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A Medida Provisória nº 458/2009 e a regularização fundiária

A Medida Provisória nº 458/2009 e a regularização fundiária

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A partir de 11 de fevereiro de 2009, data da entrada em vigor da Medida Provisória Federal n.º 458, de 10 de fevereiro do mesmo ano, importa aos operadores do Direito Urbanístico em todos os Estados e municípios da federação (e não só àqueles abrangidos pela denominada Amazônia Legal, diga-se) saber que, dentre outras hipóteses contempladas na referida Medida Provisória, passa a ser possível a regularização fundiária de terras públicas da União situadas em áreas urbanas consolidadas ou de expansão urbana: a) que sejam remanescentes de núcleos de colonização ou de projetos de reforma agrária que tiverem perdido a vocação agrícola e se destinem à utilização urbana; e b) que estejam registradas em nome do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA. São duas hipóteses distintas e independentes, esclareça-se.

Com efeito, embora estejamos tratando de terras públicas da União, o Ministério Público dos Estados poderá utilizar-se, notadamente nos seus termos de ajustamento de conduta e ações civis públicas ajuizadas para fins de regularização fundiária, das regras estabelecidas pela Medida Provisória n.º 458/09. Isso porque, num primeiro momento, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (em regra) transferirá a gleba situada em área urbana consolidada ou de expansão urbana (nas duas hipóteses previstas no parágrafo anterior) ao respectivo município, mediante doação ou concessão de direito real de uso (MP n.º 458/09, art. 21 e seguintes). Num segundo momento, o município beneficiário deverá dispensar às terras recebidas a destinação prevista na MP n.º 458/09, observadas as condições nela previstas e aquelas fixadas no título (doação ou concessão de direito real de uso), cabendo-lhe: a) regularizar as ocupações nas áreas urbanas; e b) indenizar as benfeitorias de boa-fé erigidas nas áreas insuscetíveis de regularização. De notar que os desvios da aplicação das regras da MP n.º 458/09 incorrerão nas sanções previstas na Lei Federal n.º 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), conforme dispõe o art. 32 da MP n.º 458/09. Assim, tanto para fins de salvaguarda da ordem urbanística, como para efeitos de fiscalização da probidade administrativa, a MP n.º 458/09 traduz importante instrumento de atuação para o Ministério Público dos Estados.

Feita essa pequena introdução, e para fins de melhor compreensão do novo regramento urbanístico objeto de análise, devemos atentar para as suas peculiaridades, mas não sem antes analisarmos as definições legais (interpretação autêntica) de alguns institutos nele previstos. De acordo com o art. 2º, inciso VII, da MP n.º 458/09, consideram-se áreas urbanas consolidadas "aquelas que apresentem sistema viário implantado e densidade ocupacional característica, na data de publicação desta Medida Provisória, conforme regulamento". Na forma do inciso IX do mesmo dispositivo legal, consideram-se áreas de expansão urbana "aquelas contempladas no plano de ordenamento territorial da área de expansão urbana definido no plano diretor do Município ou em lei municipal específica, conforme regulamento". A seu turno, o plano de ordenamento territorial da área de expansão urbana consiste no "planejamento da expansão urbana elaborado em conformidade com os princípios e diretrizes da Lei n.º 10.257/01, de 10 de julho, de 2001, contendo, no mínimo, os seguintes elementos: a) estudo de viabilidade da expansão urbana ou da implantação de novas áreas urbanas; b) delimitação de zonas especiais de interesse social em quantidade compatível com a demanda de habitação de interesse social do Município; c) delimitação do perímetro das áreas urbanas e de expansão urbana; d) diretrizes e parâmetros urbanísticos de parcelamento, uso e ocupação do solo; e) diretrizes para infra-estrutura e equipamentos urbanos e comunitários; e f) diretrizes para proteção do meio ambiente e do patrimônio cultural" (MP n.º 458/09, art. 2º, inciso VIII).

Ultrapassada a barreira da quase sempre cansativa – mas necessária – definição legal dos institutos, devemos analisar como ocorrerá o procedimento de regularização fundiária na prática, conforme já anteriormente sinalizado de forma sintética. Em primeiro lugar, salienta-se que a própria Medida Provisória n.º 458/09 já autorizou o Poder Executivo Federal a proceder à doação ou concessão de direito real de uso das terras públicas da União (nas duas hipóteses referidas no primeiro parágrafo destas anotações) aos respectivos municípios (MP n.º 458/09, art. 21, parágrafo único). Citam-se, por oportuno, os artigos 23 a 33 da Medida Provisória n.º 458/09, para fins de entendimento rápido desta nova modalidade de regularização fundiária, considerando que a norma em questão é suficientemente elucidativa:

"Art. 23. São requisitos para que o Município seja beneficiário da doação ou da concessão de direito real de uso prevista no art. 21:

I - plano diretor ou lei municipal específica de ordenamento territorial; e

II - plano de ordenamento territorial da área de expansão urbana, na forma prevista no inciso VIII, do art. 2º.

Parágrafo único. Caso o Município não preencha o requisito previsto no inciso I, a doação ou a concessão de direito real de uso limitar-se-á às áreas urbanas consolidadas, até que a condição seja implementada.

Art. 24. O pedido de doação ou de concessão de direito real de uso de terras para regularização fundiária de área urbana ou de expansão urbana será dirigido ao Ministério do Desenvolvimento Agrário.

§ 1º Os procedimentos de doação ou de concessão de direito real de uso deverão ser instruídos pelo Município com as seguintes peças, além de outros documentos que poderão ser exigidos em regulamento:

I - pedido de doação devidamente fundamentado e assinado pelo seu representante;

II - comprovação das condições de ocupação;

III - planta e memorial descritivo do perímetro da área pretendida, cuja precisão posicional será fixada por norma técnica de georreferenciamento de imóveis rurais elaborada pelo INCRA;

IV - cópia do plano diretor ou da lei municipal a que se refere o art. 23, inciso I, quando for o caso; e

V - relação de acessões e benfeitorias federais existentes na área pretendida, contendo identificação e localização.

§ 2º Caberá ao INCRA analisar se a planta e o memorial descritivo apresentados atendem às exigências técnicas fixadas.

§ 3º O Ministério das Cidades participará da análise do pedido de doação e emitirá parecer sobre sua adequação aos termos da Lei nº 10.257, de 2001.

Art. 25. Quando necessária a prévia arrecadação ou a discriminação da área, o INCRA procederá à sua demarcação, com a cooperação do Município interessado e de outros órgãos públicos federais e estaduais, promovendo, em seguida, o registro imobiliário em nome da União.

Art. 26. O Ministério do Desenvolvimento Agrário formalizará a doação ou a concessão de direito real de uso em favor do Município, com a expedição de título que será levado a registro, nos termos do art. 167, inciso I, da Lei no 6.015, de 1973.

§ 1º A formalização da concessão de direito real de uso nas ocupações incidentes nas áreas previstas no parágrafo único do art. 4º será efetivada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

§ 2º Caso a área requerida abranja parte das áreas previstas nos incisos I a IV do art. 4º, poderá ser expedido título de doação ou de concessão de direito real de uso, que será averbado no registro imobiliário competente, nos termos do art. 167, inciso II, da Lei nº 6.015, de 1973.

§ 3º Nas hipóteses mencionadas no § 2º, o registro do título será condicionado à exclusão das áreas públicas não abrangidas pela doação, conforme previsto no art. 4º.

§ 4º A delimitação das áreas de acessões, benfeitorias, terrenos de marinha e terrenos marginais será de competência dos órgãos federais, facultada a realização de parceria com o Município.

§ 5º A doação ou a concessão de direito real de uso será precedida de avaliação da terra nua elaborada pelo INCRA com base em planilha referencial de preços, sendo dispensada a vistoria da área.

§ 6º A abertura de matrícula referente à área independerá do georreferenciamento do remanescente da gleba, nos termos do art. 176, § 3º, da Lei nº 6.015, de 1973, desde que a doação ou concessão de direito real de uso seja precedida do reconhecimento dos limites da gleba pelo INCRA, garantindo que a área esteja nela localizada.

Art. 27. A doação e a concessão de direito real de uso a um mesmo Município de terras que venham a perfazer quantitativo superior a dois mil e quinhentos hectares, em uma ou mais parcelas, deverá previamente ser submetida à aprovação do Congresso Nacional.

Art. 28. A doação e a concessão de direito real de uso implicará o automático cancelamento, total ou parcial, das autorizações e licenças de ocupação e quaisquer outros títulos não definitivos outorgados pelo INCRA e que incidam na área.

§ 1º As novas pretensões de justificação ou legitimação de posse existentes sobre as áreas alcançadas pelo cancelamento deverão ser submetidas ao Município.

§ 2º Para o cumprimento do disposto no caput, o Ministério do Desenvolvimento Agrário fará publicar extrato dos títulos expedidos em nome do Município, com indicação do número do processo administrativo e dos locais para consulta ou obtenção de cópias das peças técnicas necessárias à identificação da área doada.

§ 3º Garantir-se-á às pessoas atingidas pelos efeitos do cancelamento a que se refere o caput:

I - a opção de aquisição de lote urbano incidente na área do título cancelado, desde que preencham os requisitos fixados para qualquer das hipóteses do art. 30; e

II - o direito de receber do Município indenização pelas acessões e benfeitorias que houver erigido em boa-fé nas áreas de que tiver que se retirar.

§ 4º A União não responderá pelas acessões e benfeitorias erigidas de boa-fé nas áreas doadas ou concedidas.

Art. 29. Incumbe ao Município dispensar às terras recebidas a destinação prevista nesta Medida Provisória, observadas as condições nela previstas e aquelas fixadas no título, cabendo-lhe, em qualquer caso:

I - regularizar as ocupações nas áreas urbanas; e

II - indenizar as benfeitorias de boa-fé erigidas nas áreas insuscetíveis de regularização.

Art. 30. O Município deverá realizar a regularização fundiária dos lotes ocupados, observados os seguintes requisitos:

I - alienação gratuita para pessoa natural que tenha ingressado na área antes da data de publicação desta Medida Provisória, atendidas as seguintes condições:

a) não possua renda familiar mensal superior a cinco salários mínimos;

b) ocupe área urbana de até mil metros quadrados, sem oposição, por, no mínimo, seis meses ininterruptos;

c) utilize o imóvel como única moradia ou como meio lícito de subsistência, exceto locação ou assemelhado; e

d) não seja proprietário ou possuidor de outro imóvel urbano ou de imóvel rural acima de quatro módulos fiscais, mediante declaração pessoal, sob pena de responsabilidade;

II - alienação gratuita para órgãos e entidades da administração pública estadual, instalados na data de publicação desta Medida Provisória;

III - alienação onerosa, precedida de licitação, com direito de preferência àquele que comprove a ocupação, por um ano ininterrupto, sem oposição, até a data de publicação desta Medida Provisória, de área urbana superior a mil metros quadrados e inferior a cinco mil metros quadrados; e

IV - nas demais situações, a alienação observará as disposições da Lei no 8.666, de 1993.

Parágrafo único. Ressalvados os casos previstos no inciso I, o Município poderá regularizar a área recebida mediante concessão de direito real de uso.

Art. 31. Não haverá reversão do imóvel ao patrimônio da União em caso de descumprimento das disposições desta Medida Provisória pelo Município.

Art. 32. Sem prejuízo da punição de outros agentes públicos envolvidos e da aplicação de outras sanções cabíveis, os desvios da aplicação desta Medida Provisória incorrerão nas sanções previstas na Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992.

Art. 33. Os processos de doação em curso na data de publicação desta Medida Provisória passarão a ser por ela regidos."

Chama a atenção o fato de que, para utilizar-se dessa modalidade de regularização fundiária nas glebas situadas em áreas de expansão urbana, é necessário que o município possua plano diretor (ou lei municipal específica de ordenamento territorial). Caso o município não possua plano diretor ou lei municipal específica de ordenamento territorial, será possível apenas a regularização fundiária de glebas situadas em áreas urbanas consolidadas.

Destaca-se, ainda, a necessidade da realização de georreferenciamento em imóveis urbanos para fins da regularização fundiária prevista na Medida Provisória n.º 458/09 (art. 24, § 1º, III), utilizando-se das mesmas normas técnicas elaboradas pelo INCRA e aplicáveis ao georreferenciamento dos imóveis rurais. Até então, diga-se, o georreferenciamento somente era exigido para os imóveis rurais (conforme Lei Federal n.º 10.267/01 e Decretos Federais n.ºs 4.449/02 e 5.570/05).

Nos termos do art. 24, § 3º, da MP n.º 458/09, o Ministério das Cidades emitirá parecer relativamente ao pedido de doação (relativamente ao pedido de concessão de direito real de uso não há necessidade de participação do Ministério das Cidades) efetuado pelo município ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, para fins de análise de adequação às normas estabelecidas no Estatuto da Cidade (Lei Federal n.º 10.257/01). Verifica-se, aqui, a participação do Ministério das Cidades na análise da adequação da regularização fundiária às normas do Estatuto da Cidade.

Salienta-se que o título da doação ou da concessão de direito real de uso outorgado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário ao município será registrado no Ofício do Registro de Imóveis competente (Lei Federal n.º 6.015/73, art. 167, inciso I). Ademais, pela regra do parágrafo único do art. 4º da MP n.º 458/09, poderão também ser regularizadas mediante outorga de título de concessão de direito real de uso "as áreas ocupadas que abranjam parte ou a totalidade de terrenos de marinha, terrenos marginais ou reservados, seus acrescidos ou outras áreas insuscetíveis de alienação". Com relação a estas áreas, contudo, a formalização da concessão de direito real de uso será efetivada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (art. 26, § 1º, da MP n.º 458/09).

É certo que não serão passíveis de alienação ou concessão de direito real de uso, nos termos da MP n.º 458/09, as ocupações que recaiam sobre áreas: a) reservadas à administração militar federal e a outras finalidades de interesse público ou social a cargo da União; b) tradicionalmente ocupadas por população indígena, comunidades quilombolas e tradicionais; c) de florestas públicas, nos termos da Lei n.º 11.284, de 2 de março de 2006, de unidades de conservação ou de interesse para sua criação, conforme regulamento; e d) que contenham acessões ou benfeitorias federais (MP n.º 458/09, art. 4º, incisos I a IV). No entanto, caso a área requerida pelo município para fins de regularização fundiária abranja parte das áreas previstas nas alíneas "a" a "d" acima referidas, poderá ser expedido título de doação ou de concessão de direito real de uso, que será averbado no registro imobiliário competente (Lei Federal n.º 6.015/73, art. 167, inciso II, n.º 25 – acrescentado pela MP n.º 458/09). Nesta hipótese, contudo, o registro do título será condicionado à exclusão das áreas públicas não abrangidas pela doação (MP n.º 458/09, art. 26, § 3º).

Destaca-se, por fim, a norma do art. 30 da MP n.º 458/09, norma esta que dispõe acerca da regularização fundiária dos lotes ocupados a ser promovida pelo município beneficiário, mediante alienação gratuita, alienação onerosa, ou concessão de direito real de uso, conforme o caso. São esses os principais aspectos acerca da novel modalidade de regularização fundiária aduzida pela Medida Provisória n.º 458, de 10 de fevereiro de 2009.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Gustavo Burgos de. A Medida Provisória nº 458/2009 e a regularização fundiária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2053, 13 fev. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12329. Acesso em: 28 mar. 2024.