Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/12307
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Do exame de constitucionalidade da Lei nº 9.958/2000 face às garantias constitucionais do processo

Do exame de constitucionalidade da Lei nº 9.958/2000 face às garantias constitucionais do processo

Publicado em . Elaborado em .

INTRODUÇÃO

        As garantias constitucionais do processo, assim entendidas as garantias dos litigantes em face dos atos de jurisdição, envolvem importantes direitos dos cidadãos em constante apreciação pelo Poder Judiciário, seja pela via direta de ação, perante o Supremo Tribunal Federal, seja pela via de exceção, no exercício do controle difuso de constitucionalidade.

        Assim, diariamente o Poder Judiciário aprecia questões afetas às garantias de isonomia, de assistência judiciária, do contraditório, da ampla defesa, do juiz natural, do direito de ação, do devido processo legal etc. De tais garantias, também se ocupa a doutrina com trabalhos de destaque.

        Como o tema tem amplitude incompatível com os modestos propósitos deste trabalho, restringiremo-nos ao exame das garantias constitucionais do direito de ação e do juiz natural insertas no art. 5º, XXXV e LIII da CF.

        Ainda assim, estaríamos a tratar de assunto vasto, o que nos leva a limitar o estudo ao exame das garantias aludidas em face da Lei 9.958/2000, que alterou a CLT, instituindo a possibilidade de criação de órgãos extrajudiciais de solução das lides trabalhistas, como "instância" prévia obrigatória anterior ao ingresso em juízo.

        Calcado na doutrina e usando um acórdão que envolve o tema, apreciaremos a inovação legislativa aludida, fornecendo conclusão sobre a compatibilidade ou não da mesma com as garantias constitucionais do processo já referidas.


DA OBRIGATORIEDADE DE SUBMISSÃO PRÉVIA DOS LITÍGIOS TRABALHISTAS PERANTE AS COMISSÕES DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA COMO REQUISITO PARA POSTERIOR INGRESSO EM JUÍZO

        A Lei 9.958/2000, publicada no DOU de 13.01.2000, em vigor 90 (noventa) dias a partir de sua publicação, inseriu o título VI-A: "Das Comissões de Conciliação Prévia", acrescendo ao texto consolidado os artigos 625-A a 625-H, 877-A e alterando a redação do artigo 876 (texto integral em anexo).

        As inovações do texto legal dizem respeito à solução extrajudicial de lides trabalhistas, através da instituição das comissões de conciliação prévia no âmbito da empresa e do sindicato (art. 625-A até art. 625-H da CLT), à atribuição de eficácia executiva aos termos de conciliação realizados por ditas comissões (art. 876 da CLT) e à fixação da competência da Justiça do Trabalho para a execução de referidos títulos executivos extrajudiciais (art. 877-A).

        Em síntese, segundo a Lei 9.958/2000, onde instituídas as comissões de conciliação prévia (seja no âmbito empresarial ou sindical), necessariamente de composição paritária entre empregados e empregadores, estas constituirão órgão inicial de apreciação das demandas trabalhistas, tendo competência para solucioná-las de modo conciliatório, ou seja, sem juízo decisório quanto à legitimidade/legalidade ou não da pretensão dos litigantes, sendo que em caso de conciliação o termo lavrado terá eficácia de título executivo extrajudicial, executável perante o juiz do trabalho que teria competência para apreciar a reclamatória. Somente no caso de frustração da tentativa conciliatória, ou de impossibilidade de observância de tal procedimento, ambas devidamente justificadas, é que estaria autorizada a proposição da demanda trabalhista perante a justiça do trabalho.

        Segundo noticia Arnaldo Süssekind [01] "Vem de longe o reclamo da doutrina brasileira pela institucionalização de comissões paritárias, no âmbito da empresa ou do sindicato, como instância prévia e obrigatória ao ajuizamento de qualquer ação individual ou plúrima."

        De fato, a multiplicação crescente do número de demandas trabalhistas que a cada dia assolam mais os tribunais e juízos do trabalho, comprometendo a desejada agilidade na solução das demandas laborais (que envolvem verbas de natureza alimentícia), há muito inspirava propostas alternativas para solução dos litígios [02].

        Aliás, a necessidade de instituição de meios alternativos para pacificação social é uma realidade que se aplica não apenas à Justiça Especializada Trabalhista, mas a toda atividade jurisdicional do Estado, reconhecidamente incapaz de atender ao crescimento das demandas com a eficiência necessária.

        Jorge Luiz Souto Maior em seu artigo "Os modos extrajudiciais de solução dos conflitos individuais do trabalho" [03] anota com propriedade:

        "A criação e a implementação de modos alternativos de solução de conflitos, nos sistemas jurídicos marcados pela prevalência da via estatal, foi um resultado lógico do crescimento de demandas pela efetivação de direitos. O reforço da democracia e o exercício concreto da noção abstrata da cidadania trazem consigo o acréscimo da luta pelo direito. A idéia de intensificação dos modos alternativos foi uma resposta até certo ponto lógica a esta nova realidade, pois o aparato judicial, por mais avantajado que fosse não poderia dar vazão ao aumento da demanda."

        Não obstante tal realidade, os meios alternativos desenvolvidos evidentemente integram o ordenamento jurídico existente, com o qual necessariamente devem se harmonizar.

        Embora as Comissões de Conciliação Prévia, fossem um reclamo antigo da doutrina como meio extrajudicial alternativo para solução dos conflitos trabalhistas, a instituição das mesmas através da Lei. 9.958/2000, veio cercada de polêmica jurídica sobre a constitucionalidade ou não da imposição legal de submissão prévia do litígio às referidas comissões para, persistindo o impasse, posterior ingresso no judiciário.

        A imposição reside no artigo 625-D, caput, e §§2º e 3º. Verbis:

        "Art. 625-D. Qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à Comissão de Conciliação Prévia se, na localidade da prestação de serviços, houver sido instituída a Comissão no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria.

        § 1º A demanda será formulada por escrito ou reduzida a tempo por qualquer dos membros da Comissão, sendo entregue cópia datada e assinada pelo membro aos interessados.

        § 2º Não prosperando a conciliação, será fornecida ao empregado e ao empregador declaração da tentativa conciliatória frustrada com a descrição de seu objeto, firmada pelos membros da Comissão, que deverá ser juntada à eventual reclamação trabalhista.

        § 3º Em caso de motivo relevante que impossibilite a observância do procedimento previsto no caput deste artigo, será a circunstância declarada na petição da ação intentada perante a Justiça do Trabalho."

        Segundo se extrai do texto legal, o ingresso em juízo de reclamação trabalhista, onde instituída Comissão de Conciliação Prévia, estaria condicionado à comprovação, mediante declaração do órgão, de frustração de prévia tentativa conciliatória perante a mesmo, ou de motivo relevante que impossibilitasse a observância de tal procedimento. Anote-se que, segundo o art. 625-F da CLT, as Comissões têm o prazo, a contar da provocação do interessado, de dez dias para realizar a tentativa de conciliação, findo ao qual, caso não realizada, deverão fornecer a declaração prevista no §2º do art. 625-D da CLT.

        A jurisprudência ainda não firmou entendimento definitivo sobre o tema, havendo decisões pela constitucionalidade e pela inconstitucionalidade da obrigatoriedade de esgotamento da via extrajudicial para posterior ingresso em juízo, tendo em conta as garantias constitucionais insertas no art. 5º, afetas ao exercício e acesso da jurisdição.

        Objetivamos, singelamente, dar contribuição ao deslinde da controvérsia, através da exposição de nosso modesto entendimento. Por questões didáticas e para enriquecer o debate, utilizaremos um acórdão sobre o tema, do qual, data venia, ousamos discordar.

        Segue o decisum.

        "ACÓRDÃO Nº 050106/2001-SPAJ

        PROCESSO TRT/15ª REGIÃO Nº 014750/2001-RO-9

        RECURSO ORDINÁRIO ORIUNDO DA 2ª VARA DE PRESIDENTE PRUDENTE

        RECORRENTE: ADÃO DE SOUZA PINTO

        RECORRIDA: MÓVEIS ROMERA LTDA.

        EMENTA

        Ausência de comprovação da submissão da demanda à comissão de conciliação prévia em funcionamento no local da prestação de serviços – Artigo 625-D, da CLT -, configura ausência de pressuposto processual e, por conseguinte, causa a extinção do processo, nos termos do Inciso IV, do Artigo 267, do Código de Processo Civil.

        Insurge-se o Reclamante contra a R. Sentença de fls. 174/177, da qual resultou a extinção do processo sem apreciação do mérito, alegando, em síntese, que não foi apreciada sua tese em relação à Constituição Federal, a qual é afrontada pelo dispositivo da CLT em que fundou-se o Juízo de origem (Artigo 625-D).

        Isento de custas na origem - fls. 177.

        Contra-razões a fls. 192/198.

        A Douta Procuradoria manifestou-se no sentido de não haver interesse que justificasse sua intervenção no processo – fls. 202.

        É o que de relevante cumpria relatar.

        Eis o meu voto:

        Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

        Equivoca-se, data vênia, o reclamante, quando sustenta que o Artigo 625-D, da CLT, afronta o Inciso XXXV, do Artigo 5º, da Constituição da República, ou quando afirma que não há obrigatoriedade em se submeter o conflito à comissão de conciliação prévia, ou provar que o fez, para ingressar em Juízo, pois não há penalidade na Lei.

        O dispositivo Constitucional garante a todos o direito de ação, mas não exime a parte de observar as regras processuais pertinentes a cada procedimento.

        Se o dispositivo consolidado determina que todas as demandas sejam submetidas à comissão de conciliação prévia, a qual fornecerá declaração da tentativa conciliatória frustrada, evidentemente que o legislador criou uma condição para o ingresso em juízo e determinou qual o documento hábil para prová-lo.

        "LEX NON EST TEXTUS, SEDE CONTEXTUS" -, por isso existem os juristas, advogados e juízes para interpretar a lei, que nem sempre é literal, já que os preceitos podem estar implícitos no texto legal.

        Se as partes devem levar o seu litígio a uma comissão extrajudicial para a tentativa de conciliação antes de submetê-la à apreciação do Judiciário, havendo previsão de uma certidão quando a conciliação é frustrada, não há dúvida de que o documento dever ser apresentado com a petição inicial para provar que o requisito foi cumprido.

        Não estando presentes os requisitos legais para que o processo seja instaurado e prossiga até seu final, de forma regular, a lei prevê a conseqüência - ao contrário do que alega o recorrente -, a extinção do processo sem apreciação do mérito.

        Entretanto, discordo do enquadramento dado à situação dos autos em Primeira Instância, entendendo, com a devida vênia do MM. Juiz de origem, que a possibilidade jurídica do pedido do reclamante está presente, porquanto há previsão legal no direito vigente do que postula, não sendo esta a causa da extinção do processo.

        A relação processual é constituída por iniciativa de quem provoca a manifestação do judiciário e se desenvolve com a realização de atos pelos que a integram, até que se obtenha a prestação jurisdicional.

        Como instrumento da jurisdição, o processo encerra a relação processual que, para a garantia da prestação jurisdicional perfeita, há que se desenvolver conforme os princípios e normas legais que o regem.

        Como ensina Moacyr Amaral Santos, em sua insuperável obra, "Primeira Linhas de Direito Processual Civil, 11ª Ed., Editora Saraiva, 1º vol., pág. 327 :

        "O juiz somente poderá conhecer da lide e, com segurança, decidir da pretensão, se o instrumento, de que se serve, for regular e válido."

        Seguindo na mesma obra, na página 329:

        "Há circunstâncias extrínsecas à relação processual que impedem ou podem impedir sua constituição. Assim, é pressuposto da formação da relação processual a inexistência de fatos impeditivos."

        No caso sub examine há um fato impeditivo para a formação da relação processual e que impede a constituição válida do processo, qual seja, a ausência de comprovação da tentativa de conciliação prévia, circunstância extrínseca e condição sine qua non para que a pretensão seja colocada à apreciação do órgão jurisdicional.

        Do exposto, decido conhecer do recurso e negar-lhe provimento, para manter a extinção do processo sem apreciação do mérito, como decretado na R. Sentença recorrida, mas com supedâneo no disposto no Inciso IV, do Artigo 267, do Código de Processo Civil."

        O r. acórdão (constante na íntegra no anexo II), revela que o entendimento, unânime, da Col. Turma do Eg. TRT 15ª Região é de que a exigência instituída pela Lei 9.958/2000 de submissão prévia e obrigatória do conflito trabalhista à Comissão de Conciliação Prévia é constitucional, constituindo pressuposto processual para formação válida da reclamação trabalhista.

        Assim, proclamou o acórdão que o pretendido pressuposto processual é compatível com o art. 5º XXXV da CF, eis que embora garantido o direito de ação, este não eximiria aos litigantes o dever de observar as regras processuais relativas a cada procedimento.

        Destarte, conforme entende o Tribunal, a solução judicial de demandas trabalhistas, onde instituídas as Comissões de Conciliação Prévia, necessariamente envolve o esgotamento da instância prévia extrajudicial para posterior ingresso em juízo.

        Entendemos, contudo, que as garantias individuais constantes do rol do art. 5º da Constituição Cidadã, comportam interpretação extensiva, de sorte que os princípios da inafastabilidade e indeclinabilidade da jurisdição constantes do inciso XXXV, não autorizam o legislador infraconstitucional a obrigar o cidadão que tem sua pretensão resistida a esgotar a via administrativa/extrajudicial em busca de solução de seu conflito, para somente depois poder submetê-lo ao judiciário.

        Exigência deste teor, entendemos, só seria compatível com nosso ordenamento se autorizada constitucionalmente, tal qual ocorria na Constituição Imperial, que, como noticia Antonio Carlos de Araújo Cintra [04], exigia a tentativa de conciliação extrajudicial antes de todo processo, como requisito para realização deste, bem como para julgamento da causa.

        Não é o que ocorre com a Constituição vigente, onde consoante prescreve o art. 5º, XXXV, "A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", assegurando-se, pois, o mais amplo acesso ao judiciário, o que restringe a imposição de requisitos infraconstitucionais para o exercício de tal direito às exigências naturais, legítimas e indispensáveis ao exercício do direito de ação e à ordenação da própria prestação jurisdicional, exigências estas, necessariamente, obedientes à supremacia constitucional.

        A impossibilidade de exigência infraconstitucional de submissão prévia e obrigatória da lide a um órgão extrajudicial como requisito para ingresso em juízo fica ainda mais evidente diante do §1º do art. 217 da Constituição Federal de 1988, onde o Texto Magno estabelece a única exceção à inafastabilidade do Poder Judiciário, condicionando o esgotamento prévio da via administrativa da justiça desportiva para que se possa ingressar com ação judicial em matéria de desporto.

        Como bem destaca Nelson Nery Junior [05], "A norma é compatível com o princípio constitucional do direito de ação, já que a imposição que o texto constitucional faz (art. 5º XXXV) é à lei e não à CF mesma." O estabelecimento de exceção à incondicionalidade do exercício do direito de ação pela própria constituição não afronta a harmonia do sistema jurídico. O mesmo não acontece, contudo, com exigência semelhante imposta por norma infraconstitucional, necessariamente submissa aos preceitos constitucionais.

        Ora, temos um ordenamento jurídico hierarquizado onde a Constituição Federal ocupa o ápice do sistema, condicionando toda legislação infraconstitucional aos seus preceitos, sob pena de inconstitucionalidade.

        A rigidez constitucional constitui fundamento do Estado Democrático de Direito, impondo ao próprio Poder Legislativo a observância da vontade da nação expressa pelo Poder Constituinte Originário.

        Como bem observa Bonavides [06] "Os poderes do legislativo são definidos e limitados, sendo esta limitação a causa das constituições escritas. Se não fossem eles definidos e limitados, porque reduzi-los à forma escrita, se a cada passo poderiam estes poderes ser alterados por aqueles cuja competência se pretende restringir?"

        Desse modo, evidente que o legislador infraconstitucional não pode, como pretende o r. acórdão supra transcrito, instituir restrição ao direito de ação, condicionando o seu exercício ao esgotamento prévio de via extrajudicial de solução de litígio.

        Concordamos com a proposição do Douto relator de que o direito de ação não exime as partes de observarem as regras processuais de cada procedimento. Observamos, contudo, que as próprias regras processuais pertinentes a cada procedimento devem ser validamente instituídas, o que envolve necessariamente a compatibilidade das mesmas com a Constituição Federal diante da supremacia jurídica das normas constitucionais.

        Assim, perfeitamente válidas as exigências relativas às condições da ação (legitimidade, interesse e possibilidade jurídica do pedido) e aos pressupostos processuais clássicos, tais como capacidade da parte, capacidade postulatória, investidura do juiz e inexistência de fato impeditivo (tais como a eleição, facultativa, da via arbitral ou suspeição do juiz), todas compatíveis com as garantias constitucionais do processo, tais como a garantida do juiz natural, do direito de ação, da presunção de inocência, de isonomia, de assistência judiciária, do contraditório, da ampla defesa, garantias estas todas assecuratórias de outra que a todas elas açambarca, a garantida do devido processo legal.

        Não é o que ocorre com a exigência instituída pela Lei 9.958/2000 de submissão prévia e obrigatória do litígio trabalhista a órgão extrajudicial para posterior ingresso em juízo, pois tal requisito é manifestamente incompatível com o art. 5º, XXXV da CF.

        O que o v. acórdão fez, foi trilhar o caminho inverso de verificação de validade da norma, pois diante da supremacia constitucional, as normas constitucionais é que são fundamento de validade das normas infraconstitucionais, de sorte que o pretendido pressuposto processual (esgotamento da via extrajudicial) é que deve se compatibilizar com a garantia constitucional da inafastabilidade do Poder Judiciário, e não o contrário, ou seja, condicionar-se o exercício do direito de ação ao atendimento do pressuposto infraconstitucional.

        Não encontrando o aludido pressuposto compatibilidade com os preceitos constitucionais, como demonstrado, ele é que não possui validade, por inconstitucional, já que incompatível com a incondicionalidade do direito de ação consagrada pelo artigo 5º XXXV da CF.

        Evidenciada, pois, a inconstitucionalidade da Lei 9.958/2000, quanto à obrigatoriedade de esgotamento da via extrajudicial trabalhista para posterior ingresso em juízo.

        Observe-se que o intuito da Lei 9.958/2000 é semelhante ao de outras propostas de soluções alternativas de pacificação social, como a arbitragem e a mediação, todas tendentes a desafogar o Judiciário. Sucede que o legislador andou mal ao prescrever a obrigatoriedade de submissão prévia às Comissões de Conciliação Prévia, obrigatoriedade esta incompatível com o sistema constitucional vigente.

        Melhor seria se tivesse trilhado caminho semelhante à lei de arbitragem, facultando às partes a eleição da via alternativa, o que não ofende a constituição, afinal como bem observa Antonio Carlos de Araújo Cintra [07] "Não infringe a garantia de acesso à justiça a nova Lei de arbitragem. Trata-se de escolha das partes, que preferiram, em matéria de direitos disponíveis, essa via à do processo tradicional."

        Conclusão semelhante é ofertada pelo magistrado Jorge Luiz Souto Maior [08] em seu estudo sobre "Os modos extrajudiciais de solução dos conflitos individuais do trabalho", "a via extrajudicial deve ser instituída como via alternativa, e não como oposição a processo, no sentido de constituir um obstáculo à via processual".

        Inconteste, pois, data venia, o desacerto do v. acórdão do Eg. TRT da 15ª Região. Registre-se, contudo, o acerto da decisão ao enquadrar a exigência de submissão prévia do litígio trabalhista à Comissão de Conciliação Prévia como um pressuposto processual da reclamatória trabalhista a ser proposta em juízo, pressuposto, contudo, inconstitucional, como já visto.

        O enquadramento da exigência como pressuposto é acertado, pois realmente a ausência de submissão prévia à via extrajudicial, se válida fosse, constituiria fato impeditivo da formação válida e regular do processo trabalhista, causando-lhe a extinção sem julgamento de mérito nos termos do art. 267, IV do CPC c/c o art. 769 da CLT.

        Entendemos mais acertado tal entendimento do que o enquadramento da exigência como sendo uma condição da ação sui generes do processo trabalhista, como propõe Arnaldo Süssekind [et. al.] [09], ou mesmo como caracterizador do interesse de agir como pretende o emérito Valentin Carrion [10]. A discussão, contudo, não interessa aos propósitos deste trabalho, pois, entender a exigência de esgotamento da via extrajudicial como pressuposto processual ou como condição da ação (clássica ou sui generes), não altera a inconstitucionalidade da exigência da forma já demonstrada.

        Os argumentos até aqui despendidos já são suficientes para infirmar de inconstitucional a obrigatoriedade de submissão das demandas trabalhistas às Comissões de Conciliação Prévia diante do disposto no art. 5º XXXV da CF. A inconstitucionalidade da exigência, contudo, não se restringe ao inciso anunciado.

        Com efeito, a exigência de submissão obrigatória da demanda trabalhista às Comissões de Conciliação Prévia também não guarda compatibilidade com o inciso LIII do art. 5º combinado com o art. 114 ambos da Constituição Federal.

        O artigo 5º, LIII, da CF, consagra o princípio do juízo natural dispondo que:

        "Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;"

        Já o art. 114, caput, da Constituição Federal dispõe que:

        "Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas." (destaque nosso).

        Da conjugação dos dispositivos, extrai-se que o alcance do conceito de juízo natural trabalhista envolve não apenas a decisão normativa da lide, como também a própria solução conciliatória do litígio. Aliás, dado marcante do processo do trabalho é a importância dada à conciliação, prestigiada em diversos artigos, com previsão obrigatória de proposição em pelo menos duas ocasiões (artigos 846 e 850), sendo certo que o texto consolidado prefere a solução conciliatória, realizável em qualquer momento, à de mérito, incumbindo expressamente aos juízes do trabalho o emprego de seus esforços persuasórios na solução conciliatória das demandas (art. 764 da CLT).

        Desse modo, a obrigatoriedade da submissão prévia da demanda às Comissões de Conciliação Prévia, além de incompatível com a incondicionalidade do direito de ação, fere o princípio do juízo natural de conciliação trabalhista: a justiça do trabalho, como expressamente consagra o Texto Magno, pois pretere o órgão constitucionalmente competente para conciliação dos conflitos em favor das comissões de conciliação prévia.

        A propósito, sobre o princípio do juiz natural, leciona o emérito Antonio Carlos de Araújo Cintra [11] "... as modernas tendências sobre o princípio do juiz natural nele englobam a proibição de subtrair o juiz constitucionalmente competente."

        Destarte, não obstante louvável a intenção da Lei 9.958/2000 (desafogar o Poder Judiciário), a obrigatoriedade de submissão prévia das demandas trabalhistas às comissões de conciliação prévia como requisito para ingresso em juízo é inconstitucional, ofendendo tanto ao art. 5º, XXXV, quanto à combinação do art. 5º, LIII, com o art. 114 caput da CF.


Conclusões

        a)as garantias processuais constitucionais insertas no art. 5º da Carta Magna não comportam restrições pelo legislador infraconstitucional, senão na medida do indispensável regulamento do direito de ação e do ordenamento da prestação jurisdicional, observada sempre a supremacia constitucional;

        b)a exigência de submissão prévia e obrigatória das demandas trabalhistas às Comissões de Conciliação Prévia, constitui pressuposto processual da reclamação trabalhista em juízo;

        c)o pressuposto processual introduzido pela Lei 9.958/2000, consistente na obrigatoriedade de esgotamento da via extrajudicial para posterior ingresso em juízo, é inconstitucional, ofendendo as garantias constitucionais de direito de ação e do juízo natural conciliatório trabalhista;

        d)ainda que o judiciário clame por meios alternativos à jurisdição para pacificação dos conflitos, a instituição dos mesmos, sem dúvida envolta por interesse legítimo, deve compatibilizar-se com o ordenamento jurídico vigente que passará a integrar;

        e)as comissões de conciliação prévia devem ser mantidas e estimuladas como meio alternativo, porém facultativo, de composição dos litígios de ordem trabalhista, assegurando-se sempre o exercício incondicionado e direto do direito de ação àqueles que não prefiram o meio extrajudicial de solução da lide.


BIBLIOGRAFIA

        Süssekind, Arnaldo ... [et al.] / Instituições de direito do trabalho – 19 ed. atual. / por Arnaldo Süssekind e João de Lima Teixeira Filho – São Paulo: LTr, 2000;

        Cintra, Antonio Carlos de Araújo [et. al.] / Teoria Geral do Processo, 13ª ed. rev. atual. – São Paulo-SP: Malheiros, 1997;

        Nery Junior, Nelson e Rosa Maria de Andrade Nery / Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor - atualizado até 15.03.2002 – 6ª ed. rev. – São Paulo: editora revista dos tribunais, 2002;

        Bonavides, Paulo / Curso de direito constitucional. 10 ed. São Paulo-SP: Malheiros, 2000;

        Carrion, Valentin / Comentários à consolidação das leis do trabalho – 27 ed. atual. e ampl. Por Eduardo Carrion. – São Paulo: Saraiva, 2002;

        Revista LTr.66-06, pág. 671-689;

        Revista "Justiça do trabalho, ano 19 – nº 222, junho/2002. Porto Alegre-RS: HS Editora, pág. 14-46;


Notas

  1. Instituições de direito do trabalho / Arnaldo Süssekind ... [et al.]. – 19 ed. atual. / por Arnaldo Süssekind e João de Lima Teixeira Filho – São Paulo: LTr, 2000, p. 1316
  2. vide: Süssekind, ob cit. p. 1317/1318
  3. in Revista LTr.66-06, pág. 671-689
  4. Antonio Carlos de Araújo Cintra, [et. al.] – Teoria Geral do Processo, 13ª ed. rev. atual. – São Paulo-SP: Malheiros, 1997, p. 27
  5. Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor: atualizado até 15.03.2002 / Nelson Nery Junior, Rosa Maria de Andrade Nery – 6ª ed. ver. – São Paulo: editora revista dos tribunais, 2002, p. 189.
  6. Bonavides, Paulo. Curso de direito constitucional. 10 ed. São Paulo-SP: Malheiros, 2000, p. 276/277.
  7. ob. cit. p. 81
  8. in Revista "Justiça do trabalho, ano 19 – nº 222, junho/2002. Porto Alegre-RS: HS Editora, p. 44
  9. vide ob. cit. p. 1320
  10. Comentários à consolidação das leis do trabalho / Valentin Carrion. – 27 ed. atual. e ampl. Por Eduardo Carrion. – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 461
  11. ob. cit. p. 52

Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PANIAGO, Izidoro Oliveira. Do exame de constitucionalidade da Lei nº 9.958/2000 face às garantias constitucionais do processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2047, 7 fev. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12307. Acesso em: 28 mar. 2024.