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O controle de constitucionalidade do direito estadual e municipal na Constituição Federal

O controle de constitucionalidade do direito estadual e municipal na Constituição Federal

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Sumário: 1. Considerações Preliminares. 2. O Controle de Constitucionalidade da Lei Estadual e Municipal no Âmbito do Estado-Membro e a Jurisdição Constitucional Federal. 2.1. Necessidade de Autorização Constitucional. 2.2. Coexistência de Jurisdições Constitucionais Estaduais e Federal. 2.3. Concorrência de Parâmetros de Controle. 3. Parâmetro de Controle Estadual e Questão Federal. 3.1. Considerações Preliminares. 3.2. Parâmetro de Controle Estadual e Questão Constitucional Federal. 3.3. Recurso Extraordinário e Norma de Reprodução Obrigatória. 4. Ação Declaratória de Constitucionalidade no Âmbito Estadual. 5. O Controle da Omissão Legislativa no Plano Estadual. 6. O Controle de Constitucionalidade no Âmbito do Distrito Federal. 6.1. Considerações Preliminares. 6.2. A Possibilidade de Instituição de Ação Direta no Âmbito do Distrito Federal. 7. Eficácia Erga Omnes das Decisões Proferidas em Sede de Controle Abstrato no Âmbito Estadual. 7.1. Considerações Preliminares. 7.2. Processo Objetivo e Eficácia erga omnes. 8. Incidente de Inconstitucionalidade e Controle Direto do Direito Municipal perante o Supremo Tribunal Federal.


1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

O texto constitucional de 1988 contemplou expressamente a questão relativa ao controle abstrato de normas da lei estadual e municipal em face da Constituição, consagrando no art. 125, § 2º que compete "ao Estado a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da constituição estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão".

Todas as Constituições estaduais, sem exceção, disciplinaram o instituto, com maior ou menor legitimação.

Algumas unidades federadas não se limitaram, porém, a consagrar o controle abstrato de normas dos atos normativos estaduais e municipais em face da Constituição estadual, instituindo, igualmente, a ação direta por omissão.

A ausência de menção expressa ao Distrito Federal, no art. 125, § 2º, tem dado ensejo a certa insegurança jurídica quanto ao controle de constitucionalidade do direito distrital em face da Lei Orgânica.

A instituição da ação declaratória de constitucionalidade no plano federal (Emenda nº 3/1993) introduz a indagação sobre a possibilidade de adoção desse novo instrumento no âmbito estadual.

Há outras questões não menos importantes.

Indaga-se, v.g., sobre os efeitos das decisões proferidas pelos Tribunais de Justiça com base em normas constitucionais estaduais cuja reprodução é expressamente exigida ou determinada pelo constituinte federal. Pergunta-se sobre o cabimento do recurso extraordinário contra decisão proferida pelo Tribunal estadual em sede de ação direta.


          2. O Controle de Constitucionalidade da Lei Estadual e Municipal no âmbito do Estado-membro e a Jurisdição Constitucional Federal

          2.1 Necessidade de autorização constitucional

A controvérsia sobre a admissibilidade do controle de constitucionalidade da lei municipal suscita, como ressaltado, inevitável indagação quanto à possibilidade de criação, na esfera estadual, de uma autêntica jurisdição constitucional (Landesverfassungsgerichtsbarkeit).

Não é preciso dizer que, no estado federativo, a criação de órgãos destinados a exercer a jurisdição constitucional não se há de fundar, exclusivamente, na eventual existência de paradigma no âmbito do Poder Central. Cuidando de uma tarefa peculiar, faz-se mister que o constituinte reconheça aos entes federados o poder para instituir órgãos de defesa da Constituição. É o que ensina, com precisão, Ernst Friesenhahn, na seguinte passagem:

"Constitui tarefa da jurisdição constitucional garantir, nos diferentes processos, uma defesa institucional autônoma da Constituição. A jurisdição constitucional distingue-se de outros tipos de jurisdição mediante uma peculiar relação com o texto constitucional. E, por isso, ocupa lugar de destaque na organização estatal concebida pela Constituição. Os Tribunais constitucionais são considerados entre os chamados ´órgãos constitucionais´(Verfassungsorgane).

No estado federal, somente pode existir jurisdição constitucional no âmbito do Estado-membro se a Constituição Federal assegura às unidades federadas não só a liberdade para criar, por sua própria deliberação, constituições autônomas, mas também o poder para regular, especificamente, a defesa judicial de sua Constituição".

A lição do emérito jurista explicita, com clareza, a problemática da jurisdição constitucional, no âmbito da unidade federada. A invocação do paradigma federal não se afigura suficiente para legitimar a criação de Cortes Constitucionais, nos limites do Estado-Membro. Não basta, igualmente, a outorga do poder constituinte decorrente. Faz-se mister que se reconheça o poder de disciplinar a defesa judicial de sua Lei Maior.

A Constituição alemã contempla, expressamente, a possibilidade de se instituir a jurisdição constitucional no plano estadual, como se depreende da leitura do preceituado nos arts. 93, par. 1º, nº 4 e 4b, 99, e 100, § 1º. E o Bundesverfassungsgericht, em uma de suas primeiras decisões, afirmou a compatibilidade da jurisdição constitucional estadual com os princípios insculpidos na Lei Fundamental:

"Em um Estado marcadamente federativo, como a República Federal da Alemanha, os planos constitucionais da União e dos Estados estão, fundamentalmente, situados um ao lado do outro. A Lei Fundamental contém poucas disposições que devem ser incorporadas pelas Cartas estaduais. No mais, podem os Estados emprestar a conformação desejada ao seu Direito Constitucional e, com isso, à sua jurisdição constitucional".

Efetivamente, todos os Länder da antiga República Federal da Alemanha, com exceção de Schleswig-Holstein, instituíram a jurisdição constitucional de forma diferenciada.

          2.2 Coexistência de jurisdições constitucionais estaduais e federal

A amplitude da jurisdição constitucional no Estado federal suscita inúmeras questões. A inexistência de regras de colisão – como é o caso da Alemanha e do Brasil – enseja insegurança, em determinadas situações, quanto à competência da jurisdição estadual ou federal.

Como os atos do poder estadual estão submetidos às jurisdições constitucionais estaduais e federal, torna-se evidente, em certos casos, a concorrência de competências, afigurando-se possível submeter uma questão tanto à Corte estadual quanto ao Bundesverfassungsgericht, nos casos de dupla ofensa.

Todavia, como enunciado, os parâmetros para o exercício do controle de constitucionalidade pelo Bundesverfassungsgericht hão de ser, fundamentalmente, a Constituição e as leis federais. Da mesma forma, parâmetro para o controle de constitucionalidade exercido por um Landesverfassungsgericht é a Constituição estadual, e não a Lei Fundamental ou as leis federais.

Situação semelhante verifica-se ente nós. O parâmetro de controle do juízo abstrato perante o Supremo Tribunal Federal haverá de ser apenas a Constituição Federal. Já o parâmetro de controle abstrato de normas perante o Tribunal de Justiça estadual será apenas e tão-somente a Constituição estadual.

Tais afirmações não logram afastar toda a problemática que envolve o tema. Observe-se que a Lei Fundamental outorga uma ampla competência à União (arts. 73, 74, 74a, 75, 104a, 105 e 107). Algumas disposições contidas na Lei Fundamental, como as que disciplinam os direitos fundamentais, integram, obrigatoriamente, o direito estadual.

Não obstante a existência de esferas normativas diferenciadas, afigura-se legítima a conclusão de Pestalozza, segundo a qual a existência das jurisdições estaduais e federal outorga ao lesado uma dupla proteção, seja quando o ato se afigure incompatível com disposições federais e estaduais materialmente diversas, seja quando malfira preceitos concordantes da Constituição Federal ou da Carta estadual.

Ademais, a ampla autonomia de que gozam os Estados-Membros em alguns modelos federativos milita em favor da concorrência de jurisdições constitucionais.

Portanto, uma mesma lei estadual pode ser compatível com a Lei Maior e incompatível com a Carta estadual. Daí abster-se o Bundesverfassungsgericht de se pronunciar sobre a validade da lei estadual, limitando-se a declarar a sua compatibilidade com a Lei Fundamental ou com o direito federal. E, às objeções quanto à inexistência de objeto no controle de constitucionalidade em face da Lei Fundamental, no caso de inconstitucionalidade diante da Carta estadual, responde Friesenhahn, com proficiência:

"Tal restrição não leva em conta que, no Direito Constitucional, há que se distinguir o juízo sobre a validade da competência para apreciar essa validade ou declarar a invalidade" (Dieser Einwand übersieht, dass im Verfassungsrecht zu unterscheiden ist, ob materiell eine Norm ungültig ist und wer befugt ist, die Gültigkeit zu prüfen und die Ungültigkeit geltend zu machen).

Não se deve olvidar, outrossim, que pronunciamento genérico de Corte estadual quanto à inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal, em face do Texto Magno, pareceria totalmente incompatível com o exercício do controle concentrado de constitucionalidade pela Corte Constitucional Federal.

Esta questão foi suscitada, entre nós, pelo eminente Ministro Moreira Alves, no RE 92.169-SP (Rel. Min. Cunha Peixoto), ressaltando que:

"(...) se fosse possível aos Tribunais de Justiça dos Estados o julgamento de representações dessa natureza, com relação a leis municipais em conflito com a Constituição Federal, poderia ocorrer a seguinte situação esdrúxula. É da índole dessa representação – e isso hoje é matéria pacífica nesta Corte – que ela, transitando em julgado, tem eficácia erga omnes, independentemente da participação do Senado Federal, o que só se exige para a declaração incidenter tantum. O que implica dizer que se transitasse em julgado a decisão nela proferida por Tribunal de Justiça, esta Corte Suprema estaria vinculada à declaração de inconstitucionalidade de Tribunal que lhe é inferior; mesmo nos casos concretos futuros que lhe chegassem por via de recurso extraordinário. O absurdo da conseqüência, que é da índole do instrumento, demonstra o absurdo da premissa".

Também o Ministro Leitão de Abreu dela se ocupou, como se vê na seguinte passagem de seu voto:

"Gostaria de deduzir, com o desenvolvimento que o alto relevo dessa questão constitucional comportaria, as razões que, a meu sentir, militariam a favor da tese perfilhada pelo acórdão recorrido, se superáveis, em relação ao presente caso, todos os óbices que se levantam acerca do cabimento da representação proposta perante o Tribunal local, para a declaração de inconstitucionalidade da lei municipal, de que na hipótese se trata, por incompatibilidade com a Constituição Federal. Não achei meios jurídicos, todavia, que me habilitassem a vencer o obstáculo, levantado pelo Ministro Moreira Alves, no que diz respeito à situação que se criaria no caso de se declarar, pelo Tribunal de Justiça, inconstitucionalidade de lei municipal, por denotar conflito com a Carta Federal, sem que dessa decisão se manifeste recurso extraordinário. Transitada em julgado decisão dessa natureza, ficaria, na verdade, o Supremo Tribunal vinculado à declaração de inconstitucionalidade pronunciada pelo Tribunal de Justiça e, por via de conseqüência, impossibilitado de julgar casos concretos futuros que, em recursos extraordinários, se trouxessem à sua apreciação. Como essa conseqüência, que seria inelutável, se me afigura, também, inadmissível, não há senão concluir, a meu ver malgrado a elegante construção jurídica do Tribunal paulista, pela inconstitucionalidade das expressões ´inconstitucionalidade´ do artigo 54, I, e, da Constituição do Estado de São Paulo. Conhecendo, pois, do recurso, lhe dou provimento para que a inconstitucionalidade assim fique pronunciada".

As considerações então expendidas faziam referência à instituição de mecanismo de controle de constitucionalidade, no âmbito da unidade federada, tendo em vista as especificidades do Direito Constitucional positivo brasileiro. Todavia, parece lícito enfatizar que a possibilidade de coexistência entre jurisdições constitucionais federal e estadual pressupõe, em uma estrutura federativa, expressa previsão constitucional e uma definição dos "parâmetros de controle" (Kontrollmassstäbe). Dessarte, mesmo quando as disposições dos textos constitucionais federal e estadual tiverem idêntico conteúdo, há de se admitir a autonomia dos pronunciamentos jurisdicionais da Corte Federal ou de tribunal estadual.

O Bundesverfassungsgericht firmou entendimento no sentido de que a adoção pela Constituição estadual de normas com o conteúdo idêntico a preceitos constitucionais federais dilarga a dúplice garantia jurisdicional, permitindo que os recursos constitucionais e o controle de normas possam ser instaurados perante o Tribunal Constitucional estadual, nos termos da Constituição estadual, ou perante a Corte Constitucional federal, tendo como parâmetro a Lei Fundamental.

Em caso de dissídio jurisprudencial específico entre o Bundesverfassungsgericht e um Landesverfassungsgericht, há de prevalecer a orientação consolidada pelo órgão federal.

Embora na Alemanha se consagre o princípio de que Bundesrecht bricht Landesrecht (o direito federal rompe o direito estadual) (LF, art. 31) e a Lei Fundamental outorgue ampla competência legislativa à União, não há dúvida de que o texto da Lei Fundamental – muito menos analítico do que as Constituições brasileiras em geral, especialmente a de 1988 – deixa ainda significativo espaço para o constituinte estadual, sobretudo no que concerne à organização político-administrativa e à política educacional.

O próprio princípio de homogeneidade (Homogenitätsgebot), previsto no art. 28 da Lei Fundamental, é suficientemente impreciso para permitir aos Estados-membros alguma liberdade na concretização dos postulados da república, democracia, e estado de direito social.

Por outro lado, a própria Corte Constitucional firmou orientação no sentido de que disposições constitucionais estaduais de conteúdo idêntico às do direito constitucional federal não são atingidas pela cláusula do art. 31. Argumenta-se que o princípio do Bundersrecht bricht Landesrecht disciplina a colisão (entre normas contraditórias), não sendo aplicável, por isso, às situações jurídicas análogas ou semelhantes instituídas pelos Estados. Assim, muitos Estados-membros reproduzem ou até mesmo ampliam o catálogo de direitos fundamentais previstos na Lei Fundamental.

Sob o império da Constituição de 1988, suscitou-se, entre nós, questão relativa à competência de Tribunal estadual para conhecer de ação direta de inconstitucionalidade, formulada contra lei municipal em face de parâmetro constitucional estadual, que, na sua essência, reproduzia disposição constitucional federal. Cuidava-se de controvérsia sobre a legitimidade do IPTU instituído por lei municipal de São Paulo- Capital (Lei municipal nº 11.152, de 30.12.91). Concedida a liminar pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, opôs a Prefeitura Municipal de São Paulo reclamação perante o Supremo Tribunal Federal, sustentando, fundamentalmente, que, embora fundada em inobservância de preceitos constitucionais estaduais, a ação direta acabava por submeter à apreciação do Tribunal de Justiça do Estado o contraste entre a lei municipal e normas da Constituição Federal (Reclamação 383, Relator: Ministro Moreira Alves)

Anteriormente, julgando a Reclamação 370, afirmara o Supremo Tribunal Federal que faleceria aos Tribunais de Justiça estaduais competência para conhecer de representação de inconstitucionalidade de lei estadual ou municipal em face de parâmetro – formalmente – estaduais, mas substancialmente integrantes da ordem constitucional federal. Considerou-se então que a reprodução na Constituição estadual de normas constitucionais obrigatórias em todos os níveis da federação "em termos estritamente jurídicos" seria "ociosa". Asseverou-se que o texto local de reprodução formal ou material, "não obstante a forma de proposição normativa do seu enunciado, vale por simples explicitação da absorção compulsória do preceito federal, essa, a norma verdadeira, que extrai força de sua recepção pelo ordenamento local, exclusivamente, da supremacia hierárquica absoluta da Constituição Federal".

A tese concernente à ociosidade da reprodução de normas constitucionais federais obrigatórias no texto constitucional estadual esbarra já nos chamados princípios sensíveis, que impõem, inequivocamente, aos Estados-membros a rigorosa observância daqueles estatuto mínimo (CF, art. 34, VII). Nenhuma dúvida subsiste de que a simples omissão da Constituição estadual, quanto à inadequada positivação de um desses postulados, no texto magno estadual, já configuraria ofensa suscetível de provocar a instauração da representação interventiva.

Não é menos certo, por outro lado, que o Estado-membro está obrigado a observar outras disposições constitucionais federais, de modo que, adotada a orientação esposada inicialmente pelo Supremo Tribunal Federal, ficaria o direito constitucional estadual – substancial – reduzido, talvez, ao preâmbulo e às cláusulas derrogatórias. Até porque, pelo modelo analítico de Constituição adotado entre nós, nem mesmo o direito tributário estadual pode ser considerado, segundo uma orientação ortodoxa, um direito substancialmente estadual, uma vez que, além dos princípios gerais, aplicáveis à União, aos Estados e Municípios (arts. 145-149), das limitações aos poder de tributar (arts. 150-152), contempla o texto constitucional federal, em seções autônomas os impostos dos Estados e do Distrito Federal (Seção IV - art. 155) e os impostos municipais (Seção V - art. 156). Como se vê, é por demais estreito o espaço efetivamente vago deixado ao alvedrio do constituinte estadual.

São elucidativas, a propósito, as seguintes passagens do voto do Ministro Moreira Alves:

          "É petição de princípio dizer-se que as normas das Constituições estaduais que reproduzem, formal ou materialmente, princípios constitucionais federais obrigatórios para todos os níveis de governo na federação são inócuas, e, por isso mesmo, não são normas jurídicas estaduais, até por não serem jurídicas, já que jurídicas, e por isso eficazes, são as normas da Constituição Federal reproduzidas, razão por que não se pode julgar, com base nelas, no âmbito estadual, ação direta de inconstitucionalidade, inclusive, por identidade de razão, que tenha finalidade interventiva." (...)

"Essas observações todas servem para mostrar, pela inadmissibilidade das conseqüências da tese que se examina, que não é exato pretender-se que as normas constitucionais estaduais que reproduzem as normas centrais da Constituição Federal (e o mesmo ocorre com as leis federais ou até estaduais que fazem a mesma reprodução) sejam inócuas e, por isso, não possam ser consideradas normas jurídicas. Essas normas são normas jurídicas, e têm eficácia no seu âmbito de atuação, até para permitir a utilização dos meios processuais de tutela desse âmbito (como o recurso especial, no tocante ao artigo 6º da Lei de Introdução ao Código Civil, e as ações diretas de inconstitucionalidade em face da Constituição Estadual). Elas não são normas secundárias que correm necessariamente a sorte das normas primárias, como sucede com o regulamento, que caduca quando a lei regulamentada é revogada. Em se tratando de norma ordinária de reprodução ou de norma constitucional estadual da mesma natureza, por terem eficácia no seu âmbito de atuação, se a norma constitucional federal reproduzida for revogada, elas, por terem eficácia no seu âmbito de atuação, persistem como normas jurídicas que nunca deixaram de ser. Os princípios reproduzidos, que, enquanto vigentes, se impunham obrigatoriamente por força apenas da Constituição Federal, quando revogados, permanecem, no âmbito de aplicação das leis ordinárias federais ou constitucionais estaduais, graças à eficácia delas resultante."

A prevalecer tal orientação advogada na Reclamação 370, restaria completamente esvaziada a cláusula contida no art. 125, § 2º, da Constituição, uma vez que, antes de qualquer decisão, deveria o Tribunal de Justiça verificar, como questão preliminar, se a norma constitucional estadual não era mera reprodução do direito constitucional federal.

De resto, não estaria afastada a possibilidade de que, em qualquer hipótese, fosse chamado o Supremo Tribunal Federal, em reclamação, para dirimir controvérsia sobre o caráter federal ou estadual do parâmetro de controle.

A propósito, observou o Ministro Moreira Alves:

"(....) em nosso sistema jurídico de controle constitucional, a ação direta de inconstitucionalidade tem como causa petendi, não a inconstitucionalidade em face dos dispositivos invocados na inicial como violados, mas a inconstitucionalidade em face de qualquer dispositivo do parâmetro adotado (a Constituição Federal ou a Constituição Estadual). Por isso é que não há necessidade, para a declaração de inconstitucionalidade do ato normativo impugnado, que se forme maioria absoluta quanto ao dispositivo constitucional que leve cada juiz da Corte a declarar a inconstitucionalidade do ato. Ora, para se concluir, em reclamação, que a inconstitucionalidade argüida em face da Constituição Estadual seria uma argüição só admissível em face de princípio de reprodução estadual que, em verdade, seria princípio constitucional federal, mister se faria que se examinasse a argüição formulada perante o Tribunal local não apenas – como o parecer da Procuradoria-Geral da República fez no caso presente, no que foi acompanhado pelo eminente Ministro Velloso no voto que proferiu – em face dos preceitos constitucionais indicados na inicial, mas também, de todos os da Constituição Estadual. E mais, julgada procedente a reclamação, estar-se-ia reconhecendo que a lei municipal ou estadual impugnada não feriria nenhum preceito constitucional estritamente estadual, o que impossibilitaria nova argüição de inconstitucionalidade em face de qualquer desses preceitos, se, na conversão feita por meio da reclamação, a ação direta estadual em face da Constituição Federal fosse julgada improcedente, por não violação de qualquer preceito constitucional federal que não apenas os invocados na inicial. E como, com essa transformação, o Supremo Tribunal Federal não estaria sujeito ao exame da inconstitucionalidade da lei estadual ou municipal em face dos preceitos constitucionais invocados na inicial perante o Tribunal de Justiça, e tidos, na reclamação, como preceitos verdadeiramente federais, mudar-se-ia a causa petendi da ação: de inconstitucionalidade em face da Constituição Estadual para inconstitucionalidade em face da Constituição Federal, sem limitação, evidentemente, aos preceitos invocados na inicial".

Não se deve olvidar que o chamado poder constituinte decorrente do Estado-membro é, por sua natureza, um poder constituinte limitado, ou, como ensina, Anna Cândida da Cunha Ferraz, é um poder que "nasce, vive e atua com fundamento na Constituição Federal que lhe dá supedâneo; é um poder, portanto sujeito a limites jurídicos, impostos pela Constituição Maior". Essas limitações são de duas ordens: as Constituições estaduais não podem contrariar a Constituição Federal (limitação negativa); as Constituições estaduais devem concretizar no âmbito territorial de sua vigência os preceitos, o espírito e os fins da Constituição Federal (limitação positiva).

A idéia de limitação material (positiva ou negativa) do poder constituinte decorrente remonta, no Direito Constitucional brasileiro, à Constituição de 1891, que, no art. 63, previa que cada Estado seria regido "pela Constituição e pelas leis" que adotasse, "respeitados os princípios constitucionais da União". Embora o texto não explicitasse quais eram esses princípios, havia um certo consenso na doutrina sobre o conteúdo dessa cláusula. As controvérsias político-constitucionais instauradas levaram o constituinte derivado, na Reforma de 1926, a elencar, expressamente, esses princípios. Essa tendência foi preservada pelas Constituições que a sucederam.

A doutrina brasileira tem-se esforçado para classificar esses princípios constitucionais federais que integram, obrigatoriamente, o direito constitucional estadual. Na conhecida classificação de José Afonso da Silva esses postulados podem ser denominados princípios constitucionais sensíveis, extensíveis e estabelecidos. Os princípios constitucionais sensíveis são aqueles cuja observância é obrigatória sob pena de intervenção federal (CF 1988, art. 34, VII). Os princípios constitucionais extensíveis consistem nas regras de organização que a Constituição estendeu aos Estados-membros. Os princípios constitucionais estabelecidos seriam aqueles princípios que limitam a autonomia organizatória do Estado (v.g., CF 1988, art. 37).

A Constituição de 1988 foi moderada na fixação dos chamados princípios sensíveis.

Nos termos do art. 34, VII, devem ser observados pelo Estado-membro, sob pena de intervenção: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da administração pública direta e indireta.

O texto constitucional contém, todavia, uma pletora de disposições que afetam a organização da unidade federada, como um todo. Pretender que a reprodução dessas normas federais no texto constitucional estadual implica na sua descaracterização como parâmetro de controle estadual revela-se assaz perigoso para a própria segurança jurídica. Até porque haveria imensa dificuldade de se identificar, com precisão, uma norma ontologicamente estadual. Não é preciso dizer que adoção do critério proposto na Reclamação 370 importaria, na sua essência, no completo esvaziamento da jurisdição constitucional estadual.

Portanto, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Reclamação 383 veio restabelecer a melhor doutrina, assentando que, posta a questão da constitucionalidade da lei municipal (ou da lei estadual) em face da Constituição estadual, tem-se uma questão constitucional estadual.

Vê-se que, dado o caráter vinculativo e a índole genérica inerentes ao modelo concentrado de controle de constitucionalidade, a possibilidade de coexistência entre jurisdições constitucionais federal e estadual, em uma ordem federativa, exige, igualmente, a definição de "parâmetros de controle" (Kontrollmassstäbe) autônomos e diferenciados.

          2.3 Concorrência de Parâmetros de Controle

Convém alertar que a competência concorrente de Tribunais constitucionais estaduais e federal envolve algumas cautelas.

Evidentemente, a sentença de rejeição de inconstitucionalidade proferida por uma Corte não afeta o outro processo, pendente perante outro tribunal, que há de decidir com fundamento em parâmetro de controle autônomo.

Todavia, declarada a inconstitucionalidade de direito local em face da Constituição estadual, com efeito erga omnes, há de se reconhecer a insubsistência de qualquer processo eventualmente ajuizado perante o Supremo Tribunal Federal que tenha por objeto a mesma disposição.

Da mesma forma, a declaração de inconstitucionalidade da lei estadual em face da Constituição Federal torna insubsistente (gegenstandslos) ou sem objeto eventual argüição, pertinente à mesma norma, requerida perante Corte estadual.

Ao contrário, a suspensão cautelar da eficácia de uma norma no juízo abstrato, perante o Tribunal de Justiça ou perante o Supremo Tribunal Federal, não torna inadmissível a instauração de processo de controle abstrato em relação ao mesmo objeto, nem afeta o desenvolvimento válido de processo já instaurado perante outra Corte.

Problemática há de se revelar a questão referente aos processos instaurados simultaneamente perante Tribunal de Justiça estadual e perante o Supremo Tribunal Federal no caso de ações diretas contra determinado ato normativo estadual em face parâmetros estadual e federal de conteúdo idêntico. Se a Corte federal afirmar a constitucionalidade do ato impugnado em face do parâmetro federal, poderá o Tribunal estadual considerá-lo inconstitucional em face de parâmetro estadual de conteúdo idêntico?

Essa questão dificilmente pode ser solvida com recurso às conseqüências da coisa julgada e da eficácia erga omnes, uma vez que esses institutos, aplicáveis ao juízo abstrato de normas, garantem a eficácia do julgado enquanto tal, isto é, com base no parâmetro constitucional utilizado. Pretensão no sentido de se outorgar eficácia transcendente à decisão equivaleria a atribuir força de interpretação autêntica à decisão do Tribunal federal.

No plano dogmático, pode-se reconhecer essa conseqüência se se admitir que as decisões do Supremo Tribunal Federal são dotadas de efeito vinculante (Bindungswirkung), que se não limita à parte dispositiva, mas se estende aos fundamentos determinantes da decisão.

Assim, pelo menos no que se refere às ações direta de inconstitucionalidade julgadas pelo Supremo Tribunal Federal, poder-se-ia cogitar de um efeito transcendente se a questão estadual versasse também sobre a norma de reprodução obrigatória pelo Estado-membro.


3. PARÂMETRO DE CONTROLE ESTADUAL E QUESTÃO FEDERAL

          3.1. Considerações Preliminares

Tal como já afirmado, a amplitude da jurisdição constitucional no Estado federal suscita inúmeras questões. A inexistência de regras de colisão – como é o caso da Alemanha e do Brasil – enseja insegurança, em determinadas situações, quanto à competência da jurisdição estadual ou federal. Como os atos do poder estadual estão submetidos às jurisdições constitucionais estaduais e federal, torna-se evidente, em certos casos, a concorrência de competências, afigurando-se possível submeter uma questão tanto à Corte estadual quanto ao Bundesverfassungsgericht, nos casos de dupla ofensa.

          3.2. Parâmetro de controle estadual e questão constitucional federal

Essas colocações não devem levar à idéia de que o controle de constitucionalidade da lei estadual ou municipal em face da Constituição estadual não se mostra apto a suscitar questão federal que deva, eventualmente, ser dirimida pelo Supremo Tribunal Federal.

Pode ocorrer que o Tribunal estadual considere inconstitucional o próprio parâmetro de controle estadual, por ofensivo à Constituição Federal. No sistema concentrado clássico, o Tribunal submeteria a questão, no âmbito do controle concreto de normas, ao Tribunal Constitucional Federal.

Todavia, como haverá de proceder, entre nós, o Tribunal de Justiça que identificar a inconstitucionalidade do próprio parâmetro de controle estadual?

Nada obsta a que o Tribunal de Justiça competente para conhecer da ação direta de inconstitucionalidade em face da Constituição estadual suscite ex-officio a questão constitucional – inconstitucionalidade do parâmetro estadual em face da Constituição Federal –, declarando, incidentalmente, a inconstitucionalidade da norma constitucional estadual em face da Constituição Federal e extinguindo, por conseguinte, o processo, ante a impossibilidade jurídica do pedido (declaração de inconstitucionalidade face a parâmetro constitucional estadual violador da Constituição Federal).

Portanto, da decisão que reconhecesse ou não a inconstitucionalidade do parâmetro de controle estadual seria admissível recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, que tanto poderia reconhecer a legitimidade da decisão, confirmando a declaração de inconstitucionalidade, como revê-la, para admitir a constitucionalidade de norma estadual, o que implicaria a necessidade de o Tribunal de Justiça prosseguir no julgamento da ação direta proposta.

Isto já demonstra que não se pode cogitar de uma separação absoluta entre as jurisdições constitucionais estaduais e federal.

          3.3. Recurso extraordinário e norma de reprodução obrigatória

Mais séria e complexa revela-se a indagação sobre o cabimento de recurso extraordinário na hipótese de o Tribunal de Justiça, em ação direta de inconstitucionalidade, adotar interpretação de norma estadual de reprodução obrigatória, que, por qualquer razão, se revele incompatível com a Constituição Federal.

Ora, se existem princípios de reprodução obrigatória pelo Estado-membro, não só a sua positivação no âmbito do ordenamento jurídico estadual, como também a sua aplicação por parte da administração ou do Judiciário estadual pode-se revelar inadequada, desajustada ou incompatível com a ordem constitucional federal.

Nesse caso, não há como deixar de reconhecer a possibilidade de que se submeta a controvérsia constitucional estadual ao Supremo Tribunal Federal, mediante recurso extraordinário.

Essa questão foi elucidada pelo Ministro Moreira Alves, na Reclamação 383, como se pode ler na seguinte passagem de seu voto:

"Isso implica dizer que as normas que a Constituição Federal, explícita ou implicitamente, impõe à observância do Estado devem ser transplantadas (normas de reprodução) para as Constituições estaduais, ao passo que as outras podem, ou não, ser copiadas (normas de imitação) por estas. E é óbvio que esse transplante não se faria necessário se essas normas de reprodução fossem inócuas, por não serem sequer jurídicas. São elas eficazes também no ordenamento jurídico estadual, permitindo, obviamente, que aí atuem como normas estaduais, nos limites da competência dos Estados de aplicá-las e fazê-las respeitar.

A essa eficácia, que tradicionalmente é reconhecida no direito brasileiro - jamais se negou, no âmbito do recurso extraordinário, que questão discutida em face de norma constitucional de reprodução obrigatória pelos Estados (e várias das normas gerais de direito tributário o são) era exclusivamente estadual -, a essa eficácia, repito, a única objeção que se lhe pretende opor como intransponível é a de que o Supremo Tribunal Federal, assim, poderá perder sua posição de guardião da Constituição. E isso porque, nesse caso, as decisões em ação direta estadual, por se tratar de processo objetivo, ou não admitiriam sequer recurso extraordinário, ou, se admitido este, a declaração de inconstitucionalidade da norma local, no âmbito do Estado-membro, impediria que esta Corte a reexaminasse, em controle difuso, em face da Constituição Federal.

Essa única objeção que se apresenta como se fosse ela intransponível para não se admitir o controle de constitucionalidade das leis estaduais e municipais, pelos Tribunais de Justiça, em face das Constituições estaduais na sua globalidade - que é o parâmetro de confronto adotado pela Constituição Federal -, também se aplica, em seus exatos termos, à orientação da inadmissibilidade dessas ações diretas de inconstitucionalidade estaduais com relação às normas de reprodução. Com efeito, ainda que se considere, adotando essa tese, que essas ações diretas estaduais não são admissíveis, se elas forem ajuizadas - como o têm sido inúmeras vezes, segundo noticiam as informações nestes autos -, e se o Tribunal de Justiça as julgar, sem que se proponha reclamação, essa decisão será insusceptível de ataque, e a lei municipal ou estadual declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça sairá, irremediavelmente, do mundo jurídico. Também, portanto, com tal orientação ficará arranhado o papel do Supremo Federal como guardião da Constituição Federal.

Assim, se o único inconveniente de uma tese é também inconveniente da outra, que, além dele apresenta vários outros - como demonstrei - pelas conseqüências inadmissíveis que provoca, parece insustentável restringir a autonomia constitucional dos Estados, que a Constituição não restringe, e, com base no inconveniente comum, sustentar que correta é a orientação que, além dele - que é o único da outra -, apresenta outros diversos".

Em seguida, concluiu o eminente Ministro, com proverbial precisão:

          "Ocorre, porém, que não é certo afirmar-se que, em ação direta de inconstitucionalidade estadual, por ser processo objetivo, dada a natureza de seu objeto, não é admissível recurso extraordinário.

Tanto na ação direta de inconstitucionalidade em face da Constituição federal perante o Supremo Tribunal Federal quanto na ação direta de inconstitucionalidade em face da Constituição estadual perante Tribunal de Justiça, pode surgir a questão - que é sempre federal - de a norma constitucional federal ou estadual, que levará à declaração de inconstitucionalidade da norma impugnada, ser inconstitucional. Com efeito, em ação direta proposta perante esta Corte em face da Constituição Federal, não poderá ela declarar incidentemente que a emenda constitucional que introduziu na Constituição Federal o preceito que é incompatível com o ato normativo atacado é que é inconstitucional, por defeito formal no processo legislativo observado, ou por violação da cláusula pétrea? É claro que poderá, pois seria inadmissível que o Supremo Tribunal Federal, para impor a observância da Constituição, não pudesse declarar inconstitucional o que realmente o seria (o princípio nela introduzido inconstitucionalmente), e tivesse de ter como inconstitucional a norma infraconstitucional que, em verdade, não infringiu a Constituição.

Ora, se essa questão raramente surgirá em ação direta de inconstitucionalidade em face da Constituição Federal perante esta Corte dada a limitação dessas causas de inconstitucionalidade, o mesmo não se poderá dizer com relação às ações diretas de inconstitucionalidade em face das Constituições estaduais. Haja vista a freqüência com que esta Corte tem declarado inconstitucionais normas constitucionais estaduais. E, se levantada questão dessa natureza no âmbito das ações diretas de inconstitucionalidade estaduais, não terá ela de ser julgada pelo Tribunal local, com recurso extraordinário a esta Corte, com base, conforme o caso, nas letras "a" ou "c" do inciso III do artigo 102 da Constituição Federal? É evidente que sim, pois a ação direta de inconstitucionalidade não é incompatível com recurso - no âmbito desta Corte, os embargos infringentes sempre foram admitidos -, e não há como sustentar-se que as lides objetivas não sejam causas para efeito de recurso extraordinário, que visa a preservar a observância da Constituição Federal.

Assim sendo, nas ações diretas de inconstitucionalidade estaduais, em que lei municipal ou estadual seja considerada inconstitucional em face de preceito da Constituição estadual que reproduza preceito central da Constituição federal, nada impede que nessa ação se impugne, como inconstitucional, a interpretação que se dê ao preceito de reprodução existente na Constituição do Estado por ser ela violadora da norma reproduzida, que não pode ser desrespeitada, na federação, pelos diversos níveis de governo. E a questão virá a esta Corte, como, aliás, tem vindo, nos vários recursos extraordinários interpostos em ações diretas de inconstitucionalidade de leis locais em face da Constituição Federal ajuizadas nas Cortes locais, a questão da impossibilidade jurídica dessas argüições (RREE 91740, 93088 e 92169, que foram todos conhecidos e providos)".

Não há dúvida, pois, de que será cabível o recurso extraordinário contra a decisão do Tribunal de Justiça que, sob pretexto de aplicar o direito constitucional estadual, deixar de aplicar devidamente a norma de reprodução obrigatória por parte do Estado-membro.

É interessante notar que a decisão proferida em sede de recurso extraordinário no Supremo Tribunal que implique o reconhecimento da procedência ou da improcedência da ação direta proposta no âmbito estadual será igualmente dotada de eficácia erga omnes, o que ressalta uma outra peculiaridade dessa situação de inevitável convivência entre os sistemas difuso e concentrado de controle de constitucionalidade no direito brasileiro.

E se não houver a interposição do recurso extraordinário? A decisão transitará em julgado para o Supremo Tribunal Federal?

Duas são as situações possíveis:

          (a) o Tribunal afirmará a improcedência da argüição de inconstitucionalidade, declarando, com eficácia erga omnes, que a lei estadual ou municipal é compatível com a Constituição estadual.

(b) o Tribunal afirmará a procedência da argüição, reconhecendo a inconstitucionalidade da lei estadual ou municipal, com eficácia geral.

Na primeira hipótese, não há que se cogitar de eficácia de decisão em relação ao Supremo Tribunal Federal, podendo vir a conhecer da questão no processo de controle difuso ou direto de constitucionalidade. No caso de declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo estadual ou municipal, com trânsito em julgado, não haverá objeto para a argüição de inconstitucionalidade no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

É o que também sustenta o Ministro Moreira Alves, na seguinte passagem do voto proferido na Reclamação 383, verbis:

"Pode ocorrer, no entanto, que não haja a interposição do recurso extraordinário. E o mesmo problema sucederá - como já acentuei - se, adotada a orientação contrária, não for proposta reclamação para a verificação da ocorrência, ou não, de inconstitucionalidade só declarável em face de texto de reprodução, certo como é que não cabe reclamação, para a preservação de competência, que tenha de desconstituir acórdão transitado em julgado. Ainda recentemente esta Corte reafirmou esse entendimento, ao não conhecer, por unanimidade de votos, em 28 de maio próximo passado, a reclamação 365, de que fui relator. Nesse julgamento se decidiu que reclamação destinada à preservação de competência do S.T.F. só é cabível se a decisão objeto dela ainda não transitou em julgado, pois reclamação não é sucedâneo de ação rescisória.

Ora, na hipótese de não interposição de recurso extraordinário (ou de não oferecimento de reclamação com acima observei), se a decisão do Tribunal de Justiça, na ação direta, for pela sua improcedência - o que vale dizer que a lei municipal ou estadual foi tida como constitucional -, embora tenha ela também eficácia erga omnes, essa eficácia se restringe ao âmbito da Constituição estadual, ou seja, a lei então impugnada, aí, não poderá mais ter sua constitucionalidade discutida em face da Constituição estadual, o que não implicará que não possa ter sua inconstitucionalidade declarada, em controle difuso ou em controle concentrado (perante esta Corte, se se tratar de lei estadual), em face da Constituição federal, inclusive com base nos mesmos princípios que serviram para a reprodução. E isso se explica, não só porque a causa petendi (inconstitucionalidade em face da Constituição federal, e não da Constituição estadual) é outra, como também por ter a decisão desta Corte eficácia erga omnes nacional, impondo-se, portanto, aos Estados.

Se, porém, a decisão do Tribunal de Justiça, na ação direta, for pela procedência - o que implica a declaração de nulidade da norma municipal ou estadual impugnada -, a sua retirada do mundo jurídico, com eficácia retroativa à data do início de sua vigência, se faz no âmbito mesmo em que ela surgiu e atua - o estadual -, o que impede que, por haver a norma deixado de existir na esfera do ordenamento que integrava, que seja reavivada, em face da Carta Magna federal, questão cujo objeto não mais existe".

Tal como já apontado, essa decisão forneceu as novas bases do sistema de controle direto de constitucionalidade do direito estadual e municipal perante o Tribunal de Justiça, assentando a autonomia dos parâmetros de controle e a possibilidade de que a questão suscitada perante o Tribunal local se converta numa questão constitucional federal, especialmente nos casos de aplicação das chamadas normas de reprodução obrigatória por parte do Estado-membro.


4. Ação Declaratória de Constitucionalidade no Âmbito Estadual

Em face do silêncio do texto constitucional, na versão da Emenda nº 3, de 1993, cabe indagar se os Estados membros poderiam instituir a ação declaratória de constitucionalidade no âmbito da unidade federada com objetivo de afirmar a legitimidade de atos normativos estaduais e municipais em face da Constituição estadual.

A imprecisão da fórmula adotada na Emenda nº 16, de 1965, que introduziu o controle abstrato de normas entre nós, – representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral, – não consegue esconder o propósito inequívoco do legislador constituinte, que era o de permitir, "desde logo, a definição da controvérsia constitucional sobre leis novas".

Não se pretendia, pois, que o Procurador-Geral instaurasse o processo de controle abstrato com o propósito exclusivo de ver declarada a inconstitucionalidade da lei, até porque ele poderia não tomar parte na controvérsia constitucional ou, se dela participasse, estar entre aqueles que consideravam válida a lei.

Não se fazia mister, portanto, que o Procurador-Geral estivesse convencido da inconstitucionalidade da norma. Era suficiente o requisito objetivo relativo à existência de "controvérsia constitucional". Daí ter o constituinte utilizado a fórmula equívoca – representação contra a inconstitucionalidade da lei, encaminhada pelo Procurador-Geral da República – que explicitava, pelo menos, que a dúvida ou a eventual convicção sobre a inconstitucionalidade não precisava ser por ele perfilhada.

Se correta essa orientação, parece legítimo admitir que o Procurador-Geral da República tanto poderia instaurar o controle abstrato de normas, com o objetivo precípuo de ver declarada a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo (ação declaratória de inconstitucionalidade ou representação de inconstitucionalidade), como poderia postular, expressa ou tacitamente, a declaração de constitucionalidade da norma questionada (ação declaratória de constitucionalidade).

A cláusula sofreu pequena alteração na Constituição de 1967 e de 1967/69 (representação do Procurador-Geral da República, por inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual – CF 1967, art. 115, I, "l"; CF 1967/69, art. 119, I, "l").

O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, na versão de 1970, consagrou expressamente essa idéia:

          "Art. 174.............

§ 1º. Provocado por autoridade ou por terceiro para exercitar a iniciativa prevista neste artigo, o Procurador-Geral, entendendo improcedente a fundamentação da súplica, poderá encaminhá-la com parecer contrário".

Essa disposição, que, como visto, consolidava posição tradicional no Tribunal, permitia ao titular da ação encaminhar a postulação que lhe fora dirigida por terceiros, manifestando-se, porém, em sentido contrário.

Não é preciso maior esforço de argumentação para demonstrar que, do ponto de vista dogmático, nada mais fez o Regimento Interno do que positivar, no plano processual, a orientação que balizara a instituição da representação de inconstitucionalidade (controle abstrato) entre nós.

Ela se destinava não apenas a eliminar a lei declarada inconstitucional da ordem jurídica (pedido de declaração de inconstitucionalidade), mas também a elidir controvérsias que se instaurassem sobre a legitimidade de determinada norma (pedido de declaração de constitucionalidade).

Assim, se o Procurador-Geral encaminhava súplica ou representação de autoridade ou de terceiro, com parecer contrário, estava simplesmente a postular uma declaração (positiva) de constitucionalidade. O pedido de representação, formulado por terceiro e encaminhado ao Supremo, materializava, apenas, a existência da "controvérsia constitucional" apta a fundamentar uma "necessidade pública de controle".

Essa cláusula foi alterada, passando o Regimento Interno a conter as seguintes disposições:

          "Art. 169. O Procurador-Geral da República poderá submeter ao Tribunal, mediante representação, o exame de lei ou ato normativo federal ou estadual, para que seja declarada a sua inconstitucionalidade.

§ 1º Proposta a representação, não se admitirá desistência, ainda que afinal o Procurador-Geral se manifeste pela sua improcedência".

Parece legítimo supor que essa modificação não alterou, substancialmente, a idéia básica que norteava a aplicação desse instituto. Se o titular da iniciativa manifestava-se, afinal, pela constitucionalidade da norma impugnada, é porque estava a defender a declaração de constitucionalidade.

Na prática, continuou o Procurador-Geral a oferecer representações de inconstitucionalidade, ressaltando a relevância da questão e manifestando-se, afinal, muitas vezes, em favor da constitucionalidade da norma.

A falta de maior desenvolvimento doutrinário e a própria balbúrdia conceitual instaurada em torno da representação interventiva – confusão essa que contaminou os estudos do novo instituto – não permitiram que essas idéias fossem formuladas com a necessária clareza.

A própria disposição regimental é equívoca, pois, se interpretada literalmente, reduziria o papel do titular da iniciativa, o Procurador-Geral da República, a de um despachante autorizado, que poderia encaminhar os pleitos que lhe fossem dirigidos, ainda que com parecer contrário.

Assinale-se, porém, que a idéia subjacente a essa fórmula imperfeita, concepção que já havia presidido a própria elaboração da Emenda Constitucional nº 16, era a de que o Procurador-Geral da República poderia instaurar o controle abstrato de normas quando surgissem "controvérsias constitucionais".

Ser-lhe-ia legítimo, pois, tanto pedir a declaração de inconstitucionalidade, como advogar a pronúncia de uma declaração de constitucionalidade. A "controvérsia constitucional" ou a dúvida fundada sobre a constitucionalidade da norma representava, assim, um pressuposto processual implícito do controle abstrato de normas (pressuposto objetivo), que legitimava a instauração do controle abstrato de normas, seja com o escopo de ver declarada a inconstitucionalidade da norma, seja com o propósito de ver afirmada a sua constitucionalidade.

Daí ter o saudoso Victor Nunes Leal observado em palestra proferida na Conferência Nacional da OAB de 1978 (Curitiba) que, "em caso de representação com parecer contrário, o que se tem, na realidade, sendo privativa a iniciativa do Procurador-Geral, é uma representação de constitucionalidade".

A propósito, acrescentou, ainda, o notável jurisconsulto:

          "Relembro, aliás, que o ilustre Professor Haroldo Valladão, quando Procurador-Geral da República, sugeriu ao signatário (não sei se chegou a registrá-lo por escrito) a conveniência de deixar expressa no Regimento a representação destinada a afirmar a constitucionalidade, para solver dúvidas, ainda que não houvesse pedido formal de terceiros no sentido da inconstitucionalidade".

Sem dúvida, a disciplina específica do tema no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal serviria à segurança jurídica, na medida em que afastaria, de uma vez por todas, as controvérsias que marcaram o tema no direito constitucional brasileiro.

Assinale-se que o registro dessas assertivas constantes de manifestação autorizada de Victor Nunes demonstra também que, ao contrário do que afirmado por alguns autores, o instituto da ação declaratória de constitucionalidade não representa um novum sequer para a doutrina constitucional pátria.

Entendida a representação de inconstitucionalidade como instituto de contéudo dúplice ou de caráter ambivalente, mediante o qual o Procurador-Geral da República tanto poderia postular a declaração de inconstitucionalidade da norma, como defender a declaração de sua constitucionalidade, afigurar-se-ia legítimo sustentar, com maior ênfase e razoabilidade, a tese relativa à obrigatoriedade de o Procurador-Geral submeter a questão constitucional ao Supremo Tribunal Federal, quando isto lhe fosse solicitado.

A controvérsia instaurada em torno da recusa do Procurador-Geral da República de encaminhar ao Supremo Tribunal Federal representação de inconstitucionalidade contra o Decreto-Lei 1.077, de 1970, que instituiu a censura prévia sobre livros e periódicos, não serviu – infelizmente – para realçar esse outro lado da representação de inconstitucionalidade.

De qualquer sorte, todos aqueles que sustentaram a obrigatoriedade de o Procurador-Geral da República submeter a representação ao Supremo Tribunal Federal, ainda quando estivesse convencido da constitucionalidade da norma, somente podem ter partido da idéia de que, nesse caso, o Chefe do Ministério Público deveria, necessária e inevitavelmente, formular uma ação declaratória – positiva – de constitucionalidade.

Na Representação 1.092, relativa à constitucionalidade do instituto da reclamação, contido no Regimento Interno do antigo Tribunal Federal de Recursos, viu-se o Procurador-Geral da República, que instaurou o processo de controle abstrato de normas e se manifestou, no mérito, pela improcedência do pedido, na contingência de ter de opor embargos infringentes da decisão proferida, que julgava procedente a ação proposta, declarando inconstitucional a norma impugnada.

O Supremo Tribunal Federal considerou admissíveis os embargos pelos fundamentos contidos no voto do eminente Relator, Ministro Néri da Silveira:

          "Se os embargos constituem um recurso e este é meio de provocar, na mesma ou na superior instância, a reforma ou a modificação de uma sentença desfavorável, seria, em princípio de entender que, procedente a ação, ao autor não caberia opor-se ao resultado, que pleiteou vestibularmente. Porque não sucumbente, não estaria legitimado a recorrer.

Sucede, porém, que, na ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, por sua natureza, enquanto instrumento especial de controle jurisdicional de constitucionalidade, não é, desde logo, de invocar os princípios regentes da teoria do processo civil, senão na medida em que os consagrou o Regimento do STF, onde se regula a representação de competência originária e exclusiva desta Corte (Constituição, art. 119, I, letra "l"). Assim, já se tornou assente o descabimento da assistência no processo de representação para a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual ou para interpretação de lei (Representações nº 1.161-5-GO, 1.155-1-DF e 972-DF). Por igual, não se afirma impedimento de membro da Corte para o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade ou de interpretação de lei ou ato normativo federal (Sessão de 13.9.1983). Ao Procurador-Geral da República, a quem a Constituição reserva, com exclusividade, aforar a ação, não se lhe reconhece, todavia, a faculdade de desistir da representação. Instrumento por via do qual se exerce função política do Judiciário, no controle dos atos dos outros Poderes, e dele próprio, o procedimento de ação direta se reveste de especialidade com sua destinação. O julgamento, na representação, refere-se à lei ou ato normativo, em tese, e a decisão que os tem como inconstitucionais encerra, em si mesma, o efeito de excluir-lhes a eficácia erga omnes, dispensada, assim, qualquer posterior manifestação do Senado Federal, para suspender a execução da lei ou ato normativo, tidos como inválidos, a teor do art. 42, VII, da Constituição. De outra parte, está no parágrafo único do art. 169 do Regimento Interno do STF, que o Procurador-Geral da República, inobstante autor da ação direta, pode, em sua manifestação final pedir a improcedência da representação, tal como na espécie aconteceu (fls. 141/151). Pontes de Miranda, de referência à posição do Chefe do Ministério Público federal, diante da norma do art. 119, I, letra "l", da Constituição, observa: "A legitimidade ativa, que tem o Procurador-Geral da República, estende-se à oposição de embargos de nulidade ou infringentes do julgado ou dos embargos declaratórios. É órgão da União: não só a representa, presenta-a, como órgão que é "(in: Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda nº 1, de 1969, Tomo IV, 2a. ed., pág. 44). Em face da especialidade do processo da ação direta de inconstitucionalidade, compreendo que o Procurador-Geral pode, inobstante julgada procedente a representação, notadamente, se pedir em sua manifestação final a improcedência da demanda constitucional, interpor embargos infringentes ao acórdão do STF".

Ora, ao admitir o cabimento dos embargos infringentes opostos pelo Procurador-Geral da República contra decisão que acolheu representação de inconstitucionalidade de sua própria iniciativa, o Supremo Tribunal Federal contribuiu para realçar esse caráter ambivalente da representação de inconstitucionalidade, reconhecendo implicitamente, pelo menos, que ao titular da ação era legítimo tanto postular a declaração de inconstitucionalidade da lei, se disso estivesse convencido, como pedir a declaração de sua constitucionalidade, se, não obstante convencido de sua constitucionalidade, houvesse dúvidas ou controvérsias sobre sua legitimidade que reclamassem um pronunciamento definitivo do Supremo Tribunal Federal.

É verdade que a Corte restringiu significativamente essa orientação no acórdão de 8 de setembro de 1988. O Procurador-Geral da República encaminhou ao Tribunal petição formulada por grupo de parlamentares que sustentava a inconstitucionalidade de determinadas disposições da Lei de Informática (Lei nº 7.232, de 29 de outubro de 1984). O Tribunal considerou inepta a representação, entendendo que, como a Constituição previa uma ação de inconstitucionalidade, não poderia o titular da ação demonstrar, de maneira insofismável, que perseguia outros desideratos.

Embora o Supremo Tribunal Federal tenha considerado inadmissível representação na qual o Procurador-Geral da República afirma, de plano, a constitucionalidade da norma, é certo que essa orientação, calcada numa interpretação literal do texto constitucional, não parece condizente, tal como demonstrado, com a natureza do instituto e com a sua práxis desde a sua adoção pela Emenda nº 16, de 1965.

Todavia, a Corte continuou a admitir as representações e, mesmo após o advento da Constituição de 1988, as ações diretas de inconstitucionalidade nas quais o Procurador-Geral limitava-se a ressaltar a relevância da questão constitucional, pronunciando-se, a final, pela sua improcedência.

Em substância, era indiferente, tal como percebido por Victor Nunes, que o Procurador-Geral sustentasse, desde logo, a constitucionalidade da norma, ou que encaminhasse o pedido, para, posteriormente, manifestar-se pela sua improcedência.

Essa análise demonstra claramente que, a despeito da utilização do termo representação de inconstitucionalidade, o controle abstrato de normas foi concebido e desenvolvido como processo de natureza dúplice ou ambivalente.

No julgamento da Questão de Ordem suscitada na Ação Declaratória nº 1, enfatizou-se a natureza idêntica dos processos de ação direta de constitucionalidade e de ação declaratória de constitucionalidade, como se pode ler na seguinte passagem do voto proferido pelo Ministro Moreira Alves, verbis:

          "A Emenda Constitucional n. 3, de 1993, ao instituir a ação declaratória de constitucionalidade, já estabeleceu quais são os legitimados para propô-la e quais são os efeitos de sua decisão definitiva de mérito. Silenciou, porém, quanto aos demais aspectos processuais a serem observados com referência a essa ação.

Tendo em vista, porém, que a natureza do processo relativo a essa ação é a mesma da ação direta de inconstitucionalidade, é de adotar-se a disciplina desta nesse particular, exceto no que se diferenciam pelo seu fim imediato, que é oposto - a ação direta de inconstitucionalidade visa diretamente à declaração de inconstitucionalidade do ato normativo, ao passo que a ação declaratória de constitucionalidade visa diretamente à declaração de constitucionalidade do ato normativo -, e que acarreta a impossibilidade da aplicação de toda a referida disciplina".

Na oportunidade, assentou o Supremo Tribunal Federal que a sentença de rejeição de inconstitucionalidade proferida no referido processo tem valor específico, afirmando-se que, no caso de improcedência da ação, terá o Tribunal de declarar a inconstitucionalidade da norma.

Como se sabe, a Emenda Constitucional nº 3, de 1993, ao criar a ação declaratória de constitucionalidade de lei federal, estabeleceu que a decisão definitiva de mérito nela proferida – incluída aqui, pois, aquela que, julgando improcedente a ação, proclamar a inconstitucionalidade da norma questionada "... produzirá eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo...". Por essa razão, eminentes membros do Supremo Tribunal Federal, como o Ministro Sepúlveda Pertence, têm sustentado que, "quando cabível em tese a ação declaratória de constitucionalidade, a mesma força vinculante haverá de ser atribuída à decisão definitiva da ação direta de inconstitucionalidade ".

Todos esses elementos reforçam o caráter dúplice ou ambivalente que marca também a ação declaratória no plano federal.

Assim, não parece subsistir dúvida de que a ação declaratória de constitucionalidade tem a mesma natureza da ação direta de inconstitucionalidade, podendo-se afirmar até que aquela nada mais é do que uma ADIn com sinal trocado.

Ora, tendo a Constituição de 1988 autorizado o constituinte estadual a criar a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal em face da Carta Magna estadual (CF, art. 125, § 2º) e restando evidente que tanto a representação de inconstitucionalidade, no modelo da Emenda nº 16, de 1965, e da Constituição de 1967/69, quanto a ação declaratória de constitucionalidade prevista na Emenda Constitucional nº 3, de 1993, possuem caráter dúplice ou ambivalente, parece legítimo concluir que, independentemente de qualquer autorização expressa do legislador constituinte federal, estão os Estados-membros legitimados a instituir a ação declaratória de constitucionalidade.

É que, como afirmado, na autorização para que os Estados instituam a representação de inconstitucionalidade, resta implícita a possibilidade de criação da própria ação declaratória de constitucionalidade.


5. O Controle da omissão legislativa no plano estadual

Muitas Constituições estaduais consagraram, ao lado do controle abstrato de normas, a ação direta por omissão. Assim sendo, é de se indagar se as unidades federadas estariam autorizadas a instituir o procedimento de controle da omissão, tendo em vista especialmente o disposto no art. 125, § 2º da Constituição Federal.

Tal como reconhecido pela própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, configura-se omissão legislativa não apenas quando o órgão legislativo não cumpre o seu dever, mas, também, quando o satisfaz de forma incompleta.

Nesses casos, que configuram, em termos numéricos, a mais significativa categoria de omissão na jurisprudência da Corte Constitucional alemã, é de se admitir tanto um controle principal ou direto, como um controle incidental, uma vez que existe aqui norma que pode ser objeto de exame judicial.

Embora a omissão do legislador não possa ser, enquanto tal, objeto do controle abstrato de normas, não se deve excluir a possibilidade de que essa omissão venha ser examinada no controle de normas.

Dado que no caso de uma omissão parcial há uma conduta positiva, não há como deixar de reconhecer a admissibilidade, em princípio, da aferição da legitimidade do ato defeituoso ou incompleto no processo de controle de normas, ainda que abstrato.

Tem-se, pois, aqui uma relativa, mas inequívoca fungibilidade entre a ação direta de inconstitucionalidade e o processo de controle abstrato da omissão, uma vez que os dois processos – o de controle de normas e o de controle da omissão – acabam por ter – formal e substancialmente – o mesmo objeto, isto é, a inconstitucionalidade da norma em razão de sua incompletude.

Essa peculiaridade restou evidenciada na ADIn 526, oferecida contra a Medida Provisória nº 296, de 29 de maio de 1991, que concedia aumento de remuneração a segmento expressivo do funcionalismo público, em alegado desrespeito ao disposto no art. 37, X, da Constituição. Convém se registre passagem do voto proferido pelo eminente Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, no julgamento do pedido de concessão de medida cautelar:

"Põe-se aqui, entretanto, um problema sério e ainda não deslindado pela Corte, que é um dos tormentos do controle da constitucionalidade da lei pelo estalão do princípio da isonomia e suas derivações constitucionais.

Se a ofensa à isonomia consiste, no texto da norma questionada, na imposição de restrição a alguém, que não se estenda aos que se encontram em posição idêntica, a situação de desigualdade se resolve sem perplexidade pela declaração da invalidez da constrição discriminatória.

A consagração positiva da teoria da inconstitucionalidade por omissão criou, no entanto, dilema cruciante, quando se trate, ao contrário, de ofensa à isonomia pela outorga por lei de vantagem a um ou mais grupos com exclusão de outro ou outros que, sob o ângulo considerado, deveriam incluir entre os beneficiários.

É a hipótese, no quadro constitucional brasileiro, de lei que, à vista da erosão inflacionária do poder de compra da moeda, não dê alcance universal à revisão de vencimentos, contrariando o art. 37, X, ou que, para cargos de atribuições iguais ou assemelhadas, fixe vencimentos díspares, negando observância à imposição de tratamento igualitário do art. 39, § 1º, da Constituição.

A alternativa que aí se põe ao órgão de controle é afirmar a inconstitucionalidade positiva de norma concessiva do benefício ou, sob outro prisma, a da omissão parcial consistente em não ter estendido o benefício a quantos satisfizessem os mesmos pressupostos de fato subjacentes à outorga (Canotilho, "Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador", 1992, 333 ss.; 339; "Direito Constitucional", 1986, pág. 831; Gilmar F. Mendes, "Controle de Constitucionalidade", 1990, págs. 60 ss.; Regina Ferrari, "Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade", 1990, págs. 156 ss.; Carmem Lúcia Rocha, "O Princípio Constitucional da Igualdade", 1990, pág. 42); "a censurabilidade do comportamento do legislador" – mostra Canotilho ("Constituição Dirigente", cit., pág 334), a partir da caracterização material da omissão legislativa – "tanto pode residir no acto positivo – exclusão arbitrária de certos grupos das vantagens legais – como no procedimento omissivo – emanação de uma lei que contempla positivamente um grupo de cidadão, esquecendo outros".

Se se adota a primeira solução – a declaração de inconstitucionalidade da lei por "não favorecimento arbitrário" ou "exclusão inconstitucional de vantagem" – que é a da nossa tradição (v. g. RE 102.553, 21-8-86, RTJ 120/725) – a decisão tem eficácia fulminante, mas conduz a iniquidades contra os beneficiados, quando a vantagem não traduz privilégio, mas imperativo de circunstâncias concretas, não obstante a exclusão indevida de outros, que ao gozo dela se apresentariam com os mesmos títulos.

É o que ocorreria, no caso, com a suspensão cautelar da eficácia da medida provisória, postulada na ADIn 525: estaria prejudicado o aumento de vencimentos da parcela mais numerosa do funcionalismo civil e militar, sem que daí resultasse benefício algum para os excluídos do seu alcance.

A solução oposta – a da omissão parcial –, seria satisfatória, se resultasse na extensão do aumento – alegadamente, simples reajuste monetário –, a todos quantos sofrem com a mesma intensidade a depreciação inflacionária dos vencimentos.

A essa extensão da lei, contudo, faltam poderes ao Tribunal, que, à luz do art. 103, § 2º, CF, declarando a inconstitucionalidade por omissão da lei – seja ela absoluta ou relativa, há de cingir-se a comunicá-la ao órgão legislativo competente, para que a supra.

De resto, como assinalam estudiosos de inegável autoridade (v.g. Gilmar Mendes, ob. cit. pág. 70), o alvitre da inconstitucionalidade por omissão parcial ofensiva da isonomia – se pôde ser construída, a partir da Alemanha, nos regimes do monopólio do controle de normas pela Corte Constitucional –, suscita problemas relevantes de possível rejeição sistemática, se se cogita de transplantá-la para a delicada simbiose institucional que se traduz na conveniência, no direito brasileiro, entre o método de controle direto e concentrado no Supremo Tribunal e o sistema difuso.

Ponderações que não seria oportuno expender aqui fazem, porém, com que não descarte de plano a aplicabilidade, no Brasil, da tese da inconstitucionalidade por omissão parcial. Ela, entretanto, não admite antecipação cautelar, sequer, limitados efeitos de sua declaração no julgamento definitivo; muito menos para a extensão do benefício aos excluídos, que nem na decisão final se poderia obter".

É certo que a declaração de nulidade não configura técnica adequada para a eliminação da situação inconstitucional nesses casos de omissão inconstitucional. Uma cassação aprofundaria o estado de inconstitucionalidade, tal como já admitido pelo Bundesverfassungsgericht em algumas decisões.

Portanto, a principal problemática da omissão do legislador situa-se menos na necessidade da instituição de determinados processos para o controle da omissão legislativa do que no desenvolvimento de fórmulas que permitam superar, de modo satisfatório, o estado de inconstitucionalidade.

Em julgado mais moderno, também relativo à suposta exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade, o Supremo Tribunal Federal vem de afirmar que não caberia à Corte converter a ação direta de inconstitucionalidade em ação de inconstitucionalidade por omissão. Tratava-se de argüição na qual se sustentava que o ato da Receita Federal, "ao não reconhecer a não incidência do imposto (IPMF) apenas quanto a movimentação bancária ocorrida nas aquisições de papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos promovidas pelas empresas jornalísticas, estaria impondo a exigência do imposto relativamente às demais operações financeiras de movimentação e transferência praticadas por essas empresas, em operações vinculadas à feitura do jornal, livros e periódicos, tais como pagamentos a fornecedores de outros insumos, pagamentos de mão de obra e serviços necessários à confecção do jornal (...)".

"Configurada hipótese de ação de inconstitucionalidade por omissão, em face dos termos do pedido, com base no § 2º do art. 103 da Lei Magna, o que incumbe ao Tribunal – afirma o Relator, Ministro Néri da Silveira – é negar curso à ação direta de inconstitucionalidade "ut" art. 102, I, letra "a", do Estatuto Supremo". Na mesma linha de argumentação, concluiu o Ministro Sepúlveda Pertence que "o pedido da ação direta de inconstitucionalidade de norma é de todo diverso do pedido da ação de inconstitucionalidade por omissão o que tornaria inadmissível a conversão da ação de inconstitucionalidade positiva, que se propôs, em ação de inconstitucionalidade por omissão de normas.

Também na ADIn 1458, da relatoria do eminente Ministro Celso de Mello, reiterou o Supremo Tribunal Federal essa orientação, como se pode depreender da leitura da ementa do acórdão, verbis:

          "SALÁRIO MÍNIMO - VALOR INSUFICIENTE - SITUAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PARCIAL.

- A insuficiência do valor correspondente ao salário mínimo, definido em importância que se revele incapaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e dos membros de sua família, configura um claro descumprimento, ainda que parcial, da Constituição da República, pois o legislador, em tal hipótese, longe de atuar como o sujeito concretizante do postulado constitucional que garante à classe trabalhadora um piso geral de remuneração (CF, art. 7º, IV), estará realizando, de modo imperfeito, o programa social assumido pelo Estado na ordem jurídica.

- A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.

- As situações configuradoras de omissão inconstitucional – ainda que se cuide de omissão parcial, derivada da insuficiente concretização, pelo Poder Público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta Política, de que é destinatário – refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se, perigosamente, como um dos processos informais de mudança da Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à censura do Poder Judiciário.

INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO - DESCABIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR.

- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de proclamar incabível a medida liminar nos casos de ação direta de inconstitucionalidade por omissão (RTJ 133/569, Rel. Min. MARCO AURÉLIO; ADIn 267-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), eis que não se pode pretender que mero provimento cautelar antecipe efeitos positivos inalcançáveis pela própria decisão final emanada do STF.

- A procedência da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, importando em reconhecimento judicial do estado de inércia do Poder Público, confere ao Supremo Tribunal Federal, unicamente, o poder de cientificar o legislador inadimplente, para que este adote as medidas necessárias à concretização do texto constitucional".

Ao contrário do afirmado nas referidas decisões, o problema, tal como já amplamente enfatizado, não decorre propriamente do pedido, até porque, em um ou em outro caso (impugnação de ato normativo ou de omissão parcial), tem-se sempre um pedido de declaração de inconstitucionalidade de uma dada situação normativa.

Em se tratando de omissão, a própria norma incompleta ou defeituosa há de ser suscetível de impugnação na ação direta de inconstitucionalidade, porque é de uma norma alegadamente inconstitucional que se cuida, ainda que a causa da ilegitimidade possa residir na sua incompletude.

Portanto, a questão fundamental reside menos na escolha de um processo especial do que na adoção de uma técnica de decisão apropriada para superar as situações inconstitucionais propiciadas pela chamada omissão legislativa.

Se se entender que, na verdade, as ações diretas por inconstitucionalidade de lei ou ato normativo e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão têm, em grande parte, um objeto comum – a omissão parcial –, então parece correto admitir que a autorização contida na Constituição Federal para a instituição da representação de inconstitucionalidade no plano estadual é abrangente tanto da ação direta de inconstitucionalidade em razão da ação, como da ação direta por omissão.

Assim sendo, as Constituições estaduais que optaram por disciplinar, diretamente, o controle abstrato da omissão acabaram por consagrar fórmula plenamente compatível com a ordem constitucional vigente.


6. O Controle de Constitucionalidade no âmbito do Distrito Federal

6.1. Considerações Preliminares

A Constituição não contemplou expressamente o direito de propositura da ação direta de inconstitucionalidade pelo Governador do Distrito Federal. O texto constitucional também não esclarece sobre a aplicação do art. 125, § 2º no âmbito do Distrito Federal.

Embora o status do Distrito Federal no texto constitucional de 1988 seja fundamentalmente diverso dos modelos fixados nas Constituições anteriores, não se pode afirmar, de forma apodíctica, que a sua situação jurídica é equivalente à de um Estado-membro.

Não seria lícito sustentar, porém, que se estaria diante de modelos tão diversos que, no caso, menos do que uma omissão, haveria um exemplo de silêncio eloqüente, que obstaria à extensão do direito de propositura aos órgãos do Distrito Federal em ação direta de inconstitucionalidade, no plano do Supremo Tribunal Federal, bem como a adoção do controle abstrato de direito distrital perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.

O texto constitucional, em vários de seus dispositivos, procura distinguir a situação jurídica dos Estados da do Distrito Federal:

          – art. 1º: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal (...);

–art. 18: A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, (...);

– art. 18, § 3º: Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros ou formarem novos Estados ou Territórios Federais (...);

– art. 19: É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...);

– art. 20: É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como aos órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo (...);

– art. 21: Compete à União:

(...)

XII - organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios;

XIV - organizar e manter a polícia federal, a polícia rodoviária e ferroviária federais, bem como a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal e dos Territórios;

– art. 22: Compete privativamente à União legislar sobre (...) organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios (...).

– art. 34: A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: (...).

Essas disposições, se não permitem afirmar que o modelo constitucional consagrado para o Distrito Federal é de todo idêntico ao estatuto dos Estados-Membros, não autorizam, igualmente, sustentar que as dessemelhanças sejam tão acentuadas que deveriam mesmo levar à negação do direito de propositura.

Assinale-se que se afigura decisivo para o desate da questão a disciplina contida no art. 32 da Constituição, que outorga ao Distrito Federal poder de auto-organização, atribui-lhe as competências legislativas dos Estados e Municípios e define regras para a eleição de Governador, Vice-Governador e Deputados Distritais, que em nada diferem do sistema consagrado para os Estados-Membros.

Dessarte, para os efeitos exclusivos do sistema de controle de constitucionalidade, as posições jurídicas do Governador e da Câmara Legislativa do Distrito Federal em nada diferem das situações jurídicas dos Governadores de Estado e das Assembléias Legislativas.

O eventual interesse na preservação da autonomia de suas unidades contra eventual intromissão por parte do legislador federal é em tudo semelhante. Também o interesse genérico na defesa das atribuições específicas dos Poderes Executivo e Legislativo é idêntico.

Portanto, ainda que se possam identificar dessemelhanças significativas entre o Estado-Membro e o Distrito Federal e, por isso, também entre os seus órgãos executivos e legislativos, é lícito concluir que, para os fins do controle de constitucionalidade abstrato, as suas posições jurídicas são, fundamentalmente, idênticas.

Não haveria razão, assim, para deixar de reconhecer o direito de propositura da ação direta de inconstitucionalidade ao Governador do Distrito Federal e à Mesa da Câmara Legislativa, a despeito do silêncio do texto constitucional.

O direito de propositura do Governador do Distrito Federal foi contemplado expressamente pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn 645, reconhecendo-se a sua legitimidade ativa "por via de interpretação compreensiva do texto do art. 103, V, da CF/88, c/c o art. 32, § 1º, da mesma Carta".

Assim, não existe razão jurídica para afastar do controle abstrato de constitucionalidade os órgãos superiores do Distrito Federal.

Razões semelhantes militam em favor do controle de constitucionalidade de ato aprovado pelos Poderes distritais no exercício da competência tipicamente estadual.

É que, não obstante as peculiaridades que marcam o Distrito Federal, os atos normativos distritais – leis, decretos, etc. – são substancialmente idênticos aos atos normativos estaduais, tal como deflui diretamente do art. 32, § 1º, na parte em que atribui ao Distrito Federal as competências legislativas reservadas aos Estados.

Assinale-se, porém, que a própria fórmula constante do art. 32, § 1º, da Constituição, está a indicar que o Distrito Federal exerce competências legislativas municipais, editando, por isso, leis e atos normativos materialmente idênticos àqueles editados pelos demais entes comunais.

Nessa hipótese, diante da impossibilidade de se proceder ao exame direto de constitucionalidade da lei municipal em face da Constituição perante o Supremo Tribunal, tem-se de admitir, com o Supremo Tribunal Federal, que descabe "ação direta de inconstitucionalidade, cujo objeto seja ato normativo editado pelo Distrito Federal, no exercício de competência que a Lei Fundamental reserva aos Municípios", tal como "a disciplina e polícia do parcelamento do solo".

Vê-se, assim, que o Supremo Tribunal Federal levou em conta o propósito ampliativo do constituinte em relação ao controle de constitucionalidade no âmbito estadual para reconhecer que também o Distrito Federal deveria ser compreensivamente abrangido pelas normas do art. 102 e 103 da Constituição a respeito do controle direto de constitucionalidade.

          6.2 A possibilidade de instituição de ação direta de inconstitucionalidade no âmbito do Distrito Federal

Tal como observado, a Constituição dotou o Distrito Federal de autonomia política, outorgando-lhe competências legislativas específicas dos Estados-membros e dos Municípios e atribuindo-lhe poder para votar uma Lei Orgânica. Cumpre indagar, ainda, se ao Distrito Federal seria lícito, igualmente, definir um modelo de controle de constitucionalidade, tal como previsto no art. 125, § 2º da Carta Magna.

A pergunta pode ser assim formulada: estamos diante de uma lacuna que pode ser superada por analogia ou, ao revés, diante de um inequívoco silêncio eloqüente do texto constitucional?

Não subsiste dúvida de que, ao contrário da Constituição de 1967/69, o texto constitucional de 1988 fez uma opção deliberada em favor de um duplo sistema de controle direto do direito estadual e de um sistema de controle direto do direito municipal em face da Constituição estadual (CF, art. 125, § 2º).

Tendo o Distrito Federal personalidade jurídica de direito público e autonomia política que lhe permite não só editar uma Lei Orgânica, a título de Constituição local, mas também legislar, no âmbito de seu território, sobre todas as matérias de competência dos Estados e Municípios, afigura-se estranho que se lhe negue faculdade assegurada a todos os entes federados.

É bem verdade que se afigura complexa uma leitura ampliativa do texto constitucional, no art. 125, § 2º, para admitir que a própria Câmara Legislativa do Distrito Federal possa disciplinar a instituição da ação direta perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.

É que, como se sabe, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal é um órgão federal, competindo a União dispor sobre a sua organização e sobre a organização do Poder Judiciário do Distrito Federal (CF, art. 21, XII).

Ainda que haja boas razões para justificar a extensão ao Distrito Federal do tratamento constitucional que, na matéria, se conferiu ao Estados-membros, há de se ter por inquestionável que se o Tribunal de Justiça não é um órgão integrante do Distrito Federal, não pode ele ter suas competências acrescidas por decisão do órgão legislativo distrital.

Essa observação parece obstar que a própria Câmara Legislativa do Distrito Federal venha a instituir a ação direta de inconstitucionalidade.

Todavia, se se entende – como estamos a fazê-lo – que, em verdade, o texto constitucional não proíbe – antes recomenda – a instituição de um modelo duplo de controle direto de constitucionalidade do direito de índole estadual, então afigura-se legítimo indagar se a própria União não poderia, com fundamento em sua competência para legislar sobre direito processual federal e para dispor sobre organização do Judiciário local, disciplinar a ação direta do direito distrital em face da Lei Orgânica do Distrito Federal.

Poder-se-ia sustentar que o silêncio do texto constitucional, na espécie, é um silêncio eloqüente, não se podendo superar a lacuna verificada senão mediante emenda constitucional.

Embora não se possa negar que eventual emenda constitucional daria uma solução definitiva à questão, é certo que a sistemática vigente sugere a possibilidade de disciplina do tema mediante decisão legislativa ordinária, desde que exercida pelos órgãos competentes.

Forte nesse entendimento, a Comissão de Juristas encarregada de formular um anteprojeto de lei sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade apresentou proposta que confere a seguinte disciplina ao tema :

"Art. 30. Acrescentem-se ao art. 8º da Lei nº 8.185, de 14 de maio de 1991, as seguintes disposições:

"Art. 8º ...........................

n) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Distrito Federal em face da sua Lei Orgânica;

....................................

§ 3º São partes legítimas para propor a ação direta de inconstitucionalidade:

a) o Governador do Distrito Federal;

b) a Mesa da Câmara Legislativa;

c) o Procurador-Geral de Justiça;

d) a Ordem dos Advogados do Brasil, seção do Distrito Federal;

e) as entidades sindicais ou de classe, de atuação no Distrito Federal, demonstrando que a pretensão por elas deduzida guarda relação de pertinência direta com os seus objetivos institucionais;

f) os partidos políticos com representação na Câmara Legislativa.

§ 4º Aplicam-se ao processo e julgamento da direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios as seguintes disposições:

a) o Procurador-Geral de Justiça será sempre ouvido nas ações diretas de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade;

b) declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma da Lei Orgânica do Distrito Federal, a decisão será comunicada ao Poder competente para adoção das providências necessárias, e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias;

c) somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou de seu órgão especial, poderá o Tribunal de Justiça declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do Distrito Federal ou suspender a sua vigência em decisão de medida cautelar.

§ 5º Aplicam-se, no que couber, ao processo de julgamento da ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Distrito Federal em face da sua Lei Orgânica, as normas sobre o processo e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal."

Tal como assente no Relatório que explicita as razões das propostas formuladas, o anteprojeto propõe que se altere a legislação ordinária federal (Lei de Organização Judiciária do Distrito Federal) para admitir, expressamente, o controle abstrato de normas e o controle abstrato da omissão no âmbito do Distrito Federal com o propósito inequívoco de "colmatar significativa lacuna no sistema de controle de normas, uma vez que o texto constitucional não cuidou diretamente do tema".

Como se pode ver, o Projeto adota os lineamentos básicos do controle de constitucionalidade direto aplicáveis no âmbito do Supremo Tribunal Federal, determinando que as normas sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, são aplicáveis, no que couber, ao processo e julgamento do controle de constitucionalidade no âmbito do Distrito Federal.

A solução proposta parece inteiramente compatível com o ordenamento constitucional brasileiro, que reconhece hoje o processo abstrato de normas como instrumento regular de controle de constitucionalidade, no âmbito das unidades federadas.


          7. Eficácia erga omnes das decisões proferidas em sede de controle abstrato no âmbito estadual

7.1 Considerações Preliminares

Diversas constituições estaduais têm estabelecido que, declarada a inconstitucionalidade incidental ou in abstracto, o Tribunal de Justiça estadual deverá comunicar a decisão à Assembléia Legislativa ou à Câmara Municipal para a suspensão, no todo ou em parte, da lei ou do ato impugnado.

Trata-se de fórmula que reproduz a vetusta suspensão de execução pelo Senado Federal, introduzida no sistema constitucional brasileiro pela Constituição de 1934 (art 91, inciso IV), e que consta hoje do art. 52, inciso X, da Constituição de 1988, aplicando-se, porém, tão-somente, às declarações de inconstitucionalidade proferidas incidenter tantum.

Ressalte-se que a própria suspensão de execução pelo Senado, tal como compreendida e praticada no âmbito federal, dá sinais evidentes de superação ou obsolescência.

A amplitude conferida ao controle abstrato de normas e a possibilidade de que se suspenda, liminarmente, a eficácia de leis ou atos normativos, com eficácia geral, contribuíram, certamente, para que se quebrantasse a crença na própria justificativa desse instituto, que se inspirava diretamente numa concepção de separação de poderes - hoje desnecessária e inevitavelmente ultrapassada. Se o Supremo Tribunal pode, em ação direta de inconstitucionalidade, suspender, liminarmente, a eficácia de uma lei, até mesmo de uma Emenda Constitucional, por que haveria a declaração de inconstitucionalidade, proferida no controle incidental, valer tão-somente para as partes?

A única resposta plausível indica que o instituto da suspensão pelo Senado de execução da lei declarada inconstitucional pelo Supremo assenta-se hoje em razão de índole exclusivamente histórica.

Deve-se observar, outrossim, que o instituto da suspensão da execução da lei pelo Senado mostra-se inadequado para assegurar eficácia geral ou efeito vinculante às decisões do Supremo Tribunal que não declaram a inconstitucionalidade de uma lei, limitando-se a fixar a orientação constitucionalmente adequada ou correta. Isto se verifica quando o Supremo Tribunal afirma que dada disposição há de ser interpretada desta ou daquela forma, superando, assim, entendimento adotado pelos Tribunais ordinários ou pela própria Administração. A decisão do Supremo Tribunal não tem efeito vinculante, valendo nos estritos limites da relação processual subjetiva. Como não se cuida de declaração de inconstitucionalidade de lei, não há que se cogitar aqui de qualquer intervenção do Senado, restando o tema aberto para inúmeras controvérsias.

Situação semelhante ocorre quando o Supremo Tribunal Federal adota uma interpretação conforme à Constituição, restringindo o significado de uma dada expressão literal ou colmatando uma lacuna contida no regramento ordinário. Aqui o Supremo Tribunal não afirma propriamente a ilegitimidade da lei, limitando-se a ressaltar que uma dada interpretação é compatível com a Constituição, ou, ainda, que, para ser considerada constitucional, determinada norma necessita de um complemento (lacuna aberta) ou restrição (lacuna oculta - redução teleológica). Todos esses casos de decisão com base em uma interpretação conforme à Constituição não podem ter a sua eficácia ampliada com o recurso ao instituto da suspensão de execução da lei pelo Senado Federal.

Finalmente, mencionem-se os casos de declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, nos quais se explicitam que um dado significado normativo é inconstitucional sem que a expressão literal sofra qualquer alteração.

Também nesses casos, a suspensão de execução da lei ou do ato normativo pelo Senado revela-se problemática, porque não se cuida de afastar a incidência de disposições do ato impugnado, mas tão-somente de um de seus significados normativos.

Todas essas razões demonstram a inadequação, o caráter obsoleto mesmo, do instituto de suspensão de execução pelo Senado no atual estágio do nosso sistema de controle de constitucionalidade.

          7.2 Processo objetivo e Eficácia erga omnes

          Assinale-se que, desde 1879, sabe-se, com von Gneist, que a idéia, segundo a qual, como pressuposto de qualquer pronunciamento jurisdicional, devem existir dois sujeitos que discutam sobre direitos subjetivos, assenta-se em uma petição de princípio civilista (civilistische petitio principi).

Já no primeiro quartel deste século, afirmava Triepel que os processos de controle de normas deveriam ser concebidos como processos objetivos. Assim, sustentava ele, no conhecido Referat sobre "a natureza e desenvolvimento da jurisdição constitucional", que, quanto mais políticas fossem as questões submetidas à jurisdição constitucional, tanto mais adequada pareceria a adoção de um processo judicial totalmente diferenciado dos processos ordinários. "Quanto menos se cogitar, nesse processo, de ação (...), de condenação, de cassação de atos estatais – dizia Triepel – mais facilmente poderão ser resolvidas, sob a forma judicial, as questões políticas, que são, igualmente, questões jurídicas".

Em tempos mais recentes, passou-se a reconhecer, expressamente, a natureza objetiva dos processos de controle abstrato de normas (objektive Verfahren), que não conhecem partes (Verfahren ohne Beteiligte) e podem ser instaurados independentemente da demonstração de um interesse jurídico específico.

Por outro lado, tais processos "sem partes formais" somente têm significado se as decisões mais relevantes neles proferidas forem dotadas de eficácia contra todos.

Alguns autores chegam a sustentar que a eficácia erga omnes constitui apanágio dos processos objetivos.

Esse parece ser, também, o entendimento do Supremo Tribunal Federal que, desde 1977, vem afirmando a eficácia geral da decisão proferida em representação de inconstitucionalidade, como autêntico apanágio do seu caráter objetivo.

Somente nos anos de 1974/75 começou o Supremo Tribunal Federal a definir a sua doutrina da eficácia erga omnes da declaração de inconstitucionalidade proferida no processo de controle abstrato de normas.

O parecer do Ministro Rodrigues Alckmin foi emitido em consulta formulada pelo Diretor-Geral da Secretaria do Supremo que manifestava dúvida sobre a execução da sentença proferida na Representação nº 898, relativa à Lei nº 7.214, de 13 de novembro de 1968, do Estado de Goiás, declarada inconstitucional por infringência de princípio sensível (CF 1967/69, art. 10, VII, "e").

A orientação adotada, que reconhecia eficácia erga omnes à pronúncia de inconstitucionalidade no processo de controle abstrato de normas, foi aprovada pelo Presidente da Comissão de Regimento do Supremo, Ministro Luiz Gallotti (5 de agosto de 1974), e, posteriormente, pelo Presidente do Tribunal, Ministro Eloy da Rocha (19 de dezembro de 1974).

Àquela época já tramitava no Supremo Tribunal Federal consulta formulada pelo Senado com vistas a esclarecer o papel que haveria de desempenhar no controle de constitucionalidade, mormente se haveria de suspender todos os atos declarados inconstitucionais ou se a atribuição estava adstrita à suspensão de execução de leis e decretos, tal como expresso no art. 42, VII, da Constituição.

Submetida a questão à Mesa de Matéria Constitucional do Supremo Tribunal, sustentou o Ministro Moreira Alves, em parecer datado de 11 de novembro de 1975, que:

          "10. Em conclusão, e circunscrevendo-me apenas ao objeto da consulta (sou dos que entendem que a comunicação ao Senado só se faz em se tratando de declaração de inconstitucionalidade incidente e, não, quando decorrente da ação direta, caso em que, se relativa a intervenção federal, a suspensão do ato é da competência do Presidente da República, e, se referente a declaração de inconstitucionalidade em tese, não há que se falar em suspensão, pois, passando em julgado o acórdão desta Corte, tem ele eficácia erga omnes e não há que se suspender lei ou ato normativo nulo com relação a todos), em conclusão – repito – e circunscrevendo-me ao objeto da consulta, sou de parecer de que só se deverá fazer a comunicação, a que alude a parte final do art. 180 do Regimento Interno, quando se tratar de declaração de inconstitucionalidade de lei (que abrange o elenco das figuras compreendidas no art. 46 da Emenda nº 1/69) ou de decreto e, não de quaisquer outros atos normativos".

A maioria da Mesa de Matéria Constitucional inclinou-se, porém, para considerar que os demais atos normativos declarados inconstitucionais, incidentalmente, pelo Supremo Tribunal Federal deveriam ter, igualmente, a suspensão de sua execução declarada pelo Senado Federal. Em 18 de junho de 1977, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Thompson Flores, determinou que as comunicações ao Senado Federal, para os fins do art. 42, VII, da Constituição de 1967/69, se restringissem às declarações de inconstitucionalidade proferidas incidenter tantum.

Reconheceu-se, portanto, que a decisão proferida no processo objetivo do controle abstrato de normas tinha eficácia erga omnes, independentemente da intervenção do Senado Federal.

Entendimento idêntico há de ser adotado no que refere ao controle abstrato de normas no plano estadual. Até porque, como observado, no controle incidental, o instituto da suspensão de execução da lei tem por escopo tão somente imprimir eficácia geral a uma decisão com efeitos inter partes. A sua extensão ao controle abstrato implica retirar do órgão jurisdicional qualquer capacidade de decisão definitiva sobre a matéria, porque nesse processo não existe qualquer vínculo subjetivo entre as partes. Assim sendo, admitir em processo objetivo e, portanto, sem partes formais, que a eficácia da decisão sobre a constitucionalidade dependa da aprovação de um órgão político é submeter a eficácia da própria decisão judicial proferida nesse processo a uma deliberação tipicamente política.

É fácil perceber, pois, que se não está diante de uma alternativa de política legislativa mais ou menos aceitável dependendo da perspectiva acadêmica ou dogmática que se adote.

Trata-se de reconhecer que o controle abstrato de normas do direito estadual e municipal em face da Constituição, tal como autorizado no art. 125, § 2º da Constituição Federal e disciplinado em diversas Constituições estaduais, não se compatibiliza com fórmulas limitadoras da eficácia da decisão, como a prevista no art. 52, inciso X, da Constituição. A decisão proferida em controle abstrato há de ter eficácia erga omnes, sob pena de se subverter ou de se descaracterizar por completo o próprio sistema judicial de controle de constitucionalidade, subordinando-se a eficácia do pronunciamento judicial definitivo a uma decisão tipicamente política de um órgão legislativo.

Não há dúvida, pois, de que as disposições contidas nas diversas Constituições que condicionam a eficácia da decisão proferida em sede de controle abstrato, no âmbito estadual, à decisão de um órgão político estadual ou municipal parecem afrontar a própria Constituição Federal, que autoriza a instituição de um controle de constitucionalidade exercido por órgão jurisdicional e não por órgão político.


8. Incidente de Inconstitucionalidade e controle direto do direito municipal PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

Na Revisão Constitucional de 1994, afigurou-se acertado introduzir-se o chamado "incidente de inconstitucionalidade", que permitiria fosse apreciada diretamente pelo Supremo Tribunal Federal controvérsia sobre a constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, inclusive os atos anteriores à Constituição, a pedido do Procurador-Geral da República, do Advogado-Geral da União, do Procurador-Geral de Justiça e do Procurador-Geral do Estado, sempre que houvesse perigo de lesão à segurança jurídica, à ordem ou às finanças públicas. A Suprema Corte poderia, acolhendo incidente de inconstitucionalidade, determinar a suspensão de processo em curso perante qualquer juízo ou tribunal para proferir decisão exclusivamente sobre a questão constitucional suscitada.

Referido instituto destinava-se a completar o complexo sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, permitindo que o Supremo Tribunal Federal pudesse dirimir, desde logo, controvérsia que, do contrário, daria ensejo certamente a um sem-número de demandas, com prejuízos para as partes e para a própria segurança jurídica.

No substitutivo apresentado pelo Deputado Jairo Carneiro ao Projeto de Emenda Constitucional nº 96/92 ("Emenda do Judiciário"), propunha-se a adoção do incidente de inconstitucionalidade, nos termos seguintes:

"Art. 107. ..........................

§ 5º Suscitada, em determinado processo, questão relevante sobre a constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição, e concorrendo os pressupostos do art. 98, § 1º, o Supremo Tribunal Federal, a requerimento dos órgãos ou entes referidos no caput deste artigo, poderá processar o incidente e determinar a suspensão do processo, a fim de proferir decisão com efeito vinculante exclusivamente sobre a matéria constitucional."

Assim, mediante provocação de qualificados atores do processo judicial, a Corte Suprema ficaria autorizada a suspender os processos em curso e proferir decisão exclusivamente sobre a questão constitucional.

Na nova versão do Relatório sobre a Reforma do Judiciário, apresentada pelo Deputado Aloysio Nunes Ferreira, reitera-se a idéia do incidente de inconstitucionalidade, tal como se pode ler no art. 103, parágrafo 5º, verbis:

          Art. 103............................

Parágrafo 5º. O Supremo Tribunal Federal, a pedido das pessoas e entidades mencionadas no art. 103, de qualquer tribunal, de Procurador-Geral de Justiça, de Procurador-Geral ou Advogado-Geral do Estado, quando for relevante o fundamento de controvérsia judicial sobre constitucionalidade lei, ato normativo federal ou de outra questão constitucional, federal, estadual ou municipal, poderá, acolhendo incidente de inconstitucionalidade, determinar a suspensão, salvo para medidas urgentes, de processos em curso perante qualquer juízo ou tribunal, para proferir decisão exclusivamente sobre matéria constitucional suscitada, ouvido o Procurador-Geral da República".

Ressalte-se de imediato que, a despeito da aparente novidade, técnica semelhante já se adota entre nós desde 1934, com a chamada cisão funcional da competência, que permite que, no julgamento da inconstitucionalidade de norma perante Tribunais, o Plenário ou o Órgão Especial julgue a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade da norma, cabendo ao órgão fracionário decidir a espécie à vista do que restar assentado no julgamento da questão constitucional.

Sem dúvida, o incidente poderá ensejar a separação da questão constitucional para o seu julgamento, não pelo Pleno do Tribunal ou por seu Órgão Especial, mas, diretamente, pelo Supremo Tribunal Federal. Ao invés de cisão funcional no plano horizontal, tal como prevista no art. 97 da Constituição, ter-se-á uma cisão funcional no plano vertical.

Daí, o inevitável símile com a técnica consagrada nos modelos de controle concentrado de normas, que determina seja a questão submetida diretamente à Corte Constitucional toda vez que a norma for relevante para o julgamento do caso concreto e o juiz ou tribunal considerá-la inconstitucional (Cf., v.g., Constituição austríaca, art. 140, (1); Lei Fundamental de Bonn, art. 100, I, e Lei orgânica da Corte Constitucional, § 13, nº 11, e § 80 s.).

Todavia, as diferenças são evidentes.

Ao contrário do que ocorre nos modelos concentrados de controle de constitucionalidade, nos quais a Corte Constitucional detém o monopólio da decisão sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei, o incidente de inconstitucionalidade não altera, em seus fundamentos, o sistema difuso de controle de constitucionalidade, introduzido entre nós pela Constituição de 1891. Juízes e tribunais continuam a decidir também a questão constitucional, tal como faziam anteriormente, cumprindo ao Supremo Tribunal Federal, enquanto guardião da Constituição, a uniformização da interpretação do Texto Magno, mediante o julgamento de recursos extraordinários contra decisões judiciais de única ou última instância.

A proposta apresentada pelo Deputado Aloysio Nunes Ferreira contém uma novidade específica em relação às propostas anteriores, pois permite que o próprio Tribunal eventualmente encarregado de julgar a questão constitucional, provoque o pronunciamento uniformizador do Supremo Tribunal Federal.

Nesse caso, ao invés de decidir a questão constitucional, na forma do art. 97, a Corte a quo poderá provocar um pronunciamento definitivo do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.

Introduz-se, assim, modificação significativa no chamado "modelo incidental" de controle de constitucionalidade. Ao lado da possibilidade de declarar a inconstitucionalidade da lei, na forma do art. 97, poderá o Tribunal submeter a questão, diretamente, ao Supremo Tribunal Federal.

É fácil, pois, aqui uma aproximação maior entre o incidente de inconstitucionalidade e o chamado " processo de controle concreto" do sistema concentrado europeu.

Observe-se que, ao contrário do que ocorre no sistema europeu, que confere o monopólio de censura ao Tribunal Constitucional – e, portanto, obriga o juiz ou tribunal a encaminhar questão constitucional à Corte especializada –, o modelo proposto no Relatório Aloysio Nunes limita-se a facultar a submissão da controvérsia constitucional ao Supremo Tribunal Federal.

Assinale-se que, caso a proposta venha a ser aprovada, o modelo difuso de controle de constitucionalidade sofrerá uma profunda alteração. É que o modelo permitirá uma maior concentração da decisão sobre questões constitucionais no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

O incidente de inconstitucionalidade proposto oferece ainda solução adequada para a difícil questão do controle de constitucionalidade da lei municipal em face da Constituição Federal. Os embaraços que se colocam à utilização da ação direta de inconstitucionalidade contra a lei municipal perante o Supremo Tribunal Federal, até mesmo pela impossibilidade de se apreciar o grande número de atos normativos comunais, poderão ser afastados com a introdução desse instituto, que permitirá ao Supremo Tribunal Federal conhecer das questões constitucionais mais relevantes provocadas por atos normativos municipais.

A eficácia erga omnes e o efeito vinculante das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nesses processos hão de fornecer a diretriz segura para o juízo sobre a legitimidade ou a ilegitimidade de atos de teor idêntico, editados pelas diversas entidades comunais.

Essa solução é superior, sem dúvida, a uma outra alternativa oferecida, que consistiria no reconhecimento da competência dos Tribunais de Justiça para apreciar, em ação direta de inconstitucionalidade, a legitimidade de leis ou atos normativos municipais em face da Constituição Federal. Além de ensejar múltiplas e variadas interpretações, essa solução acabaria por agravar a crise do Supremo Tribunal Federal, com a multiplicação de recursos extraordinários interpostos contra as decisões proferidas pelas diferentes Cortes estaduais.

Outra virtude aparente do instituto reside na possibilidade de sua utilização para solver controvérsia relevante sobre a legitimidade do direito ordinário pré-constitucional em face da nova Constituição. Aprovado o referido instituto, passará o ordenamento jurídico a dispor também de um instrumento ágil e célere para dirimir, de forma definitiva e com eficácia geral, as controvérsias relacionadas com o direito anterior à Constituição, que, por ora, somente podem ser veiculadas mediante a utilização do recurso extraordinário.

Por último, convém ressaltar a importância da inovação contida no aludido instituto, que permite a instauração do incidente não apenas em relação a lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, mas também em relação à interpretação constitucional.


Autor

  • Gilmar Mendes

    Gilmar Mendes

    Ministro do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça. Professor adjunto da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em Direito pela Universidade de Münster (Alemanha).

    é também ex-procurador da República, ex-advogado-geral da União, mestre em Direito pela Universidade de Brasília - UnB (1988), com a dissertação "Controle de Constitucionalidade: Aspectos Políticos e Jurídicos", doutor em Direito pela Universidade de Münster, República Federal da Alemanha - RFA (1990), com a dissertação "Die abstrakte Normenkontrolle vor dem Bundesverfassungsgericht und vor dem brasilianischen Supremo Tribunal Federal", publicada na série "Schriften zum Öffentlichen Recht", da Editora Duncker & Humblot, Berlim, 1991 (a tradução para o português foi publicada sob o título "Jurisdição Constitucional", Saraiva, 1996).

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Informações sobre o texto

Texto publicado originalmente na Revista Jurídica Virtual do Palácio do Planalto, edição de julho de 1999.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDES, Gilmar. O controle de constitucionalidade do direito estadual e municipal na Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 44, 1 ago. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/122. Acesso em: 29 mar. 2024.