situação em que haja "falta de concordância entre a vontade real e a vontade declarada" (PEREIRA, 2004: 517), caracteriza-se o erro ou ignorância. Utilizando-nos das palavras do mestre Pontes de Miranda, "se o que o figurante do ato jurídico tinha por verdadeiro não no é, dá-se o erro" (1954:271).

Apesar de terem natureza diversa, como já seria de se esperar, uma vez que, possuindo denominações diferentes, não poderiam se tratar de coisas idênticas, receberam igual tratamento do legislador que promulgou o Código Civil de 2002. Caio Mário da Silva Pereira, traça as linhas diferenciadoras dos dois seres jurídicos "No erro existe uma deformação do conhecimento relativamente às circunstâncias que revestem a manifestação de vontade. A ignorância importa no desconhecimento do que determinada a declaração de vontade." (PEREIRA, 2004:517).

Não é, entretanto, todo e qualquer erro que pode ensejar a anulação de negócio jurídico. É preciso que adquira duas características: que tenha sido o erro a causa determinante da celebração do negócio e que alcance a declaração de vontade em sua substância, ou seja, que atinja a essência do negócio.

Em seguida, traz o legislador outra espécie de ato de uma das partes no sentido ludibriar a outra, o qual se trata do dolo. Termo bastante utilizado no direito penal, o conceito de crime doloso foi trazido pelo próprio Código Penal, em seu artigo 18, I, como aquele em que "o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo". Rogério Greco define dolo como "a vontade livre e consciente dirigida a realizar a conduta prevista no tipo penal incriminador" (2003:200).

No Direito Privado, não se afasta tanto muito do conceito criminal, existindo, entretanto, algumas diferenças substanciais. O ato privado doloso é aquele que, "positivo, ou negativo, com que, conscientemente, se induz, se mantém, ou se confirma outrem em representação errônea" (MIRANDA, 1954:326). O agente que pratica ato com dolo o faz maliciosamente, no sentido de fazer com que a outra parte pratique ato de vontade que, de alguma maneira, venha a lhe aproveitar.

De modo idêntico ao erro, não é qualquer conduta dolosa que torna inválido o negócio jurídico. Há certos requisitos que devem ter sido observados para que se anule o negócio. Inicialmente, deve haver relação de causalidade entre a conduta dolosa do agente e a prática do negócio, o que implica a necessidade de o dolo ser essencial; ainda mais, mesmo que seja essencial, deve ser grave, pois só as enganações graves são repelidas legalmente. Por fim, exige-se a unilateralidade do dolo, já que, conforme situação acima descrita, não seria viável a anulação de ato praticado dolosamente pelas duas partes, já que o Direito entra nas relações privadas para regular situações em que uma das partes esteja em desvantagem visível e injusta, como no dolo.

Bastante próxima do dolo é a coação, mas o limite divisor entre eles é facilmente reconhecível. Enquanto aquele é oriundo de artimanhas e manobras de uma das partes, aquela é caracterizada pela violência, seja ela física ou moral. Essa violência é a causa determinante para que a parte que a sofreu tenha fechado o negócio, sendo necessário o nexo de causalidade entre a violência e a decisão da parte de fechar o negócio. Como não há restrição à natureza da coação, pode ser ela ameaça à própria parte, à sua família, a pessoa a quem tenha bastante apreço, a algum bem da parte ou mesmo ameaça à sua imagem. Todo meio que possa fazer com que a parte se sinta obrigada a fechar o negócio por medo da conduta da outra parte ou de terceiro pode ensejar a anulação do negócio.

Se uma pessoa, diante de situação de desespero, em que ela ou terceiro a ela muito ligado precisem de salvamento, firme negócio extremamente oneroso, deve este ser anulado. É o que o Legislador de 2002 chamou de estado de perigo, o qual não precisa existir de fato, mas, principalmente, deve existir para aquele que aceita as condições; este deve acreditar que a situação perigosa é iminente, e que a conduta do terceiro, após a celebração do negócio, pode salvar quem esteja precisando de socorro. Aqui, não se está diante de uma situação em que uma pessoa quer enganar a outra; aquela pretende, todavia, se aproveitar do estado de desvantagem desta.

Para que se configure o estado de perigo, necessário se faz, primeiramente, que haja configuração do risco de que já tratamos, sendo adequado, porém, que esse risco seja pessoal, ou seja, recaia sobre pessoas, e não sobre patrimônio. A parte que se aproveite da situação precisa, necessariamente, conhecer o desespero da outra, para assim, realizar o outro requisito, o qual é a excessiva onerosidade da obrigação assumida. Não seria inteligente da parte da lei anular qualquer negócio celebrado nessas condições, mas somente aqueles a partir dos quais venha a surgir um dever pesado para a parte que não sofreu com a situação.

A necessidade de que o estado de perigo traga risco pessoal se faz porque existe outra categoria independente para os riscos de natureza patrimonial. É o caso da lesão, que seria "o prejuízo que uma pessoa sofre na conclusão de um ato negocial, resultante da desproporção existente entre as prestações das duas partes" (PEREIRA, 2004:544), sendo este prejuízo necessariamente patrimonial (Cf. PEREIRA, 2004:546).

Por fim, tem-se a fraude contra credores, problema dos mais comuns no Direito Privado. Não é falha no consentimento (Cf. PEREIRA, 2004:536), pois a declaração de vontade está em consonância como desejo do agente. Pontes de Miranda, em linguagem quase poética, disserta sobre o conceito de fraude:

Fraudar é apenas violar indiretamente. Qualquer elemento subjetivo que se intrometa provém de confusão com outros elementos do suporte fático das regras jurídicas sobre fraude; portanto, de elementos que não são a fraus. Quem frauda frustra. O étimo é o mesmo. Quem frauda viola, frustrando. Violar, frustrando, é violar indiretamente. Se o sistema jurídico exige algum elemento subjetivo, esse elemento é à parte. Se os exige cumulativamente, não conhece mais de uma figura de fraude contra credores. Se exige um, como elemento do suporte fático de uma regra jurídica, pode não no exigir, tratando-se de outras regras jurídicas, ou figuras ou espécies de fraude contra credores. (1954:415)

Tem-se, portanto, situação em que as partes celebram negócio com o intuito de prejudicar terceiro, o qual deve ser credor de uma das partes. Ambas atuam no sentido de realizar um negócio para que, com ele, terceiro venha a sair perdendo. Desta forma, as partes têm conhecimento da verdadeira intenção do acordo. O devedor do terceiro prejudicado não é mais culpado do que a outra, visto que esta tinha conhecimento do verdadeiro intuito do devedor, e, mais do que isso, a outra parte contribuiu para que a fraude se consumasse. Há o que os romanos já chamavam de consilium fraudis.

Pretendemos trazer todas as espécies de atos das partes que, uma vez praticados, prejudicam a outra parte ou terceiro. Passaremos agora à análise da sistematização da simulação, espécie por nós escolhida para o presente trabalho, nos Códigos Civis de 1916 e 2002. Acreditamos ser importante esta comparação, porque, enquanto a Lei n° 11.101/2005 já foi promulgada sob a égide da Lei de 2002, o Decreto-Lei n° 7.661/1945 o foi durante a vigência do Código de Beviláqua, e, como o nosso tema visa abordar os dois momentos da legislação falimentar, necessário se faz o estudo comparado entre as duas leis civis e de falência.

§3º

O Código Civil de 1916 trouxe a simulação entre outras espécies de atos caracterizadores dos defeitos dos negócios jurídicos. Num mesmo capítulo, versava o Código sobre o erro ou ignorância, o dolo, a coação, a simulação e a fraude contra credores.

Pontes de Miranda traz precisa definição do que são os defeitos dos negócios jurídicos, os quais, a saber, são "as faltas de elementos, ou a presença de fatos que tornam deficientes os suportes fáticos: entram esses no mundo jurídico e se fazem, assim, atos jurídicos, mas defeituosos" (1954:213).

Característica comum aos defeitos do negócio jurídico é o fato de que, uma vez constatado qualquer desses defeitos legalmente disciplinados, deve ser anulado o negócio jurídico.

Em momento posterior, o Código disciplinava, em capítulo próprio, as nulidades do negócio jurídico. Logo no artigo 145, trazia o rol daquilo que, uma vez acontecendo, fazia com que nulo fosse o negócio jurídico. Nulidade poderia ser definida como aquela situação em que, tendo ocorrido os casos que a ela podem dar ensejo, o negócio será completamente "inexistente e, como tal, nenhum efeito poderia produzir" (TABOSA, 2003:164). E assim dizia o artigo 145:

É nulo o ato jurídico:

I - quando praticado por pessoa absolutamente incapaz (art. 5º);

II - quando for ilícito, ou impossível, o seu objeto;

III - quando não revestir a forma prescrita em lei (arts. 82 e 130);

IV - quando for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;

V - quando a lei taxativamente o declarar nulo ou lhe negar efeito.

Como ressaltamos, o negócio nulo não gera efeitos, porque ele, de fato, nunca existiu. A declaração de nulidade de um ato jurídico opera efeitos retroativos (ex tunc), porque algo nulo é algo que jamais existiu em momento algum.

A simulação, juntamente com os outros atos praticados com o intuito de prejudicar a outra parte ou terceiro, foram tratados pelo Código Civil e 1916 como causas ensejadoras da anulação do negócio jurídico. E nulidade e anulação, apesar de possuírem um mesmo radical, não são sinônimas. Enquanto a nulidade é mais grave, pois atinge normas de ordem pública e, devido à sua essência, faz com que seu alcance seja mais amplo, operando, como já mencionamos, retroativamente.

A anulabilidade, por sua vez, apesar de ser problema grave, é menos gravosa do que a nulidade. Há, nela, a intenção de se proteger, primordialmente o consentimento do agente. Caio Mário da Silva Pereira traça linhas extremamente precisas sobre a anulabilidade:

Nela não se vislumbra o interesse público, porém a mera conveniência das partes, já que na sua instituição o legislador visa à proteção de interesses privados. O ato é imperfeito, mas não tão grave nem profundamente defeituoso, como nos casos de nulidade, razão pela qual a lei oferece ao interessado a alternativa de pleitear a obtenção de sua ineficácia, ou deixar que os seus efeitos decorram normalmente, como se não houvesse irregularidade, o que se reflete no problema dos efeitos. (2004:639-640)

Assim, traz o Código de 1916, em seu artigo 147, as causas que ocasionam a anulação do ato jurídico:

É anulável o ato jurídico:

I - por incapacidade relativa do agente (art. 6º);

II - por vício resultante de erro, dolo, coação, simulação, ou fraude (arts. 86 a 113)

Claro resta, portanto, que a simulação, no regime traçado pelo Antigo Código Civil, era causa ensajodora de anulação do negócio jurídico, assim como os outros defeitos dos negócios jurídicos.

A partir da análise desses conceitos preliminares, partiremos para a análise da simulação em si, dentro da lógica do Código Anterior. A Lei preferiu não definir o que seria simulação; ao autor do Anteprojeto do Código, porém, pareceu importante que se fizesse, em caráter doutrinário, a definição do instituto, bem como dos demais institutos presentes na Codificação. Da simulação, falou Clóvis Beviláqua:

Diz-se que há simulação, quando o acto existe apenas apparentemente, sob a fórma em que o agente o faz entrar nas relações da vida. É um acto fictício, que encobre e disfarça uma declaração real da vontade, ou que simula a existência de uma declaração que se não fez (1951:287-288).

Necessário se fazia o intuito de alguma das partes de, agindo de má-fé, prejudicar alguém ou fraudar a lei (Cf. BEVILÁQUA, 1951:288-289). Conforme ressaltado em páginas anteriores, era preciso que uma das partes atuasse com o intuito de lesar a outra, sendo irrelevante ao Direito, porém, a simulação em que ambas tinham conhecimento, não havendo engano nem nada parecido. Nesse sentido, é expressa a determinação do Código Civil [1].

Apesar de não ter definido o que seria simulação, a Lei trouxe o que vem a caracterizar um ato jurídico como simulado. De maneira até mesmo didática, o artigo 102 do Código Civil é preciso ao trazer essas situações caracterizadoras da simulação:

Haverá simulação nos atos jurídicos em geral:

I - quando aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas das a quem realmente se conferem, ou transmitem;

II - quando contiverem declaração, confissão, condição, ou cláusula não verdadeira;

III - quando os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.

Portanto, concebida foi a simulação, pelo Código de 1916, como vício de vontade, ou seja, como causa de anulabilidade do ato jurídico, estando intimamente ligada às partes. Certamente, Clóvis Beviláqua deve ter sofrido grande influência do mestre de todos os civilistas brasileiros do século XIX, Teixeira de Freitas [2], o qual, na sua Consolidação das Leis Civis, artigo 358, trazia a simulação como defeito ligado ao interesse das partes.

§4º

Com o Código Civil de 2002, profundas alterações se operaram na legislação civil brasileira. Entre as instituições que mais modificações sofreram, encontra-se a simulação, a qual teve praticamente toda a sua essência alterada.

A mais significativa modificação operou-se na natureza do instituto. Deixou de ser a simulação vício de consentimento, como estava anteriormente previsto pelo Código de 1916, para se tornar causa de nulidade dos negócios jurídicos. Houve, assim, a aceitação de que a simulação não seria mais mero defeito do negócio jurídico, mas sim gravíssimo vício da ordem legalmente estabelecida. A sua definição não foi alterada: continua a ser celebração de "ato, que tem aparência de normal, mas que na verdade, não visa ao efeito que juridicamente devia produzir" (PEREIRA, 2004:636), sendo, assim, declaração de vontade, porém de forma enganosa.

Seguiu-se a prescrição do Direito Civil Alemão sobre a simulação. O Código Civil Alemão (BGB) [3], §117, tratando sobre os negócios aparentes (Scheingeschäft), determina serem nulas as declarações de vontade feitas por outros, com o seu consentimento, só por uma questão de aparência [4].

A simulação, no Código Civil de 2002, pode ser tanto absoluta quanto relativa. Na primeira, há declaração de vontade destinada a não produzir resultado algum. Nos dizeres de Caio Mário da Silva Pereira, "o agente aparentemente quer, mas na realidade não quer; a declaração de vontade deveria produzir um resultado, mas o agente não pretende resultado nenhum" (2004:637). Já na segunda, tem o negócio simulado a pretensão de encobrir o negócio verdadeiramente pretendido, sendo chamada de relativa devido ao fato de que a emissão de vontade feita por uma das partes é divergente daquilo que ela, de fato, deseja que aconteça.

Outra alteração importante originou-se da natureza de ordem pública da norma infringida. Como existe a possibilidade de ambas as partes estarem simulando o negócio, como no amplamente utilizado exemplo da simulação de compra e venda para esconder a pretendida doação, a fim de que terceiro saísse prejudicado, não existe a possibilidade de acordo ou de transação, nem muito menos a possibilidade ser o negócio simulado parcialmente válido. Enquanto a anulabilidade, a qual deve ser argüida pelas partes, admite a invalidade parcial do negócio jurídico [5], não há que se falar em nulidade parcial. O negócio é nulo ou não é; utilizado-nos da ontologia aristotélica, há duas categorias distintas para o caso, o ser e o não-ser; uma é a negação da outra, não sendo admitido terceiro gênero.

A cabeça do artigo 167, entretanto, traz ponto interessante sobre essa questão, ao diferenciar os efeitos das simulações absoluta e relativa [6]. Enquanto a primeira é logo declarada nula, por completo, para a relativa, ou dissimulação, como preferiu o Código de 2002, este previu a possibilidade de subsistir o negócio, desde que válidas sejam a substância e a forma adotadas. Assim, no exemplo dado, se as partes tiverem utilizado os meios válidos já tratados, a doação será válida, desde que não venha a ferir direito de terceiro. A compra e venda, porém, jamais terá existido, porque nula foi declarada.

O parágrafo primeiro do artigo 167 [7] em nada alterou os casos em que se dá a simulação, sendo mera cópia do artigo 102 do Código Civil de 1916. No parágrafo seguinte [8], ficam ressalvados os direitos de terceiros de boa-fé perante aqueles que contrataram em negócio jurídico simulado.

Uma conseqüência natural da transferência da simulação para as causas de nulidade dos negócios jurídicos é possibilidade de a simulação, assim como as outras causas de nulidade, ser alegada por qualquer interessado, além do Ministério Público, quando for caso de sua intervenção [9]. Reconheceu-se, ainda, a imprescritibilidade da simulação [10], característica marcante de praticamente todas as outras determinações absolutas da legislação civil e processual civil.


3 SIMULAÇÃO NO DECRETO-LEI 7.661/1945

O Decreto-Lei 7.661/1945 foi o documento legal que regulou as falências e as concordatas durante sessenta anos. Nascido nos últimos momentos do Governo Vargas, suas determinações atravessaram sete décadas diferentes, dois regimes autoritários e dois períodos democráticos, o último deste inaugurado com a Constituição de 1988. O primor com que foi elaborado o Decreto-Lei é percebido justamente quando o confrontamos com a nossa Lei Fundamental e percebemos que poucos foram os dispositivos do Decreto que se chocaram com a Constituição.

Apesar disso, porém, as alterações no Direito, ao longo dessas décadas, foram bastante significativas, o que fez surgir a necessidade de se criar uma nova regulamentação para as falências. Do mesmo modo, precisa de quase total reformulação a sessão que versava sobre a concordata, instituto que não mais se adequava à realidade brasileira.

Diante dessas questões, procurou-se editar novo diploma falimentar, o qual surgiu com a Lei n° 11.101/2005, que muitas modificações introduziu no Direito Comercial brasileiro, sendo a principal delas a extinção da concordata, a qual foi substituída pela figura da recuperação judicial.

Necessário se faz, porém, traçar comentários referentes à simulação, tema principal deste trabalho, no âmbito do Decreto-Lei. Para isso, utilizaremos o sistema de comentar cada artigo que trate da questão, a fim de que não fique cansativo nem repetitivo o nosso texto. Assim, seguiremos a ordem que o legislador preferiu, ou seja, a de aparecimento na lei.

§6º

Logo no início do Decreto-Lei, no artigo 2º, aparecem situações que caracterizam a falência de determinado comerciante [11]. Além da causa geral apontada pela cabeça do artigo 1º, a qual é a impontualidade, o segundo artigo deste diploma normativo traz sete situações que, ocorrendo faticamente, fazem crer que o devedor está falido.

Dentre as sete hipóteses elencadas pelo Decreto-Lei, aparecem duas que merecem ser comentadas, por interessarem ao nosso trabalho. A primeira delas, no inciso II, relaciona-se indiretamente ao tema em discussão.

A partir da leitura do referido inciso, vê-se que é possível a sua decomposição em três segmentos, a saber, (1) liquidação precipitada, (2) utilização de meios ruinosos e (3) utilização de meios fraudulentos, sendo que os dois últimos com a finalidade de realizar pagamentos. A diferença entre estes é bastante tênue, mas não deixa de existir. Trajano Miranda Valverde, com a sua conhecida habilidade com as palavras, traça os elementos diferenciadores das duas situações:

Os meios ruinosos consistem, geralmente, na realização de negócios arriscados ou de puro azar, no abuso de responsabilidades de mero favor, nos empréstimos a juros excessivos, na alienação de máquinas ou instrumentos indispensáveis ao exercício do comércio. Os meios fraudulentos revelam-se nos artifícios ou expedientes empregados pelo comerciante para conseguir dinheiro ou mercadorias, na apropriação indébita de valores confiados à sua guarda (1962:45).

Sendo os meios fraudulentos a que a Lei se refere aqueles cometidos maliciosamente, com o intuito de obter vantagem sobre os credores, acreditamos que o Legislador quis fazer deles um grande gênero, albergando, dentre outras hipóteses, a simulação. Portanto, não poderíamos deixar de relacionar este inciso com a simulação.

Há, contudo, no inciso IV, referência expressa a simulação. É o caso da realização de negócio simulado, tendo este, necessariamente, a finalidade de retardar pagamentos ou fraudar credores. Aqui, tem-se que a fraude é um fim a perseguido por quem simula: inicialmente, tenta-se atrasar o pagamento através do negócio simulado; se for bem sucedida, a tentativa transforma-se em completa fraude. Não que fraude deixe de existir já na primeira conduta, mas é com a consolidação da situação de simulação que se perpetua o estado de fraude.

Apesar de a fraude ser o grande fim perseguido por esta conduta, pode esta finalidade se manifestar de diversas maneiras, desde "o desvio, a sonegação ou ocultação de bens, em proveito do próprio devedor ou de terceiro, credor ou não, ou, ainda, a criação de uma obrigação ou dívida com falsa causa" (VALVERDE, 1962:47).

Importante se faz lembrar que a Lei ressalva não ser apenas a ação concretizada do negócio simulado que caracteriza a hipótese em análise, mas também a tentativa. Esta, porém, está condicionada à prova inequívoca.

§7º

Em seguida, há menção indireta à simulação no artigo 53 do Decreto-Lei, o qual, transcrito a seguir, dispõe claramente:

Art. 53. São, também, revogáveis, relativamente à massa, os atos praticados com a intenção de prejudicar credores, provando-se a fraude do devedor e do terceiro que com ele contratar.

Este artigo está inserido em seção que aborda a questão da revogação dos atos praticados pelo devedor antes da falência. Versa, assim, sobre situações que, se ocorrerem, ocasionam um fenômeno comum no Direito Privado, que é o da invalidação ou revogação de atos cujos efeitos já ocorreram no mundo jurídico. O Código Civil de 1916, neste ponto seguido pelo de 2002, separou esses atos em nulos ou anuláveis, os quais já foram abordados no capítulo anterior.

O artigo 52 traz casos [12] que, ocorrendo no mundo dos fatos, são ineficazes juridicamente, não sendo, porém, a fraude elemento necessário, vindo a agravar a situação do réu se acontecer. E é em relação à fraude que se pode determinar a grande diferença entre os artigos 52 e 53:

A ineficácia dos atos especificados no art. 52 está para a ineficácia, de que cogita o art. 53, como a nulidade em relação à anulabilidade. O fato da falência, por si só, determina a ineficácia dos atos discriminados no art. 52. A fraude, entretanto, é necessária para conseguir-se a decretação da ineficácia dos atos a que alude o art. 53. (VALVERDE, 1955, 12-13)

Seria, portanto, anulável ato praticado com a intenção de prejudicar credores. Condicionava-se, porém, a invalidade à prova da atuação no sentido de haver fraude por parte do devedor. É o consilium fraudis, consciência do devedor de que o ato por ele praticado prejudicará o seu credor.

O ato cometido pelo devedor deve ser necessariamente fraudulento. Entretanto, a Lei não faz restrições quanto à possibilidade de se aplicar a esta hipótese a chamada simulação fraudulenta, que, apesar da proximidade, não se confunde, ontologicamente, com a fraude. Enquanto nesta há ato verdadeiro do qual decorre determinado prejuízo aos credores, sendo este previsto pelo devedor, naquela "as partes executam aparentemente um ato, que não tinham a intenção de fazer, com o objetivo de prejudicar a terceiros, ou de violar disposição de lei" (VALVERDE, 1955, 48-49). São, inegavelmente, bastante parecidas, porque há em ambas a intenção de prejudicar credores ou terceiros.

Conforme mencionado no capítulo a este anterior, a sistemática adotada pelo Código Civil de 2002 alterou bastante a matéria hora discutida, visto que a simulação passou a ser causa de nulidade do negócio jurídico. Assim, se vigorasse ainda o Decreto-Lei, não mais poderíamos aproximar a simulação do artigo 53. Como o Decreto-Lei foi revogado, não há mais razão para se discutir a questão.

§8º

O síndico era a figura nomeada para conduzir a falência, ou melhor, a administração da falência, nos termos da Lei [13]. Entre os artigos 59 e 69 do Decreto-Lei, encontravam-se as disposições sobre o síndico, ou seja, quem poderia e quem não poderia ser síndico, e sobre as suas atribuições.

Com a Lei 11.101/2005, foi extinta esta figura, substituída pelo Administrador Judicial, o qual se faz presente tanto na Falência quanto na Recuperação Judicial. Muitas das funções do síndico permaneceram para a figura que lhe substituiu, sendo, no entanto, algumas tarefas excluídas e outras novas apareceram.

No que diz respeito ao tema do nosso trabalho, há ponto em que a Lei atribui competência ao síndico, dividida com qualquer outro credor, para atuar se for constatada simulação, dentre outros casos, no crédito [14]. Pode ser tanto no âmbito material (no título que representa o crédito) quanto fático (na obrigação em si, o fato que fez com que surgisse a dívida).

Aqui, trata-se, é importante que se frise, de simulação por parte do credor, e não do devedor. Foi aquele que atuou maliciosamente no sentido de prejudicar o devedor, o qual foi enganado. A atuação contra legem partiu daquele que alegou ser detentor de crédito frente ao devedor.

Ao tratar deste tema, Trajano Miranda Valverde se refere à descoberta de simulação como a descoberta "dos artifícios ou expedientes fraudulentos que foram empregados pelo declarante para encobrir a sua desonesta pretensão, dando ao ato aparência de legítimo e verdadeiro, com o objetivo de prejudicar a terceiros ou de violar disposição de lei" (1955:281-282).

Merece ser lembrada a ressalva legal de que o período máximo para o ajuizamento do pedido é a data do encerramento do processo de falência. E é o mesmo Valverde que nos faz recordar qual o instrumento que deve ser utilizado no caso, a saber, a ação de revisão, espécie de ação rescisória cujo objetivo é "excluir o credor ilegitimamente admitido ou corrigir a classificação por ele indevidamente obtida, ou simplesmente retificar a importância do crédito" (1955:283).

§9º

Rápida menção faremos ao artigo 101 [15] do Decreto-Lei. Este determina que a decisão de juiz ou de tribunal que excluiu ou reduz crédito por fraude deve mandar que o escrivão tire cópias das peças e da sentença para mandar para o Ministério Público, para fins penais. O prazo para ser realizado o feito devia ser de dez dias.

Os crimes penais a que a lei se refere são os trazidos pelos artigos 188 e 189 do Decreto-Lei, que serão tema dos dois próximos tópicos.

A determinação legal parecia ser bastante interessante quando do seu surgimento. Afinal de contas, não havia a rapidez na transmissão de dados de que atualmente dispomos. Com essas transmissões em tempo real, facilitadas imensamente pela internet, parece, data vênia a expressão, tola a preceituação legal, mas, para a década de 40, quando foi editado o Decreto-Lei, representou grande avanço no sentido de se interligarem as decisões cíveis e penais, e estas seriam bastante facilitadas pela comunicação entre o juízo falimentar e o Ministério Público.

Entretanto, já dez anos após a edição do Decreto-Lei, Valverde falava do problema da aplicação deste artigo: "O mandamento da lei é quase sempre descurado pelos juízes e tribunais. No entanto, se fosse fielmente observado, viria concorrer para a moralização dos processos de falência e concordata preventiva" (1955:288).

§10

O Decreto-Lei 7.661/1945, assim como o fez também a Lei 11.101/2005, trouxe rol de condutas consideradas criminosas. Tratam-se dos crimes falimentares, encontrados no Título XI do Decreto-Lei, onde podem ser achadas, ainda, as disposições que regulam esses crimes, tais como efeitos da condenação, reabilitação penal e prescrição.

Nove condutas foram tipificadas pelo artigo 188, mas o fato de estarem em um mesmo artigo e a elas caber a mesma pena, a qual, por sinal, é idêntica a do artigo 187 [16], não faz dessas condutas parte de um mesmo crime. Ao contrário; constituem crimes independentes, unidos, entretanto, por elemento comum, que é o dolo de agir fraudulentamente. Assim eram definidas essas condutas, como crimes de falência fraudulenta, pela Lei n° 2.024/1908, que regia as falências antes do Decreto-Lei.

E assim dizia o artigo 188:

Art. 188. Será punido o devedor com a mesma pena do artigo antecedente, quando com a falência concorrer algum dos seguintes fatos:

I - simulação de capital para obtenção de maior crédito;

II - pagamento antecipado de uns credores em prejuízo de outros;

III - desvio de bens, inclusive pela compra em nome de terceira pessoa, ainda que cônjuge ou parente;

IV - simulação de despesas, de dívidas ativas ou passivas e de perdas;

V - perdas avultadas em operações de puro acaso, como jogos de qualquer espécie;

VI - falsificação material, no todo ou em parte, da escrituração obrigatória ou não, ou alteração da escrituração verdadeira;

VII - omissão, na escrituração obrigatória ou não, de lançamento que dela devia constar, ou lançamento falso ou diverso do que nela devia ser feito;

VIII - destruição, inutilização ou supressão, total ou parcial, dos livros obrigatórios;

IX - ser o falido leiloeiro ou corretor.

Pela leitura, podemos perceber a menção à simulação em dois incisos, que serão debatidos agora.

Logo no inciso I, faz a Lei menção à simulação de capital para obtenção de maior crédito. Nessa situação, o devedor mente sobre a quantidade de capital da empresa, declarando um valor maior do que o real. Assim procedendo, a empresa ganha mais credibilidade no mercado, pois aparenta estar mais solidificada do que realmente está. Desta forma, aproveita-se da mentira por ele criada para fazer com que os outros acreditem nela e, assim, passem a investir na empresa.

Não há necessidade de existir intenção de prejudicar terceiros ou de infringir preceito de lei. O que aparece como elementar do tipo, na realidade, é a motivação de obter maior crédito para a empresa.

O outro caso em que a simulação figura neste artigo é o do inciso IV, quando é criminosa a simulação de despesas, de dívidas ativou ou passivas e de perdas. O devedor, nas palavras de Trajano de Miranda Valverde, "simula os fatos lançados nos seus livros, violando por esta forma a lei, que considera dever primordial do comerciante a escrituração ordenada dos fatos reais de sua vida de negócios e exige que o balanço seja a expressão fiel da verdade" (1962:71).

A intenção do devedor é clara: tanto ao mentir sobre o ativo quanto sobre o passivo, tenta passar uma imagem de que a empresa se encontra em melhor estado do que aquele em que realmente se apresenta, ou por declarar possuir ativo maior do que o real ou passivo menor do que o de fato.

§11

Por fim, o último tema a ser abordado neste capítulo versa sobre o crime previsto pelo artigo 189 do Decreto-Lei 7.661/1945, que desta forma dispõe:

Art. 189. Será punido com reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos:

I - qualquer pessoa, inclusive o falido, que ocultar ou desviar bens da massa;

II - quem quer que, por si ou interposta pessoa, ou por procurador, apresentar, na falência ou na concordata preventiva, declarações ou reclamações falsas, ou juntar a elas títulos falsos ou simulados;

III - o devedor que reconhecer como verdadeiros, créditos falsos ou simulados;

IV - o síndico que der informações, pareceres ou extratos dos livros do falido inexatos ou falsos, ou que apresentar exposição ou relatórios contrários à verdade.

Em dois dos quatro incisos (no II e no III), o Legislador tratou especificamente da simulação, e esses dois incisos serão a matéria discutida aqui. Antes, porém, é preciso que se repita, junto com Valverde, importante disposição comum sobre os crimes deste artigo

A sentença declaratória da falência é o pressuposto jurídico dos crimes definidos no artigo, embora em dois casos, como veremos, o começo de execução ou os meios empregados para a consumação do crime possam preceder a sentença de abertura da falência (1962:77).

Define o Decreto-Lei como conduta criminosa o ato de apresentar, tanto na falência quanto na concordata preventiva, declarações ou reclamações falsas, ou juntar a elas títulos falsos ou simulados. A conduta que nos interessa, portanto, é juntada de título simulado em declaração ou reclamação falsa. Bastante comum é a combinação entre o declarante do crédito e o falido ou concordatário, fazendo nascer simulação fraudulenta. É essencial que nos lembremos de que qualquer pessoa pode cometer este crime, não se restringindo ao devedor; assim, podem fazê-lo perfeitamente credor (ou falso credor) ou terceiro, tornando possível o encaixe na hipótese tratada linhas acima.

Complementando-se à hipótese trazida pelo inciso II, aparece a conduta do devedor de reconhecer como verdadeiros títulos simulados. Obviamente, ele precisa agir dolosamente, tendo consciência da natureza simulada do título. O cometimento, pelo devedor, da conduta típica trazida pelo inciso III tem como pressuposto a existência de conduta criminosa de outra pessoa, a qual deve se enquadrar no tipo trazido pelo inciso anterior.


4 SIMULAÇÃO NA LEI 11.101/2005

Inicialmente, no que diz respeito à simulação na Lei n° 11.101/2005, trataremos deste problema perante os credores. Assim, apresentaremos, nas próximas linhas, as conseqüências da simulação quando emitida pelos credores, ou seja, quando estes simularem algo.

O objeto da simulação, quando esta parte dos credores, é, via regra, o crédito. Como o crédito é algo incorpóreo, abstrato, precisa de uma representação concreta, material, a qual comprovará a relação obrigacional existente entre o devedor de que trata a Lei em análise e aquele que alega ser o credor. Se, de fato, existir a obrigação, estaremos diante de uma relação creditícia entre essas duas partes.

O estado de falência é caracterizado pela impossibilidade, por parte de determinado devedor, de adimplir as obrigações por ele assumidas. A sistemática da Nova Lei privilegiou a recuperação da atividade empresarial, ao contrário do que fazia o Decreto-Lei, muito mais preocupado com a recuperação do empresário individualmente considerado. Atualmente, portanto, a regra é de que só se opte pela falência quando não houver outro caminho mais viável e menos gravoso, já que a atividade empresarial deve ser preservada quando possível.

Quando se mostrar viável o salvamento da atividade empresarial, deve-se proceder ao que a Lei chamou de Recuperação da Empresa, seja ela Judicial ou Extrajudicial; a primeira, porém, recebeu maior atenção do Legislado, o que nos faz crer que ela se trata da opção por ele preferida entre as duas.

Tanto na Falência quanto na Recuperação Judicial, existe a fase comum da habilitação dos créditos, momento em que os credores comparecem para alegar serem titulares de crédito, o que implica passarem eles a ser os litisconsortes ativos necessários do processo falimentar, após a habilitação. Ciente de que os créditos não são todos iguais, o Legislador os dividiu em três categorias, as quais são a dos créditos trabalhistas e decorrentes de acidentes de trabalho, a dos créditos com garantia real e dos créditos quirografários, com privilégio especial ou com privilégio real [17].

O processo de habilitação dos créditos foi tratado de maneira comum tanto para a Falência quanto para a Recuperação Judicial, mas há diferenças quanto aos momentos que antecedem a habilitação. Para a Recuperação Judicial, preceitua a Lei que o juiz, estando corretamente juntada a documentação exigida pelo artigo 51 [18], deverá ser deferido o processamento, devendo o magistrado tomar as atitudes previstas ao longo dos incisos da cabeça do artigo 52 [19], bem como deve tomar a providência de que trata o parágrafo primeiro deste artigo:

§ 1º O juiz ordenará a expedição de edital, para publicação no órgão oficial, que conterá:

I – o resumo do pedido do devedor e da decisão que defere o processamento da recuperação judicial;

II – a relação nominal de credores, em que se discrimine o valor atualizado e a classificação de cada crédito;

III – a advertência acerca dos prazos para habilitação dos créditos, na forma do art. 7º, § 1º, desta Lei, e para que os credores apresentem objeção ao plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor nos termos do art. 55 desta Lei.

É a partir da publicação desse edital que podem os credores requerer a habilitação dos seus créditos, tendo prazo de quinze dias para fazê-lo [20]. A relação de credores constante no edital não é definitiva, sendo sábios os dizeres de Gladstone Mamede:

A relação de credores não é um retrato do passivo da empresa; não diz de seus credores nem de seu valor (nem do todo, nem de cada parte); é, isto sim, um retrato das pretensões sobre o ativo da empresa: a relação daqueles que pretendem direitos sobre esse ativo, que se pretendem credores, bem como dos respectivos valores. Melhor seria, portanto, chamá-la de relação de pretensos credores (…) (2006:161).

Isso se dá em decorrência da possibilidade de se impugnarem os créditos apresentados na relação de credores. Os legitimados ativos para proporem a impugnação são o devedor ou seus sócios, o Comitê de Credores, qualquer outro credor ou o Ministério Público, sendo o prazo de dez dias contado a partir da publicação do edital, nos termos do artigo 8º da Lei de Falências. A impugnação é outro processo judicial, e, como tal, exige petição inicial própria; necessárias se fazem as provas daquilo que está sendo alegado.

Em se tratando de processo apartado, possui rito próprio, previsto entre os artigos 13 e 17 da referida Lei. Como o credor que tiver seu crédito impugnado pode ser o legítimo detentor deste, o juiz, a fim de evitar que se cometa injustiça, deve determinar a reserva desses valores [21]. Ao final do procedimento da impugnação, restará provada legitimidade ou a ilegitimidade do crédito.

Muitas são as razões que podem justificar a impugnação de determinado crédito. Entre elas, certamente, está a de que o crédito apresentado na habilitação é oriundo de simulação ou outro vício dos negócios jurídicos. Sendo a simulação, conforme demonstrado em páginas anteriores, problema de ordem pública, de acordo com o Código Civil de 2002, pode vir a ser alegada a qualquer tempo.

Para os efeitos de falência ou de recuperação judicial, a Lei 11.101/2005 concedeu aos mesmos legitimados para impugnar crédito a possibilidade de se manifestarem, pedindo a exclusão, a nova classificação ou a retificação de crédito que fora descoberto como sendo proveniente de fraude [22]. É claro que nada impede que seja alegada a simulação depois do término da falência ou da recuperação judicial, pois, como já foi exposto, passou a ser a simulação causa de nulidade do ato jurídico; acontece que, estando terminados esses procedimentos, a pendenga judicial será entre o devedor e o falso credor, ultrapassando os limites do estudo por nós hora realizado. Portanto, para os objetivos deste trabalho, é mais interessante que analisemos a possibilidade de alegação de simulação ao longo de todo o processo de falência ou de recuperação judicial.

O Administrador Judicial, que é figura comum tanto à falência quanto à recuperação judicial, tem esse poder de se manifestar no processo quando perceber que se está diante de simulação. Em regra, a atuação do administrador é imparcial, não lhe cabendo qualquer valoração quanto aos créditos por ele próprio relacionados. Uma de suas primeiras tarefas é levantar a lista dos possíveis credores a partir da análise dos livros da empresa, onde podem ser encontrados dados efetivos sobre o passivo da empresa. Entretanto, há situações que podem levar ao administrador o conhecimento de que houve simulação, sendo seu dever, perante a empresa que está administrando momentânea ou definitivamente, zelar pela sua pronta recuperação, se for o caso e recuperação judicial, ou pela satisfação completa e definitiva dos credores, caso tenha se dado a falência. Assim, firma-se a sua obrigação de tomar as providências encontradas no artigo 19 da Lei de Falências. É importante lembrar que é dever do administrador judicial se manifestar nos casos em que a Lei prever, de acordo com o artigo 22, I, i.

Igualmente, cabe ao Comitê de Credores, criação da Nova Lei de Falências [23], se manifestar quando a referida Lei determinar, de acordo com o artigo 27, I,f. Assim, o caso previsto pelo artigo 19 é de expressa previsão legal para manifestação do Comitê de Credores, o que implica que essa manifestação se constitui dever do Comitê, e dever é algo que precisa ser seguido.

Por fim, o legislador falimentar reservou àquele que se caracterizou, ou mesmo tentou se caracterizar, como credor um tipo penal próprio. Trata-se do crime falimentar de habilitação ilegal de crédito. Diz a Lei:

Art. 175. Apresentar, em falência, recuperação judicial ou recuperação extrajudicial, relação de créditos, habilitação de créditos ou reclamação falsas, ou juntar a elas título falso ou simulado:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

A partir da análise do tipo penal, percebe-se a existência de algumas condutas típicas. Incorre no crime aquele que apresentar (1) relação de créditos, (2) habilitação de créditos ou (3) reclamação, sendo elas, necessariamente, falsas. Há, ainda, outra conduta, esta mais interessante ao nosso trabalho, que é a juntada de título falso ou simulado.

O caráter de ordem pública de que se revestiu a simulação com o Código Civil de 2002 é perceptível através da análise da tipificação desta conduta. Não só é nula a obrigação oriunda de título simulado; aquele que agiu no sentido de simular título comprovador de relação creditícia é criminoso e, ficando comprovada a sua conduta, recebe pena bastante dura.

§13

Tendo traçado comentários às relações entre simulação e credores, ou, mais precisamente, entre as simulações realizadas por credores, analisando as conseqüências desses atos, passaremos agora à discussão dos atos de simulação perpetrados pelos devedores, tanto na falência quanto na recuperação judicial.

Não há dúvidas de que a falência é um dos institutos mais complexos e interessantes do Direito. A situação que se forma após a caracterização de um devedor, empresário ou sociedade empresária, como falido é singular, e singulares são, também, as medidas que devem ser tomadas para sanar os problemas daquele que não tem condições de arcar com as suas dívidas.

A principal característica de um devedor falido é a sua impontualidade. Tem-se, portanto, grande conflito: alguém tem dívidas cujo vencimento está marcado para determinado dia; este dia chegou, mas, por algum motivo, o devedor não as adimpliu. Normal é a empresa deixar de pagar suas dívidas no período marcado, e diversas razões podem originar essa impontualidade. A empresa pode estar passando por dificuldades financeiras momentâneas oriundas, por exemplo, de outra dívida, na qual ela figura como credora, e, sendo esta adimplida, fará com que novos fundos entrem na empresa para que sejam pagas as suas dívidas. Conclui-se, assim, que nem todo devedor impontual está realmente falido.

Acontece que, estando a impontualidade conjugada com outro estado do devedor, a falência estará muito próxima de se concretizar. Esse estado a que nos referimos é o de insolvência, a qual "é a condição de quem não pode saldar suas dívidas" (ALMEIDA, 2007:23). Não é qualquer dívida que caracteriza um devedor com insolvente. É precisa que existam muitas dívidas, ou, pelo menos, um montante de dívidas numeroso frente ao patrimônio da empresa. Esse montante de dívidas é chamado de passivo, que consiste, desta forma, em tudo o que a empresa deve. Do outro lado, tudo aquilo de que a empresa dispõe para arcar com as suas obrigações, seja em dinheiro ou em bens, constitui o seu ativo. É característico do estado de insolvência, portanto, um passivo maior do que um ativo.

Essas situações caracterizam, genericamente, a falência. Há, porém, outros casos que, se acontecerem, também caracterizam a falência. Esses, todavia, estão geralmente ligados à essência da idéia transmitida pela insolvência e pela impontualidade. Nas linhas a seguir, comentaremos cada um desses casos.

O Legislador Falimentar de 2005 trouxe, no artigo 94 da Lei, aquilo que a doutrina chama de Atos de Falência. Esses atos, uma vez identificados, são suficientes para caracterizar um devedor como falido. Como já dissemos, a idéia transmitida por esses atos é bastante ligada às idéias de insolvência e de impontualidade. Leiamos, então, a íntegra do artigo referido:

Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:

I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência;

II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal;

III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial:

a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos;

b) realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não;

c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo;

d) simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor;

e) dá ou reforça garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem ficar com bens livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo;

f) ausenta-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagar os credores, abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento;

g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação judicial.

§ 1º Credores podem reunir-se em litisconsórcio a fim de perfazer o limite mínimo para o pedido de falência com base no inciso I do caput deste artigo.

§ 2º Ainda que líquidos, não legitimam o pedido de falência os créditos que nela não se possam reclamar.

§ 3º Na hipótese do inciso I do caput deste artigo, o pedido de falência será instruído com os títulos executivos na forma do parágrafo único do art. 9º desta Lei, acompanhados, em qualquer caso, dos respectivos instrumentos de protesto para fim falimentar nos termos da legislação específica.

§ 4º Na hipótese do inciso II do caput deste artigo, o pedido de falência será instruído com certidão expedida pelo juízo em que se processa a execução.

§ 5º Na hipótese do inciso III do caput deste artigo, o pedido de falência descreverá os fatos que a caracterizam, juntando-se as provas que houver e especificando-se as que serão produzidas.

Podemos perceber que o Legislador adotou como caracteres principais do devedor falido a insolvência e a impontualidade, mas não de qualquer forma nem de vistas isoladamente. É preciso haver uma conjugação entre elas: não é qualquer devedor impontual que está falido, mas um devedor impontual que não tenha como arcar com as suas dívidas, porque está insolvente, conforme prevê o inciso I, onde o elemento do não-pagamento, característico da impontualidade prepondera sobre os demais; da mesma forma, os elementos da falta de depósito e de nomeação à penhora de bens suficientes para a quitação da dívida preponderam sobre os demais no inciso II, caracterizando, assim, a insolvência, pois se presume que o devedor não indicou os bens porque não os possuiu ou não os tens disponíveis.

Como se percebe da leitura do artigo em seu todo, essas duas hipóteses não esgotam as possibilidades de caracterização da falência. O inciso terceiro indica situações que também caracterizam o devedor como falido, ressalvando expressamente se elas forem parte de plano de recuperação judicial, como medidas para salvar a empresa.

As duas últimas situações, presentes nos incisos f e g, diferem em essência dos outros. Enquanto na primeira delas há o abandono da empresa sem deixar substituto em condições de continuar o comando dos negócios, na segunda está prevista hipótese genérica de descumprimento de obrigação assumida em plano de recuperação judicial. Este, conforme analisaremos em seguida, traz obrigações e metas que devem ser cumpridas pelo devedor para que possa ser salvada a atividade empresarial, constituindo benefício concedido à empresa; caso esta não atue conforme o que foi estabelecido, será decretada a falência. Assim, percebe-se que essas duas hipóteses de atos de falência não são tão próximas das cinco outras constantes no mesmo inciso.

Essas outras hipóteses, previstas entre os incisos a e e, nos interessam mais, no que diz respeito ao trabalho em desenvolvimento, do que as demais previstas no artigo. Isso porque elas possuem uma característica em comum, que é a prática de ato com o intuito de enganar os devedores, para fingir que está insolvente. Assim, ou pratica atos com intuito de enganar a todos os credores ou para pagar a uns e deixar outros sem receber. São grandes espécies de simulação as cinco primeiras hipóteses no artigo 94, III, apesar de a Lei ter usado o termo simulação somente em alguns deles. Entretanto, não importando quais os vocábulos de que lançou mão o Legislador, parece-nos bem mais importante compreender a natureza dos atos praticados, e claro resta que eles têm o intuito de simular situações que, de fato, não existem. Assim, analisaremos cada uma dessas cinco hipóteses, afim de que fique comprovada a tese de que elas todas consistem em simulações.

A primeira hipótese dos atos de falência pode ser decomposta em três subespécies distintas (Cf. MAMEDE, 2006:330). Num primeiro momento, pode ser decretada a falência se o devedor liquidar precipitadamente os seus ativos, ou seja, quando ele transforma o seu patrimônio em dinheiro de forma precipitada [24]. Desta forma, tem-se que, quando o devedor passa a se desfazer de seus bens, dando aparência de que ou está tentando se livrar de bens que podem vir a servir de garantia em futura execução contra ele, pode-se caracterizar estado de falência.

Em seguida, a mesma alínea trata do caso de o devedor lançar mão de meios ruinosos ou fraudulentos para realizar pagamentos. Segundo Amador Paes de Almeida, bastante comum, para caracterizar esta hipótese é a emissão de duplicatas frias, "assim consideradas aquelas que não correspondam à efetiva transação mercantil" (2007:76). Aqui, sim, tenta-se enganar os credores, agindo o devedor de maneira fraudulenta. Entre esses meios ruinosos ou fraudulentos, pode-se incluir a simulação, especialmente a hipótese prevista no artigo 167, §1º, II, do Código Civil [25].

A alínea seguinte do artigo 94, III, da Lei de Falências determina ser ato de falência a realização de negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a terceiro. A Lei diz que esse terceiro pode ou não ser credor e também não exige a efetiva realização desses atos, bastando que se prove que ele tentou realizar. Aqui a Lei fala expressamente em simulação, considerada como uma das hipóteses do artigo 167 do Código Civil. O intuito, entretanto, é bastante específico, pois o que se quer é diminuir, através da simulação, o ativo para que nem alguns ou todos os credores sejam prejudicados.

Há dois condicionamentos: o primeiro trata do percentual do patrimônio alienado, que pode ser em sua totalidade ou em parte; o segundo, por sua vez, versa sobre aquele que faz parte do negócio simulado, que pode ser credor ou não. Se alienado todo o patrimônio, é óbvio que nada restará para que fique garantida a solvabilidade do devedor; restando percentual, porém, alguns créditos poderão ser adimplidos, mas ainda não será o ideal, tanto porque haverá outros créditos inadimplidos quanto porque havia grande parcela do patrimônio que auxiliaria ao adimplemento da maioria dos créditos e, por conta do negócio simulado, não mais poderia fazer parte do ativo.

Elemento essencial a esta hipótese é a vontade de prejudicar, a qual é parte fundamental da simulação. Mamede fala da necessidade de se caracterizar o dolo específico no comportamento ora analisado, precisando, assim, da

intenção consciente de que o comportamento se realiza para criar uma situação de insolvência, em prejuízo dos credores. Daí o fundamento específico da decretação da falência: a má-fé do empresário ou administrador societário que age para enfraquecer a garantia genérica dos credores qual seja, o patrimônio ativo da empresa, transferindo-o a terceiros por meio de negócios simulados ou fraudulentos, bem como por atos que, mesmo não construindo-se como imitações ou falseamentos, revelam a intenção clara de esvaziar e enfraquecer o patrimônio ativo, tornando provável que as obrigações constantes do patrimônio passivo fiquem a descoberto, isto é, não sejam satisfeitas. (2006:335)

Outra espécie de simulação assim considerada expressamente pela Lei é a da alínea d, quando se refere à simulação da transferência do principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor. A definição de principal estabelecimento não é legal, mas, sim, doutrinária. É o local de comando, de onde partem as ordens da administração empresarial, sendo, em outros termos, a sede da administração (Cf. ALMEIDA, 2007:67). Levando-se em consideração que a competência para o juízo falimentar é do principal estabelecimento [26], a simulação da transferência é manobra utilizada para dificultar o pedido de falência ou mesmo a fiscalização tributária e trabalhista (Cf. ALMEIDA, 2007:77). É medida que se utilizada para o mal, pode ser bem eficaz, por obstar a aplicação da justiça, sendo, por isso, proibida.

Na mesma esteira da hipótese anterior, ainda tratando de transferência de estabelecimento, diz a Lei que se caracteriza ato de falência a transferência deste a terceiro, independentemente de ser credor. Não é qualquer transferência, todavia, que faz incidir esta determinação legal, necessário se fazendo (1) a falta de consentimento de todos os credores, e (2) a falta de bens suficientes para solver o passivo. Neste caso, ao contrário da hipótese comentada no parágrafo anterior, não há distinção entre estabelecimentos, podendo ser o principal ou qualquer outro, sendo considerado estabelecimento aquilo que assim foi definido pelo Código Civil de 2002 [27]. A importância do estabelecimento é imensa, pois, nas palavras de Mamede, ele funciona como

garantia genérica, não especializada, das obrigações assumidas, ex volutate ou ex legibus, no desempenho das atividades empresariais. Se com aquele que transfere o estabelecimento não restam bens suficientes para solver seu passivo, ou seja, para atender às obrigações empresariais, a alienação só será considerada plenamente eficaz se todos os credores forem pagos ou se consentirem com a transferência (…) (2006:337).

É necessário, desta forma, que, para haver a transferência do estabelecimento, sejam cumpridas as exigências legais. Acreditamos que o consentimento dos credores, em sua totalidade, quanto à transferência se ergue como mais importante para a situação, uma vez que, tendo o devedor obtido esse posicionamento, se faz possível a transferência independentemente de haver bens suficientes para solver o passivo.

Por fim, a derradeira hipótese de que trataremos por hora é a da alínea e, a qual versa sobre dação ou reforço de garantia a credor por dívida contraída anteriormente. Para que se caracterize a hipótese hora desenhada, porém, é preciso que o devedor, ao garantir dívida, que deve ser necessariamente anterior, fique sem bens livres para saldar as suas outras dívidas. Ao definir tal situação como ato de falência, quis o Legislador evitar a preferência de um ou alguns credores em detrimento de outros, ficando estes seriamente prejudicados quando da hora de receberem o que lhes é devido. Evita-se, também, a simulação com este inciso, pois poderia haver acerto entre devedor e algum dos credores para simular dação em garantia, com o intuito de prejudicar os outros devedores.

§14

No que diz respeito ao papel do devedor e a sua relação com a simulação na recuperação judicial, é preciso que se façam algumas especificações, abordando, inicialmente, a própria recuperação judicial, para, em seguida, passarmos ao tema propriamente dito.

A principal diferença entre os Diplomas Falimentares de 1945 e de 2005 diz respeito à mudança de prioridade dos objetivos de ambos. No Decreto-Lei, pretendia-se, principalmente, preservar o empresário, fazendo com que a execução falimentar fosse a menos gravosa possível para ele. Com a Lei 11.101/2005, ao mesmo tempo em que se garante o menor prejuízo possível ao empresário, transfere-se o foco de centro das atenções deste para a empresa, compreendida como atividade empresária. Portanto, tenta-se salvar a empresa, e, não sendo possível, tenta-se recuperar a atividade empresarial.

O salvamento da empresa se dá através da chamada recuperação, que pode ser judicial ou extrajudicial. A primeira, no nosso entender, foi privilegiada pelo legislador, já que a maior parte da Lei foi a ela reservada.

É preciso que se tenha em mente que nem todas as empresas podem ser recuperadas. Certo é que se deve buscar a sua manutenção, mesmo porque é interessante para economia nacional que o menor número possível de empresas quebre, além do que, é claro, a falência provocará a perda do emprego dos trabalhadores ligados à empresa. Contudo, estabelece a Lei de Falências restrições à recuperação judicial, podendo requerê-la o empresário individual ou a sociedade empresária que estiverem dentro das condições estabelecidas pela Lei [28].

A fim de que se atinja o intuito de recuperar a empresa, o devedor deve aprontar um plano de atividades a serem seguidas, para que, ao término no prazo estabelecido, as dívidas tenham sido adimplidas e a empresa deixe a condição de insolvente, ou seja, deixe ter passivo maior do que o ativo. O plano de recuperação judicial acompanha o pedido feito pelo devedor, juntamente com a vasta documentação discriminada pelo artigo 51 [29]. Furtar-nos-emos de comentar pormenorizadamente a documentação requisitada, por fugir do tema do nosso trabalho.

Ao verificar a documentação juntada à petição inicial, deve o juiz deferir o processamento da recuperação judicial. No mesmo ato, deve tomar algumas providências [30], dentre as quais a nomeação de um administrador judicial, figura chave desta secção da nossa pesquisa.

Figura essencial tanto na falência quanto na recuperação judicial, o administrador judicial "não é simples representante do falido, mas um órgão auxiliar da justiça" (ALMEIDA, 2007:200). A lista das suas competências é extensa, mas é preciso que se lembre que não compete nem a ele nem ao Comitê de Credores, quando este houver, a condução dos negócios da empresa. Esta, como regra, continua sendo gerida pelo devedor ou por seu administrador. Portanto, não nos confundamos: existe a figura do administrador judicial, cujas funções são discriminadas pelo extenso artigo 22 da Lei de Falência, diferente, porém, do administrador da empresa, que é aquele que conduz os negócios empresariais desde antes da falência ou da recuperação.

A condução dos negócios durante a falência ou a recuperação judicial, assim, é tarefa do próprio devedor ou mesmo de administrador seu, que pode ter sido investido no cargo antes da decretação da falência ou do deferimento da recuperação. Assim, frise-se novamente, o poder de decisão dos negócios cabe ao devedor. Esta é uma garantia importante e que faz parte da presunção de boa-fé do devedor, a qual, presume-se, chegou à situação hora descrita não por sua vontade ou por maldade sua, mas fatores outros.

Comporta, porém, a regra várias exceções, encontradas no artigo 64 da Lei de Falências, o qual agora colacionamos:

Art. 64. Durante o procedimento de recuperação judicial, o devedor ou seus administradores serão mantidos na condução da atividade empresarial, sob fiscalização do Comitê, se houver, e do administrador judicial, salvo se qualquer deles:

I – houver sido condenado em sentença penal transitada em julgado por crime cometido em recuperação judicial ou falência anteriores ou por crime contra o patrimônio, a economia popular ou a ordem econômica previstos na legislação vigente;

II – houver indícios veementes de ter cometido crime previsto nesta Lei;

III – houver agido com dolo, simulação ou fraude contra os interesses de seus credores;

IV – houver praticado qualquer das seguintes condutas:

a) efetuar gastos pessoais manifestamente excessivos em relação a sua situação patrimonial;

b) efetuar despesas injustificáveis por sua natureza ou vulto, em relação ao capital ou gênero do negócio, ao movimento das operações e a outras circunstâncias análogas;

c) descapitalizar injustificadamente a empresa ou realizar operações prejudiciais ao seu funcionamento regular;

d) simular ou omitir créditos ao apresentar a relação de que trata o inciso III do caput do art. 51 desta Lei, sem relevante razão de direito ou amparo de decisão judicial;

V – negar-se a prestar informações solicitadas pelo administrador judicial ou pelos demais membros do Comitê;

VI – tiver seu afastamento previsto no plano de recuperação judicial.

Parágrafo único. Verificada qualquer das hipóteses do caput deste artigo, o juiz destituirá o administrador, que será substituído na forma prevista nos atos constitutivos do devedor ou do plano de recuperação judicial.

Dentre as hipóteses previstas, duas se apresentam como interessantes ao nosso trabalho. A primeira delas é a do inciso III, que versa sobre a atuação com simulação contra o interesse de seus credores. Ora, para que o devedor continue gerindo o seu negócio é preciso que fique demonstrada a confiança tanto do juiz quanto, principalmente, dos credores, uma vez que é através desse gerenciamento que a empresa vai se recuperar, rendendo vencimentos que serão utilizados para o cumprimento das obrigações perante os credores. Não existindo mais essa relação de confiança, não há como se manter o devedor ou seu administrador na gestão dos negócios.

É preciso que se frise que essa atuação com simulação, que deve, não custa lembrar, ser intencional, precisa ser comprovada e pode ter sido antes mesmo do aforamento do pedido (ALMEIDA, 2006:276). A intenção de falamos é de prejudicar os credores, característica essencial da simulação.

O outro caso trazido por este artigo está na alínea d do inciso IV. Trata-se da simulação dos créditos apresentados perante a relação nominal dos credores de que trata o artigo 51, III da Lei de Falências. É o lançamento na relação de credores de obrigações inexistentes. Conforme Mamede, "também há simulação de crédito quando se tem uma alteração na qualidade do crédito" (2006:289). Ressalva, entretanto, que, se ficar justificada a ação em virtude relevante razão de direito ou em amparo de decisão judicial, descaracterizada ficam os efeitos da simulação.

Não poderíamos encerrar esta secção sem dizer que, verificada alguma das hipóteses do artigo 64, deve o juiz convocar assembléia-geral de credores para escolher um gestor judicial, este sim com poderes de comando, que passará a gerir a empresa, conforme preleciona o artigo 65.


Notas

Veja o artigo 103: "A simulação não se considerará defeito em qualquer dos casos do artigo antecedente, quando não houver intenção de prejudicar a terceiros, ou de violar disposição de lei".

[2] Augusto Teixeira de Freitas (1816-1883) era conhecido tanto pelo seu imenso conhecimento do Direito Civil quanto pela sua busca pela perfeição de suas obras. Entre os anos de 1855 e 1858, gastou a maior parte de seu tempo trabalhando em cima de um instrumento que pudesse reunir todas as leis versando sobre o Direito Civil no Império Brasileiro; findo o trabalho, batizou-lhe Consolidação das Leis Civis, obra que influenciou gerações de civilistas brasileiros e que ainda hoje ecoa nas produção civilista de qualidade. Diante da grandeza desse trabalho, o Governo Imperial incumbiu-lhe, em 1859, a tarefa de elaborar um anteprojeto de Código Civil para o Império, que vivia ainda um período de codificações, do qual nasceu o Código Comercial de 1850 e a Lei 737 (Código de Processo Comercial), do mesmo ano. A busca pela perfeição do jurista baiano fez com que, findos cinco anos sem resultados,o contrato fosse rescindido, permanecendo o trabalho incompleto. A influência de suas obras, porém, foi imensa, tanto no Brasil no exterior: o Código Civil Argentino de 1869, ainda hoje em vigor, elaborado por Vélez Sarsfield, foi profundamente influenciado tanto pela Consolidação quanto pelo Esboço de Teixeira de Freitas. O jurista paraense Silvio Meira, Titular de Direito Romano da Universidade Federal do Pará, escreveu aquela que, talvez, a maior biografia do jurista baiano: Teixeira de Freitas, o Jurisconsulto do Império.

[3] Bügerliche Gesetzbuch, de 1896, tendo entrado em vigor somente em 1900.

[4] §117, 1: „Wird eine Willenserklärung, die einem anderen gegenüber abzugeben ist, mit dessen Einverständnis nur zum Schein abgegeben, so ist sie nichtig".

[5] Art. 184. Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal.

[6] Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

[7] Art. 167. § 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:

I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;

II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;

III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.

[8] Art. 167. § 2º Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.

[9] Art. 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir.

[10] Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.

[11] Art. 2º Caracteriza-se, também, a falência, se o comerciante:

I - executado, não paga, não deposita a importância, ou não nomeia bens a penhora, dentro do prazo legal;

II - procede a liquidação precipitada, ou lança mão de meios ruinosos ou fraudulentos para realizar pagamentos;

III - convoca credores e lhes propõe dilação, remissão de créditos ou cessão de bens;

IV - realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o fito de retardar pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado, ou alienação de parte ou da totalidade do seu ativo a terceiro, credor ou não;

V - transfere a terceiro o seu estabelecimento sem o consentimento de todos os credores, salvo se ficar com bens suficientes para solver o seu passivo;

VI - dá garantia real a algum credor sem ficar com bens livres e desembaraçados equivalentes às suas dívidas, ou tenta essa prática, revelada a intenção por atos inequívocos;

VII - ausenta-se sem deixar representante para administrar o negócio, habilitado com recursos suficientes para pagar os credores; abandona o estabelecimento; oculta-se ou tenta ocultar-se, deixando furtivamente o seu domicílio.

[12] Art. 52. Não produzem efeito relativamente à massa, tenha ou não o contratante conhecimento do estado econômico do devedor, seja ou não intenção deste fraudar credores:

I - o pagamento de dívidas não vencidas realizado pelo devedor dentro do termo legal da falência, por qualquer meio extintivo do direito de crédito, ainda que pelo desconto do próprio título;

II - o pagamento de dívidas vencidas e exigíveis realizado dentro do termo legal da falência, por qualquer forma que não seja a prevista pelo contrato;

III - a constituição de direito real de garantia, inclusive a retenção, dentro do termo legal da falência, tratando-se de dívida contraída antes desse termo, se os bens dados em hipoteca forem objeto de outras posteriores, a massa receberá a parte que devia caber ao credor da hipoteca revogada;

IV - a prática de atos a título gratuito, salvo os referentes a objetos de valor inferior a Cr$ 1,00, desde 2 (dois) anos antes da declaração da falência;

V - a renúncia à herança ou a legado, até 2 (dois) anos antes da declaração da falência;

VI - a restituição antecipada do dote ou a sua entrega antes do prazo estipulado no contrato antenupcial;

VII - as inscrições de direitos reais, as transcrições de transferência de propriedade entre vivos, por título oneroso ou gratuito, ou a averbação relativa a imóveis, realizadas após a decretação do sequestro ou a declaração da falência, a menos que tenha havido prenotação anterior; a falta de inscrição do ônus real dá ao credor o direito de concorrer à massa como quirografário, e a falta de transcrição dá ao adquirente ação para haver o preço até onde bastar o que se apurar na venda do imóvel;

VIII - a venda, ou transferência de estabelecimento comercial ou industrial, feita sem o consentimento expresso ou o pagamento de todos os credores, a esse tempo existentes, não tendo restado ao falido bens suficientes para solver o seu passivo, salvo se, dentro de 30 (trinta) dias, nenhuma oposição fizeram os credores à venda ou transferência que lhes foi notificada; essa notificação será feita judicialmente ou pelo oficial do registro de títulos e documentos.

[13] Art. 59. A administração da falência é exercida por um síndico, sob a imediata direção e superintendência do Juiz.

[14] Art. 99. O síndico ou qualquer credor admitido podem, até o encerramento da falência, pedir a exclusão, outra classificação, ou simples retificação de quaisquer créditos nos casos de descoberta de falsidade, dolo, simulação, fraude, erro essencial ou de documentos ignorados na época do julgamento do crédito.

Parágrafo único. Esse pedido obedecerá ao processo ordinário, cabendo da sentença o recurso de apelação.

[15] Art. 101. O juiz ou tribunal que, por fundamento de fraude, simulação ou falsidade, excluir ou reduzir qualquer crédito, mandará na mesma sentença, que o escrivão tire cópia das peças principais dos autos e da sua sentença ou acórdão, a fim de ser, no prazo de 10 (dez) dias, encaminhada ao representante do Ministério Público, para os fins penais.

[16] Art. 187. Será punido com reclusão, por 1 (um) a 4 (quatro) anos, o devedor que, com o fim de criar ou assegurar injusta vantagem para si ou para outrem, praticar, antes ou depois da falência, algum ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores.

[17] Art. 41. A assembléia-geral será composta pelas seguintes classes de credores:

I – titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho;

II – titulares de créditos com garantia real;

III – titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados.

§ 1º Os titulares de créditos derivados da legislação do trabalho votam com a classe prevista no inciso I do caput deste artigo com o total de seu crédito, independentemente do valor.

§ 2º Os titulares de créditos com garantia real votam com a classe prevista no inciso II do caput deste artigo até o limite do valor do bem gravado e com a classe prevista no inciso III do caput deste artigo pelo restante do valor de seu crédito.

[18] Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída com:

I – a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira;

II – as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de:

a) balanço patrimonial;

b) demonstração de resultados acumulados;

c) demonstração do resultado desde o último exercício social;

d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção;

III – a relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente;

IV – a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de pagamento;

V – certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores;

VI – a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor;

VII – os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de investimento ou em bolsas de valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras;

VIII – certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial;

IX – a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais em que este figure como parte, inclusive as de natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores demandados.

[19] Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato:

I – nomeará o administrador judicial, observado o disposto no art. 21 desta Lei;

II – determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, observando o disposto no art. 69 desta Lei;

III – ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, na forma do art. 6º desta Lei, permanecendo os respectivos autos no juízo onde se processam, ressalvadas as ações previstas nos §§ 1º, 2º e 7º do art. 6º desta Lei e as relativas a créditos excetuados na forma dos §§ 3º e 4º do art. 49 desta Lei;

IV – determinará ao devedor a apresentação de contas demonstrativas mensais enquanto perdurar a recuperação judicial, sob pena de destituição de seus administradores;

V – ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento

[20] Conforme o artigo 7º da Lei de Falências.

[21] Art. 16. O juiz determinará, para fins de rateio, a reserva de valor para satisfação do crédito impugnado.

[22] Art. 19. O administrador judicial, o Comitê, qualquer credor ou o representante do Ministério Público poderá, até o encerramento da recuperação judicial ou da falência, observado, no que couber, o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil, pedir a exclusão, outra classificação ou a retificação de qualquer crédito, nos casos de descoberta de falsidade, dolo, simulação, fraude, erro essencial ou, ainda, documentos ignorados na época do julgamento do crédito ou da inclusão no quadro-geral de credores.

[23] A composição do Comitê de Credores é discriminada a seguir:

Art. 26. O Comitê de Credores será constituído por deliberação de qualquer das classes de credores na assembléia-geral e terá a seguinte composição:

I – 1 (um) representante indicado pela classe de credores trabalhistas, com 2 (dois) suplentes;

II – 1 (um) representante indicado pela classe de credores com direitos reais de garantia ou privilégios especiais, com 2 (dois) suplentes;

III – 1 (um) representante indicado pela classe de credores quirografários e com privilégios gerais, com 2 (dois) suplentes.

[24] Para Mamede, essa precipitação de trata a lei deve ser caracterizada por "operação apressada, desordenada ou, mesmo, que se apresente como inexplicavelmente ampla, a alcançar parcela significativa do ativo patrimonial da empresa. Mas é preciso, igualmente, que seja comportamento de todo injustificável, desarrazoado, motivo pelo qual não deve se qualificar como ato falimentar a liquidação justificada, como tal compreendida aquela que se explica pelo contexto e situação da empresa ou da economia, traduzindo operação própria do exercício da livre iniciativa" (2006:331).

[25] Art. 167. § 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:

II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;

[26] Art. 3º É competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil.

[27] Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.

[28] Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:

I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes;

II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial;

III – não ter, há menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo;

IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.

Parágrafo único. A recuperação judicial também poderá ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente.

[29] Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída com:

I – a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira;

II – as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de:

a) balanço patrimonial;

b) demonstração de resultados acumulados;

c) demonstração do resultado desde o último exercício social;

d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção;

III – a relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente;

IV – a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de pagamento;

V – certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores;

VI – a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor;

VII – os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de investimento ou em bolsas de valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras;

VIII – certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial;

IX – a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais em que este figure como parte, inclusive as de natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores demandados.

§ 1º Os documentos de escrituração contábil e demais relatórios auxiliares, na forma e no suporte previstos em lei, permanecerão à disposição do juízo, do administrador judicial e, mediante autorização judicial, de qualquer interessado.

§ 2º Com relação à exigência prevista no inciso II do caput deste artigo, as microempresas e empresas de pequeno porte poderão apresentar livros e escrituração contábil simplificados nos termos da legislação específica.

§ 3º O juiz poderá determinar o depósito em cartório dos documentos a que se referem os §§ 1º e 2º deste artigo ou de cópia destes.

[30] Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato:

I – nomeará o administrador judicial, observado o disposto no art. 21 desta Lei;

II – determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, observando o disposto no art. 69 desta Lei;

III – ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, na forma do art. 6º desta Lei, permanecendo os respectivos autos no juízo onde se processam, ressalvadas as ações previstas nos §§ 1º, 2º e 7º do art. 6º desta Lei e as relativas a créditos excetuados na forma dos §§ 3º e 4º do art. 49 desta Lei;

IV – determinará ao devedor a apresentação de contas demonstrativas mensais enquanto perdurar a recuperação judicial, sob pena de destituição de seus administradores;

V – ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento.

§ 1º O juiz ordenará a expedição de edital, para publicação no órgão oficial, que conterá:

I – o resumo do pedido do devedor e da decisão que defere o processamento da recuperação judicial;

II – a relação nominal de credores, em que se discrimine o valor atualizado e a classificação de cada crédito;

III – a advertência acerca dos prazos para habilitação dos créditos, na forma do art. 7º, § 1º, desta Lei, e para que os credores apresentem objeção ao plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor nos termos do art. 55 desta Lei.

§ 2º Deferido o processamento da recuperação judicial, os credores poderão, a qualquer tempo, requerer a convocação de assembléia-geral para a constituição do Comitê de Credores ou substituição de seus membros, observado o disposto no § 2º do art. 36 desta Lei.

§ 3º No caso do inciso III do caput deste artigo, caberá ao devedor comunicar a suspensão aos juízos competentes.

§ 4º O devedor não poderá desistir do pedido de recuperação judicial após o deferimento de seu processamento, salvo se obtiver aprovação da desistência na assembléia-geral de credores.


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WESTERMANN, Harry. Código Civil Alemão: Parte Geral. Trad. Luiz Dória Furquim. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABRAL, Gustavo César Machado. Simulação e falência: um estudo comparado das mudanças nas legislações civil e falimentar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1990, 12 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12074. Acesso em: 28 mar. 2024.