Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/12407
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A tutela inibitória como elemento concretizador das medidas anti-discriminatórias no âmbito da relação de trabalho

A tutela inibitória como elemento concretizador das medidas anti-discriminatórias no âmbito da relação de trabalho

Publicado em . Elaborado em .

A idéia de se prevenir o próprio ilícito, mesmo antes da ocorrência do dano propriamente dito, é o ideal de uma prestação jurisdicional rápida e efetiva.

1. A gênese e a persistência das posturas discriminatórias no meio social.

A ordem jurídica contemporânea já exteriorizou, em diversas ocasiões, um discurso frontalmente contrário às práticas discriminatórias em todos os níveis sociais. Nenhum pensador moderno pode defender a existência de um ambiente favorável ao florescimento de práticas discriminatórias no meio social. Vemos, portanto, que, embora sob enfoques diferenciados, a humanidade caminha para a consolidação de um discurso unívoco de repulsa ao movimentos de exclusão, segregação, separação ou de prevalência de determinado estamento social.

Essa aparente convergência ideológica na repulsa da discriminação, entretanto, não pode ser concebida de modo conformista, como se fosse possível prever-se a eliminação das práticas discriminatórias simplesmente pela unidade do pensamento acadêmico. De fato, o fantasma da discriminação ainda perambula na sociedade moderna. Embora com graus de intensidade variáveis, o tratamento diferenciado do indivíduo em função de características intrínsecas, relacionadas com a cor, raça, nacionalidade, opção sexual, entre outras, ainda se encontra presente como uma marca verdadeiramente indelével em praticamente todos os meios sociais.

O discurso discriminatório muito vezes apresenta-se camuflado por construções teóricas extremamente sofisticadas, mas com resultados nem sempre bem estruturados do ponto de vista de uma sociedade plural e equânime. Argumentos a favor da meritrocacia, ou mesmo da prevalência de certos valores individuais, acabam por concretizar um discurso discriminatório e excludente. Essa situação é muito mais comum do que se possa imaginar no âmbito da evolução do pensamento humano.

Essa tentativa constante e periódica de se instituir uma casta dominante, com valores supremos e aprioristicamente superiores aos demais, acompanha a sociedade há milênios e se insere como um discurso fácil e apoteótico. A consagração do discurso excludente e meritocrata facilmente se alia à idéia da eugenia, como forma de eliminar do meio social os indivíduos estranhos ao paradigma dominante. Nesse sentido, Zygmunt Bauman constrói uma inteligente metáfora da jardinagem para ilustrar o discurso fundamentalmente eugênico de determinadas ideologias. Da mesma forma que o jardineiro busca livrar seu belo jardim das "ervas daninhas", esteticamente desagradáveis para o conjunto, certas ideologias tentam enaltecer determinadas qualidades ou atributos em detrimento daqueles que destoam do padrão geral (BAUMAN, 1999, p. 39-54). Com sua bela metáfora, Bauman apresenta a idéia básica e consistente, de certa forma inerente ao meio social, que privilegia um conjunto de plantas harmônico, coeso e uniforme. Nesse sentido, as chamadas ervas daninhas devem ser expurgadas do conjunto, tendo em vista serem desprovidas de funcionalidade dentro do contexto do jardim. O exacerbamento dessa noção, em situações mais extremadas, pode conduzir à própria concretização do discurso eugênico, concretizado pela própria estrutura excludente dos indivíduos não enquadrados no paradigma dominante.

Ressalta, ainda, que as práticas mais cruéis de exclusão social havidas na história da humanidade não decorreram apenas de projetos essencialmente atrozes, mas sim de construções teóricas bem estruturadas.

Os casos mais extremos e bem documentados de ‘engenharia social’ global na história moderna (aqueles presididos por Hitler e Stalin), não obstante as atrocidades resultantes, não foram nem explosões de barbarismo ainda não plenamente extinto pela nova ordem racional da civilização, nem o preço pago por utopias alheias ao espírito da modernidade. Ao contrário, foram produto legítimo do espírito moderno, daquela ânsia de auxiliar e apressar o progresso da humanidade rumo à perfeição que foi por toda parte a mais eminente marca da era moderna – ‘daquela visão otimista de que o progresso científico e industrial removiam em princípio todas as restrições sobre a possível aplicação do planejamento, da educação, da reforma social na vida cotidiana’, daquela ‘crença de que os problemas sociais podem ser finalmente resolvidos. (BAUMAN, 1999, p. 38)

Não é raro, portanto, dentro do pensamento humano, identificarmos discursos de prevalência das qualidades e dos interesses de determinados grupos ou estruturas dominantes. Dessa tendência universal nem o próprio pensamento helênico escapou. A espetacular contribuição do pensamento socrático, canalizada pelos célebres Diálogos de Platão, trouxe conceitos e formulações aparentemente igualitárias, mas, na sua essência, excludentes. Essa característica extremamente clara em "A República", onde são fixadas as bases de um Estado constituído de estamentos e de castas incomunicáveis, desperta uma nítida convergência para a exclusão das funções daqueles considerados de menor aptidão física ou intelectual. A idéia de segregar as categorias sociais em função de suas aptidões, embora bem intencionada, acaba por se revestir de um viés claramente discriminatório. De fato, a harmonia social formatada no âmbito dos diálogos platônicos, pressupõe a uniformidade e inalterabilidade dos cidadãos, rigidamente distribuídos em estamentos incomunicáveis.

É preciso, portanto, que ela seja uma sedição dos elementos do corpo, que são três, uma intriga, uma ingerência no alheio, e uma subelevação de uma parte contra o todo, a fim de exceder nela o poder, sem lhe pertencer, uma vez que possui uma natureza à qual convém a escravatura, ao passo que a que de raça real não lhe compete servir. Ora são estas alterações, estas perturbações e desvios que resultam na injustiça, na libertinagem, na ignorância e, de um modo geral, toda maldade. (PLATÃO, 2002, p. 140-141).

É óbvio que é impossível relativizar a contribuição helênica para a edificação do pensamento humanista contemporâneo. Entretanto, não se pode deixar de identificar o caráter nitidamente excludente da construção do Estado ideal. Aliás, as construções utópicas de sociedades perfeitas e harmônicas, na maioria das vezes, revelam um viés discriminatório, pouco plural e, acima de tudo, portador de um discurso impregnado pela noção de eugenia.

Nem mesmo o gênio de Friedrich Nietzsche escapou da tentativa de se construir um padrão preponderante e prevalecente de comportamento, capaz de nortear as sociedades humanas. Ao edificar uma de suas obras fundamentais, Ecce Homo, constrói Nietzsche a idéia de um ser humano ideal, desapegado da realidade e dos defeitos próprios da natureza humana. "Compreende-se, assim, porque Nietzsche desacredita das doutrinas igualitárias, que lhe parecem ‘imortais’, pois impossibilitam que se pense a diferença entre os valores dos ‘senhores e dos escravos’."(CHAUÍ, 1972, p. 641).

Ao serem enaltecidas determinadas qualidades ou características inatas, identifica-se uma tendência extremamente perigosa no sentido de estabelecer um paradigma comportamental determinante e absoluto. Consagra-se a idéia de que a diversidade é inferior e, portanto, não merecedora dos espaços e das conquistas sociais reinantes.

Muito embora acobertados sob o manto de prodigiosas formulações téoricas, algumas concepções de supremacia e de prevalência de determinados grupos sociais ou políticos ainda são encontradas em nosso meio social. Desvirtuadas em sua essência, tais proposições poderiam até conduzir a um discurso consagrador das práticas discriminatórias, ou mesmo enaltecedor da predominância de certo grupo social.

É óbvio que o pensamento contemporâneo buscou abolir e censurar de forma veemente a adoção de práticas discriminatórias no meio social, mesmo porque na consagração dos chamados direitos fundamentais não existe mais espaço para o discurso eugênico e discriminatório. Esses mesmos direitos fundamentais, reconhecidos de maneira generalizada por todas as formulações jurídicas, portanto, impõem, de forma abstrata uma rede de proteção do indivíduo em face das transgressões eventualmente observadas.

Não basta, entretanto, reconhecer-se a existência de um conjunto normativo que venha a refutar de forma veemente qualquer quebra da regra isonômica formatada pelo conjunto de direitos fundamentais. É indispensável se reconhecer que, em qualquer ambiente social, econômico ou político, as transgressões dessas regras basilares podem aflorar de maneira sutil ou mesmo avassaladora. A sociedade, mesmo que impregnada pela noção de garantia de preceitos fundamentais de natureza protecionista, sempre se demonstra capaz de ceder aos encantos do discurso eugênico e excludente.

A utopia de um estamento social naturalmente harmônico e desprovido de conflitos, na verdade, vem a se revelar em um verdadeiro paradoxo. A busca da harmonia defendida pelos projetos de sociedades ideais passa por um processo maciço de uniformização e eliminação dos discursos e das atitudes destoantes. Em uma conclusão precipitada, é possível afirmar que a sociedade utópica é naturalmente excludente e discriminatória. Essa assertiva, muito embora não seja passível de demonstração, serve, entretanto, para ilustrar como as práticas discriminatórias encontram-se impregnadas no meio social, a despeito das sofisticadas construções teóricas enaltecedoras dos direitos fundamentais.


2. Da proibição das práticas discriminatórias no âmbito das relações de trabalho.

Ora, se a discriminação é, de certa forma, um vício presente e latente no meio social, é óbvio que não se isentam de tal prática as relações de trabalho. Aliás, o meio do trabalho, tendo em vista o seu ambiente de natural competição, é extremamente propício para ao florescimento de práticas discriminatórias. Nesse sentido, a edificação dos direitos fundamentais dos trabalhadores teve uma preocupação específica no sentido de criar sistemas de vedação geral das práticas discriminatórias no âmbito das relações laborais.

A regra geral, inibidora das práticas discriminatórias e estatuída na Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi recepcionada de forma direta e específica pela Organização Internacional do Trabalho, que montou um sistema normativo expresso para coibir tais comportamentos no âmbito das relações de trabalho.

A multiplicidade de instrumentos internacionais, no âmbito dos direitos humanos, exige coordenação entre os órgãos e mecanismos de proteção, nos planos global e regional, sempre inspirados em uma fonte comum: a Declaração Universal de 1948, ‘ponto de irradiação dos esforços em prol da realização do ideal da universalidade dos direitos humanos...A proibição de discriminação prevista no art. 7º da Declaração Universal dos Direitos Humanos reflete-se tanto na Convenção n. 100, de 1951, sobre igualdade de remuneração para trabalho de igual valor, como na relativa à discriminação em matéria de emprego e ocupação (Convenção n. 111, de 1958). (BARZOTO, 2007, p. 50-51)

Vê-se, portanto, que no plano do direito internacional, especificamente no subsistema encetado pela Organização Internacional do Trabalho, existe um regramento sólido e centralizador no sentido de vedar e incluir no âmbito da ilegalidade todo e qualquer comportamento voltado à exclusão e segregação do ser humano no ambiente de trabalho. Especialmente a Convenção n.º 111 criou uma vedação ampla e generalizadora das práticas discriminatórias, tendo como alvo o ambiente laboral. Conforme preconiza Arnaldo Süssekind:

Os Estados que ratificaram essa Convenção contraíram a obrigação de ‘revogar todas as disposições legislativas e modificar todas as disposições ou práticas administrativas’ incompatíveis com suas normas; se for o caso, promulgar leis; fomentar programas educativos visando a não discriminação e indicar à RIT, ‘nos seus relatórios anuais sobre a aplicação da Convenção, as medidas tomadas em conformidade com essa política e os resultados obtidos’ (art. 3º). A OIT empresta tanta importância ao problema que o Conselho de Administração instituiu um Comitê sobre Discriminação com o encargo de submeter-lhe, para as providências cabíveis, relatórios periódicos. (2000, p. 359-360)

Mais recentemente, a Organização Internacional do Trabalho reconheceu que a vedação às práticas discriminatórias no ambiente laboral insere-se no âmbito da Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. Nesse contexto, a vedação das práticas discriminatórias insere-se entre as disposições que:

(...) todos os Membros, ainda que não tenham ratificado as convenções aludidas, têm um compromisso derivado do fato de pertencer à Organização de respeitar, promover e tornar realidade, de boa fé e de conformidade com a Constituição, os princípios relativos aos direitos fundamentais." [01].

O ordenamento jurídico brasileiro absorveu integralmente a tendência internacional de vedar expressamente as práticas discriminatórias no ambiente de trabalho. Em sede constitucional, os comandos são específicos com relação ao trabalho, atribuindo uma multiplicidade de vedações de práticas excludentes. Conforme preleciona Maurício Godinho Delgado:

A Carta Constitucional de 1988 alargou, significamente, as medidas proibitivas de práticas discriminatórias no país. Algumas delas foram elaboradas enfocando diretamente situações envolventes à relação de emprego (por exemplo, as normas indicadas no art. 7º). Outras, embora não objetivando estritamente as figuras do emprego e do empregador, tiveram o condão, por sua generalidade, de abarcar também as situações próprias à relação empregatícia (ilustrativamente, normas constantes do art. 5º, CF/88). (2000, p. 101).

No mesmo sentido, caminhou o arcabouço normativo infraconstitucional, ao debruçar-se especificamente sobre o problema relacionado com as práticas discriminatórias no âmbito do trabalho. Sucessivas normas jurídicas construíram um sistema amplo e abrangente de vedação de práticas discriminatórias de caráter laboral, como é o caso das Leis n. 7.855/89 (eliminação de preceitos discriminatórios da Consolidação das Leis do Trabalho), 9.029/95 (coibição de práticas discriminatórias, inclusive quanto à gestante), 9.799/99 (inserção de medidas de estímulo ao ingresso da mulher no mercado de trabalho), entre outras.

Embora não se possa afirmar que o sistema de proteção em face das práticas discriminatórias no âmbito das relações laborais esteja perfeito e acabado, é fato que nosso sistema normativo nessa matéria se adequa aos padrões internacionais sobre o tema. Na realidade, construiu-se um conjunto normativo que é capaz de observar os principais aspectos da discriminação do ambiente de trabalho, pois, mesmo não existindo normatizações quanto a temas específicos, a estrutura central de nossas normas é capaz de açambarcar a maioria dos temas relacionados com a garantia da isonomia.


3. Da ineficácia dos meios processuais tradicionais de coibição das práticas discriminatórias.

Conforme já foi exposto, o direito contemporâneo foi capaz de formatar um sistema abrangente de proibição das práticas discriminatórias. Seja no âmbito da regulação internacional, seja inserido na normatização interna, é induvidoso o fato de que o direito contemporâneo repele, de maneira veemente, a adoção de qualquer tipo de prática discriminatória no âmbito das relações laborais.

A abrangência dos estudos doutrinários sobre o tema, praticamante não deixa impune nenhuma conduta destinada a segregar ou discriminar empregados. O sistema normativo foi construído para absorver um maior número possível de condutas discriminatórias no âmbito das relações trabalhistas. O problema, no entanto, não pode ser identificado em função das proibições construídas pelo direito, os quais já se apresentam suficientemente consolidadas para se vislumbrar um sistema de vedação das práticas discriminatórias laborais de maneira objetiva.

A formação, entretanto, desse arcabouço normativo meramente proibitivo não elimina o problema da recalcitrância das práticas discriminatórias. Por mais que sejam sofisticados os meios de proibição de tais práticas, lamentavelmente essas condutas ilegais se repetem, até com certa freqüência, no nosso quotidiano. Com efeito, as idéias discriminatórias encontram-se arraigadas de maneira contundente no inconsciente coletivo de determinados grupos e, eventualmente, afloram, de maneira sutil, ou mesmo de forma violenta e escancarada.

A mítica do jardineiro, eliminando de maneira heróica as ervas daninhas do jardim, ainda gravita de forma perigosa na mente de alguns indivíduos refratários a uma sociedade justa, igualitária e plural. A construção de um portentoso sistema de proibição das práticas discriminatórias não é, portanto, suficiente para banir essa verdadeira chaga das relações sociais. De fato, as práticas discriminatórias, infelizmente, continuam a existir e, mesmo de maneira camuflada, acabam por contaminar os ambientes de trabalho em todos os níveis sócio-econômicos.

Nesse ponto, o processo deve exercer a condição de protagonista, garantindo o pleno exercício das garantias e liberdades asseguradas no âmbito das construções doutrinárias e normativas do século XX. Sem o oferecimento de um arcabouço processual capaz de tornar as garantias efetivas, a manutenção de um sistema meramente proibitivo de práticas discriminatórias cai no vazio. Essa dificuldade já era destacada por Cappelletti, ao afirmar que:

Os novos direitos substantivos das pessoas comuns têm sido particularmente difíceis de fazer valer ao nível individual. As barreiras enfrentadas pelos indivíduos relativamente fracos com causas relativamente pequenas, contra litigantes organizacionais – especialmente corporações ou governos – têm prejudicado o respeito a esses novos direitos.(CAPPELLETTI, 2002, p. 92)

O quadro apresentado demonstra, pois, a existência de um consistente arcabouço normativo de proibição das práticas discriminatórias, enquanto que, paradoxalmente, os institutos processuais não são capazes de oferecer meios adequados para a concretização desses comandos proibitivos. A tutela ressarcitória, portanto, afigura-se como o instrumento tradicional para a concretização da normatização anti-discriminatória. Aguarda-se a ocorrência da prática discriminatória para, posteriormente, obter-se uma reparação dos danos materiais ou morais infligidos à vítima.

É certo que as práticas discriminatórias, dependendo da legislação observada, são tipificadas como condutas penalmente puníveis, inclusive com penas bem severas. A sanção penal, entretanto, não tem o condão de reparar os prejuízos de tais atos, mas tão-somente reafirmar a importância dos valores protegidos socialmente. Não há, pois, nesse caso, uma atuação direta em relação às práticas discriminatórias, mas apenas a penalização do ofensor que pode sofrer as sanções criminais cabíveis.

Nesse sentido, apenas os instrumentos processuais de índole não criminal podem oferecer uma resposta efetiva e direta em face das práticas discriminatórias, especialmente aquelas verificadas no âmbito da relação de trabalho. A imposição de uma conduta anti-discriminatória, pois, é a forma mais adequada de reafirmar a repulsa do meio social às práticas abjetas de segregação laboral. O direito processual ortodoxo, entretanto, não se encontra apto a promover uma prestação jurisdicional abrangente e determinante que efetivamente promova a coibição das práticas discriminatórias.

O direito processual, portanto, nos oferece a fórmula clássica de estabelecimento da tutela ressarcitória como forma de atuar na coibição das práticas discriminatórias. Permite, pois, que o judiciário atue sempre após a concretização do ato ofensivo aos valores isonômicos básicos, conferindo o pagamento de indenizações de previsibilidade duvidosa quanto à sua quitação. A tutela meramente ressarcitória, por outro lado, não tem o condão de reparar ou prevenir as práticas discriminatórias, mas tão-somente remediar uma situação de lesão a direitos fundamentais já consolidada. Na lição de Sérgio Cruz Arenhart:

E essa imponência mostra-se ainda mais sensível quando se pensa nos direitos da personalidade – e especialmente nos direitos à vida privada, à honra, à intimidade e à imagem, tão vastamente agredidos na nossa modernidade. Tais direitos não se contentam, de forma alguma, com a reparação do dano ocorrido. Carecem eles de tutela preventiva, que não se consegue usando apenas os institutos processuais disponíveis segundo os esquemas tradicionais concebido particularmente por nosso direito. (2000, p. 35-36).

Quando se identifica a ocorrência de uma lesão da garantia isonômica, a reparação pecuniária posterior pouco irá atuar em face da reconstrução da ordem jurídica abalada. Os recursos financeiros advindos da respectiva indenização, quando muito, atenuam os efeitos adversos da conduta discriminatória em relação ao ofendido, mas nunca reparam a ruptura do sistema de garantias fundamentais.

O problema assume contornos ainda mais graves quando desviamos o debate para a tutela das práticas discriminatórias no âmbito das relações de trabalho. A condição de dependência na qual se coloca o trabalhador faz com que os efeitos de tais práticas sejam ainda mais devastadores. Ao se inserir em uma relação jurídica pautada essencialmente pela desigualdade econômica, o trabalhador sofre os efeitos das agressões a seu patrimônio fundamental por meio da preterição do próprio posto de trabalho, ou mesmo de algum tipo de vantagem decorrente do contrato laboral.

A adoção da tutela meramente ressarcitória, portanto, posterga a satisfação de uma indenização que, apenas em parte, é capaz de restituir os prejuízos financeiros decorrentes dos atos discriminatórios. Mesmo que aflorem sanções de índole criminal, o mero recebimento de reparações pecuniárias, mesmo que quantificadas a título de danos morais, é incapaz de reafirmar, em relação ao trabalhador discriminado, a importância de sua garantia isonômica fundamental.

Ao se tutelar o trabalhador vítima de uma prática discriminatória, busca-se, em última análise, declarar a incalculável relevância das garantias fundamentais respectivas. A imposição de indenização, portanto, revela a faceta mais tacanha e ineficaz da coibição de práticas desse jaez, pois por mais vultuosa que seja a soma atribuída ao ofensor, jamais o sistema jurídico poderá ser reparado por conta da agressão perpetrada.

Nesse sentido, a resposta do Estado, diante da ocorrência da prática discriminatória não pode se limitar à manifestação da tutela ressarcitória. Deve-se optar pelo manejo de tutela processuais específicas, voltadas a fazer valer de maneira concreta e específica a importância e magnitude dos direitos fundamentais, especialmente aqueles atribuídos aos trabalhadores. Nesse caso, a adoção da tutela inibitória apresenta-se como o meio mais adequado para a tutela concreta das práticas discriminatórias no âmbito da relação de trabalho.


4. Da afirmação da tutela inibitória como forma ideal de coibição das práticas discriminatórias laborais.

O sistema processual, concebido originalmente pelo direito brasileiro, distribuía a tutela jurisdicional por intermédio de três categorias distintas e compartimentalizadas. Nesse sentido, até pela adoção da visão liebmaniana, a tutela jurisdicional se resumia às atividades cognitivas, executivas e cautelares [02]. Por intermédio do processo de conhecimento, a atividade jurisdicional limitava-se a reconhecer a existência do direito ao bem da vida vindicado pelo autor. Já o provimento cautelar buscava garantia da viabilidade prática dos provimentos de cognição. Finalmente, por intermédio do processo de execução, seria possível a concretização das obrigações reconhecidas em sede de processo de cognição ou por intermédio de documentos a que o ordenamento jurídico atribuía eficácia executiva.

Essas três modalidades de prestação jurisdicional, portanto, apresentavam-se monopolizadoras da atividade do poder judiciário como solucionador dos conflitos de interesses. Construiu-se um sistema compartimentalizado que, dentro de uma visão até certo ponto cartesiana, seria capaz de resolver todos os desafios propostos pelo meio social. A divisão estanque e compartimentalizada, entretanto, não se mostrou capaz de fazer frente aos grandes desafios oferecidos pela sociedade contemporânea.

A atividade jurisdicional até poderia ser compartimentalizada, mas não os conflitos a serem por ela resolvidos. A solução rápida, dinâmica e flexível dos conflitos pressupunha, portanto, uma subversão daquela ordem construída de maneira formal e inflexível. Chegou-se à conclusão de que a tripartição formal e imutável das tutelas não se afigurava dinâmica o suficiente para o estabelecimento de uma atividade jurisdicional realmente efetiva [03].

Essa constatação fez com que as "verdades" construtoras do processo brasileiro, ao longo do século XX, começassem a ser questionadas e os vetustos institutos passassem a sofrer uma verdadeira revolução. Nesse sentido, uma das primeiras grandes reformas do direito processual civil brasileiro ocorreu por intermédio da generalização da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, nos termos do Código de Processo Civil, art. 273. Nesse caso, procedeu-se à primeira quebra da rigidez do sistema tripartite concebido originalmente pelo diploma processual civil e orientador também do processo laboral [04].

Ora, a partir da Lei nº. 8.952, de 13 de dezembro de 1994, modificadora do art. 273 do CPC, tivemos a inserção em nosso direito do conceito das tutelas de urgências, destinadas ao enfrentamento de questões que demandam uma solução rápida capaz de efetivar o perecimento ou a inviabilidade do direito. Nesse sentido, a mudança do paradigma tradicional possibilitou a inserção de uma prestação jurisdicional marcada pela urgência ou emergência do provimento jurisdicional, inclusive com a possibilidade de solução direta e satisfativa da questão de fundo. Deixou de existir o divisor entre a tutela de cognição e cautelar, passando o direito processual a enfrentar as tutelas de urgência que, dependendo da tessitura e da natureza do provimento, poderiam transitar livremente entre a tutela de cognição típica e a cautelar [05].

Vê-se, portanto, que a generalização da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional significou a eliminação da idéia de compartimentalização processual. Ao invés de compartimentos estanques e incomunicáveis, a atividade jurisdicional passou a ser distribuída por intermédio de segmentos que se intercomunicam e transitam livremente entre as diversas formas de prestação jurisdicional. Isso significa a possibilidade de se poder escolher entre uma tutela de caráter satisfativo ou de índole estritamente cautelar para fazer frente à demanda por uma prestação jurisdicional urgente.

Observa-se, por conseguinte, que a divisão compartimentalizada dá lugar a um sistema de tutelas em regime de segmentação, atuando de forma harmônica e sistêmica, mas com uma única finalidade, tornar viável a concretização da prestação jurisdicional.

O processo de segmentação da atividade jurisdicional representa uma resposta à forma compartimentalizada pela qual foi construído o tradicional direito processual civil brasileiro. Essas tutelas, construídas sem as amarras de um tipo de processo específico e incomunicável, atuam de maneira harmônica, mas se comunicam e, às vezes, se sobrepõem, buscando sempre a concretização da solução da lesão ou ameaça de lesão colocada à apreciação do poder judiciário.

Concentra-se, portanto, a atuação do processo em uma visão teleológica de efetivação dos comandos legais. A prestação jurisdicional, portanto, diversifica-se e deixa de ser linear. Adota o moderno direito processual uma posição proativa em relação às demandas sociais, deixando de lado a horizontalidade da tradicional divisão da atividade de composição judicial dos litígios e assumindo a segmentação generalizada da prestação jurisdicional.

Mas não apenas as alterações legislativas construíram um sistema explícito de tutelas diferenciadas. A assimilação de novos conceitos doutrinários fez com que a divisão rígida da tutela jurisdicional ruísse, dando espaço a tutelas diferenciadas e segmentadas. Um dos exemplos eloqüentes dessa postura doutrinária é a assimilação da chamada tutela inibitória.

A idéia de prevenção da própria ilicitude, antes mesmo da corporificação do dano, é técnica que busca, na via reflexa, conferir uma maior efetividade social aos provimentos jurisdicionais. Construiu-se, por conseguinte, no arcabouço processual brasileiro um conjunto de técnicas aptas a impedir a concretização do dano, mediante a adoção de medidas preventivas, coativas e repressivas. Não há dúvidas de que a idéia de tutela inibitória já existia de maneira dispersa em nosso ordenamento processual, conforme se vê da análise do instituto do interdito proibitório (atualmente previsto nos artigos 932 e 933 do Código de Processo Civil). Entretanto, a sistematização de um conceito de tutela inibitória perante o direito processual brasileiro pode ser atribuída ao eminente processualista Luiz Guilherme Marinoni que, de forma primorosa, assim dispõe:

A tutela inibitória é caracterizada por ser voltada para o futuro, independentemente de estar sendo dirigida a impedir a prática, a continuação ou a repetição do ilícito. Note-se, com efeito, que a inibitória, ainda que empenhada apenas em fazer cessar o ilícito ou a impedir a sua repetição, não perde sua natureza preventiva, pois não tem por fim reintegrar ou reparar o direito violado. Falamos em tutela inibitória porque entendemos que o sistema de tutela dos direitos deve deixar de ser pensado em torno de uma ação una e abstrata e passa a ser compreendido em termos de ‘tutela’, ou melhor, a partir dos resultados que a tutela jurisdicional proporciona aos consumidores do serviço jurisdicional. (2000, p. 29).

É certo que a tutela inibitória não prescinde de outras tutelas para se concretizar no meio social, todavia é inegável o seu caráter instrumental de efetivação da prestação jurisdicional, principalmente de índole coletiva.

Vê-se, portanto, que o sistema brasileiro de efetivação das tutelas jurisdicionais abandonou de forma definitiva a postura compartimentalizada das tutelas, pulverizando a concretização da prestação jurídica em tutelas segmentadas. Isso significa dizer que a prestação jurisdicional dispõe de mecanismos diversos e autônomos desprovidos de uma específica categoria processual.

O conceito básico e fundamental da tutela inibitória não se encontra positivado. O nosso direito, na realidade, construiu uma técnica específica de tutelas destinadas à prevenção da própria ilicitude, tendo em vista que, tradicionalmente, o objetivo único da prestação jurisdicional era a preservação ou reparação do dano. É certo que a idéia de uma manifestação estatal inibidora da ilegalidade de forma concreta já existia em relação ao chamado interdito proibitório (CPC, art. 932), todavia a formulação doutrinária acerca da tutela inibitória como prerrogativa da jurisdição é relativamente nova. É essencial, para fins de correto dimensionamento da tutela inibitória a transcrição dos ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni:

A distinção entre ilícito e dano abriu as portas para a doutrina esclarecer que a tutela preventiva objetiva impedir a prática, a continuação ou a repetição do ilícito. A diferenciação entre ilícito e dano, não só evidencia que a tutela ressarcitória não é a única tutela contra o ilícito, como também permite a configuração de uma tutela genuinamente preventiva, que nada tem a ver com o dano, mas apenas com o ilícito. É certo que a probalidade do ilícito é, com frequência, a probalidade do próprio dano, já que muitas vezes é impossível se separar, cronologicamente, o ilícito e o dano. Contudo, o que se quer deixar claro, na linha da melhor doutrina italiana, é que para a obtenção da tutela inibitória não é necessária a demonstração de um dano futuro, embora ele possa ser invocado, em determinados casos, até mesmo para se estabelecer com mais evidencia a necessidade da inibitória. (2000, p. 38).

O manejo da tutela inibitória é viável no âmbito da tutela dos direitos de caráter individual, mas é no cenário dos direitos fundamentais que ela atinge o seu ápice de eficiência e de utilidade. A tutela processual das práticas discriminatórias pressupõe, indiscutivelmente, a opção pela prevenção ao invés da reparação. Essa precedência justifica-se com o fato de que a lesão a direitos desse jaez dificilmente comporta uma reparação concreta. Nesse sentido, a prevenção do dano apresenta-se como a principal meta, pois, como afirmamos anteriormente, muitas vezes não dispõe de meios concretos para proceder à integral reparação do dano causado.

É relevante observar que a técnica da tutela inibitória não pressupõe a existência de uma estrutural processual prévia. Com efeito, a manifestação da tutela inibitória é flutuante, transitando no âmbito das demais tutelas e sendo determinada apenas pela natureza das medidas pugnadas. Até é possível se conceber uma ação de caráter exclusivamente inibitório, mas essa situação não é determinante, sendo possível a veiculação da pretensão inibitória por qualquer meio processual. O caráter nitidamente fungível da tutela inibitória é questão já pacificada em termos doutrinários, inclusive no âmbito da processualística laboral, conforme observação feita por Paulo Ricardo Pozzolo:

Deve-se reconhecer à tutela inibitória o princípio da fungibilidade para adequação da medida às várias situações do direito material. Trata-se da possibilidade de o juiz adequá-la às necessidades da causa, tanto em relação ao direito material quanto ao direito processual, neste último aspecto aplicando-se o princípio da ‘adaptabilidade do procedimento às necessidades da causa’ ou ‘princípio da elasticidade’.... Nada impede, por exemplo, que o juiz substitua um pedido de cessação de utilização de máquina produtora de excessivos níveis de ruídos para o trabalhador pelo fornecimento de adequados protetores auriculares. (2001, p. 119).

A tutela inibitória se corporifica principalmente na imposição de uma obrigação de não fazer e, às vezes, em obrigação de fazer. Nesse sentido, todo o processo de efetivação das tutelas inibitórias segue as diretrizes traçadas para o cumprimento da tutela especifica. Há, entretanto, um dado peculiar de tal tutela consistente no fato de que a ordem inibitória é concedida para o futuro. Essa particularidade leva a duas conseqüências práticas: a indeterminação do processo de efetivação e a possibilidade de reversibilidade futura.

Tratando-se de uma tutela voltada para o futuro e destinada precipuamente à prevenção do ilícito, resta claro não ser possível concluir o seu processo de efetivação. Com efeito, o processo de efetivação das tutelas inibitórias é permanente e definitivo, já que impõe conduta ao réu consistente na abstração do ilícito. Essa característica, portanto, conduz à conclusão de que essa tutela, embora vigente por tempo indeterminado, pode sofrer modificações, tendo em vista a alteração da situação fática ou jurídica existente na época de sua prolação. A atividade judicial de condução da efetivação da tutela inibitória envolve, igualmente, a possibilidade de alteração, ou mesmo cancelamento da ordem, caso a conduta tutela deixa de integrar o campo da ilicitude.

Vê-se, portanto, a completa adequação do sistema de tutela inibitória para coibir de forma direta e específica a ocorrência de práticas discriminatórias no âmbito da relação de trabalho. A possibilidade de prevenção da própria ilicitude, mesmo antes da ocorrência do dano, afigura-se instrumento processual verdadeiramente indispensável para a concreta efetivação dos direitos fundamentais.

4.2 Da instrumentalização da tutela inibitória em face das práticas discriminatórias – Releitura das dimensões processuais da Lei n. 9.029, de 13 de abril de 1995.

Muito embora seja inconteste a conclusão de que a tutela inibitória é o instrumento processual mais adequado para a efetivação das medidas anti-discriminatórias, não é tarefa simples estabelecer os aspectos práticos de tais medidas. A nossa legislação processual, seja de índole cível ou laboral, não estabelece parâmetros claros para que se possa estabelecer a integral tessitura do instituto da tutela inibitória. Conforme afirmamos anterior, a identificação de tal modalidade de tutela jurisdicional não decorre de pronunciamento expresso do direito positivado, mas sim de construção doutrinária. Aplicar a tutela inibitória aos casos concretos, portanto, exige uma construção dogmática sólida, que permita ofertar-se uma prestação jurisdicional efetiva, mas que não contrarie o basilar princípio do devido processo legal.

Enfrentando a questão sob o prisma das práticas discriminatórias trabalhistas a questão pode ser resolvida com mais facilidade, tendo em vista a existência de marco normativo próprio para regular a prestação jurisdicional em tais situações. Nesse caso, é possível vindicar a aplicação de norma própria, ou seja, a Lei n. 9.029, de 13 de abril de 1995.

A referida norma, muito embora não tenha seu papel relevante reconhecido no âmbito da doutrina laboral [06], é fundamental para a concretização de um sistema de coibição das práticas discriminatória já que municia o Juiz de instrumentos de incomensurável utilidade na efetivação do julgado. Nesse diapasão, a Lei n. 9.029/1995 permite ao juiz determinar a reintegração [07] do empregado demitido por força de prática discriminatória (art. 4º, I), mesmo que não seja portador o trabalhador de nenhum tipo de garantia provisória do emprego ou de estabilidade.

Pode-se imaginar, em uma análise precipitada, que se trata de um detalhe da norma que não gera maiores conseqüências jurídicas. Entretanto, um olhar mais crítico sobre o dispositivo analisado nos conduz à idéia de que foram estabelecidos novos paradigmas regulatórios para o direito laboral. Ora, o sistema de relações de trabalho no Brasil assimilou a idéia básica de garantia ampla e irrestrita do poder de resolução do contrato de trabalho por parte do empregador. De fato, consagrou-se a idéia de que o rompimento imotivado do contrato de trabalho é um verdadeiro direito potestativo do empregador que, em alguns situações muito pontuais e específicas, pode ser afastado. Não existindo, pois, norma específica em relação ao tema, é possível ao empregador romper imotivadamente a relação empregatícia, arcando apenas com o ônus financeiro.

Fugindo, portanto, do paradigma reinante, a Lei n. 9.029/95 autoriza a nulidade da resilição contratual promovida pelo empregador, desde que tenha sido motivada por prática discriminatória. Não se cria nenhum tipo novo de garantia provisória do emprego, mas apenas se coloca ao juiz a possibilidade de reintegrar o trabalhador vítima de uma prática discriminatória. Essa possibilidade de se proceder à reintegração do empregado, portanto, não é instrumento de direito material, mas sim de direito processual. Não se trata de uma limitação específica do poder resilitório patronal, mas sim de uma técnica específica de concretização da tutela inibitória destinada a determinar uma conduta de respeito às regras anti-discriminatórias preconizadas no ordenamento jurídico brasileiro.

Sem que se chegue a esta conclusão, poderíamos chegar a um verdadeiro paradoxo, pois, após a efetivação da reintegração, o que impediria o tomador de serviços de exercer o seu poder resilitório e resilir sem motivação o contrato de trabalho ? De fato, o trabalhador vitimado por uma prática discriminatória, devidamente reintegrado no seu posto laboral, poderia ser descartado logo após o cumprimento da decisão judicial respectiva, entretanto, sob o argumento de desfazimento contratual imotivado.

A solução do problema passa, por conseguinte, pela análise do instrumento legal à luz das categorias já construídas anteriormente pela doutrina. Na hipótese, ora abordada, o poder atribuído ao Juiz no sentido de reintegrar o trabalhador alvo de prática discriminatória é, induvidosamente, a manifestação da tutela inibitória no âmbito das relações trabalhista. O comando jurisdicional objetiva, em primeiro lugar, reparar a lesão ao direito fundamental da igualdade mediante a imposição de uma obrigação de fazer. Entretanto, ao concretizar a ordem de reintegração, o comando jurisdicional insere, igualmente, uma ordem de não fazer, consistente na abstenção de repetir na prática discriminatória.

Concretiza-se a reparação direta da lesão e a prevenção da ocorrência de novo ilícito mediante a imposição de uma conduta a ser observada pelo transgressor. A ordem de reintegração traz embutida, igualmente, a determinação de o tomador se abster de repetir a prática discriminatória. Nesse sentido, previne-se a própria ilicitude com o comando reintegratório, obrigando o empregador a justificar todo o ato resilitório posterior ao reconhecimento judicial da prática discriminatória.

Observe-se que a decisão jurisdicional de caráter inibitório continuará a surtir seus efeitos mesmo após a concretização da reintegração. Não se exaurirá o comando jurisdicional no retorno do trabalhador ao seu posto de trabalho, posto que a ordem jurisdicional de se abster de práticas discriminatórias continuará ativa buscando a prevenção da ilicitude, mesmo que o dano não venha a se perfectibilizar. Trata-se de uma característica inerente à própria tutela inibitória, que não apresenta limitações temporais já que seu objetivo é a prevenção do dano.

Ao determinar o retorno do trabalhador ao ambiente laboral onde sofreu a prática discriminatória, consegue-se de maneira simultânea a reparação do dano inicial, consistente da perda do posto de trabalho, e a reafirmação do comando legal de proibir qualquer prática consistente no tratamento desigualitário dos indivíduos. Perpetuando de maneira indeterminada a tutela inibitória, estabelece-se ao tomador dos serviços uma verdadeira inversão da ordem convencional do exercício do poder resilitório. Agora, sob a influência de uma decisão jurisdicional determinante do cumprimento de uma conduta geral e abstrata, o tomador dos serviços é compelido a motivar todos os atos de resilição relacionados com o trabalhador protegido pela tutela inibitória.

De fato, tendo sido autor de prática discriminatória, o empregador passa a ser tutelado de maneira específica em relação à prática de novas condutas anti-jurídicas, o que acaba por determinar a possibilidade de ser exigir a motivação para qualquer ato futuro que implique no desfazimento da relação empregatícia.

Ao se compelir a manutenção do trabalhador no seu posto de trabalho, mesmo contra a vontade do tomador dos serviços, obtêm-se uma tutela abrangente e direta em face da prática discriminatória. Diferentemente do que ocorre em relação à tutela ressarcitória, a utilização da tutela inibitória tem o condão de atacar de forma direta a ocorrência das práticas discriminatórias, permitindo a reafirmação da importância dos valores básicos da sociedade.


5. Considerações finais.

As construções jurídicas, a partir de meados do século XX, consolidaram de maneira insofismável a repulsa de nosso ordenamento jurídico em relação às práticas discriminatórias. O discurso jurídico repele de maneira intransigente a ocorrência de ferimentos ao princípio isonômico, alçando-o de forma inconteste ao patamar de direito fundamental. Esta postura unívoca do direito contemporâneo irradia-se por todos os sistema jurídicos, tendo os arcabouços jurídicos internacional e nacional assimilado regras eloqüentes de proibição das prática discriminatários, inclusive no âmbito das relações de trabalho.

A abrangência e a dominância do discurso proibitivo, entretanto, por si só, não é capaz de garantir que os indivíduos , especialmente, os trabalhadores possam a sofrer as conseqüências diretas discriminatórias. O discurso de prevalência e de supremacia de determinados valores raciais e estéticos ainda está muito presente no âmbito das relações de trabalho, não sendo incomum verificarem-se casos de práticas discriminatórias no ambiente laboral.

É indispensável, portanto, a concretização de instrumentos processuais que possibilitem a efetivação dos comandos de proibição dessas práticas. A tutela meramente ressarcitória, por outro lado, não se revela plenamente adequada para reparar as lesões provenientes das práticas discriminatórias, especialmente, na realidade da relação de trabalho onde a lesão é sempre acompanhada da perda do posto de trabalho. A reparação do dano a direito fundamental por meio de restituição pecuniária, portanto, não tem o condão de afirmar a relevância dos direitos fundamentais, mesmo que as indenizações sejam calculadas em montante astronômico.

Dentro desse quadro, a tutela inibitória apresenta-se como a mais adequada para fazer frente às reparações provenientes das práticas discriminatórias ocorridas nas relações de trabalho. A idéia de se prevenir o próprio ilícito, mesmo antes da ocorrência do dano propriamente dito, é o ideal de uma prestação jurisdicional rápida e efetiva. O comando jurisdicional de caráter inibitório, portanto, possibilita que se expeça ordem para o efetivo cumprimento das prescrições proibitivas da discriminação no âmbito da relação de trabalho.

Muito embora tenha sido objeto de construção doutrinária, a tutela inibitória voltada para a coibição das práticas discriminatórias no âmbito da relação de trabalho pode ser identificada no ordenamento jurídico laboral por meio da Lei n. 9.029/95, art. 4º, I. A referida norma, ao autorizar a reintegração do trabalhador vítima de prática discriminatória, mesmo sem que existam previsão específica de garantia provisória do emprego ou de estabilidade, revela de maneira nítida a tutela processual genuinamente inibitória. Permite-se que o comando jurisdicional se perpetue, impedindo que novas práticas discriminatórias sejam concretizadas. Mediante autorização do próprio legislador, mesmo que de forma indireta, institui-se um sistema de tutela inibitória especificamente relacionado com a coibição das condutas discriminatórias.


6. Referências bibliográficas.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1999.

PLATÃO. A República. Livro IV. São Paulo, Martin Claret, 2002.

CHAUÍ, Marilena. História das grandes idéias do mundo ocidental. Cap. 46, v. 03. São Paulo, Abril Cultural, 1972.

BARZOTO, Luciane Cardoso. Direitos humanos e trabalhadores – Atividade normativa da Organização Internacional do Trabalho e os limites do direito internacional do trabalho. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2007.

SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito internacional do trabalho, 3ª ed. São Paulo, LTr, 2000.

DELGADO, Maurício Godinho. Proteções contra discriminação na relação de emprego. Márcio Tulio Viana e Luiz Otávio Linhares Renault (Orgs.) Discriminação. São Paulo, LTr, 2000.

CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris, 2002.

ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da vida privada. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000.

MARQUES, José Frederico Marques. Manual de direito processual civil, v. 01, 2ª ed. São Paulo, Saraiva, 1974.

THEODORO JÚNIOR, Humberto Theodoro. Tutela específica de obrigações de fazer e não fazer. In: Revista de Processo, v. 105, Ano 27. São Paulo, Revista dos Tribunais, janeiro-março de 2002.

MARINONI, Luiz Guilherme Marinoni e ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento, 5ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006.

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipatória: tutelas sumárias e de urgência -tentativa de sistematização, 3. ed. Malheiros, São Paulo, 2003.

MARINONI, Luiz Guilherme. A tutela inibitória, 2ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000.

POZZOLO, Paulo Ricardo. Ação inibitória no processo do trabalho. São Paulo, LTr, 2001.


Notas

entretanto complementa que serão pagas as importâncias salariais devidas em relação a todo o período de afastamento. A indicação do instituto, portanto, foi feita de maneira equivocada, tendo em vista ter-se consagrado na doutrina trabalhista o termo readmissão para designar o retorno do empregado ao posto de trabalho sem o pagamento dos salários do afastamento.

Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORDEIRO, Wolney de Macedo. A tutela inibitória como elemento concretizador das medidas anti-discriminatórias no âmbito da relação de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2075, 7 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12407. Acesso em: 28 mar. 2024.