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Direito ao auxílio-reclusão dos servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo.

A exegese do art. 13 da Emenda Constitucional nº 20/1998, paralelamente à inconstitucionalidade da Lei Complementar distrital nº 769/2008

Direito ao auxílio-reclusão dos servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo. A exegese do art. 13 da Emenda Constitucional nº 20/1998, paralelamente à inconstitucionalidade da Lei Complementar distrital nº 769/2008

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Condicionar a concessão de benefícios previdenciários a um valor irrisório seria o mesmo que negar validade ao próprio sistema obrigatório e universal que deveria ampará-los.

I. Introdução

1. Questão intrincada na doutrina e jurisprudência concerne à exegese do art. 13, da Emenda Constitucional n. 20/1998, no que concerne ao direito ao percebimento de auxílio-reclusão pelos servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo na Administração Pública.

2. É importante que se tenha em mente a intenção do legislador ao instituir o benefício previdenciário do auxílio-reclusão, a fim de que se possa chegar a uma conclusão jurídica sobre o instituto que se coadune com a finalidade a ele atribuida, particularmente sob uma ótica exegética constitucional.


II. Disciplina do auxílio-reclusão na Lei federal n. 8.112/1990

3. Trata-se de um benefício previsto pela Lei federal n. 8.112/1990, cujo beneficiário não é o próprio servidor, senão os seus dependentes, que se verão desamparados pela prisão de seu provedor. Visando à subsistência da família, que não pode se deixada à míngua e, tampouco, perecer financeiramente em caso de aprisionamento cautelar ou definitivo do chefe ou arrimo da família, o auxílio-reclusão está descrito no art. 229, in verbis:

Art. 229. À família do servidor ativo é devido o auxílio-reclusão, nos seguintes valores:

I – dois terços da remuneração, quando afastado por motivo de prisão, em flagrante ou preventiva, determinada pela autoridade competente, enquanto perdurar a prisão;

II – metade da remuneração, durante o afastamento, em virtude de condenação, por sentença definitiva, a pena que não determine a perda de carto.

§1º. Nos casos previstos no inciso I deste artigo, o servidores terá direito à integralização da remuneração, desde que seja absolvido.

§2º. O pagamento do auxílio-reclusão cessará a partir do dia imediato àquele em que o servidor for posto em liberdade, ainda que condicional.

4. Sobre o instituto do auxílio-reclusão, pede-se vênia para transcrever algumas notas constantes de nosso livro [01]:

9.1.16 Auxílio-reclusão e prática de crime comum cuja sentença penal condenatória respectiva não determina a perda do cargo público

Tanto é verdade que a prática de crime comum (não tipificado de forma autônoma na Lei n. 8.112/1990 como causa de demissão) impede a imposição de pena disciplinar (pelo menos a punição pela prática do crime e pelos prazos da lei penal, admitindo-se, porém, o reenquadramento para ilícito disciplinar puro) que o próprio Estatuto dos Servidores Públicos Federais capitula que, durante o cumprimento de pena criminal por crime comum, a família do servidor preso receberá auxílio-reclusão (art. 229, Lei n. 8.112/1990). [02]

Ivan Barbosa Rigolin confirma que, de fato, a Administração Pública não pode demitir servidor público por crime comum ou hediondo não tipificado como falta disciplinar passível de punições administrativas, modo por que o administrativista propõe que a Administração Pública demita o servidor que cumpre pena por delitos penais dessa natureza por inassiduidade habitual (solução que não se endossa, mas que prova a impossibilidade de demissão em caso de crime comum não tipificado, de forma autônoma, como infração disciplinar):

À falta de melhor enquadramento na L. 8.112, deve-se indiciar em processo administrativo por inassiduidade habitual o servidor público condenado por crime comum ou hediondo, cumprindo pena, para o fim de, ao término do mesmo processo, demiti-lo do serviço público. [03]

Destaque-se, no entanto, data venia, que não se pode punir por inassiduidade habitual ou abandono de cargo o servidor que é condenado pela prática de crime comum, cuja pena não seja acompanhada de sanção acessória da perda do cargo, mesmo porque o estatuto prevê o benefício previdenciário do auxílio-reclusão, o qual seria incompatível com a concomitante punição disciplinar demissória pelo mesmo fato amparado na disciplina da Lei n. 8.112/1990, além de o servidor estar submetido à circunstância de força maior (privação de liberdade em função de sentença penal condenatória em execução), que exclui a voluntariedade no cometimento de infrações disciplinares de abandono de cargo (animus abandonand" inexistente) ou inassiduidade habitual.

O correto será o pagamento de auxílio-reclusão, se a condenação criminal não implicou a perda do cargo público.


III. A exegese do art. 13, da Emenda Constitucional n. 20/1998

5. A questão posta concerne à exegese da Emenda 20/1998, particularmente da nova redação que conferiu ao art. 201, da Carta, além do capitulado no art. 13 do ato reformador constitucional.

6. É preciso trazer a lume o disposto na redação original do art. 201, da Constituição Federal de 1988, juntamente com o capitulado na Emenda 20/1998, com vistas à melhor elucidação da controvérsia.

7. Rezava a redação original do art. 201 da Constituição Federal de 1988:

Art. 201. Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a:

I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte, incluídos os resultantes de acidentes do trabalho, velhice e reclusão;

II - ajuda à manutenção dos dependentes dos segurados de baixa renda;

8. A seu turno, modificando o disposto no art. 201 da Carta, capitulou a Emenda Constitucional n. 20/1998:

Art. 1º - A Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações:

..........................................................................................................

"Art. 201 - A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

.............................................................................................

IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;

.............................................................................................

Art. 13 - Até que a lei discipline o acesso ao salário-família e auxílio-reclusão para os servidores, segurados e seus dependentes, esses benefícios serão concedidos apenas àqueles que tenham renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), que, até a publicação da lei, serão corrigidos pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social.

9. A discussão que deve ser enfrentada concerne à aplicabilidade do dispositivo do art. 13, da Emenda n. 20/1998, aos servidores públicos de regime estatutário, titulares de cargo efetivo.

10. Em nosso ponto de vista, com a devida vênia dos que entendem diferentemente, o dispositivo em comento não incide sobre o regime previdenciário dos ocupantes de cargos de provimento efetivo dentre o funcionalismo público, mas, sim, sobre o pessoal vinculado ao regime geral da previdência social: servidores celetistas, contratados temporários e exclusivamente titulares de cargos comissionados.

11. Primeiro elemento que chama a atenção para esse juízo é que a Emenda 20/1998 procedeu, no pormenor, a uma nova redação do disposto no art. 201, da Constituição Federal, na Seção III (Da Previdência Social), cujo caput reza que "a previdência social será organizada sob a forma de regime geral [...]", modificando o anteriormente capitulado nesse artigo, que meramente referia, na redação original da Carta, que haveria plano de previdência social para cobertura de reclusão (antiga redação do inciso I do art. 201), com o fim de ditar que o pessoal vinculado ao regime geral de previdência social disporia do benefício de auxílio-reclusão, agora com a previsão inovadora, veiculada no inciso IV da nova redação do art. 201, dispondo que o direito previdenciário em destaque seria para os dependentes dos segurados de baixa renda.

12. Com vistas a imediatamente implementar o novo regramento determinado no art. 201 ao pessoal vinculado ao regime geral de previdência social, o art. 13, da Emenda 20/1998, estipulou que, enquanto não houvesse a superveniência de lei federal sobre a matéria, o auxílio-reclusão somente seria concedido aos segurados cujas famílias tivessem renda não superior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), parâmetro que seria progressivamente atualizado pelos índices de revisão geral dos benefícios da previdência social.

13. Segue, pois, cristalino que o art. 13, da Emenda Constitucional n. 20/1998, teve em mira a regulamentação do capitulado no art. 201, IV, da Constituição Federal, no que se refere ao benefício para o pessoal do regime geral de previdência social.

14. Ora, o fato de a Emenda n. 20/1998 ter estipulado nova redação ao art. 201, da Carta Magna, que cuida do pessoal atrelado ao regime geral de previdência social, conferindo direito aos segurados e dependentes da iniciativa privada, além dos servidores públicos atrelados ao sistema geral (celetistas, contratados temporariamente e titulares apenas de cargos comissionados, sem vínculo efetivo com a Administração Pública: art. 40, § 13, Constituição Federal de 1988), evidencia que o ato legislativo reformador não se voltou, em seu raio normativo, ao pessoal regrado pelas disposições do art. 40, da Lei Maior, os servidores públicos titulares de cargo efetivo, com regime especial previdenciário distinto.

15. Basta ver que, em nenhum momento, a Emenda 20/1998 mandou aplicar expressamente aos servidores públicos titulares de cargo efetivo, com regime especial previdenciário distinto, disciplinado no art. 40, da Carta, a regra do art. 13, da Emenda Constitucional n. 20/1998, nem ainda se procedeu a alteração dessa natureza no próprio texto constitucional, no art. 40, da Constituição Federal. Não. Não foi promovida alteração legislativa desse teor porque a nova redação conferida ao art. 201, IV, não se reflete senão sobre o pessoal vinculado ao regime geral da previdência social, o que não é o caso do funcionalismo com vínculo profissional permanente com o Estado, titulares de cargo público efetivo, com regime previdenciário próprio.

16. Se a Emenda 20/1998 tivesse pretendido estender o disposto no art. 201, da Constituição, ao pessoal atrelado ao regime previdenciário especial definido no art. 40, da Carta, a referida emenda teria acrescentado algum preceptivo desse conteúdo na Seção II (Dos Servidores Públicos) do Capítulo VII (Da Administração Pública) do Título III (Da Organização do Estado), no próprio art. 40, o que não ocorreu – e não por um mero erro de técnica legislativa, mas, sim, porque a alteração foi destinada ao art. 201, da Constituição Federal, na Seção III (Da Previdência Social) do Capítulo II (Da Seguridade Social) do Título VIII (Da Ordem Social), para o pessoal vinculado ao regime geral da previdência social.

17. A confusão ocasionada a alguns juristas, data venia, decorre da equivocada interpretação realizada sobre o disposto no art. 13, da Emenda 20/1998, quando utiliza o termo "servidores" como beneficiários do auxílio-reclusão criado no art. 201, IV, da Constituição Federal, haja vista que alguns, numa exegese mais apressada, supõem que a locução servidores aludiria aos titulares de cargo efetivo, o que não é a compreensão mais escorreita, concessa venia.

18. A expressão servidores, no texto constitucional, não é privativa dos titulares de cargo efetivo, mas abrange, também, os ocupantes de emprego público, os temporariamente contratados e aqueles investidos exclusivamente em cargo em comissão, sem vínculo permanente com o Estado.

19. A Constituição Federal intitula os ocupantes de emprego público e outros de servidores nas seguintes disposições:

Art. 38. Ao servidor público da administração direta, autárquica e fundacional, no exercício de mandato eletivo, aplicam-se as seguintes disposições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I - tratando-se de mandato eletivo federal, estadual ou distrital, ficará afastado de seu cargo, emprego ou função;

II - investido no mandato de Prefeito, será afastado do cargo, emprego ou função, sendo-lhe facultado optar pela sua remuneração;

III - investido no mandato de Vereador, havendo compatibilidade de horários, perceberá as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração do cargo eletivo, e, não havendo compatibilidade, será aplicada a norma do inciso anterior;

Art. 39..................................................................................

.............................................................................................

§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

.............................................................................................

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003):

.............................................................................................

§ 13 - Ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro cargo temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)

20. Nota-se que o próprio legislador constituinte, tratando de hipóteses de exercício de mandato eletivo federal, municipal, distrital ou estadual, prescreveu o afastamento do servidor de seu emprego público, assim como ainda dispôs sobre a incidência de vantagens do regime trabalhista aos servidores ocupantes de cargo público, implicitamente como espécie do gênero servidores públicos, ao qual se acrescentam os titulares de empregos públicos, os contratados temporariamente e os ocupantes meramente de cargos em comissão (art. 40, § 13, Constituição Federal). Demais, a própria Carta classifica de servidor, vinculado todavia ao regime geral de previdência social, o ocupante de emprego público (art. 40, § 13, Constituição Federal). É, pois, o próprio texto constitucional que não privatiza o termo servidor público como título exclusivo dos titulares de cargos de provimento efetivo, mas também estende essa classificação para os empregados públicos, os contratados temporários e os comissionados com vínculo estatutário.

21. Não há nada de surpreendente na denominação servidor público ser utilizada, na própria Constituição Federal, para alusão aos empregados públicos, contratados temporários e os exclusivamente comissionados com vínculo estatutário, visto que a doutrina referenda essa nomenclatura. Maria Sylvia Zanella Di Pietro anota:

São servidores públicos, em sentido amplo, as pessoas físicas que prestam serviços ao Estados e às entidades da Administração indireta, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres públicos. Compreendem: 1. os servidores estatutários, sujeitos ao regime estatutário e ocupantes de cargos públicos; 2. Os empregados públicos, contratados sob o regime da legislação trabalhista e ocupantes de emprego público. [...] Os da segunda categoria são contratados sob regime da legislação trabalhista, que é aplicável com as alterações decorrentes da Constituição Federal [...] Nos Estados e Municípios, os servidores celetistas reger-se-ão pela CLT com as derrogações constantes da própria Constituição Federal [...] A Constituição de 1988, que substituiu a expressão funcionário público por servidor público, previu, na redação original, regime jurídico único para os servidores da Administração Direta, autarquias e fundações públicas (art. 39). A partir da Emenda Constitucional n. 19, de 4-6-98, a exigência deixou de existir, de modo que cada esfera de governo poderá instituir o regime estatutário ou o contratual, não havendo necessidade de que o mesmo regime adotado para a Administração direta seja igual para as autarquias e fundações públicas. [...] Quando se passou a aceitar a possibilidade de contratação de servidores sob o regime da legislação trabalhista, a expressão emprego público passou a ser utilizada, paralelamente a cargo público, também para designar uma unidade de atribuições, distinguindo-se uma da outra pelo tipo do vínculo que liga o servidor ao Estado; o ocupante de emprego público tem um vínculo contratual, sob a regência da CLT. [04]

22. O consagrado administrativista José dos Santos Carvalho também intitula de servidores os ocupantes de emprego público:

A segunda categoria é a dos servidores públicos trabalhistas (ou celetistas), assim qualificados porque as regras disciplinadoras de sua relação de trabalho são as constantes da Consolidação das Leis do Trabalho. Seu regime básico, portanto, é o mesmo que se aplica à relação de emprego no campo privado, com as exceções, é lógico, pertinentes à posição especial de uma das partes – o Poder Público. [...] Para concretizar mais um dos vetores do projeto de reforma administrativa do Estado, iniciado pela EC 19/98, o Governo Federal fez editar a Lei n. 9.962, de 22/2/2000, disciplinando o que o legislador denominou de regime de emprego público, que nada mais é do que a aplicação do regime trabalhista comum à relação entre a Administração e o respectivo servidor. [...] Desejando admitir servidores pelo regime de contratação, deverão, como regra, obedecer à disciplina da CLT. [05]

23. Diógenes Gasparini [06] também chama de servidores (governamentais) os ocupantes de emprego público, juntamente com Celso Antônio Bandeira de Mello [07] (servidores empregados), o qual conceitua como servidores públicos "todos aqueles que mantêm vínculos de trabalho profissional com as entidades governamentais, integrados em cargos ou empregos da União, Estados, Distrito Federal, Municípios [...]." Edmir Netto de Araújo igualmente chama de servidores públicos os titulares de empregos públicos, com vínculo celetista contratual com o Estado [08], acompanhado ainda por Hely Lopes Meirelles [09].

24. Daí o equívoco, data venia, da apressada interpretação de que o mero fato de o art. 13, da Emenda Constitucional 20/1998, ter utilizado a expressão servidores (ao regulamentar o direito ao auxílio-reclusão previsto no art. 201, IV, da Carta, para o pessoal do regime geral de previdência social) teria supostamente o efeito de fazer incidir a regra ao pessoal atrelado ao regime especial previdenciário do art. 40, da Magna Carta.

25. Ressai claramente que os servidores que seriam contemplados pelo benefício previdenciário do auxílio-reclusão, instituído pela nova redação conferida ao art. 201, IV, da Constituição Federal, são, evidentemente, aqueles vinculados ao regime geral de previdência social, isto é, os ocupantes de empregos públicos, os contratados temporariamente e os meramente titulares de cargos comissionados, tal como previsto na própria Carta (art. 40, § 13). Não houve, como já exposto anteriormente, alteração da disciplina do pessoal atrelado ao art. 40 (regime especial previdenciário dos ocupantes de cargo de provimento efetivo), os quais não receberam tratamento jurídico por força de disposição que não lhes foi endereçada, porém inserida somente para outros: o pessoal do regime geral da previdência social, tanto que a mudança de redação, grife-se, foi para o dispositivo inserido no art. 201, e não no artigo 40, o que revela, inequivocamente, que o art. 13, da Emenda 20/1998, com o propósito de efetivar a novel disciplina do auxílio-reclusão para os servidores do regime geral previdenciário (empregados públicos, contratados temporariamente e titulares de cargos comissionados), não regrou a situação jurídica dos investidos em cargos permanentes na Administração Pública, os quais têm disciplina peculiar e distinta. Sobre a tripartição da disciplina do regime previdenciário brasileiro, confirma Kildare Gonçalves Carvalho:

São três os regimes de previdência social que integram o sistema previdenciário brasileiro: 1) o Regime Geral de Previdência Social, previsto nos arts. 201 e 202; b) o Regime previdenciário próprio dos servidores públicos, na forma dos arts. 39 e 40, acrescidos das disposições constantes da EC N. 20/1998, e legislação federal e estadual pertinente ao tema; c) o regime previdenciário próprio dos militares. [10]

26. Basta atentar, demais, para o fato de que o disposto no art. 229, da Lei federal n. 8.112/1990, ao que consta, continua em pleno vigor para os servidores públicos estatutários titulares de cargos de provimento efetivo, não tendo sido editado diploma federal posterior à Emenda Constitucional n. 20/1998 ab-rogatório do Estatuto do Funcionalismo da União, a evidenciar que a norma constitucional reformadora se endereçou somente aos servidores vinculados ao regime geral da previdência social.

27. Essa exegese mais precisa, no sentido de que o art. 13, da Emenda 20/1998, não se dirigiu senão aos servidores públicos atrelados ao regime geral da previdência social, é endossada pela autoridade da administrativista de escol Maria Sylvia Zanella Di Pietro (negrito não original):

De acordo com o artigo 229 da Lei n. 8.112/1990, é assegurado auxílio-reclusão à família do servidor ativo, nos seguintes valores: dois terços da remuneração, quando afastado por motivo de prisão, em flagrante ou preventiva, determinada pela autoridade competente, enquanto perdurar a prisão; ou metade da remuneração, durante o afastamento, em virtude de condenação, por sentença definitiva, a pena que não determine a perda do cargo. Pelo Estatuto de São Paulo (art. 70), o funcionário perde, em qualquer hipótese, dois terços da remuneração.

O artigo 13 da Emenda Constitucional n. 20/98 determina que "até que a lei discipline o acesso ao salário-família e auxílio-reclusão para os servidores, segurados e seus dependentes, esses benefícios serão concedidos apenas àqueles que tenham renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), que, até a publicação da lei, serão corrigidos pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social". Embora o dispositivo faça referência a servidores, tem-se que entender que se trata daqueles filiados ao regime geral da previdência social, tendo em vista que o artigo 13 constitui disposição transitória baixada para fixar um requisito para acesso ao auxílio-reclusão enquanto não for o mesmo estabelecido em lei. A única norma constitucional, que precisava da aludida disposição transitória é a contida no artigo 201, inciso IV, com a redação dada pela Emenda 20; nela se inclui entre os benefícios cobertos pela seguridade social o "auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda". Não há, na parte referente aos servidores públicos (artigos 37 a 41) qualquer referência a esse benefício, que pudesse estar abrangida pela norma transitória constante do artigo 13 da Emenda. Por outras palavras, o objetivo do artigo 13 foi apenas o de definir, transitoriamente, o que se entende por "segurados de baixa renda", para fins de auxílio-reclusão. Em conseqüência, não se alteram as normas legais referentes ao auxílio-reclusão assegurado para os servidores estatutários. [11]

28. Deflui, portanto, que o regime próprio dos servidores públicos não é regrado na disciplina do art. 201 da Constituição Federal, que cuida do regime geral da previdência social, tanto que os servidores ocupantes de emprego público, função em contrato temporário ou exclusivamente titulares de cargos em comissão, cuja situação jurídica é definida nos arts. 39 e 40, da Constituição Federal, tiveram que receber especial disposição acerca da sujeição deles ao regime geral previdenciário, e não ao sistema próprio especial dos servidores públicos (art. 40, § 13, CF 1988).

29. Segue, pois, que as regras sobre benefícios previdenciários dos servidores estatutários titulares de cargos de provimento efetivo não estão disciplinadas pelo art. 201, da Constituição Federal, nem são enfeixadas nas disposições da Lei do Regime Geral da Previdência Social (Lei Federal n. 8.213/1991), mas, sim, nos estatutos do funcionalismo público, observados os preceptivos dos arts. 39 e 40 da Constituição Federal. José dos Santos Carvalho Filho, por isso, reconhece a possibilidade de concessão de benefícios previdenciários, inclusive o do direito social do auxílio-reclusão, nos estatutos funcionais dos servidores públicos, e não nas disposições do Estatuto do Regime Geral da Previdência Social:

Há varios direitos de natureza social relacionados nos diversos estatutos funcionais das pessoas federativas. É nas leis estatutárias que se encontram tais direitos, como o direito às licenças, à pensão, aos auxílios pecuniários, como o auxílio-funeral e o auxílio reclusão, à assistência à saúde etc. [12]

30. A conclusão, pois, é de que, com a devida vênia dos que supõem diferentemente, que o art. 13, da Emenda 20/1998, não se reflete sobre a situação jurídica dos servidores ocupantes de cargo público de provimento efetivo, senão incide somente sobre os servidores atrelados ao regime geral de previdência social (empregados públicos, contratados temporariamente e exclusivamente titulares de cargos comissionados).

31. O problema se agrava, na espécie, em face da edição superveniente da Lei Complementar distrital n. 769, de 30 de junho de 2008 (reorganiza e reunifica o Regime Próprio de Previdência Social do Distrito Federal – RPPS/DF e dá outras providências), cujo art. 34, caput e § 1º, regrou que o disposto no art. 13, da Emenda Constitucional n. 20/1998, incidiria também sobre os servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo, restringindo o direito ao percebimento do auxílio-reclusão aos servidores estatutários com vínculo permanente com o DF que tenham remuneração igual ou inferior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais).

32. Segue, inicialmente, que a lei complementar distrital em referência incorreu no equívoco analisado no item anterior de entender que o art. 13, da Emenda 20/1998, se aplicaria aos servidores atrelados ao regime previdenciário especial disciplinado no art. 40, da Carta da República, em vez de sua própria incidência restrita ao pessoal atrelado ao regime geral da previdência social, regido pelo art. 201, da Constituição Federal de 1988.

33. Ao extinguir o direito de perceber auxílio-reclusão dos servidores estatutários, não meramente comissionados, que percebem mais de R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), o diploma legislativo distrital incorreu, além do erro de premissa abordado no item anterior de enquadrar na disciplina do art. 201, da Carta, pessoal não-vinculado ao regime geral de previdência social (servidores titulares de cargos de provimento efetivo), numa série de inconstitucionalidades, redundando em incerteza e contradição no próprio seio da Constituição Federal e no ordenamento jurídico como um todo, o que não pode ser endossado em se tratando de hermenêutica constitucional, como se demonstrará.


IV. As regras e postulados da hermenêutica constitucional: os princípios fundamentais

34. Ora, é consabido que as Constituições modernas deixaram de ser mero feixe de normas disciplinadoras do exercício e repartição dos poderes para se tornarem diplomas asseguradores e efetivadores de direitos fundamentais nelas encartados, modo por que a hermenêutica constitucional deve primar pelo respeito aos princípios fundamentais adotados pela Carta Magna em qualquer atividade exegética. Nesse sentido, calham as palavras de André Ramos Tavares:

Princípios sensíveis são, em parte, princípios considerados pela Constituição expressamente como princípios fundamentais. Assim ocorre com a dignidade da pessoa humana. [...] O direito constitucional encontra-se ´todo ele envolvido e penetrado pelos valores jurídicos fundamentais dominantes na comunidade [...] as Constituições modernas contêm a indicação daqueles que são os supremos valores, as rationes, os Gründe da atividade futura do Estado e da sociedade. Outra coisa não ocorre com a Constituição brasileira, que incorpora um extenso rol de valores, embora a eles se refira, em determinado momento, como fundamentos do Estado (art. 1º), em outra oportunidade, denominando-os os objetivos fundamentais da República (art. 3º), além de contemplar inúmeros outros valores referidos difusamente. [...] [13]

35. A primeira premissa que deve ser estabelecida é que a Constituição Federal deve ser interpretada de forma que exista coerência entre suas disposições, que seus princípios fundamentais consagrados sejam respeitados pelo aplicador do direito, que os valores albergados no seio constitucional não sejam paradoxalmente menosprezados pela legislação infraconstitucional nem na exegese que desta se promova à luz da Carta Magna.

36. Disso segue a imperatividade de se sublinhar que qualquer interpretação que se proceda em matéria de regime previdenciário próprio do servidor público, na esfera da Constituição Federal, e também da legislação infraconstitucional de regência da matéria (Lei Complementar distrital n. 769/2008, art. 34), não pode deixar se ser influenciada pelos consectários do princípio da justiça social pela construção de uma sociedade justa e solidária (art. 3º, I, Carta de 1988), da existência digna como vetor da ordem econômica brasileira (art. 170, caput, Carta Magna de 1988) e da dignidade da pessoa humana do servidor público e seus dependentes (art. 1º, III, Constituição da República) como princípios fundamentais encartados no próprio Diploma Fundamental pátrio.

37. Sendo assim, a interpretação do direito constitucional e infraconstitucional não pode incorrer em afronta aos aludidos princípios fundamentais, cujo conteúdo é bem abordado pela doutrina.


V. Regime previdenciário dos servidores públicos: conteúdo e teleologia

38. De antemão, todavia, cumpre trazer a lume o conteúdo e finalidade do regime previdenciário do servidor público como pressuposto da interpretação do instituto do benefício do auxílio-reclusão.

39. A esse propósito, Leciona Antonio Penteado Mendonça sobre a seguridade social e sua amplitude:

A universalidade de cobertura, ou universalidade objetiva, significa que a seguridade social deve atender a generalidade dos riscos sociais, não apenas de forma a reparar perdas, mas também preventivamente, evitando o surgimento da necessidade. Nesse sentido, a cobertura deve ser entendida de forma o mais ampla possível. [...] Quanto aos objetivos de longo prazo, as três espécies do gênero seguridade social devem ser entendidas como atividades complementares destinadas a promover o bem comum, a elevação dos patamares da qualidade de vida da população brasileira e a implementação da justiça social, garantindo ao cidadão as condições indispensáveis para sua existência digna. [...] O sistema tem por base o seguro social, onde os benefícios e serviços devem assegurar aos beneficiários os meios indispensáveis à sua subsistência nos casos de [...] prisão ou morte do chefe da família. O cálculo para cada um desses benefícios é feito com base no fator de contribuição do contribuinte, sempre em seu favor ou de seus dependentes. [14]

40. Nota-se da lição doutrinária que o sistema de seguridade social destina-se a proteger o trabalhor da iniciativa privada e do serviço público, bem como sua família e dependentes econômicos, contra os riscos e sinistros da vida em seu caráter mais amplo possível, abrangendo as eventualidades de morte, invalidez, doença e prisão do chefe ou mantenedor da família, de forma a evitar a necessidade e assegurar o mínimo de condições dignas de existência e sobrevivência aos segurados e dependentes, sejam de servidores públicos ou de empregados de regime privado.

41. A universalidade de cobertura, plasmada como cláusula constitucional (art. 194, par. único, I, Constituição Federal de 1988), abrange a proteção contra o mais amplo leque de possíveis fatalidades e casualidades a que se sujeita o trabalhador e sua família, reflexamente, servindo de meio preventivo da miséria e da penúria econômica para os dependentes econômicos do servidor público, os quais precisam dispor de garantia de existência digna no caso de falecimento, enfermidade ou aprisionamento do mantenedor da família. Como escreve Kildare Gonçalves Carvalho:

Como conseqüência da 2ª Guerra Mundial, há a transição para a terceira etapa da seguridade social, a de proteção dos cidadãos, e que se caracteriza pela proteção de quaisquer pessoas, em todos os seus estados de necessidades, em todas as etapas de sua vida [...] a seguridade social é apenas parte de uma política ampla de progresso social porque, se desenvolvida na sua plenitude, pode garantir renda, atacando a indigência, nada obstante os cinco "gigantes" que dificultam a reconstrução: miséria, doença, ignorância, ociosidade e insalubridade. A evolução dos sistemas de proteção social revela que deixaram de atingir somente aqueles que contribuíram para o seu custeio, já que a noção de risco, própria do seguro, não se mostrou adequada à instrumentalização das prestações, passando então a ser utilizado o conceito de necessidade social (há contingências desejadas que não causam dano, mas geram necessidades), resultando em proteção mais abrangente em que a álea dá lugar à contingência, que pode ou não ser desejada. [...] A seguridade social, como um conjunto de medidas que se destinam a atender às necessidades humanasm e que se refere à idéia de liberação de preocupações relativas à sociedade, constitui o instrumento jurídico de que dispõe o Estado para a liberação das necessidades sociais, na forma fixada pelo Direito. [15]

42. Nesse diapasão é que o Estatuto dos Servidores Públicos do Distrito Federal capitula (art. 184, Lei federal n. 8.112/1990, c.c. Lei distrital n. 197/1991): "O Plano de Seguridade Social visa a dar cobertura aos riscos a que estão sujeitos o servidor e sua família, e compreende um conjunto de benefícios e ações que atendam às seguintes finalidades: I - garantir meios de subsistência nos eventos de doença, invalidez, velhice, acidente em serviço, inatividade, falecimento e reclusão."

43. Bruno Sá Freire Martins comenta sobre o instituto do auxílio-reclusão:

Esta espécie de benefício visa cobrir o risco social oriundo do afastamento do obreiro de sua atividade laboral, não importando o motivo de recolhimento à prisão, se por aplicação de sanção penal ou prisão provisória. O auxílio é devido apenas durante o período em que o segurado estiver recolhido em regime fechado ou semi-aberto. [16]

44. Nota-se que a finalidade do regime previdenciário do servidor público, inclusive nos eventos de prisão, é de assegurar meios para que a família do funcionário possa dispor dos recursos econômicos necessários a fazer face ao sinistro do apriosionamento do chefe ou co-mantenedor do grupo familiar. A malsinada disposição da norma complementar distrital ora em cogito representa severo retrocesso na história da seguridade social, desde os seus primórdios, com as caixas assistenciais de corporações profissionais, na Idade Média, seguidas do Act of the Relief of the Poor (Lei dos Pobres de 1601, na Inglaterra, por Isabel I), do seguro social pelos comerciantes marítimos italianos, o primeiro plano de previdência social, com o Imperador germânico Bismarck, em 1883, além dos avanços posteriores à 1ª e 2ª Guerras Mundiais. [17] Por essa razão, não se compreende o passo retrógrado e incompatível com os valores e princípios vigentes na ordem constitucional brasileira imposto pela Lei Complementar distrital n. 769/2008, ao abolir, em parte, o princípio securitário-social para os servidores públicos titulares de cargo de provimento efetivo.

45. Com efeito, todo o panorama da ordem social, com seus postulados mais elementares de promover justiça social, amparar os segurados do regime de previdência social na hipótese de revés da vida, de assegurar existência digna para os dependentes dos segurados servidores públicos titulares de cargo efetivo, em caso de encarceramento, foi lançado por terra, com a inovadora e inconstitucional disposição do art. 34, da Lei Complementar distrital n. 769/2008, ao estender a incidência do art. 201 para os vinculados ao regime próprio especial do funcionalismo público, negando amparo aos filhos e cônjuges do funcionário preso, remetendo-os à miséria e ao desemparo do regime previdenciário para o qual contribui, mensalmente, o servidor titular de cargo de provimento efetivo, negando vigência, ainda, ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, que não seria aplicável aos dependentes do agente público contribuinte para o sistema previdenciário público especial, num descompasso marcante com todos os valores incutidos na Carta-cidadã de 1988.


VI. Caráter contributivo do sistema previdenciário dos servidores públicos titulares de cargo efetivo

46. Com outro escopo e espírito daquele visado pela Lei Complementar distrital 769/2008, a Constituição Federal, preocupada em assegurar a viabilidade e efetividade da proteção previdenciária aos servidores públicos e às suas famílias, instituiu regime obrigatório de caráter contributivo, isto é, um sistema mantido por contribuições reais do trabalhador, de forma atuarial, com a devida estimativa dos custos dos benefícios e seu repasse e inclusão no valor da cota de participação do funcionário, o qual, portanto, paga (e sobre a totalidade de sua remuneração) para que seus dependentes sejam tutelados pelo Estado (por meio de recursos oriundos do sistema previdenciário próprio do funcionalismo) em caso de sinistro, inclusive morte, ausência, enfermidade, invalidez, prisão. Consigne-se que não se trata de assistencialismo social, mas de sistema contributivo, mantido pelas contribuições mensais do servidor segurado ao longo de sua vida funcional. Não se cuida, pois, de um favor, uma concessão, um fardo imposto nas costas do contribuinte geral e cidadãos como um todo, mas, ao contrário, os benefícios previdenciários do funcionalismo público, inclusive auxílio-reclusão, constituem o gozo de direito legítimo custeado pelo próprio funcionário público, tanto que existe o critério atuarial para os benefícios previdenciários, os quais ainda são mantidos pelos demais vinculados ao regime próprio dos servidores titulares de cargo efetivo, em vista do princípio da solidariedade. Não se alude, pois, a um custo para a sociedade como um todo, porém de um sistema mantido pelas contraprestações regulares periódicas obrigatórias dos próprios servidores segurados.

47. Em face disso, soa paradoxal que o regime previdenciário remeta a família do servidor público à miséria em caso de prisão, inclusive a processual, não decorrente de uma sentença penal condenatória irrecorrível, mas aquela decretada como simples meio de garantir a instrução do processo-crime e que não configura condenação criminal ainda. Daí a surpresa do quadro que presentemente se antevê em face dos termos do malsinado art. 34, da Lei Complementar distrital 769/2008, ao proscrever o pagamento de auxílio-reclusão aos familiares de servidores que auferem mais de R$ 360,00, os quais são considerados como se fossem indignos da proteção previdenciária e como se não precisassem do concurso estatal securitário-social num sinistro tão dramático como no caso de privação do sustento do núcleo familiar, retrocedendo à quadra histórica anterior à Idade Média, em que não havia regime previdenciário para as pessoas e seus familiares, em que o acaso regia a felicidade ou desgraça e privação até a morte dos núcleos familiares. Será que o Estado deve assistir impassível à necessidade e fome dos familiares de seus servidores presos? É para resultar num cenário de completa falta de solidariedade e de injustiça social e existência sem dignidade que a Constituição Federal foi inspirada do mandamento da instituição de um regime previdenciário próprio para os servidores titulares de cargo de provimento efetivo?

48. As normas constitucionais não podem ser interpretadas de forma a retirar eficácia dos princípios fundamentais do Estado de Direito brasileiro. É um "non-sense". De que valeria assegurar ao servidor público regime previdenciário de caráter contributivo e solidário (art. 40, Constituição Federal de 1988), mediante contribuição dos agentes estatais, se, no momento em que suas famílias ostentam maior necessidade, como é no caso de uma traumática prisão cautelar, por exemplo, o direito positivo distrital remeteria o núcleo familiar do funcionário à própria sorte, negando-lhe socorro, quando, paradoxalmente, seria para atender a uma situação como essa que existe o regime previdenciário do funcionalismo, por determinação constitucional.


VII. Hipóteses de prisão cautelar e auxílio-reclusão

49. A situação de perplexidade e injustiça se agrava quando se aprofunda no problema da hipótese de indevida e ilegal prisão cautelar, cumprida por meses ou anos por parte do servidor que responde a processo penal, posteriormente revogada ou cassada por meio de ordem judicial concessiva de habeas corpus, por exemplo, quiçá fundamentado na falta de justa causa para a própria ação penal, fato que não é raro e que já foi inclusive enfrentado, em parte, por injustiçados servidores, injustamente agravados no exercício funcional e processados criminalmente sem justa causa, embora sem constrangimento ilegal de ordem de prisão (que, em outros casos, pode ocorrer, em tese), aos quais foi concedida a ordem de habeas corpus para trancamento do processo criminal indevidamente manejado pelo representante do Ministério Público. Deveriam as famílias dos servidores, cujas esposas percebam salário, por exemplo, de R$ 400,00 ou R$ 500,00, ou pouco mais do que isso, serem remetidas à amargura de severas e quiçã incontornáveis dificuldades econômicas, tudo por conta do capitulado no malsinado art. 34, da Lei Complementar distrital 769/2008, ao impor a cruel disciplina, descabida para os servidores estatutários, do art. 13, da Emenda 20/1998?

50. Será que o servidor cuja família percebe pouco mais de 365 reais não precisa também contar com o regime previdenciário público? Será que os filhos do agente público casado, não divorciado nem separado judicialmente, que habitavam com o funcionário encarcerado, devem ser lançados na miséria, se, por acaso, o servidor ou sua esposa e mãe dos descendentes do agente público detido recebe quatrocentos, seiscentos, oitocentos reais por mês? É no sentido de abonar uma situação dessas que a Constituição Federal, que enalteceu em seu seio, como princípio sensível, a dignidade da pessoa humana, deve ser interpretada, desaguando em tamanha iniqüidade?


VIII. O princípio da dignidade da pessoa humana

51. Ao contrário, o auxílio-reclusão é devido justamente porque o trabalhador não pode mais arcar com o sustento de seus dependentes. Por estar impedido de exercer o seu ofício, torna-se inviável a percepção de sua remuneração, o que afeta direta e intrinsecamente a estabilidade financeira daqueles que contam com seu suporte para o acesso aos bens da vida. Em termos práticos, deixa-se de receber o imprescindível ao pagamento dos estudos dos filhos, assistência médica da família, supermercado do mês, aluguel da casa, impostos devidos ao governo, dentre outras inúmeras obrigações a que o servidor, naturalmente, está vinculado. Como entender, assim, que o auxílio-reclusão não deve ser a ele devido, que seria dispensável? Qual seria a justificativa para que se condenasse a família e dependentes do servidor, se não à miséria, a uma radical e tortuosa privação de bens básicos para o seu crescimento e sobrevivência? Teria sido este o intuito do legislador distrital: romper com a estabilidade e sobrevivência da família, base da sociedade e merecedora de especial proteção do Estado?

52. Por ser benefício previdenciário, o auxílio-reclusão deve ser dirigido àqueles que dele necessitam: os dependentes do servidor preso e sua família. Ora, como excluir o indispensável benefício previdenciário de beneficiários que, com a prisão do funcionário segurado, ficaram totalmente desprovidos de renda? Ou, ainda, que a renda remanescente não seja suficiente para a subsistência digna da família? Como ignorar a patente necessidade a que a família do recluso será submetida, após a privação dos meios de sustento deste? Para que, então, a Constituição Federal teria instituído um regime previdenciário para o funcionalismo público? - pergunta-se novamente. A previdência que não atende à necessidade se afina com seus fins securitários?

52.1. Paralelamente, sob outro aspecto, a Constituição Federal asseguraria a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental e o direito à existência digna, bem como enalteceria o mandamento de construção de uma sociedade justa e solidária, inclusive com a proteção da família, mas, em sentido conflitante, a própria Constituição Federal, nos termos do art. 13, da Emenda 20/1998 (como demonstrado anteriormente, em nosso ver, inaplicável aos servidores não vinculados ao regime geral da previdência social), e a legislação infraconstitucional (art. 34, da Lei Complementar distrital n. 769/2008) determinariam que seria negada aos familiares e dependentes financeiros do servidor preso a concessão de benefício previdenciário essencial para a sobrevivência dos filhos e do cônjuge do agente público, apesar de ele contribuir sobre a totalidade de sua remuneração para o regime previdenciário público especial, exatamente para enfrentar os riscos de enfermidade, morte e reclusão!

53. A criação de um sistema previdenciário para o servidor público, inspirado no princípio da universalidade de cobertura, não pode ser reputada senão como visível forma de assegurar o direito à existência digna dos familiares do servidor público, inquestionavelmente como reflexo da consubstancialidade, no particular, do princípio da dignidade da pessoa humana, que deve pautar toda a aplicação do direito pátrio.

54. Ingo Wolfgang Sarlet ensina sobre o princípio da dignidade da pessoa humana:

Consagrando, expressamente, no título dos princípios fundamentais, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do nosso Estado democrático (e social) de Direito (art. 1º, inc. III, da CF), o nosso Constituinte de 1988 – a exemplo do que ocorreu, entre outros países, na Alemanha-, além de ter tomado uma decisão fundamental a respeito do sentido, da finalidade e da justificação do exercício do poder estatal e do próprio Estado, recoheceu categoricamente que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal. [18]

55. Se o Estado existe em função do ser humano, como corolário do princípio da dignidade, segue que o regime previdenciário do servidor público não pode ser instituído de forma a violar o núcleo fundamental desse princípio sensível da Constituição Republicana, como se deu com a remessa da família do servidor preso ao total desemparo securitário-social, nos termos da Lei Complementar distrital 769/2008, manifestamente em descompasso com a Carta-cidadã de 1988 ao negar (art. 34), na grande maioria dos casos (visto que poucos servidores ou dependentes percebem apenas pouco mais do que salário mínimo na Administração Pública distrital), os meios previdenciários para sobrevivência da família do servidor encarcerado, frustrando o fim da universalidade de cobertura do sistema de previdência social do servidor público.

56. Ingo Wolfgang Sarlet confirma que o princípio constitucional da dignidade envolve o direito a prestações mínimas pelo Estado em favor da pessoa humana, em vista de assegurar uma existência decente:

Onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças. [...] Do substrato material da dignidade decorrem quatro princípios jurídicos fundamentais, nomeadamente: [...] da integridade física e moral (que, no nosso sentir, incluir a garantia de um conjunto de prestações materiais que asseguram uma vida com dignidade. [...] Respeito e proteção da dignidade humana necessitam do engajamento material e ideal do Estado. A garantia da dignidade humana pressupõe uma pretensão jurídico-prestacional do indivíduo ao mínimo existencial material. [19] [...] Os direitos sociais de cunho prestacional (direitos a prestações fáticas e jurídicas) encontram-se, por sua vez, a serviço da igualdade e da liberdade material, objetivando, em última análise, a proteção da pessoa contra as necessidades de ordem material e Pa garantia de uma existência com dignidade, constatação esta que, em linhas gerais, tem servido para fundamentar um direito fundamental (mesmo não expressamente positivado, como já demonstrou a experiência constitucional estrangeira) a um mínimo existencial, compreendido aqui – de modo a guardar sintonia com o conceito de dignidade proposto nesta obra – não como um conjunto de prestações suficientes apenas para assegurar a existência (a garantia da vida) humana (aqui seria o caso de um mínimo apenas vital) mas, mais do que isso, uma vida com dignidade, no sentido de uma vida saudável (como deflui do conceito de dignidade adotado nesta obra) ou mesmo daquilo que tem sido designado de uma vida boa.[...] Constata-se – pelo menos entre nós em expressiva parcela da doutrina (mas também, embora talvez ainda com menor ênfase) e da jurisprudência – um crescente consenso no que diz com a plena justiciabilidade da dimensão negativa (defensiva) dos direitos sociais em geral e da possibilidade de se exigir em Juízo pelo menos a satisfação daquelas prestações vinculadas ao mínimo existencial, de tal sorte que também nesta esfera a dignidade da pessoa humana (notadamente quando conectada ao direito à vida) assume a condição de metacritério para as soluções tomadas no caso concreto, o que, de resto, acabou sendo objeto de reconhecimento em decisão recente de nosso Supremo Tribunal Federal. Nesse contexto, vale lembrar, ainda, que o ponto de ligação entre a pobreza, a exclusão social e dos direitos sociais reside justamente no respeito pela proteção da dignidade da pessoa humana, já que – de acordo com Rosenfeld - ´onde homens e mulheres estiverem condenados a viver na pobreza, os direitos humanos estarão sendo violados´. Assim sendo e apesar da possibilidade de se questionar a vinculação direta de todos os direitos sociais (e fundamentais em geral) consagrados na Constituição de 1988 com o princípio da dignidade da pessoa humana, não hpa como desconsiderar ou mesmo negar tal conexão, tanto mais intensa, quanto maior a importância dos direitos sociais para a efetiva fruição de uma vida com dignidade. [20]

57. O princípio da dignidade da pessoa humana, em seu caráter prestacional, envolve a concessão pelo Estado dos meios financeiros elementares, a título de benefício previdenciário decorrente das contribuições mensais do servidor público para seu sistema de previdência especial, no intuito de que a família do agente público segurado possa auferir os recursos para enfrentar uma contingência tão severa como a traumática prisão do co-mantenedor majoritário ou mesmo arrimo da família. É com essa negativa à existência digna (art. 170, Constituição Federal) dos dependentes do servidor público, no entanto, que a legislação distrital pretende dar cumprimento aos princípios fundamentais constitucionais de construir uma sociedade solidária e justa (art. 3º, I, Constituição Federal)? É com uma disposição dessa natureza que a Lei Complementar distrital em comento pretende se harmonizar com os objetivos do DF de garantir e promover os direitos humanos assegurados na Constituição Federal e promover o bem de todos, de proporcionar condições de vida compatíveis com a dignidade humana e a justiça social (art. 3º, incisos I, IV e V, da Lei Orgânica do Distrito Federal)?

58. Paulo Lôbo refuta: "Liberdade, justiça, solidariedade são os objetivos supremos que a Constituição brasileira (art. 3º, I) consagrou para a realização da sociedade feliz." [21]

59. Como compatibilizar a norma complementar distrital ora impugnada com a Constituição Federal e a Lei Orgânica do DF, se o malsinado dispositivo da LC/DF n. 769/2008 nega vigência ao princípio da dignidade da pessoa humana?


IX. Princípio da eficiência da Administração Pública

60. Uma disposição legislativa como a ora censurada, não bastasse, representa direta colidência com o princípio da eficiência da Administração Pública do Distrito Federal (art. 37, caput, Constituição Federal de 1988). Explica-se. É que alguns servidores públicos, como agentes de trânsito e policiais civis, por exemplo, munidos de armas de fogo, vêem-se, contigencialmente, em situação de manejo de meios necessários contra criminosos, o que pode resultar, eventualmente, todavia, em responsabilidade penal dos servidores da área de segurança pública, inclusive prisão preventiva ou em flagrante delito, quiçá, por paradoxal, pelo estrito cumprimento do dever legal, se porventura outra autoridade policial ou ministerial ou judiciária entender diversamente, primo oculi, quanto à ilicitude-culpabilidade da conduta, sobre a análise dos fatos ocorridos. Até, contudo, o desfecho do processo criminal, com a lavra de sentença penal absolutória, o acusado preso, por meses a fio ou até anos, saberá que sua família estará fadada à penúria e à miséria, por não ter direito ao auxílio-reclusão.

61. Ora, ciente dos riscos envolvidos para a manutenção ou mesmo de ruína financeira de sua família, ante a inexistência do direito ao auxílio-reclusão, qual será o policial ou servidor que assumirá os riscos de enforçar a ordem e a segurança pública em meio à possibilidade de seus entes queridos serem remetidos à desdita pela disposição conflitante com o direito deles à existência digna, como contrariado pelo art. 34, da Lei Complementar n. 769/2008?


X. Princípio da contributividade e solidariedade do regime previdenciário próprio dos servidores públicos titulares de cargo de provimento efetivo

62. Sob outro ângulo, não é difícil perceber que a disposição em comento da Emenda Constitucional 20/1998, bem como da LC 769/2008, não poderiam incorrer senão em indisfarçada inconstitucionalidade, se interpretada da forma como literalmente veiculada. Isso porque o servidor público, titular de cargo de provimento efetivo, diferentemente do segurado do regime geral da previdência social, contribui sobre a totalidade de seus vencimentos, e não sobre um teto de contribuição (pelo menos os que não se encontram na situação de se sujeitar à regulamentação de previdência complementar, porque ingressos no serviço público antes mesmo do advento da Emenda Constitucional n. 41/2003).

63. Se o regime é contributivo e solidário, por força de preceito constitucional (art. 40, caput, Constituição Federal de 1988), e já que o servidor contribui sobre a integralidade de seus vencimentos, por que apenas os funcionários que percebem até 365 reais teriam direito ao auxílio-reclusão, e não todos os demais, que igualmente contribuem para que suas famílias gozem do concurso previdenciário especial quando necessário?

64. Nesse particular, vigora inconstitucionalidade material em face do art. 40, caput, da Constituição Federal (caráter contributivo do regime previdenciário especial do servidor público). Quem contribui deve ter direito ao benefício previdenciário correspondente, imperioso para a manutenção e sobrevivência de sua família. Por isso que se afigura mais acertada a forma de pagamento do auxílio-reclusão definida no art. 229, da Lei n. 8.112/1990, a qual vincula o valor do benefício a dois terços da remuneração enquanto não há condenação definitiva e metade dos vencimentos quando do cumprimento de pena, fazendo valer o critério contributivo constitucional, pois o servidor contribui também proporcionalmente à sua remuneração para o sistema previdenciário, sendo escorreito que cada um perceba, da mesma forma, um auxílio-reclusão conforme o montante remuneratório de cada funcionário público titular de cargo efetivo. Nesse propósito, calha a lembrança de Antonio Penteado Mendonça:

O princípio da eqüidade na forma de participação do custeio plasma a necessidade de se levarem em conta as diferenças interpessoais, visando a um tratamento justo com base na capacidade de ação e patrimônio de cada um. [22]


XI. Violação à proibição do efeito de confisco da contribuição previdenciária dos servidores públicos titulares de cargos efetivos

65. Ter-se-ia, no caso, em conseqüência, outrossim, caráter de confisco no tributo da contribuição previdenciária, com ofensa ao disposto no art. 150, IV, c.c. art. 149, § 1º, da Constituição Federal de 1988. Chama a atenção o fato de que, nos termos do dispositivo constitucional, a contribuição previdenciária incidente sobre os servidores públicos distritais, deve ser instituída "em benefício destes" (art. 149, § 1º, da Constituição Federal de 1988 [23]). Antolha-se nitidamente a inconstitucionalidade do art. 34, da Lei Complementar distrital 768/2009, no particular, por recolher contribuição previdenciária que deixa de reverter em benefício dos servidores, visto que foi suprimido para a grande maioria dos segurados contribuintes o concurso previdenciário no caso de prisão, uma das situações de risco que deveriam estar amparadas pelo regime de seguridade social próprio do funcionalismo e imbutidas na prestação mensal com que arcam os agentes públicos vinculados ao sistema. Verifica-se que existe contribuição sem benefício correspondente, o que colide com o postulado constitucional da contributividade do regime previdenciário do art. 40, da Carta-cidadã da República.


XII. Princípio da isonomia

66. A medida legislativa distrital, sob outra ótica, descoincide com o núcleo essencial do princípio constitucional da isonomia, no sentido de que não se justifica excluir alguns servidores dos benefícios do regime previdenciário para o qual todos contribuem. Apenas as famílias de alguns teriam direito ao amparo estatal, enquanto a dos demais deveriam ficar desassistidas, quando, porém, todos os funcionários efetivos contribuem para o sistema previdenciário especial? Não há como compatibilizar a Lei Complementar distrital 769/2008 (art. 34) com o capitulado no art. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988, portanto. A previdência social não deve ser universal e amparar todos os servidores públicos? Seria possível dizer que só alguns funcionários apenas teriam direito a auxílio-doença ou aposentadoria ou pensão por morte? É possível discriminar alguns, excludentemente, se a finalidade do regime previdenciário obrigatório universal é amparar todos os segurados e seus familiares em meio aos eventos adversos de invalidez, morte, doença, prisão?


XIII. Princípio da unidade da Constituição

67. É mister fincar que a interpretação das normas constitucionais não pode resultar em contradições no próprio corpo da Carta. Como se assegura existência digna aos familiares do servidor público (art. 1º, III, art. 3º, I, art. 170, caput), regime previdenciário especial para cobrir os riscos a que sujeito o funcionalismo e seus dependentes (art. 40), além de se deferir proteção à família por parte do Estado (art. 226), enquanto a própria Constituição Federal, por força do art. 13, da Emenda 20/1998, negaria o direito de auxílio-reclusão e remeteria os familiares dos servidores públicos estatutários titulares de cargos efetivos à miséria na eventualidade do sinistro de prisão do servidor?

68. Sobre a interpretação da Constituição calham as lições dos mestres do direito constitucional Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco:

Não ocorrem conflitos reais entre as normas da Constituição, mas apenas conflitos aparentes, seja porque elas foram promulgadas conjuntamente, seja porque não existe hierarquia nem ordem de precedência entre as suas disposições [...] À luz do postulado do legislador racional – um legislador que, sendo coerente, não permite conflitos entre normas -, qualquer disputa entre critérios interpretativos é também (des)qualificada, desde logo, como um confronto meramente aparente, a ser resolvido pelo aplicador do direito, de quem se esperam soluções igualmente racionais. Noutro dizer, se o objeto a ser interpretado – seja ele uma norma ou um conjunto de normas – é algo que se considra racional por definição, então essa mesma racionalidade há de presidir o manejo dos princípios que regulam a sua interpretação. [...] Princípio da unidade da constituição. Segundo essa regra de interpretação, as normas constitucionais devem ser vistas não como normas isoladas, mas como preceitos integrados num sistema unitário de regras e princípios, que é instituído na e pela própria Constituição. Em conseqüência, a Constituição só pode ser compreendida e interpretada corretamente se nós a entendermos como unidade, do que resulta, por outro lado, que em nenhuma hipótese devemos separar uma norma do conjunto em que ela se integra, até porque – relembre-se o círculo hermenêutico – o sentido da parte e o sentido do todo são interdependentes [...] Princípio da concordância prática ou da harmonização. O princípio da harmonização ou da concordância prática consiste, essencialmente, numa recomendação para que o aplicador das normas constitucionais, em se deparando com situações de concorrência entre bens constitucionalmente protegidos, adote a solução que otimize a relação de todos eles, mas ao mesmo tempo não acarrete a negação de nenhum. [24]

69. Na mesma toada, Christine Oliveira Peter da Silva comenta sobre o princípio da unidade da Constituição:

O princípio da unidade da Constituição informa que todo o Direito Constitucional deve ser interpretado de forma a evitar contradições entre suas normas, ou seja, impõe a não-existência de uma dualidade de textos constitucionais. [...] A principal conseqüência desse princípio é a de que, segundo ele, as normas constitucionais devem sempre ser consideradas como parte de um todo, coesas e mutuamente imbricadas. Assim, revela-se necessário que o intérprete procure as recíprocas implicações, tanto de preceitos como de princípios, até chegar a uma vontade unitária da Constituição. Disso resulta que, em matéria de direito constitucional, a consideração sistêmica do texto constitui um imperativo decorrente da própria supremacia constitucional. Ora, diante de tais considerações, tem-se que, em última análise, o princípio da unidade da Constituição é uma especificação da interpretação sistemática, e impõe ao intérprete o dever de harmonizar as tensões e contradições entre normas. [25]

70. Daí que se afigura geradora de conflito no seio da Constituição a interpretação de que os servidores públicos estatutários teriam sido incluídos na regra do art. 13, da Emenda 20/1998, e não teriam sido contemplados pelo direito ao auxílio-reclusão.


XIV. Princípio da proteção da família pelo Estado

71. As linhas precedentes servem a nova abordagem da inconstitucionalidade da norma complementar distrital, desta vez sob o prisma da família como objeto de especial proteção do Estado. Reza a Constituição Federal: "Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado."

72. Anota Silvio Rodrigues:

O indivíduo nasce dentro de uma família, que é a de seu pai, aí floresce e se desenvolve até constituir sua própria família; numa e noutra está sujeito a várias relações de seu interesse imediato, tais o pátrio poder, o direito de obter e obrigação de prestar alimentos a seus parentes. [...] Interesse do Estado na sólida organização da família e na segurança das relações humanas, que se propõem na esfera do direito de família. [...] O Estado, na preservação de sua própria sobrevivência, tem interesse primário em proteger a família, por meio de leis que lhe assegurem o desenvolvimento estável e a intangibilidade de seus elementos institucionais. [...] A família se apresenta, portanto, como instituição que surge e se desenvolve do conúbio entre o homem e a mulher e que vai merecer a mais deliberada proteção do Estado, que nela vê a célula básica de sua organização social. [26]

73. Maria Helena Diniz consigna:

Para efeitos previdenciários a família abrange o casal, os filhos de qualquer condição até 21 anos (desde que não emancipados) ou inválidos ou inválidas, enteados e menores sob tutela (sem bens suficientes para seu sustento e educação), incluindo convivente do trabalhador [...] Entendendo-se como família o grupo fechado de pessoas, composto de pais e filhos, e, para efeitos limitados, de outros parentes, unidos pela convivência e afeto, numa mesma economia e sob a mesma direção [...] Caráter econômico, por ser a família o grupo dentro do qual o homem e a mulher, com o auxílio mútuo e o conforto afetivo, se munem de elementos imprescindíveis à sua realização material, intelectual e espiritual. [27]

74. Carlos Roberto Gonçalves também ensina:

A família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social. Em qualquer aspecto que é considerada, aparece a família como uma instituição necessária e sagrada, que vai merecer a mais ampla proteção do Estado. [...] A milenar proteção da família como instituição, unidade de produção e reprodução de valores culturais, éticos, religiosos e econômicos, dá lugar à tutela essencialmente funcionalizada à dignidade de seus membros, em particular no que concerne ao desenvolvimento da personalidade dos filhos. [...] o direito de família é o mais humano de todos os direitos. [...] O princípio do respeito à dignidade da pessoa humana constitui, assim, base da comunidade familiar, garantindo o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente. [28]

75. Paulo Lôbo aponta:

A proteção do Estado à família é, hoje, princípio universalmente aceito e adotado nas constituições da maioria dos países, independentemente do sistema político ou ideológico. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, votada pela ONU em 10 de dezembro de 1948, assegura às pessoas humanas o direito de fundar uma família, estabelecendo o art. 16.3: "A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado. A Constituição de 1988 proclama que a família é a base da sociedade. Aí reside a principal limitação ao Estado. A família não pode ser impunemente violada pelo Estado, porque seria atingida a base da sociedade a que serve o próprio Estado. A família, ao converter-se em espaço de realização da afetividade humana. Retoma-se o o itinerário da afirmação da pessoa humana como objetivo central do direito. A pessoa humana deve ser colocada como centro das destinações jurídicas. [29]

76. Em meio a esse panorama constitucional de elevação da família, em face ainda do preceito constitucional relevante de que o Estado concederá especial proteção à instituição basilar da própria sociedade (art. 226, caput, Constituição de 1988), como seria possível sustentar a interpretação constitucional de que as famílias dos servidores públicos distritais presos (que contribuem para o regime previdenciário especial do funcionalismo para lograr proteção estatal em caso de reclusão do arrimo da família), que auferem mais de trezentos e sessenta reais, praticamente a totalidade do funcionalismo, simplesmente não teriam direito ao auxílio-reclusão? Qual família de servidor público, no DF, consegue sobreviver com uma renda de trezentos e sessenta reais? Essa quantia mal basta para pagamento de aluguel de uma quitinete em Ceilândia-DF, quanto menos para sustentar as necessidades múltiplas de alimentação, saúde, lazer, educação, entre outros.

77. Ora, o homem é um ser social, realiza-se pela vida e convívio em sociedade, logrando satisfação e realização em suas funções sociais, dentre as quais sobressai sua posição no grupamento familiar, como pai, marido, companheiro. Não é possível dissociar o ser humano, enquanto servidor público, de sua postura como membro de uma família. Qual o funcionário que pode trabalhar ciente de que seus entes queridos, apesar de o agente público contribuir mensalmente para o regime previdenciário próprio distrital, estão largados ao léu financeiramente, abandonados à própria sorte, quiçá bebês, filhos pequenos, todos sujeitos ao desamparo do Estado, submetidos à negativa por parte do DF do direito a uma existência e sobrevivência digna, em caso de aprisionamento (inclusive cautelar) do pai de família? É para agasalhar um quadro teratológico como esse que o direito insculpiu como pedra angular o princípio da dignidade da pessoa humana e a especial proteção pelo Estado à instituição da família? Para que, então, existe regime previdenciário se praticamente os familiares e dependentes econômicos de todos os servidores públicos distritais não terão direito à assistência estatal no caso de prisão do segurado do regime público especial? O valor fundamental da tutela do núcleo familiar, encimado pela Carta-cidadã de 1988, nada representa, contudo, para o legislador complementar-ordinário distrital?

78. Pelo critério atuarial e do atendimento universal, o benefício deve existir, ainda que se inclua seu custo no valor da contribuição mensal do servidor. Mas negar o concurso previdenciário aos familiares do servidor preso seria abrigar, no seio da Constituição, uma série de incoerências e antinomias: de um lado, a defesa da família, o direito à existência digna, a cobertura obrigatória do funcionalismo público por um regime previdenciário especial, mas, de outro, o completo desamparo dos familiares em caso de sinistro, como na hipótese de prisão. Não é num resultado desses que deve desaguar a hermenêutica constitucional.

79. Não é só. Indaga-se: quantos servidores públicos-familiares usufruem, presentemente, do benefício previdenciário do auxílio-reclusão? Qual é o montante despendido, percentualmente, da totalidade da arrecadação com as contribuições previdenciárias do funcionalismo, com a verba previdenciária em alusão? Há justificativa, sob a ótica do princípio da proporcionalidade, de que algumas pouquíssimas famílias apenas não sejam submetidas à miséria e à privação penosa financeira (em caso de prisão do servidor distrital, contribuinte do sistema previdenciário), com a indiferença do regime previdenciário público, em vista da economia correspondente para os cofres do sistema de seguridade social? Quantas famílias de servidores públicos, indaga-se de novo, conseguem sobreviver no DF, ante o elevadíssimo custo de vida desta Capital Federal, com uma renda de trezentos e sessenta reais? Limitar o direito ao benefício previdenciário a esse montante, significa, na prática, negar o direito ao auxílio-reclusão para quase a totalidade dos servidores públicos ocupantes de cargo efetivo na Administração Pública distrital.

80. Calha lembrar sobre o princípio da proporcionalidade a cátedra do desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e professor de direito constitucional Kildare Gonçalves Carvalho, em seu livro de 1.543 páginas:

A proporcionalidade em sentido estrito implica no sopesamento dos interesses em jogo, isto é, a ponderação das tensões entre os princípios em concorrência: pesa-se as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim. A providência adotada deve ser proporcional ao conjunto de interesses jurídicos em exame. O que se ganha com a medida deve ser mais lucrativo do que aquilo que se perde. Pondera-se o prejuízo relativamente ao benefício trazido, sendo que a vantagem do ato deve superar eventuais desvantagens que dele resultam. [30]

81. Será que a economia que se pretende obter para os cofres previdenciários, com meia dúzia de beneficiários, justifica a paralela perda do direito à existência digna e da própria vida, pela fome e miséria e necessidade, de poucos dependentes do servidor público que mensalmente contribui para sistema, sobre a totalidade de sua remuneração?


XV. Princípio federativo

82. Aditivamente, a equivocada interpretação de que a Emenda 20/1998 teria estabelecido um limite máximo de valor de renda dos beneficiários ou servidores para que os outros entes federados pagassem auxílio-reclusão para os servidores públicos dos Estados, dos Municípios, da União e do Distrito Federal, claramente, esbarraria em atentado ao pacto federativo (art. 18, c.c. art. 60, § 4º, I, da Constituição Federal de 1988), em face da descabida ingerência da União na gestão do sistema previdenciário do funcionalismo de cada entidade autônoma componente da Federação.

83. Ora, se um Município resolve, no seu Estatuto dos Servidores Públicos, em face das peculiaridades financeiras locais, que o servidor perceberia metade ou dois terços ou três quartos de sua remuneração, enquanto um Estado mais abastado resolve determinar em oitenta ou noventa por cento da remuneração do funcionário preso o valor do benefício do auxílio-reclusão, como se admitir a ingerência federal na matéria? Por que um ente federado que queira proteger seu funcionalismo, em cumprimento à Constituição, amparando as famílias dos servidores detidos, não poderia pagar o benefício previdenciário para quem aufere mais de trezentos e sessenta reais, sobretudo em se considerando o custo de vida mais elevado em certos municípios e capitais brasileiras?

84. Acrescenta Dircêo Torrecillas Ramos sobre a cláusula pétrea da forma federativa de Estado [31]:

Cumpre salientar a federação como um princípio fundamental, que subordina todo o desenvolvimento sistemático do texto maior. Não é outra a razão pela qual o art. 60, § 4º, I, inclui a federação como cláusula pétrea, não podendo ser abolida nem por emenda à Constituição.

85. A linha argumentativa desenvolvida supra revela que não ocorre violação do pacto federativo, porém, caso se interprete que o art. 13, da Emenda 20/1998, não se reportou à situação jurídica dos segurados dos regimes próprios dos servidores de cargo efetivo, mas, sim, somente aos segurados do Regime Geral de Previdência Social, gerenciado pela autarquia federal INSS e sobre o qual, sim, cabe à União competência legislativa na matéria, remetendo-se a instituição de auxílio-reclusão, no âmbito do funcionalismo de carreira em regime estatutário, a cada legislação funcional dos entes federados, competentes na matéria, tanto que a Constituição Federal de 1988 prevê a competência concorrente de União Estados e Distrito Federal para legislar sobre previdência social (art. 24, XII), não podendo suceder, como se teria verificado na espécie, o esvaziamento da competência legiferante suplementar dos outros entes, em face das normas gerais exaustivas que teriam sido ditadas pela União, ao supostamente restringir drasticamente o valor de quem poderia receber auxílio-reclusão dentre o funcionalismo público dos outros entes autônomos da Federação.

86. Daí a conclusão de que não era – nem poderia ser -, data maxima venia, aos servidores públicos com regime próprio especial de previdência social que o art. 201, IV, estaria abrangendo, por força da pretensamente aplicável disposição do art. 13, da Emenda 20/1998, a qual somente se pode compreender como dirigida aos segurados do regime geral de previdência social.


XVI. Distinção da situação jurídica dos segurados de baixa renda do regime geral de previdência social dos filiados ao regime próprio previdenciário dos servidores públicos ocupantes de cargos efetivos

87. Tanto é verdade que o auxílio-reclusão foi decretado em favor apenas dos dependentes dos segurados (do regime geral de previdência social) de baixa-renda (art. 201, IV, CF 1988), acerca dos quais a Constituição Federal estatuiu:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

.............................................................................................

IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

.............................................................................................

§ 12. Lei disporá sobre sistema especial de inclusão previdenciária para atender a trabalhadores de baixa renda e àqueles sem renda própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda, garantindo-lhes acesso a benefícios de valor igual a um salário-mínimo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)

§ 13. O sistema especial de inclusão previdenciária de que trata o § 12 deste artigo terá alíquotas e carências inferiores às vigentes para os demais segurados do regime geral de previdência social. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005

88. Veja-se que a Constituição Federal procurou conferir especial tutela aos trabalhadores de baixa renda e suas famílias, inclusive por meio de alíquotas menores de contribuição previdenciária, o que justifica a restrição, portanto, no valor da renda familiar para fins de percebimento do benefício previdenciário, o qual pode agravar os cofres da previdência social geral, que é mantida por contribuições de valor sobejamente inferior àquelas recolhidas pelo funcionalismo público sobre o seu regime previdenciário próprio, no qual não existe teto de contribuição para os que têm direito de aposentadoria custeado pelo custeio mensal incidente sobre a totalidade de sua remuneração, até o valor máximo de 90,25% ou até 100% do subsídio de ministro do Supremo Tribunal Federal, numa proporção que se aproxima a oito vezes superior ao máximo do teto de contribuição dos segurados pelo INSS!

89. Diferentemente dos segurados de baixa renda do regime geral de previdência social (art. 201, §§ 12 e 13, Constituição Federal de 1988), não existem, ademais, alíquotas menores de contribuição para os servidores públicos vinculados ao regime próprio do funcionalismo, os quais pagam, ressalte-se, sobre a totalidade de seus vencimentos para custeio do sistema especial previdenciário dos titulares de cargo de provimento efetivo, modo por que é inteiramente descabido supor que seria compatível com esse sistema diferenciado estabelecer que somente teriam direito ao concurso previdenciário os que ganhassem até trezentos e sessenta reais, haja vista que na grande maioria, sobretudo em entes federados mais abastados, como São Paulo, Distrito Federal, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, os servidores não recebem somente até essa faixa remuneratória, nem suas famílias, até em face do muito mais caro custo de vida nessas regiões, modo pelo qual seria simplesmente negar o direito à previdência social estabelecer um limite tão baixo para que os dependentes dos segurados do regime próprio do art. 40, da Carta de 1988, fossem tutelados em caso de aprisionamento, negando vigência ao próprio princípio tutelar da seguridade social do funcionalismo.

90. Confira-se a distinção entre a situação dos segurados de baixa renda do regime geral de previdência social dos filiados ao regime previdenciário próprio dos servidores ocupantes de cargos efetivos na Administração Pública. Os atrelados ao sistema do INSS, de baixa renda, recebem atendimento assistencial, mediante sistema especial de inclusão previdenciária, com vistas ao percebimento de singelo benefício de um salário mínimo.

91. Mais ainda, o caráter assistencial dos benefícios dos segurados de baixa renda do regime geral de previdência social reforça-se com a previsão constitucional de diminuição de alíquotas de contribuição, ainda menores do que aquelas custeadas pelos demais segurados do regime geral, também com a redução de prazos carenciais para acesso aos benefícios (art. 201, §12, Constituição Federal de 1988).

92. Antevê-se que faz sentido restringir para essas pessoas, que contribuem com pequenos valores, ainda inferiores ao teto de contribuição ordinária dos demais segurados do regime geral de previdência social (por sua vez oito vezes inferior ao máximo recolhido pelos servidores titulares de cargo de provimento efetivo), o acesso ao auxílio-reclusão, que adquire nítido caráter assistencial em relação a esses beneficiários, diferentemente da situação dos filiados ao regime próprio especial do funcionalismo público de carreira com cargos efetivos, os quais contribuem para outro sistema e com contribuições previdenciárias mensais calculadas sobre a totalidade de sua remuneração, sem teto contributivo, motivo por que não se justifica limitar o direito ao usufruto de tutela previdenciária a quem perceba mais de trezentos e sessenta reais, já que todos recolhem regularmente e na proporção de seus vencimentos para a manutenção financeira do sistema que deve, em contrapartida, ampará-los, por força do princípio constitucional da contributividade (art. 40, caput, Constituição Federal de 1988), e não a título de qualquer assistencialismo estatal, em absoluto, diversamente dos segurados de baixa renda do regime geral do INSS, ressalte-se.


XVII. Conclusão

93. Por todos esses argumentos que se infere que o art. 13, da Emenda 20/1998, cuidou da situação dos servidores vinculados ao regime geral de previdência social, regrados no art. 201, da Carta-cidadã, nada dispondo sobre o status jurídico dos servidores públicos ocupantes de cargo efetivo, disciplinados em seu regime previdenciário próprio no art. 40, acerca dos quais condicionar a concessão de benefícios previdenciários a tão irrisório valor seria o mesmo que negar validade ao próprio sistema obrigatório e universal que deveria ampará-los.


REFERÊNCIAS

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Notas

  1. CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Manual de processo administrativo disciplinar e sindicância: à luz da jurisprudência dos tribunais e da casuística da administração pública. Brasília: Fortium, 2008, p. 831-832.
  2. Art. 229. À família do servidor ativo é devido o auxílio-reclusão, nos seguintes valores:
  3. I – dois terços da remuneração, quando afastado por motivo de prisão, em flagrante ou preventiva, determinada pela autoridade competente, enquanto perdurar a prisão;

    II – metade da remuneração, durante o afastamento, em virtude de condenação, por sentença definitiva, a pena que não determine a perda de cargo.

    § 1º Nos casos previstos no inciso I deste artigo, o servidor terá direito à integralização da remuneração, desde que absolvido.

    § 2º O pagamento do auxílio-reclusão cessará a partir do dia imediato àquele em que o servidor for posto em liberdade, ainda que condicional.

  4. RIGOLIN, Ivan Barbosa. Comentários ao Regime único dos servidores públicos civis. 4ª ed. atual. e aumen., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 245.
  5. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 22 ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 512-517.
  6. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 21 ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 567.
  7. GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 5 ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 151.
  8. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 17 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 230-231.
  9. ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 265.
  10. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 29 ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 392.
  11. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional: teoria do estado e da constituição: direito constitucional positivo. 15 ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 1463.
  12. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 22 ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 612.
  13. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 21 ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 720.
  14. TAVARES, André Ramos. Os princípios fundamentais na Constituição de 1988: estudo de sua evolução em 20 anos. MARTINS, Ives Gandra; REZEK, Francisco (coord). Constituição Federal: avanços, contribuições e modificações no processo democrático brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais: Centro de Extensão Universitária, 2008, p. 14 ss.
  15. MENDONÇA, Antonio Penteado. Da seguridade social na Constituição Federal de 1988. MARTINS, Ives Gandra; REZEK, Francisco. Constituição Federal: avanços, contribuições e modificações no processo democrático brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais: Centro de Extensão Universitária, 2008, p. 691 ss.
  16. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional: teoria do estado e da constituição: direito constitucional positivo. 15 ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 1457.
  17. MARTINS, Bruno Sá Freire. Direito constitucional previdenciário do servidor público. São Paulo, LTr, 2006, p. 75
  18. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional: teoria do estado e da constituição: direito constitucional positivo. 15 ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 1463.p. 1456.
  19. SARLET, Ingo Wolgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 4 ed. rev e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 65.
  20. SARLET, Ingo Wolgang. Dimensões da dignidade: ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 35, 138.
  21. SARLET, Ingo Wolgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 4 ed. rev e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 92-95.
  22. LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1 ss.
  23. MENDONÇA, Antonio Penteado. Da seguridade social na Constituição Federal de 1988. MARTINS, Ives Gandra; REZEK, Francisco. Constituição Federal: avanços, contribuições e modificações no processo democrático brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais: Centro de Extensão Universitária, 2008, p. 691 ss.
  24. "§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União." (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
  25. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; Branco, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 113 ss.
  26. SILVA, Christine Oliveira Peter da. Hermenêutica de direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2005, p. 277-279.
  27. RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 27 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 5 ss.
  28. Diniz, Maria Helena. Direito civil. 24 ed. reform. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 12 ss, v. 5.
  29. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 6 ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1 ss, v. VI.
  30. LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1 ss.
  31. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional: teoria do estado e da constituição: direito constitucional positivo. 15 ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 352.
  32. RAMOS, Dircêo Torrecillas. Organização do Estado: o estado federal. MARTINS, Ives Gandra; REZEK, Francisco. Constituição Federal: avanços, contribuições e modificações no processo democrático brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais: Centro de Extensão Universitária, 2008, p. 277 ss.
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CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Direito ao auxílio-reclusão dos servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo. A exegese do art. 13 da Emenda Constitucional nº 20/1998, paralelamente à inconstitucionalidade da Lei Complementar distrital nº 769/2008. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2077, 9 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12435. Acesso em: 27 abr. 2024.