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Delitos contra o sigilo das operações de instituições financeiras.

Lei Complementar nº 105/2001 (art.10)

Delitos contra o sigilo das operações de instituições financeiras. Lei Complementar nº 105/2001 (art.10)

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SUMÁRIO: 1) CONSIDERAÇÕES INICIAIS. 2) INVIOLABILIDADE DA INITIMIDADE E DA PRIVACIDADE. 3) HIPÓTESES AUTORIZADORAS DA QUEBRA DE SIGILO. 4) BEM JURÍDICO TUTELADO. 5) DOS SUJEITOS DO DELITO. 6) TIPICIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA. 7) CONDUTAS EQUIPARADAS. 8) RESPONSABILIDADE PESSOAL E DIRETA. 09) PROVA ILÍCITA. 10) DOS RECURSOS. 11) PENA E AÇÃO PENAL. 12) CONCLUSÃO.


1.Considerações iniciais

A proteção atribuída à vida privada encontra-se ancorada no inc. X e XII da Magna Carta de 1988 [01]. O Código Civil de 2002 no art. 21 [02] engendrou a proteção da privacidade no capítulo referente aos direitos da personalidade, seguindo a orientação praticada pela jurisprudência e doutrina [03]. O Código Penal, por sua vez, trata da matéria no art. 151 a 154, tutelando a liberdade de expressão do pensamento que se acha intimamente ligada à liberdade individual [04]. O art.10 da Lei Complementar nº105/2001 criminaliza a ruptura do sigilo de informações e serviços prestado por parte das instituições financeiras fora das hipóteses legais, prevendo pena de reclusão de um a quatro anos e multa [05].

A intimidade e a privacidade constituem-se em elementos de crucial importância na formação e revelação da pessoa. É, pois, uma extensão da própria personalidade do indivíduo, por onde pode se sentir inúmeras qualidades que compõe o caráter moral e individual de uma pessoa. Abrange, portanto, a prerrogativa do homem de manter em sigilo os seus desejos mais íntimos, suas crenças religiosas, suas ideologias políticas, seus dramas existenciais e as informações pertinentes à vida profissional, como função, cargo, salário, atribuições, que o poderiam enquadrar em classificações econômicas ou sociais.

O ponto de partida do valor atribuído pela Magna Carta a privacidade e a intimidade, têm suas bases fincadas no princípio da dignidade da pessoa humana [06]. Aliás, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10 de Dezembro de 1948 declara em seu art.12 o seguinte:

"Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques"

Na mesma senda, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos têm disposição semelhante em seu artigo 17-1-2, vejamos:

"1. Ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra e reputação."

"2. Toda pessoa terá direito à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas".

Dentro desta premissa, a intimidade e a privacidade devem ser resguardadas, sendo dever do Estado mantê-las incólumes, bem como de remover todos os obstáculos que impeçam o gozo pleno destas garantias tão fundamentais ao ser humano.

Atualmente é impensável que uma sociedade caminhe sem que haja a participação das instituições financeiras nas atividades de natureza mercantis. Se outrora, apenas uma pequena porção da população buscava o sistema bancário para tomar empréstimos, descontar uma letra de cambio ou cheques etc., hoje pode se afirmar de forma segura, que raríssimas são às transações mercantis que não se relacione diretamente ou indiretamente com a instituição bancária.

Não só os bancos, mas as instituições financeiras [07] como um todo, têm o dever de sigilo, ou seja, não poderão divulgar dados alusivos as operações realizadas pelos clientes, que podem ser pessoas físicas ou jurídicas.

Atualmente, com o avanço tecnológico, as instituições financeiras, de um modo geral, aproveitam-se da informática para a realização e consolidação de suas operações, de forma veloz e segura.

Nesta esteira, não se pode negar o valor da informatização de todo o sistema financeiro, pois, propicia agilidade e, sobretudo desburocratiza o sistema, tornando-o mais eficiente. É só lembrar que às transferências de moedas são feitas quase que imediatamente, para não dizer instantaneamente.

De outro lado, há que se notar que a evolução tecnológica pode franquear o acesso sem limites a tão prezada intimidade e a privacidade, já que todas as informações das pessoas físicas e jurídicas que operam com as instituições têm seus dados armazenados na rede de computadores.

A conjugação da informática e os meios de comunicação constituem-se atualmente em fontes notáveis a potencial violação da intimidade e da privacidade. [08] O acesso fácil e rápido a informações e a dados de ordem pessoal com a utilização dos aludidos recursos, tem sugerido uma maior proteção da intimidade e da privacidade, eis que, coloca-se em perigo o direito a autodeterminação informativa ou tutela de dados. [09]

O direito a intimidade, a privacidade e ao sigilo, ao lado do direito à imagem, e a honra, como alhures exposto, constituem-se em direitos fundamentais da personalidade humana (art.5º, inc. X e XII, CF/1988) e, como tais, podem ser oponíveis tanto ao Estado como aos particulares. É um direito público subjetivo inerente ao ser humano.

Sinalize-se ainda, que a violação de sigilo por parte das instituições financeiras pode causar graves e ingentes conseqüências à pessoa, não só aquela de ordem subjetiva, com a divulgação de informações e dados íntimos, mas outros inconvenientes, como o recebimento de materiais publicitários indesejáveis, até expô-lo a ser vítima de larápios (furto, assaltos).

A definição de privacidade tem um alcance mais amplo, envolve a área de relacionamento do indivíduo com a sua família, com seus amigos, ou seja, é formado por uma relação de confiabilidade. Por seu turno, a intimidade possui uma área restrita, circundante a pessoa, pois, há a necessidade natural de exclusão de terceiros, visto que está jungida a personalidade [10].

Como exigência moral das peculiaridades individuais, a intimidade deve ser tutelada para que em determinadas situações o indivíduo seja deixado em paz, sendo um direito o controle da indiscrição alheia nos assuntos que somente interessa à pessoa. [11]

Dentro desta perspectiva, com base na teoria das esferas, segundo o qual é possível separar três esferas em ordem decrescente de proteção, quais sejam: a esfera mais interna, caracterizando-se por ser o âmbito mais íntimo, compreendendo os assuntos mais secretos que não podem chegar ao conhecimento de outras pessoas devido à natureza mais reservada; a esfera privada ampla abarca o meio privado na medida em que não pertença à parte mais íntima, os assuntos são transmitidos a um número restrito de pessoas, amigos ou familiares, resguardando-se com relação aos demais; e a esfera social, que diz respeito sobre todas as situações ou assuntos que não conglomere com a esfera privada ampla [12].

O direito a privacidade e a intimidade são regidas pelo princípio da exclusividade, pelo que, deve ser reconhecido ao indivíduo tudo aquilo que lhe é exclusivo. [13]

Nada obstante, assiste-se atualmente a uma substancial relativização de tais garantias fundamentais, quando estas confrontarem interesses coletivos. De modo que, a intimidade e a privacidade poderão ser rompidas quando o interesse público for superior.

De qualquer modo, por se tratar de garantias individuais patenteadas na Magna Carta (art.5º, inc. X e XII), não se pode admitir uma interpretação extensiva da matéria. A interpretação deverá ser sempre feita restritivamente, especialmente por se referir a questões jurídico-penal [14]. Só uma interpretação estritamente relacionada ao bem jurídico tutelado e que atenda ao respectivo tipo penal de injusto deixa transparecer porque uma parte das condutas são atípicas ou estão excluídas do sistema jurídico. [15]

Para todos os efeitos, à ingerência estatal na seara dos direitos fundamentais da personalidade em hipótese alguma poderá ser feita sem a observância ao impostergável princípio da legalidade [16].

Todavia, não se possa negar a importância da quebra do sigilo financeiro como meio de prova no âmbito penal, saliente-se, porém, que para tanto, deve ser observada às condições antevistas na lei (§4º do art.1º da LC nº105\2001).

A ruptura do sigilo das instituições financeiras será feita mediante autorização devidamente fundamentada e motivada do Poder Judiciário (inc. IX do art. 93 da CF\88) [17]. Observe-se ainda, que a quebra do sigilo pode ser requerida em inquérito parlamentar, nos termos da Constituição Federal de 1988 (§3º do art.58). É vedado, porém, ao Poder Executivo requerer a ruptura do sigilo, pois, tal agir não se encontra dentro de sua competência- haveria violação ao princípio da legalidade e ao princípio da divisão dos poderes (art.2º da CF). Neste sentido adverte Prado:

"Tem-se que um órgão integrante do Poder Executivo (autoridade administrativa, fazendária) não pode dispor de competência para restringir um direito fundamental, constitucionalmente albergado, seja porque o dispositivo constitucional não prevê nenhuma flexibilização (inciso X), seja porque, se o faz, expressamente atribui tal competência ao Poder Judiciário (XII)." [18]

Em qualquer caso, a ingerência na intimidade e na privacidade de alguém, autorizada por quem de direito, não deve extrapolar a esfera da necessidade, sendo ilegal qualquer violação excessiva, podendo se configurar abuso de poder de investigação.


2.Inviolabilidade da intimidade e da privacidade

A regra é a da inviolabilidade da intimidade e da privacidade. De modo que, a violação das garantias fundamentais deve ser excepcionada a um interesse superior, o de ordem coletiva.

Destarte, o Poder Judiciário a quem compete constitucionalmente ordenar a quebra do sigilo, deverá fazê-lo somente em situações extremas, mormente, quando já há indícios suficientes da autoria e da materialidade do delito ligado às instituições financeiras, de outro modo, estaríamos elidindo o direito à intimidade e a privacidade, assegurado pela Magna Carta, sem uma justa causa.


3.Hipóteses autorizadoras da quebra do sigilo

Dispõe o §3º do art.1º da LC nº105\2001 às hipóteses autorizadoras da quebra do sigilo, vejamos: "I – a troca de informações entre instituições financeiras, para fins cadastrais, inclusive por intermédio de centrais de risco, observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil; II – o fornecimento de informações constantes de cadastro de emitentes de cheques sem provisão de fundos e de devedores inadimplentes, a entidades de proteção ao crédito, observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil; III – o fornecimento das informações de que trata o § 2º do art. 11 da Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996; IV – a comunicação, às autoridades competentes, da prática de ilícitos penais ou administrativos, abrangendo o fornecimento de informações sobre operações que envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa; V – a revelação de informações sigilosas com o consentimento expresso dos interessados; VI – a prestação de informações nos termos e condições estabelecidos nos artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º e 9º desta Lei Complementar." O §3º enumera às situações que não se encontram vinculadas ao dever de sigilo, "vale dizer, são as atividades naturais e habituais dos órgãos ali mencionados." [19]

Na mesma senda, o §4º do referido dispositivo aduz de forma peculiar, regra específica autorizadora da quebra do sigilo, sempre que necessário para a apuração de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou processo judicial [20], pelo que, elenca os seguintes crimes a qual justificaria o rompimento do sigilo, veja-se: "I- terrorismo; II – de tráfico de substâncias entorpecentes ou drogas afins; III- de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado a sua produção; IV – de extorsão mediante seqüestro; V- contra o sistema financeiro nacional; VI – Contra a administração Pública; VII – contra a ordem tributária nacional e a previdência social; VIII – lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores; IX – praticado por organização criminosa;"

Menciona o§4º que a quebra de sigilo poderá ser determinada para apuração de qualquer ilícito, dando a entender que a quebra seria justificável para apuração de ilícitos não-penais ou de apoucada gravidade. Todavia, impõem expor que, deve-se evitar a banalização de garantias tão fundamentais como a que estamos tratando, a ponto de se autorizar a quebra do sigilo com o fito de se apurar delitos inexpressivos, de apoucada gravidade. De um modo geral, a autorização judicial da quebra de sigilo deve ter como lastro a apuração de ilícitos penais graves, saliente-se, porém, que há ilícitos praticados na órbita administrativa (Lei nº8. 429\92) que são graves, o que comportaria a quebra do sigilo.

Mencionado pelo §3º do art.1º da Lei Complementar, o art.9º do indigitado dispositivo prevê que o Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários, verificando a ocorrência de crime definido em lei como de ação pública, ou indícios de tais práticas, informarão o Ministério Público, juntando documentos necessários a comprovação ou apuração dos fatos. Não se trata aqui, de quebra de sigilo de informações, mas tão somente de atribuição conferida a tais órgãos, o de fiscalização. Saliente-se ainda, que o art.2º da Lei Complementar nº105\2001 dispõe que o sigilo também é oponível ao Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários [21], exceto em duas hipóteses, que se encontram assente no §1º do inc. I e II do artigo em comento, vejamos: "§ 1º O sigilo, inclusive quanto a contas de depósitos, aplicações e investimentos mantidos em instituições financeiras, não pode ser oposto ao Banco Central do Brasil: "I – no desempenho de suas funções de fiscalização, compreendendo a apuração, a qualquer tempo, de ilícitos praticados por controladores, administradores, membros de conselhos estatutários, gerentes, mandatários e prepostos de instituições financeiras; II – ao proceder a inquérito em instituição financeira submetida a regime especial" [22]


4.Bem jurídico tutelado

O bem jurídico [23] tutelado pelo art.10 da Lei Complementar nº105\2001 é o sigilo das informações obtidas em razão das transações operacionais realizadas pelas instituições financeiras.

Como alhures exposto, o fundamento constitucional do sigilo das operações financeiras está atrelado à intimidade e a privacidade, especialmente a esfera dos segredos mais íntimos, que deve ser protegida do inconveniente da publicidade. Devassar um simples extrato bancário de alguém pode revelar hábitos, preferências, comportamentos, ou seja, expõe à intimidade à publicidade. [24]

Não sendo resguardado o sigilo das operações financeiras restaria abalada a estabilidade das relações, implicando o rompimento do princípio da confiança, de notável relevância para manutenção da segurança jurídica, base de todo e qualquer ordenamento jurídico.


5.Dos sujeitos do delito

Trata-se de delito especial próprio [25], pois, somente aquele que tem acesso às operações ou serviços prestados pelas instituições financeiras pode ser o sujeito ativo do delito. Porquanto, o sujeito ativo do delito é aquele que viola o sigilo de operação ou serviço prestado pelas instituições financeiras da qual tem conhecimento ou teve conhecimento em razão do ofício [26].

Diversamente do crime de mão-própria que não admite a co-autoria, o delito especial próprio pode ser praticado na forma prevista no art.29 do Código Penal, desde que os demais envolvidos tenham plena consciência de que executam o iter criminis [27], ou seja, não se pode excluir a hipótese daquele que instiga, incentiva ou até mesmo fornece algum tipo de auxílio material para que a violação ocorra, podendo ser pessoa totalmente desvinculada dos quadros da instituição financeira responsável por velar pelo sigilo [28]. Em remate, basta demonstrar a presença dos requisitos existenciais da co-autoria ou participação. [29]

Quanto ao sujeito passivo, num primeiro plano é o Estado e, num segundo plano aquele que foi lesado com a violação da intimidade e da privacidade, podendo ser pessoas físicas ou jurídicas. [30]


6.Tipicidade objetiva e subjetiva

O núcleo do tipo do art.10, caput, da LC nº105\2001 consiste em quebrar ou romper sigilo de informações obtidas em razão das operações financeiras realizadas pelas aludidas entidades, fora das hipóteses autorizadas pela lei, veja-se: "A quebra do sigilo, fora das hipóteses autorizadas nesta Lei Complementar, constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, aplicando-se no que couber, o Código Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis."

Com efeito, a regra é de que as instituições financeiras têm o dever moral e legal de velar pelo sigilo das informações colhidas quando da realização das operações. É o que reza o art.1º da LC nº 105\2001, vejamos: "As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados."

As diversas espécies de instituições financeiras encontram-se elencadas no art.1º, §§1º e 2º da LC nº105\2001, senão vejamos: I- os bancos de qualquer espécie; II- as distribuidoras de valores mobiliários; III- as corretoras de câmbio e de valores mobiliários; IV- as sociedades de crédito, financiamento e investimentos; V- as sociedades de crédito imobiliário; VI- as administradoras de cartões de crédito; VII- as sociedades de arrendamento mercantil; VIII- as administradoras de mercado de balcão organizado; IX- as cooperativas de crédito; X- as associações de poupança e empréstimo; XI- as bolsas de valores e mercadorias de futuro; XII- as entidades de liquidação e compensação; XIII- as outras sociedades que, em razão da natureza de suas operações, assim venham a ser considerados pelo Conselho Monetário Nacional; A Lei Complementar equipara no §2º as empresas de fomento mercantil ou factoring, dispondo que às referidas entidades obedecerão as normas aplicadas às instituições financeiras previstas no §1º.

O objeto material [31] é a violação de dados e informações os quais as instituições financeiras têm o dever de manter o sigilo.

O dispositivo em comento é uma norma penal em branco imprópria, pois, exige uma complementação que se encontra inserida na mesma Lei, ou seja, quando o complemento é determinado pela mesma fonte legislativa (União). [32]

As hipóteses legais que não constitui quebra de sigilo estão previstas no §3º do art.1º da LC 105\2001. A presença de qualquer das hipóteses previstas no indigitado dispositivo exclui a tipicidade da conduta, tornando-a permitida.

O art.2º da LC dispõe que o Banco Central também tem o dever de sigilo nas operações que realiza, bem como dos serviços que desenvolve por conta de suas atribuições. Saliente-se, todavia, que o Banco Central tem direito de ter acesso as informações de outras instituições financeiras, nas situações em que se apura ilícitos de natureza administrativa, praticados na esfera das instituições financeiras, senão vejamos: quando desempenha suas funções, que compreende a apuração de ilícitos praticados por controladores, administradores, membros de conselhos estatutários, gerentes e mandatários e prepostos de instituições financeiras; quando da instauração de inquérito em instituição financeira submetida a regime especial- respectivamente, inc. I e II do §1º, do art.2º da LC 105\2001.

A Comissão de Valores Mobiliários a teor do que está assentado no §3º do art. 2º da LC105\2001 [33] tem o dever de sigilo, quando fiscaliza operações e serviços no mercado mobiliário, mesmo no caso das companhias abertas. Nada obstante, assevere-se que quando há necessidade de se obter documentos e informações que se encontram em poder de outras instituições que não aquelas afetas ao seu poder disciplinar deverá requerer a ruptura do sigilo judicialmente. É o que dispõe o art.7º da LC 105\2001. [34]

O tipo subjetivo é o dolo, ou seja, é à vontade e a consciência de realizar os elementos tipo de injusto doloso (tipo objetivo) [35], que consiste na quebra do sigilo das informações e serviços realizados no âmbito das instituições financeiras. In casu, não há qualquer elemento subjetivo do injusto [36], isto é, para a conformação do delito é despiciendo a existência de qualquer fim especial, melhor explicando: não é necessário que o sujeito aufira qualquer vantagem econômica ou aja por motivos egoísticos para consumação do delito. Com a simples divulgação das informações ou serviços, opera-se a consumação do delito.

A regra é de que somente os delitos dolosos serão punidos, de modo que, os delitos culposos somente serão punidos quando há previsão expressa no tipo legal (§único do art.18). Destarte, não havendo disposição expressa na lei complementar, não há que se falar em punição por delito culposo.

Trata-se de delito de mera atividade e de perigo abstrato, pois, para sua consumação não se exige qualquer resultado naturalístico, basta à simples divulgação dos serviços e as informações colhidas no âmbito das instituições. É delito de perigo abstrato porque a aplicação do dispositivo independe de qualquer valoração por parte do intérprete- se há ou não há risco ao bem jurídico tutelado pela norma, a conduta encontra-se delineada no próprio tipo penal, que presume a ocorrência de dano a intimidade e a privacidade.

No que concerne à tentativa, aduz Luiz Regis Prado: "Em tese, não é admissível a tentativa." [37] De forma contrária, Nucci aduz que por ser delito plurissubsistente, praticado em vários atos, admite-se a tentativa. [38]


7.Condutas equiparadas

O parágrafo único do art.10 da LC 105\2001 equipara a omissão, o retardamento injustificado e a prestação falsa de informações requeridas nos termos da lei com o delito epigrafado no caput do aludido dispositivo. Vejamos: "Incorre nas mesmas penas quem omitir, retardar injustificadamente ou prestar falsamente as informações requeridas nos termos desta Lei Complementar."

Destarte, caso se pratique uma das modalidades indicadas no aludido parágrafo, aplicar-se-á a mesma conseqüência jurídica prevista no caput.

O dispositivo em comento se refere à omissão própria ou pura [39], ou seja, é a não realização de uma conduta esperada pela lei. É a violação de uma norma de determinação. O autor não observa o comando normativo antevisto na lei. Pratica esta modalidade o sujeito que se omite a prestar às informações requeridas nos termos da lei, isto é, há uma não atuação do sujeito na prestação das informações. Pondere-se, entretanto, que a omissão deve ser injustificada.

Retardar significa atrasar, demora na prestação das informações requeridas nos termos da lei. Trata-se de delito omissivo próprio [40], pois, consiste na não prestação das informações no prazo estipulado na lei. Também existe uma violação a uma norma mandamental, com a procrastinação e protelação no repasse das informações.

No que pertine as informações, tais se referem ao conhecimento, isto é, aquilo que se sabe ou que se tem notícia. Diz respeito aos dados, as informações, às pessoas envolvidas nas operações.

A expressão injustificadamente é um elemento normativo do tipo, dependente porquanto de juízo valorativo. Tal expressão faz referência a uma causa de justificação, que, se presente exclui a tipicidade, tornando a conduta permitida.

A modalidade prestar quer dizer dispensar, conceder informações falsas. É um delito comissivo [41], ou seja, há a realização de uma conduta por parte do agente, quando se deveria abster. O sujeito presta as informações em desacordo com a realidade, de forma fictícia.

O §único do art.10 da LC 105\2001 também se refere a uma norma penal em branco imprópria, eis que a expressão "informações requeridas nos termos desta Lei Complementar" sugere uma complementação que se encontra na própria lei para um escorreito entendimento.

O tipo subjetivo compreende o dolo, que assim pode ser definido: à vontade e a consciência de realizar o tipo objetivo, ou seja, consiste em omitir, retardar ou prestar informações falsas requeridas nos termos da lei.

Neste dispositivo, não se faz presente qualquer elemento subjetivo do injusto, ou seja, para a configuração do delito é despiciendo a existência de um fim especial na conduta do agente, por exemplo, em razão de motivos egoísticos ou patrimoniais.

Nas modalidades omissivas (omissão e retardamento) a consumação se dá com o simples não agir, ou seja, pela inação, constituindo-se em delito de mera atividade e de perigo abstrato. De sua vez, na modalidade comissiva (prestar informações falsas) o delito se consuma com o fornecimento de informações falsas, constituindo-se em delito de mera atividade e de perigo abstrato.

Não é possível a tentativa na forma omissiva [42], contudo, no que diz respeito à conduta comissiva- prestar informações falsas é admissível, eis que é passível de fracionamento.

Dentro desta linha de argumentação, merece realce o disposto no art.3º da LC nº105\2001 que assevera que o Banco Central do Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários e as instituições financeiras deverão prestar às informações solicitadas pelo Poder Judiciário.

No que diz respeito à Comissão de Inquérito Administrativo que apura responsabilidade de infração praticada por funcionário público no exercício de função ou cargo público, a prestação de documentos e informações estão condicionadas a autorização do Poder Judiciário. Saliente-se que a quebra de sigilo nesta hipótese, não depende de processo judicial em curso (art.3º, §1º e 2º da LC nº 105\2001).

Assevere-se que o Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários deverão fornecer documentos e informações à defesa da Advocacia-Geral da União, quando ela for parte de alguma lide (§3º do art.3º). Evidencie-se que este dispositivo é de duvidosa constitucionalidade, pois, fere o princípio da legalidade, ao permitir que somente a União possa invadir a seara da intimidade e da privacidade daqueles com quem litiga para melhor se armar. [43]

No que pertine a Comissão Parlamentar de Inquérito, a solicitação dos dados e das informações dependerão de prévia aprovação da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, ou do plenário de suas respectivas Comissões de Inquérito e, poderá ser feita diretamente a instituições financeiras ou por intermédio ao Banco Central do Brasil ou Comissão de Valores Mobiliários (art.4º, §§ 1º e 2º, da LC nº105\2001), em homenagem a competência constitucional e legal de ampla investigação, conforme prevê §3º do art.58 da CF\88).

O art.6º da LC nº105\2001 refere-se à possibilidade de quebra do sigilo em caso de investigação fiscal, para tanto, o referido dispositivo impõe algumas condições que deverão ser criteriosamente observadas, senão vejamos: "as autoridades e agentes fiscais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente." (Grifei)

De sua vez, o art.5º da LC nº105\2001 aduz que "o Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à administração tributária da União as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços." Tal dispositivo, confere ao Poder Executivo o poder de disciplinar às informações que serão repassadas à administração tributária da União, fruto das operações realizadas pelos usuários junto a esta entidade. Convém observar, entretanto, que tal dispositivo não se coaduna com o princípio da razoabilidade, eis que, desprestigia de forma ingente as garantias fundamentais quando viabiliza os repasses diretos das informações pelas instituições financeiras à administração tributária da União, desdenhando do direito do direito a intimidade e da privacidade como se fosse algo não importante. Em remate, frise-se, uma vez mais, que o sigilo deve ser quebrado quando há indícios veementes da autoria e da materialidade de delito grave, in casu, o que viabilizaria a quebra do sigilo seria a prática de infração tributária. Saliente-se ainda, que este dispositivo é um exemplo claro de inversão lógica, já que a quebra de sigilo por este dispositivo não funciona como atividade complementar, mas primária, isto é, quebra-se o sigilo para se desvendar eventual prática de ilícito tributário, fato este que deve ser traduzido em verdadeiro abuso do poder de investigação, porquanto, é de duvidosa constitucionalidade tal dispositivo.


8.Responsabilidade pessoal e direta

Trata o art.11 da LC 105\2001 sobre a responsabilidade do servidor público que infringe o dever de sigilo, devendo por tal, responder pessoalmente e diretamente pelos danos decorrentes, sem prejuízo da responsabilidade objetiva da entidade pública quando comprovado que o orientador agiu em conformidade com a orientação oficial. Em matéria penal, a responsabilidade somente pode ser atribuída ao gente – princípio da culpabilidade, melhor dizendo, a responsabilidade pelo ilícito praticado somente pode ser impingido ao seu autor. Excetua-se o concurso de pessoas (art.29), que, ainda assim, delimita a responsabilidade utilizando-se da expressão "na medida de sua culpabilidade". No que diz respeito à responsabilidade administrativa, tal deve ser atribuída ao funcionário que praticou uma falta funcional. De seu turno, no que toca a responsabilidade civil, tal é objetiva, ou seja, o ente público deverá responder pelos danos causados por seu funcionário ainda que não tenha querido ou participado da divulgação que trouxeram prejuízos ao usuário (§6º do art.37 da CF\88).


9.Prova ilícita

O inc. XII do art.5º da CF\88 consagra o direito de sigilo, pelo que, somente poderá ser quebrado mediante determinação expressa do Poder Judiciário. Ressalvada as hipóteses legais que não implicam em dever de sigilo, todas as informações íntimas e privadas que se encontram armazenadas junto às instituições financeiras somente serão repassadas após determinação judicial devidamente motivada que observará, sobretudo, o princípio da legalidade.

Assevere-se que todas às provas que foram confabuladas sem a observância ao devido processo legal, deverá ser tida como prova ilícita [44] e, sendo tal, não poderá ser utilizada para arrimar uma sentença condenatória, melhor dizendo, deverá ser extirpada do processo, como que nunca tivesse sido colhida.


10.Dos recursos

O deferimento da quebra de sigilo pela autoridade judiciária pode ser combatido com a impetração de mandado de segurança, que, certamente será ajuizada ao Tribunal de Justiça, uma vez que, a quebra será determinada sempre por Juiz. Advindo a decisão de Desembargador poderá ser impetrado o Recurso de Agravo Regimental para o próprio Tribunal, que, se mantiver a decisão, caberá recurso a Corte Especial, se houver previsão neste sentido no Regime Interno. Daí em diante, a discussão é direcionada ao STJ, que, mantendo viabilizará a discussão junto ao STF. Nada obstante, saliente-se que em matéria criminal, onde o que está em jogo são bens de altíssimo valor, têm-se admitido a impetração do habeas corpus para combater tal decisão. [45]

Como se trata de meio de prova, advirta-se que do indeferimento não cabe recurso, pois, tal fica alvedrio do Juiz a quem a prova é direcionada, para que forme à suas convicções.


11.Pena e ação penal

A pena no caso de violação do disposto no art.10 da LC nº105\2001 é de um a quatro anos de reclusão e multa. Como a pena mínima in abstrato é de um ano, em tese comportaria suspensão condicional do processo nos termos do art.89 da Lei nº 9.099\95, cabendo, eventualmente à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito na forma do art. 44 do Código Penal, desde que for recomendável.

A ação penal é pública incondicionada.


Conclusão

A par do que expusemos, chegamos à conclusão inarredável de que a intimidade e a privacidade são direitos fundamentais de valor imensurável, razão pela qual, tais direitos devem ser garantidos e conservados pelo Estado, inclusive com a remoção de eventuais obstáculos que impeçam a sua fruição.

Nada obstante, impõe expor que, não são direitos de ordem absoluta, pois, poderão ser relativizados por força de interesses coletivos. Saliente-se, porém, que a ruptura do sigilo financeiro deve ser sempre precedida de decisão judicial devidamente fundamentada.

A ingerência Estatal no âmbito privado deve ser feita nos termos antevistos na Constituição Federal, segundo a qual, tem incumbência para determinar a quebra do sigilo o Poder Judiciário (inc. XII do art.5º da CF\88) e a Comissão de Inquérito Parlamentar (§3º do art.58 da CF\88).

O dever do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários em repassar as informações e os documentos necessários a Advocacia-Geral da União (§3º do art.3º) para que os use quando ela for parte, é de questionável constitucionalidade, pois, inadmissível que se privilegie um órgão em detrimento das outras partes com o repasse de informações específicas colhidas no âmbito da intimidade e da privacidade, viabilizando a referida instituição uma melhor preparação em razão da antecipação das informações.

Por sua vez, o art.5º da Lei Complementar nº105\2001 é de duvidosa constitucionalidade, pois, ao conferir ao Poder Executivo o poder de disciplinar, atribuir valores e impor critérios às instituições financeiras no que concerne ao fornecimento de informações destas a administração tributária da União sobre os serviços e as operações realizadas, constitui-se em uma demonstração clara de abuso de investigação, pois, os repasses das informações e dados atinentes as operações são feitas sem antes de se aferir a existência de um delito tributário. Em verdade, o aludido dispositivo impõe uma inversão lógica, já que franqueia a quebra de sigilo para se apurar eventual delito.

Feita estas considerações, chega-se a conclusão de que a ingerência Estatal no âmbito da intimidade e da privacidade não é a regra, mas sim, a exceção. E, como tal, deve haver motivos sérios e necessários para que se determine a quebra de sigilo das operações realizadas no âmbito das instituições financeiras. Saliente-se, por fim, que a invasão na esfera íntima deve ser a ultima ratio e não prima facie, dada à sua peculiar natureza de direito fundamental. A admissão da relativização de tais garantias deve ser feita com cautela e prudência, máxime quando há outros recursos que podem ser utilizados para a apuração da prática da atividade ilícita.


REFERÊNCIAS

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MARTÍN, Luis Gracia. Instrumento de Imputação Jurídico-Penal na Criminalidade de Empresa e Reforma Penal. Revista de Ciências Jurídicas, nº1, 1998, p.7-8 – Tradução: Érika Mendes de Carvalho

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais e comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

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____. Bem Jurídico e Constituição. 3ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

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____. Curso de Direito Penal Brasileiro. 7ª. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal, Parte Geral. Curitiba: ICPC; Lumen Juris, 2006

TAVAREZ, Juarez. A violação ao sigilo bancário em face da proteção da vida privada. RBCCrim 1\107 e 110, São Paulo 1993.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado. V. 1. 5ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 1999.


Notas

  1. "inc. XI- São invioláveis a intimidade, á vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando-se o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação"; "inc. XII- é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual"
  2. O art.21 do Código Civil anota o seguinte: "Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma."
  3. Aduz Bittar que a privacidade é "os direitos reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade, previstos no ordenamento jurídico exatamente para a defesa de valores inatos no homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a intelectualidade e outros tantos" (BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989)
  4. PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal. 4ª. Ed. São Paulo: RT, 2007, p.535.
  5. "Art. 10. A quebra de sigilo, fora das hipóteses autorizadas nesta Lei Complementar, constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa, aplicando-se, no que couber, o Código Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis. Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem omitir retardar injustificadamente ou prestar falsamente as informações requeridas nos termos desta Lei Complementar."
  6. Aduz Prado que "... a dignidade da pessoa humana há de plasmar todo o ordenamento jurídico positivo – como dado imanente e limite mínimo vital à intervenção jurídica. Trata-se de um princípio de justiça substancial, de validade a priori, positivado jurídico-constitucionalmente. (PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 7ª. Ed. São Paulo: RT, 2007, p.138)
  7. "Considera-se instituição financeira, para o efeito desta Lei, a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros (vetado) de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários." (Art.1º da Lei nº7. 492 de 16 de junho de 1986). Adverte Prado: "Frise-se que a questão do sigilo não se limita ao sigilo bancário; estende-se também às instituições financeiras- sigilo financeiro. De fato, com o decorrer do tempo, a dinâmica das operações e sua complexidade ampliaram ‘o universo bancário para uma rede maior de instituições também destinada a operações ligadas às finanças públicas e privadas’" (PRADO, Luiz Régis. Direito Penal Econômico. 2ª. Ed. São Paulo: RT, 2007, p.260).
  8. Ibid. Idem. p. 256.
  9. "Trata-se do direito fundamental à autodeterminação informativa-tutela de dados automatizados de caráter pessoal-, quer dizer, do direito personalíssimo que tem toda pessoa de exercer o controle sobre sua informação pessoal e sobre os dados armazenados (v.g., dados relativos ao consumo e aos consumidores, comércio eletrônico etc.) pelos meios informáticos" (Ibidem. p. 257)
  10. Neste sentido, Luiz Régis Prado, op. cit., p.258: "A privacidade tem abrangência maior que a intimidade. Diz respeito à proteção individual contextualizada socialmente, isto é, resguardam-se as relações interpessoais da publicidade. Deve ser entendido como ‘os níveis de relacionamento social que o indivíduo habitualmente mantém oculto em geral, dentre eles: a vida familiar, as aventuras amorosas, o lazer e os segredos dos negócios. Assim, dentro desta esfera teríamos demarcado o território próprio da privacidade, formado por relações marcadas pela confidencialidade’. De seu turno, a intimidade ‘consiste na tutela jurídica do campo, área ou esfera circundante da pessoa física ou jurídica, em que há necessidade natural de exclusão de terceiros para que possibilite ao sujeito erigir sua própria e exclusiva identidade, em fomento a livre construção dos demais atributos da personalidade. ’"
  11. FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos- A honra, A intimidade, A vida Privada e a Imagem Versus a Liberdade de Expressão e Informação. 2ª. Ed. Porto Alegre: Antonio Fabris Editor, 2000, p.140.
  12. Alexy, Robert. Teoria de Los Derechos Fundamentales. 1ª. ed., 3ª. Reimpr. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002, p.350. Disponível em internet: <HTTP://jusvi.com.artigos\31767>
  13. "A inviolabilidade do sigilo de dados (art.5º, XII) complementa a previsão ao direito à intimidade e vida privada (art.5º, X), sendo ambas as previsões de defesa da privacidade regidas pelo princípio da exclusividade..." (Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. 7ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p.83)
  14. "Exatamente por versar sobre direito individual, não se pode admitir que haja interpretações ampliativas sobre a matéria. A interpretação será restritiva, ainda mais em se tratando de ordenamento jurídico-penal, em que deve haver respeito ao princípio da legalidade. Sua limitação é ainda mais necessária. (PRADO, Luiz Regis. Ciências Penais. V. 5. ABPCP. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.147-148)
  15. PRADO, Luiz Regis. op. Cit., p.154. No caso de violação de Direito Fundamental "a intervenção na esfera do sigilo do cidadão, com maior cuidado e ponderação se deverá agir, para só permitir a intervenção na parte absolutamente necessária da quebra desse sigilo, resguardando-se delas as parcelas estranhas ao que se necessite trazer especificamente aos autos para se embasar a acusação." (TAVAREZ, Juarez. A violação ao sigilo bancário em face da proteção da vida privada. RBCCrim 1\107 e 110, São Paulo 1993)
  16. Quanto ao princípio da reserva legal anota Luiz Regis Prado: "Pelo princípio da reserva legal que a intervenção penal deve estar disponível pelo domínio da lei stricto sensu – império da lei (arts.5º, XXXIX, da CF, e 1º do CP), como forma de evitar o exercício arbitrário e ilimitado do poder estatal de punir." (PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico – Penal e Constituição. 3ª. Ed. São Paulo: RT, 2003, p.67)
  17. Anota Nucci: "Não se pode admitir a decretação da quebra do sigilo sem motivação ou termos lacônicos de conteúdo (ex: ‘conforme representação formulada pela autoridade policial, decreto a quebra...’), afinal todas as decisões do Poder Judiciário serão fundamentadas (art.93, IX, CF), em especial, aquelas que lidam com os direitos e garantias humanas fundamentais, causando arranhões, por vezes necessários..." (Nucci, Guilherme de Souza. Leis Penais e processuais penais e comentadas. São Paulo: RT, 2007, p. 956)
  18. PRADO, Luiz Regis. Op. Cit., p.263
  19. NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit. p.954. "Uma vez presente qualquer dessas hipóteses autorizadas pelo mencionado texto legislativo, a conduta se torna não Sá atípica como permitida." (PRADO, Luiz Regis. op. cit., p.153)
  20. "A finalização do §4º, ao se referir à ‘fase do inquérito ou do processo judicial’ e elaborar um rol de crimes especiais, demonstra a importâncias dos fatos investigados para se violar o sigilo de alguém." (Nucci, Guilherme de Souza. op. cit., p.954)
  21. "É de se observar que o dever de sigilo estende-se ao Banco Central do Brasil no que se refere ‘às operações que realizar e às informações que obtiver no exercício de suas atribuições’ (art. 2º da LC 105\2001)... Essa Disposição aplica-se também a Comissão de Valores Mobiliários, ‘quando se tratar de fiscalização de operações e serviços de mercados imobiliários, inclusive nas instituições financeiras que sejam companhias abertas." (PRADO, Luiz Regis. op. cit., p.155)
  22. "TRIBUTÁRIO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO POR PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. IRRETROATIVIDADE DA LEICOMPLEMENTAR Nº 105/2001... 2. Apenas a partir da vigência da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, é possível o acesso às informações bancárias do contribuinte na forma instituída pela Lei nº 10.174/2001, ou seja, sem a requisição judicial. A aplicação desse conjunto de normas para a obtenção de dados relativos a exercícios financeiros anteriores sem autorização judicial, como é o caso dos autos, implica ofensa ao princípio da irretroatividade das leis. 3. Assim, não pode a autoridade fazendária ter acesso direto às operações bancárias do contribuinte anteriores a 10.01.01, como preconiza a Lei Complementar nº 105/01, sem o crivo do judiciário. 4. Recurso especial provido." (STJ. REsp 531826 / SC
    RECURSO ESPECIAL 2003/0046133-9)
  23. "... o bem jurídico vem a ser um ente (dado ou valor social) material ou imaterial haurido do contexto social, de titularidade individual ou metaindividual reputado como essencial para a coexistência e o desenvolvimento do homem em sociedade e, por isso jurídico-penalmente protegido." (PRADO, Luiz Regis. op. cit. p.52)
  24. NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p.953.
  25. "Crime próprio ou especial é aquele que exige determinada qualidade ou condição pessoal do agente. Pode ser condição jurídica (acionista); profissional ou social (comerciante); natural (gestante, mãe); parentesco (descendente) etc." (Bitencourt, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. v 1. São Paulo: Saraiva, 2000, p.148)
  26. "Sujeito ativo é aquele que, em razão do seu ofício, viola o sigilo de operação ou de serviço prestado por instituição financeira de que tenha conhecimento. Ou seja, aquele que tem acesso às informações sigilosas sobre a operação ou serviço prestado pela instituição financeira é quem poderá pratica o crime em análise" (delito especial próprio (PRADO, Luiz Regis. op. cit. p. 264)
  27. "Desse modo, se se entender que o art.4º da Lei nº7.492\86 é crime próprio (e não de mão-própria), praticado pelo gestor da instituição financeira, será possível o concurso de outras pessoas que não ostentem tal qualidade, como co-autores ou partícipes, desde que tenham consciência da qualidade daquele que com ela executa parte do iter criminis. (DELMANTO, Roberto, DELMANTO, Roberto Junior, DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Leis Penais Especiais Comentadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.141.). Vale lembrar, o posicionamento do professor Luis Gracia Martín que "... que com base no preceito da Parte Especial ninguém pode ser punido como autor nem, devido à natureza acessória da participação, como cúmplice... Nessas hipóteses ocorre uma lacuna de punibilidade... Àqueles que agiram efetivamente como autores- seja diretos ou mediatos- falta a qualidade especial da autoria exigida pelo tipo e àquele que a possui a prática direta ou mediata do fato. Visto que nenhum dos sujeitos reúne a totalidade dos elementos do tipo, posto que esses aprecem divididos entre ambos, nenhum dos dois pode ser punido por não se verificar neles a hipótese de fato descrito pelo preceito da Parte Especial. A imposição de uma pena nesses casos ao sujeito qualificado, que não praticou ele mesmo o tipo, apenas poderia se basear em uma imputação de fato alheio, mas isso é proscrito pelo princípio da culpabilidade e pelo princípio da pessoalidade das penas e se aquele é uma pessoa jurídica é óbvio que não lhe pode ser imposta a pena." (MARTÍN, Luis Gracia. Instrumento de Imputação Jurídico-Penal na Criminalidade de Empresa e Reforma Penal. Revista de Ciências Jurídicas, nº1, 1998, p.7-8 – Tradução: Érika Mendes de Carvalho)
  28. NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit., p. 958
  29. "Os requisitos do concurso são os que seguem: a) pluralidade de pessoas ou de condutas; b) relevância causal de cada conduta- nexo causal eficaz para o resultado; c) liame subjetivo ou psicológico entre às pessoas- consciência de contribuir para uma obra comum; d) identidade do ilícito penal- o delito deve ser idêntico ou juridicamente uma unidade para todos..." (PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal. 4ª. Ed. São Paulo: RT, 2007, p.160)
  30. PRADO, Luiz Regis. op. cit. p.151
  31. "... o objeto da ação vem a ser o elemento típico sobre o qual incide o comportamento punível do sujeito ativo da infração penal. Trata-se do objeto real (da experiência) atingido diretamente pelo atuar do agente. É a concreta realidade empírica a que se refere a conduta típica. (PRADO, Luiz Regis. op. cit., p.256)
  32. DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005, p.225
  33. "§ 3º O disposto neste artigo aplica-se à Comissão de Valores Mobiliários, quando se tratar de fiscalização de operações e serviços no mercado de valores mobiliários, inclusive nas instituições financeiras que sejam companhias abertas."
  34. "Art. 7º Sem prejuízo do disposto no § 3º do art. 2º, a Comissão de Valores Mobiliários, instaurado inquérito administrativo, poderá solicitar à autoridade judiciária competente o levantamento do sigilo junto às instituições financeiras de informações e documentos relativos a bens, direitos e obrigações de pessoa física ou jurídica submetida ao seu poder disciplinar."
  35. "Frise-se que o dolo aqui deve ser entendido como dolo de fato natural (dolus bonus), despojado da consciência da ilicitude que pertence à culpabilidade (o chamado dolo normativo – dolus malus, que engloba a consciência da ilicitude, é próprio da teoria causalista). (PRADO, Luiz Regis. op. cit., p.102.
  36. "O dolo é o elemento subjetivo geral dos fatos dolosos, o programa psíquico que produz a ação típica, mas não é o único componente subjetivo dos crimes dolosos. O legislador contemporâneo inscreve, freqüentemente, na dimensão subjetiva dos crimes dolosos, determinadas características psíquicas complementares diferentes do dolo, sob a forma de intenções ou de tendências especiais, ou de atitudes pessoais necessárias para precisar a imagem do crime ou para qualificar ou privilegiar certas formas básicas de comportamentos criminosos." (SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal, Parte Geral. Curitiba: ICPC; Lumen Juris, 2006, p.133)
  37. PRADO, Luiz Regis. op. cit. p.267.
  38. NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit. p. 959
  39. "É necessário distinguir, desde logo, duas espécies dessas infrações: os crimes próprios e os crimes comissivos por omissão. Nos primeiros, o agente falta, com sua não atividade, a um comando da lei penal; nos segundos, com sua inatividade, dá lugar a que se produza um fato típico." (DOTTI, René Ariel. op. cit, p.309.
  40. Assevera Luiz Regis Prado: "A segunda hipótese, retardar, também consubstancia delito omissivo próprio..." (op. cit., p.267)
  41. "Delito comissivo: satisfaz-se com o simples agir- atividade positiva (ex.: arts. 121- homicídio; 129 – lesão corporal; 155 – furto; 171 – estelionato, CP; arts. 41, 50, Lei nº9.605\1998)"
  42. "Assim, do ponto de vista conceitual a tentativa de omissão da ação é impossível; do ponto de vista conceitual, a tentativa de omissão de ação é impossível; do ponto de vista do princípio da legalidade, a punição da tentativa de omissão de ação, própria ou imprópria, é inconstitucional – e qualquer solução diferente passa, necessariamente, pela mudança da definição legal."
  43. PRADO, Luiz Regis. op. cit. p.269
  44. Com relação à prova ilícita Tourinho citando Ada Pelegrini Grinover, Scarance Fernandes e Magalhães Gomes Filho assevera, assim se manifesta: "Já se afirmou que a atipicidade constitucional, com relação à normas de garantia, acarreta, em regra, como conseqüência, a sanção de nulidade absoluta. O menos que se poderia dizer, portanto, é que o ingresso da prova ilícita no processo, contra constitutionem, importa na nulidade absoluta dessas provas, que não podem ser tomadas com fundamento por nenhuma decisão judicial." (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado. V. 1. 5ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p.350)
  45. RECURSO EM HABEAS CORPUS – CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA, CONTRA

SISTEMA FINANCEIRO E DE LAVAGEM DE DINHEIRO – INVESTIGAÇÕES PRELIMINARES – QUEBRA DO SIGILO FISCAL DO INVESTIGADO – INEXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL – REQUISIÇÃO FEITA PELO MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DIRETAMENTE À RECEITA FEDERAL – ILICITUDE DA PROVA – DESENTRANHAMENTO DOS AUTOS – TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL – IMPOSSIBILIDADE – EXISTÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO NÃO CONTAMINADOS PELA PROVA ILÍCITA – DADO PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. I. A requisição de cópias das declarações de imposto de renda do investigado, feita de forma unilateral pelo Ministério Público, se constitui em inequívoca quebra de seu sigilo fiscal, situação diversa daquela em que a autoridade fazendária, no exercício de suas atribuições, remete cópias de documentos ao parquet para a averiguação de possível ilícito penal. II. A quebra do sigilo fiscal do investigado deve preceder da competente autorização judicial, pois atenta diretamente contra os direitos e garantias constitucionais da intimidade e da vida privada dos cidadãos. III. As prerrogativas institucionais dos membros do Ministério Público, no exercício de suas funções, não compreendem a possibilidade de requisição de documentos fiscais sigilosos diretamente junto ao Fisco.

IV. Devem ser desentranhadas dos autos as provas obtidas por meio ilícito, bem como as que delas decorreram. V. Havendo outros elementos de convicção não afetados pela prova ilícita, o inquérito policial deve permanecer intacto, sendo impossível seu trancamento. VI. Dado parcial provimento ao recurso. (STJ. RHC 20329 / PR RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2006/0225618-9)



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

IAMAGURO, Roberto Noboru. Delitos contra o sigilo das operações de instituições financeiras. Lei Complementar nº 105/2001 (art.10). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2073, 5 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12414. Acesso em: 28 mar. 2024.