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A moratória do art. 745-A do CPC.

Sua aplicação às demandas cognitivas condenatórias

A moratória do art. 745-A do CPC. Sua aplicação às demandas cognitivas condenatórias

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O art. 745-A do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL carece de uma releitura processual de modo a tornar sua incidência ampliada às demandas judiciais cognitivas condenatórias – que têm como fito alcance de obrigação de pagar quantia.

Em verdade, a Lei n.º 11.382/06 alterou "dispositivos da Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, relativos ao processo de execução e a outros assuntos". Dentre as principais mudanças implementadas, destaca-se a moratória regulada pelo art. 745-A, que tem a seguinte redação, in verbis:

Art. 745-A. No prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exeqüente e comprovando o depósito de 30% (trinta por cento) do valor em execução, inclusive custas e honorários de advogado, poderá o executado requerer seja admitido a pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e juros de 1% (um por cento) ao mês.

§ 1º Sendo a proposta deferida pelo juiz, o exeqüente levantará a quantia depositada e serão suspensos os atos executivos; caso indeferida, seguir-se-ão os atos executivos, mantido o depósito.

§ 2º O não pagamento de qualquer das prestações implicará, de pleno direito, o vencimento das subseqüentes e o prosseguimento do processo, com o imediato início dos atos executivos, imposta ao executado multa de 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações não pagas e vedada a oposição de embargos.

A colocação deste instituto representou um avanço ao processo judicial brasileiro, apresentando-se como importante ferramenta ao abarcamento do seu resultado social. Até porque, conquanto deva ser efetivo, o processo não deve ser uma "arma de destruição" (conf. intelecção do art. 620 do CPC [01]). Deve, ao contrário, ser instrumento de alcance da pacificação social [02].

Inclusive, a aspirada pacificação é fomentada pelo instituto em comento ao passo que encoraja o devedor renitente a adimplir seus compromissos [03] e, por isso, contribui para a efetividade da prestação jurisdicional [04]. Compõem, desta forma, os interesses das partes, colocando em segundo plano "a luta pelo direito" [05].

Sobre a "novidade" apresentada, muito se tem falado na doutrina. Todavia, ela pouco se importou em dilatar a aplicação do instituto às demandas judiciais cognitivas [06] – em especial, a ação de cobrança (alvo exclusivo deste artigo, para não torná-lo longo e repetitivo).

Em verdade, o art. 745-A do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL diz muito mais do que resta nele grafado. Aliás, para alçar esta conclusão, é necessário dizer, de logo, que os embargos à execução (opostos contra execuções de título executivos extrajudiciais) constituem demanda judicial de impugnação.

Por conseguinte, a despeito de se tratar de demanda judicial, os embargos são heterotópicos – com utilização diversa da usual. No caso específico, seria uma "defesa" do executado (a partir do exercício do direito de ação) em face da pretensão executória delineada pelo credor.

Diante deste cenário, a melhor leitura do dispositivo em referência seria substituir a expressão "embargos" por "defesa" (seja ela uma modalidade de resposta do réu ou mesmo a apresentação de resistência através da oposição de embargos – exercício do direito de ação).

Não seria necessário, bom que se diga, o emprego de maior esforço interpretativo para se chegar à conclusão encimada. Bastava o emprego da analogia como forma de suprir a lacuna legal. Com efeito, segundo MARIA HELENA DINIZ...

...para integrar lacunas o juiz recorre, preliminarmente, à analogia, que consiste em aplicar, a um caso não regulado de modo direto ou específico por uma norma jurídica, uma prescrição normativa prevista para uma hipótese distinta, mas semelhante ao caso não contemplado, fundando-se na identidade do motivo da norma e não na identidade do tato.

A partir desta leitura, e constatando-se que não existe disposição legal que trate, relativamente às demandas de cobrança, do instituto da moratória, é de se aplicar a norma contida no art. 745-A do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Há muitas justificativas para assim proceder, principalmente quando se releva imperativa a plasticidade processual [07].

De fato, a norma do art. 745-A do CPC aplica-se apenas às execuções de títulos executivos extrajudiciais porque elas não são precedidas de fase cognitiva – esta é postergada. A execução de título executivo judicial, por ser precedida de cognição, impossibilita a aplicação da moratória (nesta fase – frise-se), sob pena de concessão de benefício exagerado em favor do devedor.

Este é o posicionamento de HUMBERTO TEODORO JUNIOR:

Aliás, não teria sentido beneficiar o devedor condenado por sentença judicial com novo prazo de espera, quando já se valeu de todas as possibilidades de discussão, recursos e delongas do processo de conhecimento. Seria um novo e pesado ônus para o credor, que teve de percorrer a longa e penosa via crucis do processo condenatório, ter ainda de suportar mais seis meses para tomar as medidas judiciais executivas contra o devedor renitente.

Entretanto, sendo a demanda de natureza cognitiva, acaso o pretenso devedor reconheça o alegado crédito, não há razão para não lhe ser concedida a moratória do art. 745-A do CPC. Mormente se for considerado que, sendo ela aplicável à execução de título executivo extrajudicial (onde o crédito é líquido, certo e exigível), qual a razão de não ser a crédito ainda não constituído?

A aplicação da moratória seria um prêmio ao devedor que, embora renitente, reconhece situação que lhe é onerosa. Estar-se-ia homenageando aquele que, a despeito de poder se valer da morosa via processual (própria de demandas cognitivas) para prolongar o litígio (e, quiçá, esquivar-se do pagamento) prefere seguir os caminhos da boa-fé.

Assim, poder-se-ia dizer que a concessão da moratória ao confesso devedor é conduta que adentra nos caminhos da efetividade da prestação jurisdicional, proporcionando a consecução do resultado social do processo e o afastamento do (tão em moda) assédio processual.

Portanto, é necessária e possível a aplicação da moratória delineada pelo art. 745-A do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL às demandas cognitivas de natureza predominantemente condenatórias.


Notas

  1. Art. 620. Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.
  2. "O processo é a composição ordenada de atos próprios ao exercício da jurisdição pelo juiz, e da ação e defesa pelas partes". Por seu viés, "a jurisdição como manifestação do poder estatal tem objetivos que se relacionam com a própria finalidade do Estado. O objetivo principal da jurisdição é a pacificação social, visando o bem comum (escopo social). Busca, também, afirmar o poder do Estado, preservando seus preceitos fundamentais (escopo político), e aplicar a vontade da lei ao caso concreto (escopo jurídico)". (In RINALDO MOUZALAS DE SOUZA E SILVA. Processo Civil. Editora Juspodivm. Salvador, 2009. pp. 37-38)
  3. Segundo LUIZ GUILHERME MARINONI, "a finalidade da norma é evidente. Ao conferir maior prazo ao devedor, objetiva viabilizar – diante das circunstâncias do caso concreto – a satisfação da dívida, partindo da premissa de que pode haver dificuldade de o pagamento ser feito imediatamente".
  4. "A medida tem o propósito de facilitar a satisfação do crédito ajuizado, com vantagens tanto para o executado como para o exeqüente. O devedor se beneficia com o prazo de espera e com o afastamento dos riscos e custos da expropriação executiva; e o credor, por sua vez, recebe uma parcela do crédito, desde logo, e fica livre dos percalços dos embargos do executado". (In HUMBERTO THEODORO JUNIOR. A reforma da execução do título extrajudicial. Editora Forense. Rio de Janeiro, 2007)
  5. Preceituada por RUDOLF VON JHERING.
  6. Embora tenha se falado com relação à extensão de sua aplicação ao título executivo judicial.
  7. Necessidade que o processo tem de se adequar ao caso concreto para, da melhor e mais efetiva forma, solver o litígio que foi apresentado ao Poder Judiciário, prestigiando-se, assim, a efetividade da prestação jurisdicional.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Rinaldo Mouzalas de Souza e. A moratória do art. 745-A do CPC. Sua aplicação às demandas cognitivas condenatórias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2014, 5 jan. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12156. Acesso em: 28 mar. 2024.