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Responsabilidade civil do médico nas cirurgias estéticas à luz do Código de Defesa do Consumidor

Responsabilidade civil do médico nas cirurgias estéticas à luz do Código de Defesa do Consumidor

Publicado em . Elaborado em .

"O essencial é invisível aos olhos."

Antoine de Saint-Exupéry

RESUMO

Destaca que a defesa e proteção ao consumidor ganha singular relevância na sociedade moderna e influencia o exercício de todas as atividades que envolvam fornecimento de produtos ou serviços. Pontua que a vulnerabilidade do consumidor impõe ao fornecedor a observância a deveres anexos à relação de consumo, fundados no princípio da boa-fé objetiva, da informação e da confiança. Ressalta que o médico, por ser fornecedor na modalidade de prestação de serviços, está sujeito às regras consumeristas. Esclarece que o dever de informação na relação médico-paciente é fator determinante na análise da responsabilidade civil do fornecedor. Discorre acerca do histórico e dos conceitos básicos atinentes ao instituto da responsabilidade civil, tais como classificações e pressupostos para sua configuração. Distingue os aludidos pressupostos à luz do Código Civil Brasileiro e à luz do Código de Defesa do Consumidor. Delimita a análise sobre a responsabilidade civil do profissional da medicina e considera a evolução histórica do papel do médico na sociedade. Delimita como objeto de estudo a atividade médica nas cirurgias estéticas e diferencia suas espécies, pontuando a presença ou ausência de finalidade curativa. Assevera que nas cirurgias estéticas reparadoras, o médico visa à correção de imperfeições físicas congênitas ou originadas de acidentes, o que evidencia a finalidade terapêutica, ao passo que, naquelas puramente estéticas o exercício da medicina não se dirige à obtenção da cura e que, em regra, o paciente não se encontra acometido por nenhuma enfermidade. Em razão disso, sustenta que nas primeiras, a obrigação assumida pelo médico é de meios, enquanto que nas segundas, a obrigação é de resultado. Pondera que à pessoa sadia que se submete aos riscos de um procedimento cirúrgico interessa estritamente a mudança em seu aspecto físico, da forma como prometido quando da formação do contrato, ou seja, o alcance do resultado, e não a mera utilização correta dos meios. Destaca a importância da informação acerca das vantagens e desvantagens da cirurgia que deve ser prestada pelo médico para a obtenção do consentimento do paciente. Esclarece que a atenção ao dever de informação também influencia na delimitação das obrigações assumidas pelo médico na situação concreta. Aponta que a responsabilidade civil do médico nas cirurgias puramente estéticas é subjetiva, com culpa presumida, cabendo ao lesado a prova do defeito na prestação do serviço e do nexo causal. Determina que, neste sentido, inverte-se o ônus da prova, cabendo ao médico demonstrar a ausência de responsabilidade.

Palavras-chave: Defesa do consumidor. Responsabilidade civil. Cirurgias estéticas. Obrigação de meio. Obrigação de resultado.

SUMÁRIO:INTRODUÇÃO . 1.ASPECTOS GERAIS DA RELAÇÃO CONSUMERISTA .1.1.HISTÓRICO . 1..2.CONCEITO DE CONSUMIDOR . 1.3.CONCEITO DE FORNECEDOR 1.4.DEVERES ANEXOS À RELAÇÃO DE CONSUMO . 2.RESPONSABILIDADE CIVIL 2.1.HISTÓRICO . 2.2.CONCEITO . 2.3.CLASSIFICAÇÃO . 2.3.1.Responsabilidade civil e responsabilidade penal . 2.3.1.1.Responsabilidade ética e administrativa . 2.3.2.Responsabilidade subjetiva e objetiva . 2.3.3.Responsabilidade contratual e extracontratual . 2.4.PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL À LUZ DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 . 2.5.PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL À LUZ DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR . 3.RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO . 3.1.CIRURGIAS PLÁSTICAS: ESPÉCIES . 3.2.ATIVIDADE MÉDICA: OBRIGAÇÃO DE MEIO OU DE RESULTADO . 3.3.DIREITO/DEVER DE INFORMAÇÃO NA CIRURGIA PLÁSTICA . 3.4.CULPA MÉDICA E CAUSAS DE EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE . CONCLUSÃO . . REFERÊNCIAS


INTRODUÇÃO

A efetivação do direito constitucional de defesa e proteção ao consumidor é um dos desafios assumidos pelo legislador e pelo aplicador do direito da sociedade contemporânea.

Em razão do fornecimento de produtos ou serviços em massa, ou em virtude da especificidade técnica que envolve a atividade profissional, o consumidor, na maioria das vezes, se encontra em posição de desvantagem com relação ao fornecedor.

Devido o aludido desequilíbrio e da vulnerabilidade do consumidor, a relação jurídica consumerista deve estar pautada na observância dos deveres de boa-fé objetiva, de informação e de confiança.

Aborda-se neste estudo a atividade do profissional da medicina, no que se refere à prestação de serviços em cirurgias estéticas. Tratam-se, os médicos, de profissionais liberais que, devido ao conhecimento técnico específico adquirido em sua formação e por conta da própria natureza do serviço, estabelecem com o paciente relação estritamente personalíssima.

No primeiro capítulo, serão abordados os aspectos gerais das relações consumeristas. Inicialmente, cumpre ilustrar o contexto histórico que ensejou o surgimento da proteção às práticas de consumo, com a conseqüente elaboração do Código de Defesa do Consumidor. Em seguida, serão postas em análise as discussões acerca do conceito de consumidor e de fornecedor, sob o prisma legal e doutrinário, de forma a se identificar a relação de consumo existente entre paciente e médico. Ao final, após delimitadas as características da relação jurídica consumerista, deverão ser explicitados os deveres anexos à tal relação, embasados na boa-fé objetiva, a fim de pontuar a extensão e a importância dos mesmos.

Já no segundo capítulo, o estudo se debruçará sobre as noções gerais do instituto da responsabilidade civil. Destaca-se sua evolução histórica, desde as primeiras normas sociais de punição ao lesante, até o aprimoramento da idéia de reparação e das teorias que fundamentam a responsabilidade ora na culpa, ora no risco.

Ainda neste segundo momento, ganha importância a análise do conceito de responsabilidade civil e de suas classificações, pontuando, de forma geral, os reflexos que as esferas jurídicas do instituto operam sobre a atividade médica.

A abordagem geral sobre a responsabilidade civil se conclui com o exame dos pressupostos necessários para a sua configuração, tanto à luz do Código Civil Brasileiro, quanto à luz do Código de Defesa do Consumidor.

Por fim, o terceiro capítulo trata da responsabilidade civil do médico de forma pontual. Prima facie, ressalta-se que a prestação de serviço médico mantém estreita ligação com os direitos fundamentais à dignidade da pessoa humana, à segurança e, mais ainda, com o direito à vida. O objetivo da atividade médica é proporcionar ao paciente a saúde física e espiritual e, a fim de concretizar este objetivo, a ciência médica não mede esforços para atender a necessidade do paciente que, muitas vezes não é a cura, mas sim o bem-estar decorrente do aperfeiçoamento de caráter estético.

Neste momento, importará analisar as espécies de cirurgias estéticas, com o objetivo de esclarecer que nos procedimentos em que se vise à finalidade estética, e não terapêutica, a conduta do profissional deve ser mais atenciosa, já que, em regra, o paciente é pessoa sadia e se submete aos riscos da cirurgia em busca do embelezamento físico.

Em seguida, a pesquisa deverá ter por objeto a influência das peculiaridades que envolvem a atividade médica em cirurgias estéticas na delimitação do tipo de obrigação que assume o profissional nestas hipóteses. Além da distinção entre as obrigações de meio e de resultado, no que tange aos serviços médicos, deverá ser considerada a posição do paciente consumidor dos serviços de cirurgia estética. Em regra, trata-se de pessoa leiga e vulnerável às decisões assumidas pelo profissional, que domina a técnica e o conhecimento. Daí a necessidade imperiosa de cumprimento rigoroso pelo médico dos deveres de aconselhamento e de cuidado.

Parte-se, assim, à abordagem da importância do cumprimento do dever de informação nos procedimentos estéticos. Impõe-se ao médico o dever de analisar as vantagens e desvantagens trazidas pela cirurgia, e participar ao consumidor suas conclusões a fim de obter seu consentimento válido.

Assim sendo, tendo em vista os fundamentos até então apreciados, em sobrevindo danos ao paciente, a responsabilidade do profissional deverá ser apurada com maior rigor. Por conseqüência, a análise de sua culpa e das excludentes de responsabilidade deverá se pautar nos elementos probatórios trazidos aos autos pelo cirurgião.

Ante o exposto, será sustentado que a responsabilidade civil do médico, nas hipóteses de cirurgias estéticas, sem finalidade curativa, é subjetiva, por força da regra disposta no Código de Defesa do Consumidor, com culpa presumida, vez que assume o profissional obrigação de alcançar o resultado estético prometido.


1 ASPECTOS GERAIS DA RELAÇÃO CONSUMERISTA

1.1 HISTÓRICO

A defesa do consumidor contra as práticas típicas do capitalismo moderno é o desafio atual que muitos países vêm enfrentando, mormente aqueles que vivem o modelo do intervencionismo estatal, pois buscam, por meio de instrumentos legislativos, dispor acerca de regras de mercado.

A influência estatal na atividade econômica é inerente ao desenvolvimento histórico da humanidade, ora com presença marcante, ora completamente afastada. O Direito, por sua vez, como produto histórico que é, também foi se estruturando, se amoldando, conforme a necessidade da sociedade em determinado momento.

Atualmente, a maioria dos países vive o chamado capitalismo contemporâneo, caracterizado pela globalização das informações, das tecnologias e, principalmente, do consumo. Este capitalismo possui raízes na Revolução Industrial, quando surgiu a chamada "standartização" da produção. [01]

Os benefícios do capitalismo contemporâneo para aqueles que detêm os meios de produção foram inúmeros. Neste sentido, destaca Nunes [02]:

[...] essa produção homogeneizada, "standartizada", em série, possibilitou uma diminuição profunda dos custos e um aumento enorme da oferta, indo atingir, então, uma mais larga camada de pessoas. Este modelo de produção é um modelo que deu certo; veio crescendo na passagem do século XIX para o século XX; a partir da Primeira Guerra Mundial houve um incremento na produção, que se solidificou e cresceu em níveis extraordinários a partir da Segunda Guerra Mundial com o surgimento da tecnologia de ponta, do fortalecimento da informática, do incremento das telecomunicações etc.

Contudo, não obstante tantas vantagens, importante ressaltar que as regras deste mercado não são estipuladas em igualdades de condições. Os fornecedores neste modelo do capitalismo possuem o controle das atividades de consumo, de forma que, o que antes era acordado bilateralmente, com a participação do consumidor, atualmente é imposto, unilateralmente, por aqueles que produzem ou prestam serviços, cabendo ao consumidor, sem muitas escolhas, aderir ou não.

Neste contexto é que se insere o grande dilema da sociedade moderna, já que o aumento do fornecimento de produtos e serviços em massa acaba por fazer prevalecer a ânsia de lucro do fornecedor, em detrimento do respeito aos padrões mínimos de qualidade e segurança.

Daí o fundamento da necessidade de proteção ao consumidor, que se posiciona como a parte vulnerável destas relações. Assim, já que o mercado, por si só, não possui instrumentos para manter o equilíbrio entre seus protagonistas, superando a vulnerabilidade do consumidor, necessária se faz a intervenção estatal para tanto. [03]

"É com os olhos postos nessa vulnerabilidade que se funda a nova disciplina jurídica." [04] Pode-se dizer que o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, veio socorrer o ordenamento jurídico brasileiro que, por ser extremamente privatista, não se adequava a esta sociedade de massas, em que o desequilíbrio é a principal marca.

Como bem leciona Marques [05]

À procura do equilíbrio contratual, na sociedade de consumo moderna, o direito destacará o papel da lei como limitadora e como verdadeira legitimadora da autonomia da vontade. A lei passará a proteger determinados interesses sociais, valorizando a confiança depositada no vínculo, as expectativas e a boa-fé das partes contratantes.

A intenção de se codificar as normas atinentes ao consumo foi do próprio constituinte de 1988, o que está expresso no inciso XXXII, do art. 5º, da Constituição [06], que dispõe que "o Estado promoverá na forma da lei, a defesa do consumidor", bem como no art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que determinou ao Congresso a elaboração do Código de Defesa do Consumidor. [07]

Trata-se de uma lei de caráter essencialmente principiológico que estabelece normas de "ordem pública" e "interesse social", como se infere das disposições de seu artigo 1º, e traz uma vasta relação de direitos e deveres dos sujeitos da chamada relação de consumo.

A importância de Constituição de 1988 na política nacional de proteção e defesa do consumidor é destacada com propriedade por Direito [08], in verbis:

O Código de Defesa do Consumidor nasce pela força da Constituição dos oitenta. E nasce com a marca inconfundível da declaração de direitos e garantias. E essa declaração é a espinha dorsal do sistema constitucional brasileiro, fincada no modelo racional-normativo da classificação, hoje clássica, de Garcia- Pelayo. O comando do constituinte é para que o Estado, na forma da lei, promova a defesa do consumidor, como está no art. 5º, XXXII. Isso quer dizer que a proteção ao consumidor é, hoje, um direito fundamental, guarnecido pela cobertura do art. 60, §4º, a famosa cláusula pétrea, ou, como prefere Gomes Canotilho, limite expresso, selecionado pela Constituição, considerado cerne material da ordem constitucional e, portanto, não disponível ao poder de emenda ou revisão.

Faz-se mister salientar que o CDC buscou delimitar o seu âmbito de aplicação através da conceituação de consumidor e fornecedor como sujeitos da relação jurídica a que visa tutelar.

Cumpre analisar, portanto, neste momento, a própria dimensão da chamada relação de consumo, que é delimitada pelos conceitos trazidos pelo Código de Defesa do Consumidor.

1.2 CONCEITO DE CONSUMIDOR

Diz o art. 2º, do CDC [09], em um primeiro momento, que "consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".

Como se vê, trata-se de conceito de natureza econômica, como ressalta Filomeno [10], ou mais objetivo, segundo Marques [11], porquanto destaca o ato de aquisição e utilização de bens ou serviços para destinação final. No entanto, para a real compreensão deste conceito, essencial se faz a análise do conteúdo semântico da expressão "destinatário final".

Neste sentido, muito se discute na doutrina pátria acerca da extensão do conceito de consumidor, vislumbrando-se a presença de duas linhas argumentativas: a finalista e a maximalista. Ambas decorrem do conceito trazido pelo diploma legal ora em apreço, ou seja, buscam interpretá-lo à luz dos demais princípios do sistema de proteção e defesa do consumidor e da própria ordem econômica.

As referidas linhas argumentativas estão bem definidas na obra de Marques [12], que, com louvor, propõe uma análise sistemática de ambas.

Procuram os finalistas conceituar consumidor de forma mais restrita, com os olhos voltados à tutela que lhe é concedida, em virtude, notadamente, de sua vulnerabilidade. [13] Para os finalistas, a destinação final coincide com a retirada do produto da cadeia de produção para uso não profissional. Dessa forma,

Destinatário final é aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpretação teleológica, não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência: é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu. Neste caso, não haveria a exigida ‘destinação final’ do produto ou do serviço [14].

Conforme já mencionado, este posicionamento procura direcionar as normas protetivas do CDC àqueles que, de fato, se apresentam como a parte mais vulnerável da relação e, portanto, necessitam de proteção. [15]

Os maximalistas, por outro lado, adotam um conceito de consumidor de maior abrangência, de forma a estender a aplicação do CDC a um número maior de relações. [16] Para os maximalistas, é destinatário final aquele que simplesmente adquiri o produto, seja qual for sua finalidade. Nas brilhantes palavras de Marques [17], os adeptos desta corrente

[...] vêem nas normas do CDC o novo regulamento do mercado de consumo brasileiro, e não normas orientadas para proteger somente o consumidor não-profissional. O CDC seria um Código geral sobre consumo, um Código para a sociedade de consumo, que institui normas e princípios para todos os agentes do mercado, os quais podem assumir os papéis ora de fornecedores, ora de consumidores. [...] Consideram que a definição do art. 2º é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço. Destinatário final seria o destinatário fático do produto, aquele que o retira do mercado e o utiliza, o consome [...].

De fato, insta salientar que ao se ampliar demais o conceito de consumidor, a razão de ser da aplicação das normas consumeristas protetoras, qual seja, o desequilíbrio existente na relação de consumo, acaba por ser mitigada. Assim, "como a defesa do consumidor está baseada fundamentalmente no primado da vulnerabilidade, não convém que se amplie em demasia a tutela para alcançar também outras atividades reguladas pelo Direito Civil." [18] Ainda, neste sentido, segundo Marques [19],

[...] efetivamente, se a todos considerarmos ‘consumidores’, a nenhum trataremos diferentemente, e o direito especial de proteção imposto pelo CDC passaria a ser um direito comum, que já não mais serve para reequilibrar o desequilibrado e proteger o não-igual.[...] A definição do art. 2º é a regra basilar do CDC e deve seguir seu princípio e sua ratio legis.

Por esta razão, a chamada relação de consumo deve assumir dimensão tal que abranja o fornecedor e o consumidor vulnerável, seja esta vulnerabilidade técnica, jurídica, sócio-econômica ou informacional, que não vise lucro com o contrato celebrado. [20]

O mesmo entendimento possui Filomeno [21], para o qual o conceito trazido pela lei deve ser interpretado com vistas ao elemento que justifica a existência do Código de Defesa do Consumidor, qual seja, a vulnerabilidade. Neste sentido, destaca que não pode ser considerado consumidor aquele que adquire bens e serviços que serão utilizados em sua cadeia produtiva, porquanto não se enquadra no conceito de destinatário final.

Além do conceito restrito de consumidor, importante destacar a existência do chamado "consumidor-equiparado" [22] ou da chamada "coletividade de consumidores" [23], conceitos construídos a partir de uma análise sistemática da vulnerabilidade, mais precisamente, da vulnerabilidade fática.

Consoante disposto no parágrafo único do art. 2º, do CDC [24], "equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo".

Como se vê, não há que se falar em "terceiro" à relação jurídica de consumo, uma vez que este terceiro é considerado propriamente consumidor equiparado e, em assim sendo, goza da mesma proteção que um consumidor em sentido estrito.

Na realidade, o Código de Defesa do Consumidor traz, além da norma genérica contida no dispositivo legal supracitado, outras duas que se referem à coletividade de consumidores, quais sejam, as descritas em seus artigos 17 e 29. [25]

O art. 17, do CDC, procura ampliar a proteção a todos aqueles que são vítimas de acidentes de consumo. Assim,

Equiparam-se aos consumidores todas as pessoas que, embora não tenham participado diretamente da relação de consumo, vêm a sofrer as conseqüências do evento danoso, dada a potencial gravidade que pode atingir o fato do produto ou do serviço [...]. [26]

Por sua vez, o art. 29 do CDC define a coletividade de consumidores relativa a determinadas práticas comerciais. Segundo Marques [27],

[...] para harmonizar os interesses presentes no mercado de consumo, para reprimir eficazmente os abusos do poder econômico, para proteger os interesses econômicos dos consumidores finais, o legislador colocou um poderoso instrumento nas mãos daquelas pessoas (mesmo agentes econômicos) expostas às práticas abusivas. Estas, mesmo não sendo ‘consumidores stricto sensu’, poderão utilizar as normas especiais do CDC, seus princípios, sua ética de responsabilidade social de mercado, sua nova ordem pública, para combater as práticas comerciais abusivas!

Extrai-se de atenta análise dos dispositivos legais supracitados que o legislador procurou valorizar o conceito de consumidor como titular de direitos coletivos lato sensu, mais especificamente de direitos individuais homogêneos e de direitos coletivos stricto sensu. [28]

Os direitos individuais homogêneos decorrem de uma situação de fato ou de direito comum, ou, de acordo com o inciso III, do art. 81, do CDC, são aqueles homogêneos e de origem comum, cujos titulares são pessoas determinadas e cuja natureza é divisível [29]. De outro lado, os direitos coletivos stricto sensu são

[...] aqueles que pertinem a um número determinado de titulares, mas também [aqueles] transindividuais, de natureza indivisível, titulares esses ligados entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica. [30]

Ante todo o exposto, vê-se que a identificação do consumidor deve partir da análise acerca da configuração da vulnerabilidade, do desequilíbrio, em determinada relação jurídica, sem, contudo, se estender a proteção a quem não necessita, mas levando-se em consideração as permissões feitas pelo próprio legislador para se aplicar as normas consumeristas também aos que se equiparam a consumidores, em razão das práticas abusivas, dos acidentes de consumo ou, simplesmente, de se acharem como titulares de direitos advindos do ato do consumo, seja pela origem comum, seja pela existência de uma relação jurídica base.

1.3 CONCEITO DE FORNECEDOR

Além do consumidor, a individualização da relação de consumo se faz através do estudo do outro sujeito desta relação, qual seja, o fornecedor.

O Código de Defesa do Consumidor [31] conceitua, em seu art. 3º, fornecedor como

[...] toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Trata-se de uma definição ampla, que busca abranger todos os envolvidos na cadeia de produção. Ademais, insta salientar que, de fato, pretende o legislador considerar fornecedor aquele que realiza atividade profissional, que se presume ser também habitual ou reiterada. Exclui-se, portanto, do conceito de fornecedor aqueles que não são profissionais ou que não exercem determinada atividade de forma habitual no mercado. [32]

Faz-se mister destacar, ainda, que, à luz do art. 3º, do CDC, e seus parágrafos, a relação de consumo possui como objetos produtos ou serviços.

Produto, nas próprias palavras do legislador, "[...] é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial." [33] Segundo Filomeno [34], para se compreender melhor a definição de produto contida no CDC, deve-se considerar "bens", no sentido do texto da lei, "qualquer objeto de interesse em dada relação de consumo, e destinado a satisfazer uma necessidade do adquirente, como destinatário final".

Como se vê, realiza o autor uma interpretação sistemática entre as idéias de consumidor como destinatário final, de fornecedor e de produto como objeto da relação jurídica de consumo.

O fornecedor, à luz do CDC, além de fornecer produtos, presta serviços. Pelas disposições do §2º, do art. 3º, do Código de Defesa do Consumidor [35],

Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

A aplicação do CDC, neste caso, se estende aos contratos que envolvem obrigações de fazer [36], tais como os que envolvem a prestação de serviços médicos.

Dúvidas não restam na doutrina e jurisprudência pátria acerca da configuração da relação de consumo entre médico e paciente, porquanto se enquadram perfeitamente nos conceitos de fornecedor e consumidor, respectivamente, da modalidade de prestação de serviços.

O médico é fornecedor da modalidade de prestação de serviços, atuando, pois, como profissional liberal. Este profissional liberal é marcado pela sua formação de nível superior e pelo seu trabalho intelectual, exercido sem subordinação hierárquica e dentro de sua área técnica. [37] Os serviços prestados pelo médico são evidentemente de cunho profissional, já que seu exercício exige vasto conhecimento científico.

Segundo Prux [38],

Conclui-se serem os profissionais liberais uma categoria de pessoas, que no exercício de suas atividades laborais, é perfeitamente diferenciada pelos conhecimentos técnicos reconhecidos em diploma de nível superior, não se confundindo com a figura do autônomo. Destacam-se nesse rol, dentre outros, principalmente os médicos, farmacêuticos, veterinários, advogados, professores, engenheiros [...], arquitetos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, enfermeiros com formação superior, dentistas, economistas, contabilistas, administradores [...], jornalistas, matemáticos e muitos outros, sempre que atuem de forma independente, no sentido de não serem funcionários de um empregador, mas tão-somente prestadores de serviços para seus clientes.

O serviço exercido pelo profissional liberal, tal como o médico, envolve uma série de peculiaridades que o diferencia do serviço prestado por outros tipos de fornecedores.

Quanto a tais diferenças, importante destacar que a marca histórica que ensejou a proteção ao consumidor, qual seja, o fornecimento de bens de consumo em massa, não se faz presente na relação entre consumidor e profissional liberal, uma vez que a profissionalidade e a técnica inerentes ao exercício da função, aliadas a ausência da rede estrutural que é comum às grandes empresas, acabam por permitir um contato mais íntimo entre ambos. [39]

No entanto, destaca-se que esta proximidade existente entre o consumidor e o profissional liberal não impede a configuração da vulnerabilidade do primeiro. Ao contrário, em se tratando de serviços, a obrigação do fornecedor para com o consumidor ultrapassa os limites do contrato, passa a ser moral, mormente em razão da confiança que lhe é depositada. [40]

Os serviços a serem contratados não são conhecidos propriamente pelo consumidor no momento da contratação, são imateriais, ao passo que os produtos permitem uma visualização prévia, um contato físico real e maior. [41]

Nas palavras de Prux [42], "[...] para o consumidor que adquire algum serviço, na maioria das vezes, é impossível tocá-lo, experimentá-lo ou visualizá-lo antecipadamente, visto que no ato da contratação, aquele exato serviço ainda vai ser realizado".

Prossegue o autor enumerando outras peculiaridades tais como o "monopólio profissional", ou seja, o domínio pelo profissional liberal do conhecimento técnico e da autorização legal para o exercício da função de que necessita o consumidor. [43]

Portanto, pode-se afirmar que a relação que envolve a prestação de serviços pelo profissional liberal, em razão de todas as circunstâncias sobreditas, não obstante envolva a vulnerabilidade típica às relações de consumo, é marcada, notadamente pela confiança depositada pelo consumidor nos conhecimentos técnicos daquele fornecedor por ele escolhido. É, neste sentido, relação de caráter personalíssimo.

1.3 DEVERES ANEXOS À RELAÇÃO DE CONSUMO

O Código de Defesa do Consumidor estabelece uma série de deveres anexos à relação de consumo, que devem ser observados por ambos os sujeitos, e em especial pelo fornecedor, em razão de sua posição de vantagem frente ao consumidor.

A imposição de tais deveres se deve à função social que deve ser atendida pelos contratos, de forma geral, e visa, principalmente, à manutenção de equilíbrio entre as partes, limitando a autonomia da vontade. Neste sentido, leciona Marques [44] sobre a nova concepção social de contrato:

A nova concepção de contrato é uma concepção social deste instrumento jurídico, para a qual não só o momento da manifestação da vontade (consenso) importa, mas onde também e principalmente os efeitos do contrato na sociedade serão levados em conta e onde a condição social e econômica das pessoas nele envolvidas ganha em importância. Nas palavras visionárias de Morin "l’homme n’apparait plus comme la seule efficiente du droit, mais il devient la cause finale".

À procura do equilíbrio contratual, na sociedade de consumo moderna, o direito destacará o papel da lei como limitadora e como verdadeira legitimadora da autonomia da vontade. A lei passará a proteger determinados interesses sociais, valorizando a confiança depositada no vínculo, as expectativas e a boa-fé das partes contratantes.

Estes deveres derivam de princípios gerais constitucionais e de direito civil contratual, conforme se observa do teor do art. 4º, do CDC [45], in verbis:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:

a) por iniciativa direta;

b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas;

c) pela presença do Estado no mercado de consumo;

d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;

V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;

VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;

VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos;

VIII - estudo constante das modificações do mercado de consumo.

Dentre os enumerados pelo dispositivo legal, destaca-se o da boa-fé e equilíbrio nas relações de consumo. O equilíbrio envolve a análise não só dos direitos e deveres atribuídos a cada uma das partes da relação contratual, pela lei ou pelo negócio jurídico, mas também da condição real, social e econômica, de uma em relação à outra, de forma a buscar a igualdade real entre ambas.

A boa-fé, por sua vez, deve ser entendida como

[...] o compromisso expresso ou implícito e de ‘fidelidade’ e ‘cooperação’ nas relações contratuais, é uma visão mais ampla e menos textual do vínculo, é a concepção leal do vínculo, das expectativas que desperta (confiança). [46]

As funções principais da boa-fé nas relações de consumo são: servir como critério para a interpretação das normas consumeristas e das cláusulas contratuais; instituir deveres; e balizar o exercício de direitos. [47] Acerca das funções do princípio da boa-fé, neste mesmo sentido, esclarece Marques [48] que

Efetivamente, o Princípio da Boa-Fé Objetiva na formação e na execução das obrigações possui muitas funções na nova teoria contratual: 1) como fonte de novos deveres especiais de conduta durante o vínculo contratual, os chamados deveres anexos; 2) como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos; e 3) na concreção e interpretação dos contratos.

Cumpre esclarecer, outrossim, que tais deveres configuram a observância e respeito os direitos básicos do consumidor contidos no art. 6º e incisos, da lei supramencionada [49]. Diz o texto legal:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (...)

Os deveres anexos, além de corresponderem a direitos do consumidor, caracterizam-se por regras de conduta, cujo descumprimento corresponde a uma sanção especial, a depender da relação contratual que integram. [50] Dessa forma, a atenção a todos os deveres anexos à relação de consumo é imprescindível, de modo que o seu descumprimento configura o defeito ou vício do produto ou do serviço e, conseqüentemente, enseja a responsabilização do fornecedor.

No que tange à função da boa-fé como fonte de novos deveres, pode-se afirmar que derivam deste princípio, dentre outros, os deveres de confiança e de informação, fundamentais em todas as relações e consumo e mais ainda naquela existente entre o médico cirurgião plástico e o paciente, de que trata este trabalho.

Relativamente à confiança, insta salientar, conforme já mencionado linhas acima, que pela natureza dos serviços prestados, bem como por ser o médico profissional liberal, os contratos firmados com os pacientes devem ser marcados pela confiança e lealdade. São estes os elementos fundamentais que levam os consumidores a procurarem determinado prestador de serviços e depositarem nele todas as suas expectativas e aflições.

A confiança e lealdade resumem-se no agir adequadamente, de acordo com que a ética no convívio social estipula como comportamento leal e correto. Na relação jurídica, decorre da confiança e lealdade o dever de respeito mútuo entre os contraentes, que devem ser tratados como sujeitos de direito que são. É a própria definição de boa-fé, em sentido amplo, como já observado.

Importante frisar, ainda, com fulcro nas lições de Marques [51], que o princípio da confiança assumiu com a vigência do Código de Defesa do Consumidor, de acordo com a concepção social do contrato, singular relevância na regulação da formação e execução do negócio jurídico. Neste sentido, segundo a ilustre jurista, a chamada teoria a confiança se presta à proteção das expectativas e dos interesses legítimos construídos por uma da partes em virtude das obrigações assumidas e dos resultados prometidos por outra. Pode-se afirmar, portanto, que "[...] na nova concepção de contrato, o declarante deve responder pela confiança que o outro contratante nele depositou ao contratar." [52]

O dever de informação, por seu turno, é elemento essencial à relação de consumo e sua violação, na maioria das vezes, acarreta graves danos ao consumidor. Trata-se do dever de aconselhar e de esclarecer o consumidor sobre todas as peculiaridades e riscos que envolvem o produto fornecido ou serviço prestado. [53]

Somente após ter sido informado de forma clara e adequada é que o consumidor está hábil a consentir com a aquisição do produto ou do serviço. Assim, ressalta-se que o entendimento atual da jurisprudência pátria é no sentido de que o consentimento não informado é viciado e, portanto, inválido, o que faz recair sobre o fornecedor a responsabilidade sobre os eventuais danos daí resultantes. [54]

O papel do dever de informação na relação médico-paciente, bem como sua caracterização como direito do consumidor e sua observância como fator determinante na análise da responsabilidade do fornecedor serão objeto deste estudo em momento oportuno.


2 RESPONSABILIDADE CIVIL

Ultrapassadas as questões preliminares acerca dos aspectos gerais que envolvem a relação de consumo existente entre médico e paciente, importa neste momento a análise do instituto da responsabilidade civil.

2.1 HISTÓRICO

A história da responsabilidade remonta aos primórdios da civilização, época em que o instituto refletia a noção de vingança privada, bem explicada pelo brocado "fazer justiça pelas próprias mãos". Nesse período, o uso da força era exclusivo ao particular ofendido que, diante do dano sofrido, reagia de forma instintiva e brutal. [55] O Estado não intervinha e não havia a noção mínima de culpa. Como bem leciona Gonçalves [56],

Não imperava, ainda, o direito. Dominava, então, a vingança privada, "forma primitiva, selvagem talvez, mas humana, da reação espontânea e natural contra o mal sofrido; solução comum a todos os povos nas suas origens, para a reparação do mal pelo mal".

É nesse contexto que se insere a pena de Talião, pela qual o ofensor pagava pelo dano muitas vezes com o próprio corpo, já que vigorava a máxima "olho por olho, dente por dente".

Posteriormente, ganhou espaço a composição voluntária. Nesse estágio, a vítima poderia escolher a substituição da vingança para receber do autor do dano quantia em dinheiro, conhecida como poena. [57]

Sucede tal período a fase em que o Estado passa a impor sua presença, colocando fim à vingança privada e determinando que a compensação fosse obrigatoriamente econômica. "Passa-se, empós, à composição tarifada, prevista na Lei das XII Tábuas, que fixava, para cada caso concreto, o valor da pena a ser paga pelo ofensor." [58]

A usurpação pelo Estado do poder de punir se consolida, então, no Direito Romano, através da Lei Aquília, ocasião na qual se cristaliza a noção de reparação pecuniária do dano [59], de forma que o dever de indenizar possuía como limite os prejuízos econômicos sofridos. Surge também como elemento da responsabilidade civil a culpa.

No que concerne à responsabilidade dos profissionais da ciência médica, objeto deste estudo, a Lei Aquília e outras leis do mesmo período, como a Lei Cornélia, por exemplo, previam diversos delitos médicos, tais como "o abandono do doente, a recusa à prestação de assistência, os erros derivados da imperícia e das experiências perigosas." [60] Importante destacar, ainda, que a falta profissional neste momento histórico podia ensejar a aplicação da pena de morte ou deportação do médico. [61]

As bases da responsabilidade trazidas pelo Direito Romano foram aperfeiçoadas pelo Direito Francês, na doutrina do jurista Domat [62], que esboçou um princípio geral da responsabilidade civil, abolindo com o critério de casos enumerados de reparação obrigatória. [63]

A doutrina francesa passou a configurar a existência da responsabilidade em determinado caso, com base em elementos gerais, tais como a existência da culpa, e determinou a diferenciação entre culpa contratual e culpa delitual, contida no Código de Napoleão. [64] É o que leciona Gonçalves [65]

A noção de culpa in abstracto e a distinção entre culpa delitual e culpa contratual foram inseridas no Código de Napoleão, inspirando a redação dos arts. 1.382 e 1.383. a responsabilidade civil se funda na culpa – foi a definição que partiu daí para inserir-se na legislação de todo o mundo. Daí por diante observou-se a extraordinária tarefa dos tribunais franceses, atualizando os textos e estabelecendo uma jurisprudência digna dos maiores encômios.

O próximo estágio que merece destaque na evolução histórica da responsabilidade civil é marcado pelo surgimento do risco como fundamento para configuração da responsabilidade, ao lado da teoria da culpa.

A criação da teoria do risco se deu em meio à aceleração do desenvolvimento econômico e industrial, que tornava as vítimas dos danos mais vulneráveis e refletia a incompatibilidade da rigidez da teoria da culpa, tendo em vistas os riscos a que estavam sujeitos os cidadãos da sociedade moderna. Neste sentido,

A insuficiência da culpa para cobrir todos os prejuízos, por obrigar a perquirição do elemento subjetivo na ação, e a crescente tecnização dos tempos modernos, caracterizado pela introdução das máquinas, pela produção de bens em larga escala e pela circulação de pessoas por meio de veículos automotores, aumentando assim os perigos à vida e à saúde humana, levaram a uma reformulação da teoria da responsabilidade civil dentro de um processo de humanização. [66]

Na legislação italiana, por exemplo, a teoria do risco se funda no exercício de atividade perigosa, determinando, assim a obrigação de indenizar, independentemente da existência ou não da culpa. [67]

No que concerne às modificações legais que marcaram o momento histórico, merece destaque os ensinamentos de Dias [68], baseados nas idéias dos juristas franceses Josserand e Saleilles:

[...] a lei de acidentes no trabalho; a que estabelece a indenização a terceiros prejudicados com a explosão, deflagração, emanação de substâncias explosivas, corrosivas, tóxicas, nos estabelecimentos do estado ou privados que trabalhem para a defesa nacional, em tempo de paz; a que trata dos danos resultantes dos delitos praticados por força armada, por violência ou por tropa ou ajuntamentos; a da responsabilidade das empresas de navegação aérea.

Todas essas leis realizam verdadeira revolução. Afastando-se da idéia de culpa. Em seu lugar se impõe o princípio do risco: "a força da iniciativa, a ação consideram-se em si mesmas geradoras da responsabilidade".

É neste contexto que se insere também o surgimento das legislações de proteção ao consumidor, estabelecendo a responsabilidade objetiva dos fornecedores, na maioria dos casos, para a reparação dos prejuízos oriundos das relações consumeristas.

Insta salientar, ainda, que, com muita propriedade, ao dispor sobre a evolução da responsabilidade nos tempos modernos, destaca Gonçalves [69] a existência de duas faces da responsabilidade objetiva: "a teoria do risco e a teoria do dano objetivo", que, segundo o autor, refere-se ao dever de indenizar sempre que exista dano, independentemente de culpa.

Desta feita, observa-se que a responsabilidade civil ao longo da história apresentou evolução, notadamente, em relação aos seus fundamentos, representados pela noção de culpa e de risco, e à sua área de abrangência, fazendo aumentar o número de responsáveis por determinados danos e também o número de credores da indenização. [70] Tratam-se, tais modificações, de conseqüências da adequação do direito aos anseios da sociedade em determinada época.

2.2 CONCEITO

O desafio de viver em sociedade, de conviver e respeitar os limites da esfera individual de cada pessoa sugere que cada indivíduo assuma a obrigação geral de comportar-se de forma adequada, de modo a não violar direito alheio, segundo determina as normas morais e jurídicas de determinado grupo social.

Neste sentido, a responsabilidade está relacionada com as conseqüências jurídicas ou morais a que está sujeito aquele que viola direito alheio. Segundo Stoco [71], a idéia de responsabilidade se esgota na origem da palavra, do latim respondere, que significa "responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém por seus atos danosos". Pode-se afirmar que a origem da palavra exprime "a garantia da restituição ou compensação do bem sacrificado" [72].

Para Gonçalves [73], o instituto em apreço se refere à obrigação de indenizar o prejuízo resultante do ato ilícito:

O instituto da responsabilidade civil é parte integrante do direito obrigacional, pois a principal conseqüência da prática de um ato ilícito é a obrigação que acarreta, para o seu autor, de reparar o dano, obrigação esta de natureza pessoal, que se resolve em perdas e danos. [...] As obrigações derivadas dos "atos ilícitos" são as que se constituem por meio de ações ou omissões culposas ou dolosas do agente, praticadas com infração a um dever de conduta e das quais resulta dano para outrem. A obrigação que, em conseqüência, surge é a de indenizar ou ressarcir o prejuízo causado.

Neste mesmo sentido se manifesta Dias [74], segundo o qual

[...] responsável, responsabilidade, assim como, enfim, todos os vocábulos cognatos, exprimem idéia de contraprestação, de correspondência. É possível, diante disso, fixar uma noção, sem dúvida ainda imperfeita, de responsabilidade, no sentido de repercussão obrigacional [...] da atividade do homem.

Prossegue o mesmo autor no propósito de se individualizar o sentido de responsabilidade, citando a definição elaborada por Marton, ilustre jurista francês:

Marton estabelece com muita lucidez a boa solução, quando define responsabilidade como a situação de quem, tendo violado uma norma qualquer, se vê exposto às conseqüências desagradáveis decorrentes dessa violação, traduzidas em medidas que a autoridade encarregada de velar pela observação do preceito lhe imponha, providências essas que podem, ou não, estar previstas. [75]

A doutrina, de forma geral, como observado, encontra dificuldades em conceituar objetivamente responsabilidade civil, distinguir suas diversas modalidades e singularizar seus pressupostos. Na tentativa de sugerir um conceito, afirma Diniz [76] que

A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.

De forma geral, pode-se afirmar que a responsabilidade civil é relação jurídica que surge pelo descumprimento de um dever jurídico, em virtude da qual uma pessoa que causou dano injusto a outra fica obrigado a repará-lo.

Para melhor análise do conceito e da própria configuração da responsabilidade civil, necessário se faz o estudo dos seus pressupostos nos diversos regimes jurídicos existentes na legislação brasileira e das suas diversas formas de classificação.

2.3 CLASSIFICAÇÃO

O instituto da responsabilidade, de forma geral, é amplo e ocupa posição de destaque em diversos ramos do direito e em diversas esferas de poder.

Relativamente às áreas do direito, a responsabilidade pode ser civil e penal, distinção que remonta aos tempos mais antigos da história jurídica, e esteia-se nos diferentes interesses que são violados com a prática do ato contrário à ordem jurídica. Ambas são objeto de apreciação do poder judiciário, exclusivamente.

Ainda, a responsabilidade pode ser apurada também no âmbito administrativo, pelas autarquias. Neste estudo, ressalta-se a responsabilidade ética dos profissionais da medicina, cujas sanções são aplicadas pelos Conselhos Regionais e pelo Conselho Federal de Medicina.

A partir do corte metodológico realizado para fins de determinação do tema em análise, concentra-se a atenção no instituto da responsabilidade civil, especificamente, que, por sua vez, classifica-se quanto ao seu fundamento e quanto ao fato gerador.

No tocante ao fundamento, a responsabilidade civil é classificada pela doutrina pátria como subjetiva e objetiva. Já no que concerne ao fato gerador, pode ser contratual e extracontratual. É o que será elucidado nas próximas linhas.

2.3.1 Responsabilidade civil e responsabilidade penal

A diferenciação entre responsabilidade civil e responsabilidade penal se deu a partir da evolução da noção de culpa e da distinção entre a indenização e a pena.

Em primeiro lugar, faz-se mister salientar que a distinção entre a indenização e a pena encontra-se expressamente disposta no texto constitucional, em seu art. 5º, XLV, in verbis,

Art. 5º. [...]

XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação de perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido.

A partir de atenta leitura do referido dispositivo legal, forçoso concluir que a pena atinge a própria pessoa e é intransferível, ao passo que a indenização, fruto da responsabilidade civil, atinge o patrimônio do agente e, por essa razão, pode ser transferida aos seus sucessores, no limites legais.

Trata-se a responsabilidade civil e a responsabilidade penal de institutos que se referem à tutela de interesses em situações distintas, embora, como pensado por Miranda, citado Dias [77], ambas afetem o equilíbrio social. Segundo Dias [78], é preciso ponderar que o fundamento desses institutos é praticamente o mesmo;

[...] que o indivíduo é parte da sociedade; que ele é cada vez mais considerado em função da coletividade; que todas as leis estabelecem a igualdade perante a lei, fórmula de mostrar que o equilíbrio é interesse capital da sociedade.

Para fins de distinção, importante pontuar que a responsabilidade penal está voltada à proteção da ordem social diretamente considerada, do interesse público, submetendo o agente à punição estabelecida pelo Estado, enquanto que a responsabilidade civil relaciona-se à reparação dos danos sofridos pelo lesado, individualmente considerado, em seus interesses privados.

Acerca do tema, leciona Gonçalves [79], que

No caso da responsabilidade penal, o agente infringe uma norma de direito público. O interesse lesado é o da sociedade. Na responsabilidade civil, o interesse diretamente lesado é o privado. O prejudicado poderá pleitear ou não a reparação.

Merece destaque também os ensinamentos de Dias [80], segundo o qual,

Para efeito de punição ou reparação, isto é, para aplicar uma ou outra forma de restauração da ordem social é que se distingue: a sociedade toma à sua conta aquilo que a atinge diretamente, deixando ao particular a ação para restabelecer-se, à custa do ofensor, no statu quo anterior à ofensa. Deixa, não porque se não impressione com ele, mas porque o Estado ainda mantém um regime político que explica a sua não-intervenção. Restabelecida a vítima na situação anterior, está desfeito o desequilíbrio experimentado.

Por oportuno, vale destacar que um mesmo fato pode ensejar a responsabilidade civil e penal e, neste caso, deverá o agente responder em ambas as esferas, a fim de reparar o dano e se submeter à pena. É o que ressalta Lyra, citado por Gonçalves [81]:

Se, ao causar dano, [...], o agente transgride, também, a lei penal, ele se torna, ao mesmo tempo, obrigado civil e penalmente. E, assim, terá de responder perante o lesado e perante a sociedade, visto que o fato danoso se revestiu de características que justificam o acionamento de mecanismo recuperatório da responsabilidade civil e impõem a movimentação do sistema repressivo da responsabilidade penal.

Como exemplo de tal situação tem-se a hipótese em que o dano estético indenizável, fruto de erro médico e caracterizador do inadimplemento contratual, coincide com a lesão corporal de que trata o tipo penal descrito no art. 129 e parágrafos, do Código Penal Brasileiro.

No que concerne à lesão corporal, trata-se de delito comum que pode ser praticado por qualquer pessoa, inclusive pelo médico. Existem ainda os delitos próprios, que devem, necessariamente, ser cometidos por profissionais da medicina. É o caso dos tipos penais trazidos pela Lei de Transplantes de órgãos e pela Lei de Engenharia Genética, Leis 9434/97 e 8974/95, respectivamente. [82]

Ainda relativamente à diferenciação entre responsabilidade civil e penal, pode-se distingui-las quanto às características do fato ensejador. Não obstante constituir semelhança entre ambos os institutos o fato de que o ato ilícito sempre se caracteriza pela violação do direito posto [83], importante destacar que enquanto o elemento da tipicidade exige para a configuração do crime a exata adequação da conduta ao tipo penal, na esfera cível, de forma genérica, qualquer ação ou omissão que viole direito e cause dano pode ensejar a responsabilidade civil do agente. [84]

2.3.1.1 Responsabilidade Ética e Administrativa

No que concerne aos profissionais da medicina, especificamente, importante se mostra o estudo de sua responsabilidade relativa às questões éticas, apurada no âmbito administrativo, pelos Conselhos Regionais de Medicina e pelo Conselho Federal de Medicina.

O Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina, a partir da Lei 3.268, de 30 de setembro de 1957, passaram "[...] a constituir em seu conjunto uma autarquia, sendo cada um deles dotado de personalidade jurídica de direito público, com autonomia administrativa e financeira." [85]

Na lição de Domingos & Ramos Filho [86],

Os conselhos de Medicina, Regionais e Federal, com fundamento nos art. 5º, alínea "i" e 15, alínea "d", da Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, formam um sistema corporativo de fiscalização e normatização profissional, dotado de competência expressa para, através da via do processo administrativo, apurar e eventualmente punir os médicos que venham a cometer infrações ao Código de Ética Profissional, constituindo assim uma jurisdição ética, a partir da atuação dos assim denominados Tribunais de Ética e Tribunal Superior de Ética Médica, respectivamente.

A função destes entes de zelar pela ética no exercício da profissão médica está contida no art. 2º do mesmo diploma legal, que dispõe:

Art. 2º O Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina são os órgãos supervisores da ética profissional em toda República e ao mesmo tempo, julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo-lhes zelar e trabalhar por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam legalmente.

A responsabilidade, nesta hipótese, decorre da inobservância da ética médica concernente ao exercício da profissão segundo os deveres disposto no Código de Ética Médica, Resolução nº 1.246 de 08 de janeiro de 1988, do Conselho Federal de Medicina.

A ética, entendida como "teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade" [87], no âmbito da profissão da medicina caracteriza o

[...] somatório de deveres e direitos que determinam as normas de conduta do médico no desempenho de suas atividades e em suas relações com o paciente e todas as demais pessoas com quem possa ter tratado. [88]

Em seu capítulo III, o Código de Ética Médica trata da responsabilidade profissional, estabelecendo quais as condutas vedadas aos médicos, e, em seu preâmbulo, como conseqüência do exercício do poder disciplinar que possui os Conselhos Regionais, determina que os infratores deverão se sujeitar às penas disciplinares previstas em lei.

As referidas penas estão elencadas no art. 17, do Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958 [89], in verbis:

Art. 17 – As penas disciplinares aplicáveis aos infratores da ética profissional são as seguintes:

a) advertência confidencial, em aviso reservado;

b) censura confidencial, em aviso reservado;

c) censura pública em publicação oficial;

d) suspensão do exercício profissional, até 30 (trinta) dias; e

e) cassação do exercício profissional.

Insta salientar, ainda, que a aplicação de tais sanções decorre de processo administrativo a que deverão ser submetidos os profissionais que faltarem com os deveres éticos. Destaca-se que o processo ético, apesar de ser de cunho administrativo, pode ser contestado judicialmente. [90]

Assim como ocorre com os códigos de processo civil e penal, os procedimentos administrativos para apuração da responsabilidade profissional são regulados pelo Código de Processo Ético Profissional [91], Resolução nº 1.617, de 16 de julho de 2001, do Conselho Federal de Medicina.

O processo ético-profissional tramita em sigilo e é precedido de uma sindicância, que pode ser instaurada de ofício, pelo Conselho Regional, mediante denúncia ou, ainda, mediante informação prestada pela comissão de ética médica, delegacia regional ou representação.

No que diz respeito à sindicância, importante elucidar que,

[...] por sua própria natureza, é um instrumento de que se serve os órgãos administrativos ou de caráter administrativo, para clarificar uma situação de lesão a direitos de terceiros, pela elucidação preliminar do fato lesivo e a provável individualização do autor. É, assim, um procedimento preliminar, não terminativo, cujo objetivo é respaldar uma decisão administrativa. [92]

Vale pontuar que, consoante dispõe o código de processo, ante o relatório de fatos que conclui a sindicância, pode-se determinar o arquivamento da denúncia, homologar conciliação ou instaurar o processo ético-profissional. No entanto, uma vez instaurado o processo, é defeso às partes desistir do mesmo.

Outra característica relevante do processo disciplinar é o julgamento colegiado proferido pelas câmaras do Conselho Regional. Deste julgamento, caberá recurso ao Conselho Federal de Medicina.

Faz-se mister ressaltar que a responsabilidade profissional, apurada administrativamente, não exclui a possibilidade de se buscar a responsabilização do médico também no âmbito penal e civil. As naturezas das sanções e obrigações impostas ao agente em decorrência da configuração da responsabilidade, em cada uma das três esferas acima mencionadas, são diversas e as finalidades dos institutos, também.

A responsabilidade ética se presta ao exercício do poder disciplinar das autarquias respectivas, regulando a conduta dos profissionais, ao passo que a responsabilidade penal visa à proteção da sociedade, do interesse público, e a responsabilidade civil, por sua vez, volta-se à reparação dos danos materiais e morais sofridos pela vítima. [93]

Ainda em âmbito administrativo, a análise da conduta do médico pode ser realizada pelos órgãos estatais responsáveis pela defesa do consumidor, sob o prisma da violação das normas concernentes ao CDC.

Consoante dispõe o art. 55, do CDC [94], ao tratar sobre sanções administrativas, órgãos oficiais da União, dos Estados e do Distrito Federal possuem competência para fiscalização e controle das atividades de fornecimento de produtos e de prestação de serviços, a fim de facilitar e efetivar a defesa do consumidor. Diz o aludido dispositivo legal:

Art. 55. A União, os Estados e o Distrito Federal, em caráter concorrente e nas suas respectivas áreas de atuação administrativa, baixarão normas relativas à produção, industrialização, distribuição e consumo de produtos e serviços.

§ 1° A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios fiscalizarão e controlarão a produção, industrialização, distribuição, a publicidade de produtos e serviços e o mercado de consumo, no interesse da preservação da vida, da saúde, da segurança, da informação e do bem-estar do consumidor, baixando as normas que se fizerem necessárias.

§ 2° (Vetado).

§ 3° Os órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais com atribuições para fiscalizar e controlar o mercado de consumo manterão comissões permanentes para elaboração, revisão e atualização das normas referidas no § 1°, sendo obrigatória a participação dos consumidores e fornecedores.

§ 4° Os órgãos oficiais poderão expedir notificações aos fornecedores para que, sob pena de desobediência, prestem informações sobre questões de interesse do consumidor, resguardado o segredo industrial.

A função de proteção do consumidor atribuída ao Estado pela norma constitucional (art. 5º, XXXII, da CF/88) teve seu exercício organizado no âmbito administrativo pelo art. 105, do CDC, por meio do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, formado por órgãos administrativos da União, dos Estados e dos Municípios e por entidades privadas que atuem na defesa dos direitos consumeristas. [95]

"Os órgãos administrativos de defesa do consumidor nos Estado e nos Municípios – que titulam com exclusividade a denominação de PROCON [...] – são criados por lei dos respectivos parlamentos da entidade federada a que pertencem." [96]

Cabe ao PROCON a orientação e informação dos consumidores, bem como a fiscalização e aplicação de sanções às praticas de consumo abusivas, no exercício de seu poder de polícia. No que tange às expressões do poder de polícia destes órgãos públicos, importante destacar que se desdobram em atos de prevenção, fiscalização e repressão. Na lição de Marques et al [97],

A defesa administrativa do consumidor comporta as três modalidades de expressão do poder de polícia. Desde seu caráter preventivo, como, por exemplo, na celebração de compromissos de ajustamento (art. 6º do Dec. 2.181/1997) ou mesmo nas iniciativas de educação do consumidor (art. 6º, II, do CDC e art. 3º, IV, do Dec. 2.181/1997, e.g.), à fiscalização do cumprimento das disposições do Código de Defesa do Consumidor e legislação correlata (arts. 9º a 11 do Dec. 2.181/1997) e à repressão às infrações às normas de proteção ao consumidor (art. 18 e ss. do Dec. 2.181/1997).

Todos os deveres e poderes do PROCON recaem sobre a prestação de serviços médicos, inclusive os de natureza estética, por configurarem relação de consumo, conforme já observado no capítulo anterior.

Neste sentido, ante a insatisfação com o procedimento cirúrgico realizado, deve o consumidor procurar o aludido órgão administrativo a fim de buscar esclarecimento, e, se for o caso, instaurar procedimento administrativo, buscando apurar a responsabilidade do fornecedor de serviços, e aplicar-lhe as devidas punições, na forma preconizada pelo Código de Defesa do Consumidor. [98]

Oportuno pontuar, por fim, que a instauração de procedimento administrativo junto ao PROCON, assim como ocorre com o processo disciplinar médico, não impede o acesso à via jurisdicional para a solução do conflito.

2.3.2 Responsabilidade Subjetiva e Responsabilidade Objetiva

Quanto ao fundamento, a responsabilidade civil pode ser classificada em responsabilidade objetiva e subjetiva.

A responsabilidade subjetiva se fundamenta na culpa lato sensu, que abrange tanto o dolo, quanto a culpa stricto sensu, à luz da teoria subjetiva [99], adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro. Assim, a fim de alcançar a reparação dos danos sofridos, em regra, deve a vítima provar que o agente agiu com dolo ou culpa, ou seja, que além de ilícita, sua conduta revela-se qualificada, respectivamente, pela vontade de lesionar ou pela imprudência, negligência e imperícia.

Neste sentido, segundo Gonçalves [100],

Diz-se, pois, ser "subjetiva" a responsabilidade quando se esteia na idéia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Dentro desta concepção, a responsabilidade do causados do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa.

No tocante à questão, oportuno destacar as lições de Kfouri Neto [101], ao destacar a importância do elemento culpa para a configuração da responsabilidade, em se considerando a consciência do agente:

Os partidários da culpa como elemento fundamental da responsabilidade civil afirmam que a culpa possui lastro moral, daí não se poder conceber a responsabilidade senão nela fundada. O homem se sente responsável – e obrigado – a reparar dano causado por um ato culposo seu, o que não ocorre em relação a eventuais danos a que haja dado causa de modo absolutamente imprevisível, e pelos quais não se reconhece responsável, pois, como disse Ripert – lembrado por Serpa Lopes -, "não os causou verdadeiramente".

Consoante observado quando do estudo da evolução histórica da responsabilidade civil, a culpa representa grande marco na sistematização do instituto em apreço e foi a primeira teoria acerca do fundamento da responsabilidade.

No entanto, a fim de se ampliar a abrangência da responsabilidade, a fim de fazer incidir a obrigação de reparação ao maior número possível de hipóteses lesivas, inseriu-se na ciência do direito novo fundamento para a responsabilidade: o risco. Contribuiu historicamente para essa transformação a necessidade de proteção às vítimas de acidentes de trabalho, que exerciam a profissão sem qualquer meio de segurança. [102]

Faz-se mister destacar os dizeres de Kfouri Neto [103] sobre o "princípio social da reparação":

O intuito de abranger todos os casos de dano e atender ao princípio social da reparação, em todas as circunstâncias em que ele possa vir a se produzir, são os argumentos principais esgrimidos pelos objetivistas.

Trata-se da chamada responsabilidade objetiva, que dispensa a presença do elemento culpa e se fundamenta no risco. Esteia-se na idéia de que "[...] todo o dano é indenizável, e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade [...]" [104]

Segundo Diniz [105],

Na responsabilidade objetiva, a atividade que gerou dano é lícita, mas causou perigo a outrem, de modo que aquele que a exerce, por ter a obrigação de velar para que dela não resulte prejuízo, terá o dever ressarcitório, pelo simples implemento do nexo causal. A vítima deverá pura e simplesmente demonstrar o nexo de causalidade entre o dano e a ação que o produziu.

A responsabilidade dita objetiva encontra previsão no art. 927, parágrafo único, do Código Civil [106], in verbis:

Art. 927. [...]

Parágrafo único. Haverá obrigação de repara o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Não obstante a regra no ordenamento jurídico brasileiro seja pela responsabilidade fundada na culpa, como destaca a maioria dos autores, é notória a expansão da responsabilidade objetiva. Suas muitas suas hipóteses de incidência e, ainda, muitos outros casos tendem a dispensar o elemento culpa, igualmente. É o que se percebe das disposições do Código de Defesa do Consumidor, como será ilustrado mais adiante.

Consoante se observa da disposição do texto legal supracitado, a teoria do risco que justifica a responsabilidade objetiva determina ser responsável todo aquele que exerce atividade que oferece risco aos direitos de terceiros. Tal teoria pode ser interpretada sob dois pontos de vistas: ora como "risco-proveito", já que o responsável se beneficia com a atividade que causou dano a outrem; ora como "risco-criado", pois expõe as supostas vítimas a atividade de risco. [107]

Neste sentido, na lição de Lopes, citado por Kfouri Neto [108],

Essa teoria objetivista [...] é dividida em duas modalidades: a) a teoria do risco proveito – é justo que aquele que obtém proveito de uma empresa, o patrão, venha a se onerar com a obrigação de indenizar os que forem vítimas de acidentes durante o trabalho; b) a teoria do risco criado – pelo simples fato de agir, o homem cria riscos para os demais, por isso deve responder em caso de dano.

Ainda, importante pontuar que a responsabilidade objetiva do agente só pode ser afastada mediante prova produzida por este no sentido de que o dano se deu por culpa exclusiva da vítima ou por caso fortuito ou força maior.

Não obstante a existência de fundamentos distintos para a configuração da obrigação de indenizar, no ordenamento jurídico brasileiro, como regra geral, a responsabilidade será subjetiva, de acordo com o art. 927, caput, c/c art. 186, ambos do Código Civil. É o que destaca Reale, em supervisão à elaboração do projeto do Novo Código Civil, citado por Gonçalves [109]:

Responsabilidade subjetiva, ou responsabilidade objetiva? Não há que fazer essa alternativa. Na realidade, as duas formas de responsabilidade se conjugam e se dinamizam. Deve ser reconhecida, penso eu, a responsabilidade subjetiva como norma, pois o indivíduo deve ser responsabilizado, em princípio, por sua ação ou omissão, culposa ou dolosa. Mas isso não exclui que, atendendo à estrutura dos negócios, se leve em conta a responsabilidade objetiva. Este é um ponto fundamental.

Dias [110], por sua vez, ao citar Nonato e ao elucidar as conclusões do estudo do civilista português Guilherme Moreira, ressalta a complexidade que envolve o instituto da responsabilidade civil e a impossibilidade de se impor soluções simplistas e rígidas:

"O problema da responsabilidade não se resolve, assim, mediante dados escasos e simplistas, mas pela contribuição de fatores múltiplos, de ordem moral e de ordem política [...], é comum conciliarem-se na aplicação doutores que defendem na doutrina concepções polarmente opostas, como a da culpa subjetiva e a do risco criado".

[...]

Nem em um extremo nem em outro, proclama corretamente o estudo, sustentando que a responsabilidade pessoal e a culpa subsistirão, mas sem prescindir da revisão exigida pelo reconhecimento e pela integração no sistema das várias formas de responsabilidade objetiva ou da socialização dos riscos, no roteiro da proposta de W. Wilburg, há quase três décadas, no sentido do abandono do sistema axiomático – dedutivo em favor de um sistema móvel.

Considerando as ponderações mencionadas acima, importante esclarecer que o Código Civil de 2002 inovou ao trazer hipótese ampla de reparação de dano, independentemente da culpa, determinando que assim será quando este sobrevier de atividade naturalmente de risco. É o que se extrai do texto expresso do parágrafo único do art. 927, do aludido diploma legal.

Nitidamente, o legislador concede mais liberdade ao julgador [111] na apreciação do caso concreto a fim de se determinar se a responsabilidade será subjetiva ou objetiva, permitindo que avalie a situação levando em conta os fatores diversos que a envolvem.

2.3.3 Responsabilidade Contratual e Responsabilidade extracontratual

Quanto ao fato gerador, a responsabilidade civil se divide em responsabilidade extracontratual e responsabilidade contratual.

A responsabilidade extracontratual, também conhecida como responsabilidade aquiliana, possui como fato gerador o ato ilícito decorrente de ação ou omissão do agente que, como se observa da redação do art. 186 do Código Civil [112], viola direito e causa dano a outrem. Diz o aludido dispositivo legal:

Art. 186. Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

O dever jurídico, neste caso, "[...] consiste no cumprimento da lei [...]. Se a hipótese não estiver prevista na lei [...], haverá ainda o dever indeterminado de não lesar a ninguém [...]" [113]. Esta última noção de não lesar direito alheio é bem exposta na definição de ato ilícito trazida pelo art. 187, do Código Civil, que trata do excesso no exercício de determinado direito:

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Importante esclarecer que, conforme destaca Dias [114], com base na doutrina de Pontes de Miranda, o ato ilícito não deve ser equiparado à mera violação ou perda de direito, porquanto a sua existência pressupõe condições impostas por lei, quais sejam, a ofensa a direito e a ação ou omissão dolosa ou culposa, de forma a estabelecer o vínculo de obrigação.

Por sua vez, a responsabilidade contratual importa na violação de dever oriundo de negócio jurídico válido firmado entre as partes, que caracteriza o inadimplemento. Esta espécie de responsabilidade encontra-se regulada pelos artigos 389 e seguintes do Código Civil [115], que trata do inadimplemento das obrigações, in verbis:

Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Dispõe também sobre a responsabilidade resultante do inadimplemento contratual o art. 475, do Código Civil de 2002 [116]:

Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.

Por inadimplemento, portanto, entende-se o descumprimento de uma obrigação contratual. Ressalta-se que tal descumprimento deve ser culposo, em sentido amplo, ou seja, deve ser qualificado pelo dolo ou culpa. Em assim sendo, via de regra, não há que se falar em responsabilidade quando o inadimplemento se der por caso fortuito ou força maior, pois nestes casos o cumprimento da obrigação tornou-se impossível por circunstâncias alheias à vontade das partes.

Uma das principais diferenças estabelecidas entre a responsabilidade contratual e extracontratual diz respeito ao ônus da prova. Enquanto na extracontratual a vítima deve, em regra, provar que o evento lesivo se deu por culpa do agente, na contratual, incumbe-se apenas de provar que o dano resulta do descumprimento do avençado. Caberá ao agente, por conseguinte, a contraprova de uma das excludentes da responsabilidade.

2.4 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL À LUZ DO CÓDIGO CIVIL DE 2002

Diz o art. 186 do Código Civil de 2002, ao tratar de atos ilícitos, que "aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou impudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito" [117].

Pela dicção do dispositivo legal é responsável civilmente aquele que comete ato ilícito. Por ato ilícito entende-se aquele capaz de causar danos a outrem. Complementando tal conclusão, determina o art. 187 do mesmo diploma legal que "também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes."

A configuração da responsabilidade civil está condicionada à presença de certos elementos. É a partir da comprovação destes pressupostos que se identifica a obrigação de indenizar pelos danos decorrentes da prática do ato ilícito.

O primeiro elemento da responsabilidade civil é a ação ou omissão do agente. A ação ou omissão considerada ato ilícito corresponde à violação de um dever jurídico.

Em assim sendo, caso a responsabilidade seja extracontratual, ou aquiliana, o dever jurídico, neste caso, corresponde a regra expressamente prevista em lei ou a dever de não invadir a esfera de direitos de terceiros.

Por sua vez, caso a responsabilidade seja contratual, o dever jurídico violado decorre de negócio jurídico firmado entre as partes, que caracteriza o inadimplemento.

Contudo, o ato ilícito, por si só, não enseja a obrigação de indenizar. Necessita estar qualificado pela culpa. Assim a responsabilidade pela realização de ato ilícito depende da culpa, ou seja, a conduta voluntária, negligente ou imprudente que infringe um direito de outrem deve ser reprovável ou censurável, já que, diante da situação concreta, o comportamento poderia ou deveria ter sido outro. [118]

De acordo com os ensinamentos de Gonçalves [119],

Para que haja obrigação de indenizar, não basta que o autor do fato danoso tenha procedido ilicitamente, violando um direito (subjetivo) de outrem ou infringindo uma norma jurídica tuteladora de interesses particulares. A obrigação de indenizar não existe, em regra, só porque o agente causador do dano procedeu objetivamente para o mal. É essencial que ele tenha agido com culpa: por ação ou omissão voluntária, por negligência ou imprudência [...].

Destaca-se que é imprescindível que o autor do fato lesivo tenha consciência acerca da ilicitude de sua conduta. Dessa forma, se agir voluntariamente ou intencionalmente, estar-se-á diante do dolo, ao passo que, se agir com imperícia, imprudência ou negligência, restará configurada a culpa. É o que, de fato, ressalta Diniz [120], segundo a qual "...o ilícito tem duplo fundamento: a infração de um dever preexistente e a imputação do resultado à consciência do agente".

A análise que permite afirmar se há ou não culpa se faz a partir do paradigma do homem médio, ou seja, deve-se constatar que o comportamento do agente extrapolou aos limites esperados para um indivíduo normal.

Em se tratando de culpa contratual, caberá ao lesado a prova apenas e tão somente do inadimplemento, uma vez que é atribuído ao devedor o ônus de demonstrar a ausência de culpa. De outro lado, ante a culpa extracontratual ou aquiliana, o lesado deverá comprovar que a conduta do lesante foi imperita, negligente ou imprudente.

Em regra, a configuração da culpa é essencial para a responsabilidade civil. No entanto, com o desenvolvimento da sociedade moderna, de que já se falou no inicio deste estudo, a teoria da responsabilidade passou por um processo de evolução, através do qual a culpabilidade foi substituída pela causalidade, ou seja, o responsável passou a ser aquele causador do dano, independentemente de ter agido com culpa ou não. [121]

É a chamada teoria do risco que dá ensejo à responsabilidade objetiva e que surgiu com o propósito de permitir ao lesado uma facilitação na busca pela reparação dos danos sofridos, notadamente em virtude da dificuldade deste em comprovar a culpa do lesante, conforme já analisado anteriormente.

Diz-se teoria do risco, pois a obrigação de indenizar, independentemente da configuração da culpa, existe em função da natureza da atividade exercida pelo agente. Assim, "[...] aquele que, no seu interesse, criar um risco de causar dano a outrem, terá de repará-lo, se este dano sobrevier." [122]

Além da prática do ato ilícito e da existência ou não da culpa, a responsabilidade civil possui como elemento o nexo de causalidade entre a conduta do agente e os danos sofridos pelo lesado, ou seja, é necessário que o dano possua como causa a ação ou omissão daquele sobre quem recairá a obrigação de indenizar.

A doutrina enfrenta grandes dificuldades na distinção da relação de causalidade quando o dano é resultado de várias causas, quando várias circunstâncias concorrem para a ocorrência do dano.

Na tentativa de superar tal questão, identificam-se três principais teorias: teoria da equivalência das condições, teoria da causalidade adequada e teoria da causa próxima [123], também denominada teoria dos danos diretos e imediatos. [124]

A primeira teoria considera como causa todos os fatores que contribuíram para o resultado danoso, ou seja, todos aqueles sem os quais o prejuízo não teria se efetivado. É também conhecida como teoria da condição sine qua non. Todas as circunstâncias são consideradas causas na medida em que, caso "[...] suprimida uma delas, o dano não se verificaria." [125]

A aplicação desta teoria não é bem acolhida no âmbito cível, pois pode dar ensejo a conclusões absurdas como a de se considerar como causas fatos irrelevantes, que, apesar de serem antecedentes, não possuem qualquer valor para a efetiva configuração do resultado. [126]

Pela segunda teoria, reputa-se causa aquela condição que se mostra adequada à produção do evento danoso, quando analisada de forma abstrata. O objetivo desta teoria é disponibilizar fundamentos para se limitar a definição jurídica de causa, bem como conter os exageros da teoria da equivalência das condições. [127] Segundo Gonçalves [128],

[...] se tal relação de causa e efeito existe sempre em casos desta natureza, diz-se que a causa era adequada a produzir o efeito. Se existiu no caso em apreciação somente por força de uma circunstância acidental, diz que a causa não era adequada.

Parte da doutrina entende ser vantajosa a conjugação das duas teorias. Ao propor uma interpretação conjunta, dispõe Sanseverino [129] que "[...] só é possível considerar como causa adequada a condição que se mostra imprescindível para a ocorrência de determinado resultado".

Já a terceira teoria "[...] considera causa o fator que tenha condicionado, mais proximamente no tempo, o resultado, de modo que o mais próximo exclui o mais remoto." [130]

Neste sentido, entende-se que o ato ilícito a ser considerado causa para determinado dano deve manter com este relação direta e imediata. Conforme leciona Alvim [131],

É indenizável todo o dano que se filia a uma causa, ainda que remota, desde que ela lhe seja causa necessária, por não existir outra que explique o mesmo dano. Quer a lei que o dano seja o efeito direto e imediato da inexecução.

Esta ultima teoria foi a adotada pelo Código Civil de 2002, como resta disposto em seu art. 403 [132], in verbis,

Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.

Importante ressaltar que existem certas situações nas quais o nexo causal será excluído. São as chamadas "excludentes da responsabilidade" [133]. O nexo de causalidade não se configura quando o dano se der por culpa exclusiva da vítima, por culpa concorrente ou comum, tanto da vítima quanto do agente, por culpa de terceiro, por força maior ou por caso fortuito. [134]

Destaca-se que, como bem ensina Gonçalves [135], as causas ditas preexistentes não são aptas a afastar a responsabilidade do agente. Circunstâncias tais como as condições pessoais de saúde da vítima que, muitas vezes, chegam a agravar o dano, não excluem nem amenizam a responsabilidade do ofensor.

Neste sentido, caso a vítima "A" se submeta a uma cirurgia plástica, cujo processo de cicatrização é agravado por força de problemas cogentes de seu organismo, que não foram levados em consideração pelo cirurgião, vindo a deixar marcas profundas em sua pele, deverá o agente responder pelo resultado mais gravoso.

Como pressuposto da responsabilidade civil, o nexo de causalidade deve ser provado por aquele que se diz lesionado, ressalvadas as hipóteses previstas no ordenamento jurídico pátrio de inversão do ônus da prova.

Por fim, insta examinar o último elemento configurador da responsabilidade, qual seja, o dano. Responsabilidade civil ou obrigação de indenizar significa reparar prejuízos sofridos pela vítima. Em assim sendo, ilógico é pensar na configuração da responsabilidade, ou seja, do dever de indenizar, quando ausente o dano a ser ressarcido.

O conceito de dano é trazido pela doutrina ora como lesão a bem juridicamente protegido, ora como mera lesão de conteúdo econômico. Acerca do tema, bem disserta, mais uma vez, Gonçalves [136], segundo o qual

[...] enquanto o conceito clássico de dano é o de que constitui ele uma "diminuição do patrimônio", alguns autores o definem como a diminuição ou subtração de um "bem jurídico", para abranger não só o patrimônio, mas a honra, a saúde, a vida, suscetíveis de proteção.

Assim, os danos que se caracterizam por lesões de ordem econômica são conhecidos como danos materiais. De outro lado, aqueles que se relacionam com a violação de atributos da personalidade do indivíduo, são denominados danos morais.

Neste estudo, merece destaque também o chamado dano estético, mormente quanto mantém nexo de causalidade com o inadimplemento do cirurgião em procedimentos cosméticos de natureza cirúrgica.

O dano estético é conceituado pela doutrina ora como um dano moral originado pela lesão estética, ora como a própria lesão estética capaz de causar dor moral [137]. Segundo Lopez [138], define-se dano estético

[...] como qualquer modificação duradoura ou permanente na aparência externa de uma pessoa, modificação esta que lhe acarreta um "enfeamento" e lhe causa humilhações e desgostos, dando origem, portanto, a uma dor moral.

Importante destacar que a jurisprudência mais atual do Superior Tribunal de Justiça é uníssona no sentido de ser possível a cumulação das indenizações pelos danos materiais, morais e estéticos, quando presentes justificativas autônomas para cada um deles. [139]

Além do Código Civil, a responsabilidade também é regulada pelo Código de Defesa do Consumidor, cujos pressupostos são objetos de análise do tópico a seguir.

2.5 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL À LUZ DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

A responsabilidade regulada pela Lei 8.078/90 deve ser estudada à luz das regras e dos princípios informadores do sistema de proteção e defesa do consumidor, que, por serem normas de ordem pública e de interesse social, devem prevalecer sobre as normas de natureza privada fundadas na autonomia da vontade.

Distingue o CDC a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço e pelo vício do produto ou do serviço. Na primeira modalidade, enfatiza-se a presença do defeito ou do acidente de consumo, ou seja, a violação dos deveres anexos ao fornecimento de produtos ou serviços gera falha na segurança dos mesmos e ocasiona danos ao consumidor, que podem ser tanto de natureza moral, como patrimonial. Já na segunda modalidade, a configuração do dano ao consumidor propriamente dito não é necessária, basta a prova de que o fornecedor não cumpriu com seus deveres impostos pelo CDC e que tal descumprimento potencialmente pode culminar em um acidente de consumo. As falhas no caso dos vícios estão relacionadas à qualidade e quantidade dos produtos e serviços.

Em suma, pode-se afirmar que a responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto ou do serviço possui como pressuposto o defeito, enquanto que a responsabilidade pelo vício do produto ou do serviço possui como pressuposto o vício, como a própria nomenclatura utilizada pelo legislador já indica. A diferença entre ambos os pressupostos, conforme já mencionado acima, é bem elucidada pelo ilustre autor Sanseverino [140], segundo o qual

Enquanto os defeitos são falhas do produto ou do serviço que afetam a segurança legitimamente esperada pelo consumidor, causando-lhes danos pessoais ou patrimoniais, os vícios são falhas, ocultas ou aparentes, que afetam, via de regra, apenas o próprio produto ou serviço, tornando-os inadequados ao uso a que se destinam por não apresentarem a qualidade ou quantidade esperada pelo consumidor, inclusive por deficiência de informação. Ou seja, o produto ou serviço defeituoso é aquele que se mostra perigoso, colocando em risco a segurança do consumidor, enquanto o produto ou serviço viciado é aquele que não apresenta a qualidade esperada, mostrando-se inadequado ao uso a que se destina.

Além da configuração do defeito ou do vício, a responsabilidade do fornecedor, à luz do CDC, exige a presença da imputabilidade e do nexo de causalidade.

Relativamente à imputabilidade em acidentes de consumo, importa observar que os artigos das seções II e III, do CDC, ampliaram o rol dos responsáveis perante o consumidor lesado. Assim, a partir da dicção do dispositivo legal, imputa-se o dever de indenizar não só àquele que, de fato, causou o defeito no produto ou no serviço, mas também a todos que estão envolvidos na cadeia de produção, quais sejam, o fabricante, o construtor, o prestador de serviços, o distribuidor, o importador, o comerciante, ressalvado o direito de regresso. [141]

A responsabilidade dos fornecedores envolvidos nesta cadeia causadores do dano é solidária, por força do disposto no art. 25, §§ 1º e 2º, do CDC [142], in verbis:

Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.

§ 1° Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores.

§ 2° Sendo o dano causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, são responsáveis solidários seu fabricante, construtor ou importador e o que realizou a incorporação.

No que tange ao nexo de causalidade, este deve ser estabelecido entre o dano sofrido pelo consumidor e o defeito no produto ou serviço, ou seja, os danos a serem indenizados devem ser frutos do produto ou serviço defeituosos. Nas palavras de Sanseverino [143],

[...] deve-se estabelecer uma relação de causa e efeito entre o defeito do produto ou do serviço e os danos sofridos pelo consumidor. O nexo de causalidade constitui exatamente essa relação de causa e efeito que deve existir entre o dano e o defeito do produto ou do serviço.

Por último, importante destacar que também constitui pressuposto da responsabilidade do fornecedor em acidentes de consumo o dano, que, conforme já analisado alhures, pode ser de natureza moral ou patrimonial. Ademais, ressalta-se que é exatamente a figura da vítima do acidente de consumo, ou seja, da vítima dos danos gerados pelo serviço ou produto defeituosos, que delimita, juntamente com as diversas circunstâncias já estudadas, o conceito de consumidor. Quanto à responsabilidade pelo vício, o dano se dá em esfera contratual.

Diferentemente do que ocorre na responsabilidade civil regulada pelo Código Civil de 2002, o sistema de proteção e defesa do consumidor dispensa a presença da culpa para que reste configurado o dever de indenizar. Portanto, em regra, a responsabilidade civil oriunda de relações de consumo é de natureza objetiva. Na realidade, fala-se em responsabilidade legal, já que esta é estipulada pelo CDC como decorrente da violação dos deveres gerais atinentes à relação de consumo.

Segundo Lopez [144],

A responsabilidade legal exclui a responsabilidade contratual, pois tem como fundamento as relações de massa, a vulnerabilidade e a hipossuficiência da vítima e, principalmente, o risco que pesa sobre essa atividade, que tem que ser absorvido pelas pessoas jurídicas.

O Código de Defesa do Consumidor, entretanto, ressalva a responsabilidade dos profissionais liberais, porquanto exige a existência do elemento culpa. É o que se observa das disposições do art. 14, §4º, da Lei 8078/90:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

Trata-se de uma exceção à responsabilidade objetiva do fornecedor. Tal exceção deve-se, principalmente, à proximidade que se espera existir entre o profissional liberal e o consumidor. Como já dito linhas acima ao se analisar o conceito de fornecedor, a relação de consumo, neste caso, é personalíssima, não há a figura do fornecedor desconhecido que controla a produção em massa. É o que ensina Romanello Neto [145], segundo o qual

Explica-se a diversidade de tratamento em razão da natureza intuitu personae dos serviços prestados por profissionais liberais. De fato, médicos e advogados – para citarmos alguns dos mais conhecidos profissionais – são contratados ou constituídos com base na confiança que inspiram aos respectivos clientes. Assim sendo, somente serão responsabilizados por danos quando ficar demonstrada a ocorrência de culpa subjetiva, em quaisquer de suas modalidades: negligência, imprudência ou imperícia.

Cumpre esclarecer, contudo, que, não obstante a exigência da configuração da culpa para a responsabilidade do profissional liberal, aplica-se a tais casos a regra insculpida pelo art. 6, VIII, do CDC, que trata da inversão do ônus da prova como direito básico do consumidor. E isto porque, como dono de todo o conhecimento técnico necessário à execução do serviço ou fabricação do produto, o profissional liberal possui mais condições de demonstrar a ausência de culpa do que o consumidor, desconhecedor da técnica, de provar a sua presença. [146]

Assim, em regra, uma vez verificada a verossimilhança das alegações e a vulnerabilidade do consumidor, que, nesta hipótese, é técnica e quase sempre marcante, deve o juiz inverter o ônus da prova, atribuindo-o ao fornecedor.

Até este ponto, realizou-se um estudo geral sobre a responsabilidade civil. Importa, a partir de então, focalizar a responsabilidade civil do médico a fim de se identificar suas peculiaridades.


3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO

A responsabilidade civil do médico, desde a antiguidade, é motivo de preocupação no que diz respeito às suas dimensões. Tal preocupação é justa, haja vista que é de grande dificuldade a delimitação da imperícia, negligência ou imprudência do profissional que é formado para lidar com o bem mais precioso que existe: a vida.

O Código de Defesa do Consumidor, ao tratar da responsabilidade civil dos profissionais liberais, de forma geral, dispõe expressamente acerca da necessidade da configuração da culpa, conforme já abordado neste estudo, porquanto a marca essencial desta espécie de prestação de serviços é a pessoalidade, de forma que a escolha de determinado profissional faz presumir uma relação de confiança.

No entanto, na relação que se dá entre médico e paciente, as diversas transformações históricas vêm substituindo a confiança pela mútua desconfiança: do paciente, que se submete a uma série de consultas a diversos especialistas, pois vê em seu médico um profissional que está prestes a lhe causar um dano; do médico, que submete o paciente a uma série de exames a fim de alcançar o diagnóstico, encarando-o como alguém que certamente o demandará frente o poder judiciário, caso algo dê errado. [147]

A crise de confiança se deve também ao novo perfil assumido pelos médicos na atualidade. A necessidade de lucro torna o número de pacientes cada vez maior e a espera nos consultórios ou nas filas interminável. As consultas são breves, não há tempo para se conhecerem, para que seja feita uma análise mais profunda da real necessidade e pretensão do paciente.

A relação entre médico e paciente, de forma geral, adquiriu um caráter comercial, e muitas vezes mais interessada no lucro do que na ética.

São todas conseqüências da transformação que sofreu a posição social ocupada pelos profissionais da medicina ao longo dos tempos, que de semi-deuses passaram a ser amigos da família e, atualmente, assumem o papel de meros prestadores de serviços. É o que destaca Aguiar Júnior [148], segundo o qual

Durante muitos séculos, a sua função [do médico] esteve revestida de caráter religioso e mágico, atribuindo-se aos desígnios de Deus a saúde e a morte. [...]. Nesse contexto, desarrazoado responsabilizar o médico que apenas participava de um ritual, talvez útil, mas dependente exclusivamente da vontade divina. Mais recentemente, no final do século passado e primórdios deste, o médico era visto como um profissional cujo título lhe garantia a onisciência, médico da família, amigo e conselheiro, figura de uma relação social que não admitia dúvida sobre a qualidade de seus serviços, e, menos ainda, a litigância sobre eles.

Ademais, este ilustre jurista realiza também uma análise acerca dos efeitos do avanço tecnológico na relação médico-paciente e ressalta que na medida em que aumentaram os recursos e as oportunidades disponíveis ao médico, aumentaram também os riscos, já que o profissional procura sempre ultrapassar os limites da prevenção e do tratamento, na busca de maior eficácia. Como conseqüência disso, as técnicas são cada vez mais agressivas, complexas e perigosas e, aos olhos do consumidor leigo, as expectativas se confundem com certezas de que a cura será alcançada. [149]

De outro lado, a modernidade modificou também a forma de se alcançar o bem-estar. A cirurgia estética se tornou importante instrumento à obtenção de perfeita saúde espiritual. A preocupação com a forma física leva milhares de pessoas às mesas de cirurgia, na certeza de que o resultado obtido lhe proporcionará maior aceitação social, além de maior auto-estima, considerada elemento essencial à saúde mental do paciente.

As cirurgias estéticas não são idênticas em sua natureza. Diferenciam-se, notadamente em função do motivo que enseja sua realização. E cada espécie envolve uma obrigação específica assumida pelo médico, o que influencia e distingue a configuração da responsabilidade civil do profissional. É o que será analisado adiante.

3.1 CIRURGIAS PLÁSTICAS: ESPÉCIES

Antes de se adentrar no estudo das espécies de cirurgia plástica, faz-se mister destacar que a realização de cirurgias desta natureza já foi tida pela jurisprudência francesa como prática condenável que, por si só, ensejava a responsabilização do profissional da medicina, independentemente da configuração da violação dos deveres inerentes à atividade e ao contrato. É o que destaca Dias [150] ao narrar os liames de uma causa julgada na França.

Segundo o douto autor, tratava-se de cirurgia estética realizada por profissional de renome, que gozava da confiança dos demais médicos de seu meio, em uma senhora desprovida de qualquer defeito estético e que possuía saúde perfeita. A intenção era retirar parte da gordura localizada na perna da mesma. Em um primeiro momento, o médico garantiu à senhora que o procedimento que pretendia realizar era simples e não envolvia quaisquer riscos. No entanto, por negligência do mesmo na realização do ato cirúrgico, a paciente, após inúmeras complicações, teve sua perna amputada. O juiz da causa condenou o profissional, considerando que o fato de ter o mesmo submetido a paciente em perfeito estado de saúde a cirurgia de extrema complexidade e sem finalidade curativa, por si só, seria caracterizador da responsabilidade. [151]

É cediço que na realidade atual impossível se mostra a condenação da própria cirurgia plástica. Trata-se de prática comum, dominada pela técnica médica e que tem sido banalizada, muitas vezes, pela incessante busca pela beleza na sociedade contemporânea. A condenação, embora devida, deveria ter se pautado na violação por parte do médico dos deveres relativos ao contrato e na sua conduta culposa, ante o erro no procedimento.

A cirurgia plástica difere-se das demais intervenções cirúrgicas que envolvem o exercício da medicina. É conceituada por Introna, citado por Kfouri Neto [152], "[...] como procedimento que não tem por escopo curar uma enfermidade, mas sim eliminar as imperfeições físicas que, sem alterar a saúde de uma pessoa, tornam-na feia, do ponto de vista estético".

Este tipo de procedimento cirúrgico é voltado às modificações estéticas do corpo da pessoa com o objetivo de se obter uma melhora na aparência física, seja a partir da correção de imperfeições, seja em busca de mero embelezamento.

Em que pese a afirmativa do ilustre autor supracitado, de que as cirurgias plásticas são desprovidas de finalidade curativa, tal tema não se mostra pacífico na doutrina pátria. Alguns autores a relacionam com a saúde mental do paciente, com seu bem-estar. Tal divergência é analisada por Kfouri Neto [153], segundo o qual,

[...] induvidosa é a feição curativa de que se pode revestir a cirurgia estética. Enfermidade não é apenas o processo patológico de degeneração orgânica ou física. Existe uma variada gama de moléstias mentais e de perturbações psíquicas. A cirurgia estética pode atenuar ou eliminar totalmente um mal-estar, não físico, mas psíquico ou moral.

No que tange à questão, importante esclarecer que a cirurgia estética pode ser estética propriamente dita ou estética reparadora [154]. Esta última possui, segundo a doutrina mais abalizada, inegável finalidade curativa, pois se destina a correção de defeitos que podem ser congênitos ou originados de acidentes.

A cirurgia estética propriamente dita, por sua vez, é subdivida em duas modalidades, conforme destaca Kfouri Neto [155]: a "cirurgia de caráter estritamente estético", ou puramente estética, e a "cirurgia estética latu sensu", na qual o paciente possui imperfeição física de pequeno grau, que lhe causa mal-estar psíquico.

Na cirurgia puramente estética, o paciente, sem qualquer imperfeição, se submete a uma situação de risco na busca pelo resultado. [156]

Segundo Cavalieri Filho [157],

Importa nesta especialidade, distinguir a cirurgia corretiva da estética. A primeira tem por finalidade corrigir deformidade física congênita ou traumática. O paciente, como sói acontecer, tem o rosto cortado, às vezes deformado, em acidente automobilístico; casos existem de pessoas que nascem com deformidades da face e outras com defeitos físicos, sendo, então, recomendável a cirurgia plástica corretiva.

Na lição de Lopez [158], as cirurgias estéticas embelezadoras

[...] foram muito combatidas no passado e, atualmente, apesar de aceitas e até em moda, a responsabilidade pelos danos produzidos por elas é vista com muito maior rigor que pelas operações necessárias à saúde ou à vida do doente. Todavia, somente esta plástica estética propriamente dita recebe esse tratamento porque a plástica reparadora é considerada tão necessária quanto qualquer outra operação, tendo da mesma forma finalidades terapêuticas como nos casos de queimaduras deformantes.

Desta feita, na cirurgia estética embelezadora deve-se considerar que o paciente não se encontra acometido por nenhum mal, ou seja, encontra-se em perfeito estado de saúde e não necessita de intervenção médica alguma. Daí a ausência de finalidade curativa.

No entanto, em se tratando de cirurgia estética reparadora ou terapêutica, a finalidade curativa revela-se presente, já que o paciente possui imperfeição física e busca no procedimento cirúrgico a sua reparação. O mesmo raciocínio se aplica às cirurgias estéticas voltadas à correção de certos aspectos físicos que causam ao paciente problemas de saúde ou que agravam aqueles já existentes. É o caso, por exemplo, da mamoplastia redutora na paciente acometida por problemas de coluna.

Acerca deste tipo de cirurgia, especificamente, o Conselho Federal de Medicina se manifestou através de Parecer nº 46/2003, proferido em processo-consulta nº 641/2003, no sentido de que, em regra, trata-se de procedimento cirúrgico de natureza estética, de forma que a finalidade curativa, em virtude das conseqüências danosas à coluna vertebral, deve ser devidamente comprovada por meio de exames complementares e análise minuciosa do caso concreto. [159]

Em razão da diferença entre as circunstâncias que ensejam a realização de cada espécie de cirurgia plástica, a obrigação atribuída ao médico em cada uma delas também se distingue. Não há uniformidade na doutrina e na jurisprudência acerca do tipo de obrigação que assume o cirurgião plástico, se é de meio ou de resultado. A fim de determinar possível solução ao impasse, necessária se faz a análise da atividade médica e do conteúdo da relação obrigacional.

3.2 A ATIVIDADE MÉDICA: OBRIGAÇÃO DE MEIO OU DE RESULTADO

A análise voltada ao animus do paciente possui seu grau de importância na definição das obrigações assumidas pelo médico na prestação dos serviços em cirurgias estéticas. Porém, deve-se ter em destaque também a relação jurídica existente entre o consumidor – paciente – e fornecedor – médico –, que é uma relação contratual, aperfeiçoada pelo dever de boa-fé e, mais ainda, pela ética.

No que concerne às obrigações que envolvem tal relação contratual, cumpre esclarecer que a doutrina costuma distingui-las em obrigações de meio e obrigações de resultado. Trata-se de distinção de grande valia para este estudo, notadamente tendo em vista as repercussões destes tipos de obrigação no que diz respeito à distribuição do ônus da prova. Conforme esclarece Lopez [160],

A distinção a esses dois tipos de obrigações é atribuída a Demogue, que "a formulou incidentalmente ao tratar do problema da repartição do ônus da prova em matéria de obrigações contratuais e delituais".

Esta classificação possui como critério o fim a que se destina a prestação do serviço. Neste sentido, caso o fornecimento de serviços ajustado seja o de simplesmente diligenciar de forma eficaz para a obtenção de determinado resultado, sem, contudo, abranger a necessária concretização deste, a obrigação será de meios, ao passo que, se o fornecedor se obrigar a atingir determinado fim, sua obrigação será de resultados. Assim leciona Gonçalves [161]

[...] a obrigação é de meio quando o devedor promete empregar seus conhecimentos, meios e técnicas para a obtenção de determinado resultado, sem no entanto responsabilizar-se por ele. [...] Quando a obrigação é de resultado, o devedor dela se exonera somente quando o fim prometido é alcançado. Não o sendo, é considerado inadimplente, devendo responder pelos prejuízos decorrentes do insucesso.

Completam tais disposições as palavras de Diniz [162], segundo a qual nas obrigações de meio a

[...] prestação não consiste num resultado certo e determinado a ser conseguido pelo obrigado, mas tão-somente numa atividade prudente e diligente deste em benefício do credor. Seu conteúdo é a própria atividade do devedor, ou seja, os meios tendentes a produzir o escopo almejado, de maneira que a inexecução da obrigação se caracteriza pela omissão do devedor em tomar certas precauções, sem se cogitar do resultado final. [...] [Nas obrigações de resultado] o credor tem direito de exigir do devedor a produção de um resultado, sem o que se terá o inadimplemento da relação obrigacional. Tem em vista o resultado em si mesmo, de tal sorte que a obrigação só se considerará adimplida com a efetiva produção do resultado colimado.

Como bem destacam Farias & Rosenvald [163], o exemplo ordinariamente mencionado de obrigação de meio é o do

[...] médico que se obriga a envidar todos os esforços no sentido de aplicar os meios indispensáveis à cura ou sobrevida do paciente, sem que isto implique a obrigação de assegurar a própria cura ou o resultado benéfico.

Trata-se de conseqüência da própria natureza da prestação de serviços de medicina curativa, diante do risco que acomete a saúde do paciente e da impossibilidade natural de se garantir a cura de certos males.

Neste tipo de obrigação, o credor, ante o defeito na prestação do serviço, deve demonstrar que o devedor não agiu com a diligência necessária. Não basta a prova de que o resultado almejado não foi atingido. E isto porque o objeto do contrato firmado entre as partes compreendia a utilização dos meios necessários para se alcançar determinado fim. Não se prometeu a efetivação do resultado.

Assim, nas hipóteses de responsabilidade médica em que o profissional assume obrigação de meios, cabe ao paciente lesado a prova da negligência, imprudência ou imperícia, caracterizadoras do erro médico, relativamente aos meios por ele utilizados na prestação do serviço.

Neste sentido, sustenta Kfouri Neto [164]:

Asseveramos, alhures, que o encargo assumido pelo médico configura obrigação de meios – e só por exceção constituirá obrigação de resultado. [...] Quanto à primeira, a vítima deverá fazer prova de que o médico não agiu com o grau de diligência razoável e houve descumprimento culposo.

Por outro lado, nas obrigações de resultado, basta ao credor provar que o resultado pretendido não foi atingido, restando ao devedor o ônus de demonstrar fato que afaste sua responsabilidade [165]. Neste caso, a manifestação de vontade das partes só será satisfeita quando alcançado o resultado, que é o próprio objeto do contrato.

Merecem destaque os ensinamentos de Theodoro Júnior [166], acerca da aplicação das regras alusivas ao ônus da prova dispostas no art. 333, do Código de Processo Civil:

Aplicando-se essas regras a uma ação comum de indenização por descumprimento de contrato de resultado, ficará a cargo do autor a prova:

a) do descumprimento do contrato;

b) do prejuízo sofrido; e

c) do nexo causal entre este e o descumprimento da obrigação.

Neste caso, o próprio inadimplemento, ou seja, a não obtenção do resultado avençado, por si só, presume a presença da culpa, cabendo, portanto, ao agente que se imputa responsável a prova da sua ausência.

É o que complementa Theodoro Júnior [167]:

Não se exige prova da culpa do inadimplente, porquanto esta se revela implícita na inobservância do dever de realizar a prestação contratual. [...] No caso da violação do dever contratual, não tem a vítima que provar a culpa do inadimplente porque decorre do próprio desrespeito ao dever de cumprir a obrigação negocial.

Faz-se mister salientar que a obrigação assumida pelo fornecedor, tal como o médico, delimita-se pelo objeto do contrato. Assim, responderá sempre por não ter cumprido o pactuado, seja meio ou fim. É o que salienta Philippe Remy, citado por Lopez [168], segundo o qual a diferença entre obrigação de meio e de resultado "[...] é apenas retórica e com valor sugestivo, pois em ambas tem o devedor que executar o que prometeu e em ambas há uma obrigação preexistente."

É certo que, como já dito, a natureza de determinado serviço influencia na delimitação do tipo de obrigação assumida pelo fornecedor, em razão de suas próprias peculiaridades – como a impossibilidade de se garantir a cura de certas doenças –, mas não é a única determinante. Deve-se considerar que a manifestação de vontade das partes, quando amparada pelos princípios basilares do direito contratual, é importante elemento para tanto.

No que concerne às cirurgias estéticas embelezadoras, cirurgias puramente estéticas, a obrigação assumida pelo profissional médico será, em regra, de resultado. E isto porque o objeto contratado pelo consumidor, neste caso, é a determinada mudança em seu aspecto físico, exatamente da maneira como por ele pretendido.

Conforme pontuado no tópico anterior, tais procedimentos são essencialmente estéticos, ou seja, desprovidos de finalidade terapêutica ou curativa.

Não basta a utilização de todos os meios hábeis à obtenção do fim desejado. A satisfação dos anseios daquele paciente que busca a melhora de uma qualidade física específica é fundamental. Por esta razão, caso não seja alcançado o resultado almejado pelo consumidor, caracterizado estará o inadimplemento.

Outrossim, este é o entendimento encampado com clareza por Lopez [169], segundo a qual,

Quando alguém, que está muito bem de saúde, procura um médico somente para melhorar algum aspecto seu, que considera desagradável, quer exatamente esse resultado, não apenas que aquele profissional desempenhe seu trabalho com diligência e conhecimento científico, caso contrário, não adiantaria arriscar-se e gastar dinheiro por nada. Em outras palavras, ninguém se submete a uma operação plástica se não for para obter um determinado resultado, isto é, a melhoria de uma situação que pode ser, até aquele momento, motivo de tristezas.

Nas cirurgias estéticas reparadoras e nas estéticas lato sensu – que envolvem pequenas imperfeições –, por outro lado, em razão da finalidade curativa que possuem, conforme já observado, a obrigação do médico será de meios. Nesta espécie de procedimento cirúrgico encontra-se presente o elemento necessidade da realização, que não deve ser confundido com a urgência ou emergência.

Sobre as cirurgias puramente estéticas, da mesma forma também conclui Kfouri Neto [170]:

Neste caso, onde se expõe o paciente a riscos de certa gravidade, o médico se obriga a um resultado determinado e se submete à presunção de culpa correspondente e ao ônus da prova para eximir-se da responsabilidade pelo dano eventualmente decorrente da intervenção [...].

Segundo Dias [171],

No tocante à cirurgia estética, continuam-se a confundir cirurgia reparatória e cirurgia embelezadora. Se aquela pode e deve ser considerada obrigação de meios, a segunda há de ser enquadrada como obrigação de resultado, até pelos termos em que os profissionais, alguns dos quais criminosamente distanciados da ética, se comprometem, sendo generalizada no segundo grupo, ao contrário do que ocorre no primeiro, a promessa de resultado procurado pelo cliente.

Muitos autores, a contrario sensu, sustentam que tanto na cirurgia puramente estética, quanto na estética reparadora, a obrigação assumida pelo médico é de meios. Todos se apóiam na doutrina e jurisprudência francesas, que consideram idênticas as obrigações assumidas pelo cirurgião estético e pelos demais profissionais da medicina, porquanto estão sujeitos aos mesmos riscos. [172]

É o que argumenta Giostri [173], segundo a qual, pela natureza da obrigação de resultados, é impossível atribuir-lhe ao médico na realização de cirurgias estéticas. Expõe que

É interessante relembrar que não só DEMOGUE, como todos os outros autores, especialmente os franceses - que se propuseram a comentar, estudar ou até criticar sua divisão -, foram unânimes em afirmar que a obrigação de resultado era adequada para todos os casos com uma prestação determinada, mas onde o fator álea não estivesse presente. Daí entender-se inadequado considerar como de resultado uma obrigação cujo cumprimento se desenrola numa zona tão aleatória quanto a do organismo humano. Ele é previsível sim, mas até um certo ponto, a partir daí é entrar-se no universo nebuloso da imprevisibilidade e da imponderabilidade.

Os que entendem ser a obrigação do cirurgião plástico, em todas as espécies de cirurgia, uma obrigação de meios fundamentam suas conclusões principalmente na presença do risco, como já mencionado. Explicam que o risco existente nos procedimentos desta natureza é tão grande quanto o que envolve todos os demais atos cirúrgicos. Assim, dizem ser impossível ao médico garantir o resultado, vez que diversos fatores que independem de sua vontade e de sua técnica podem impedir que o mesmo seja alcançado.

É o que destaca o Ministro Aguiar Júnior [174]:

Na cirurgia estética, o dano pode consistir em não alcançar o resultado embelezador pretendido, com frustração da expectativa, ou em agravar os defeitos, piorando as condições do paciente. As duas situações devem ser resolvidas à luz dos princípios que regem a obrigação de meios, mas no segundo fica mais visível a imprudência ou a imperícia do médico que provoca a deformidade. O insucesso da operação, nesse último caso, caracteriza indício sério da culpa do profissional, a quem incumbe a contraprova de atuação correta.

No entanto, esta não é a melhor interpretação a ser feita acerca das obrigações assumidas pelo médico nas cirurgias puramente estéticas, especificamente, já que naquelas que são estético-reparadoras, as obrigações são, via de regra, de meios.

Não obstante a existência do risco, aliás, em virtude, notadamente de sua presença, deve-se levar em consideração sempre que o paciente que se submete a ato cirúrgico puramente estético não o faz por qualquer motivo relevante sob o ponto de vista da busca pela cura, que é o que, de fato, impulsiona o exercício medicina, em primeiro lugar.

O rigor na apuração da responsabilidade civil do cirurgião plástico, decorrente do fato se submeter pessoa sadia aos riscos cirúrgicos, é destacado por Introna, citado por Kfouri Neto [175]:

O simples fato de haver empreendido sobre região corporal sadia uma operação que comporta riscos de real gravidade, com o único objetivo de corrigir o aspecto exterior, é suficiente a concretizar uma culpa fora daqueles que são os habituais requisitos da responsabilidade profissional.

Por esta razão, a viabilidade de realização de cirurgia puramente estética deve ser analisada pelo médico, já que só interessa ao consumidor a conquista do resultado almejado. [176]

As cirurgias estéticas não podem ser tratadas em igualdade de condições com os demais procedimentos cirúrgicos. Trata-se de espécie de prestação de serviço médico repleta de peculiaridades que tornam necessário maior cuidado na celebração da avença e na fixação das obrigações das partes.

Desta feita, a obrigação assumida pelo cirurgião naquele procedimento desprovido de qualquer finalidade curativa é, em regra, de resultado. O risco que o envolve é apenas mais um fator que comprova a necessidade de se analisar a viabilidade de realização do mesmo.

Com efeito, este é o entendimento majoritário sustentado pela jurisprudência brasileira [177]. É o que se observa do seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça [178]:

AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDADE MÉDICA. OBRIGAÇÃO DE MEIO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 07/STJ. INCIDÊNCIA.

1. Segundo doutrina dominante, a relação entre médico e paciente é contratual e encerra, de modo geral (salvo cirurgias plásticas embelezadoras), obrigação de meio e não de resultado. Precedente.

2. Afastada pelo acórdão recorrido a responsabilidade civil do médico diante da ausência de culpa e comprovada a pré-disposição do paciente ao descolamento da retina - fato ocasionador da cegueira - por ser portador de alta-miopia, a pretensão de modificação do julgado esbarra, inevitavelmente, no óbice da súmula 07/STJ.

3. Agravo regimental improvido. [grifos nossos].

No mesmo sentido o seguinte aresto:

CIVIL E PROCESSUAL - CIRURGIA ESTÉTICA OU PLÁSTICA - OBRIGAÇÃO DE RESULTADO (RESPONSABILIDADE CONTRATUAL OU OBJETIVA) - INDENIZAÇÃO - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.

I - Contratada a realização da cirurgia estética embelezadora, o cirurgião assume obrigação de resultado (Responsabilidade contratual ou objetiva), devendo indenizar pelo não cumprimento da mesma, decorrente de eventual deformidade ou de alguma irregularidade.

II - Cabível a inversão do ônus da prova.

III - Recurso conhecido e provido. [179]

Na mesma linha tem se manifestado o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo [180]:

APELAÇÃO CÍVEL. 1) cirurgia plástica estética. OBRIGAÇÃO de resultado. INVER- SÃO do ônus da prova. 2) dano moral. paciente. grave lesão estética. perda de sensibilidade. 3) danos materiais. Cirurgia plástica reparadora. custeio de despesas. inexeqüibilidade.

1. A obrigação do médico, na cirurgia plástica estética, é de resultado, e não de meio. Por tal razão, inverte-se o ônus da prova, ficando a cargo do médico a prova liberatória de que não laborou com imprudência, negligência ou imperícia, para somente assim não ser responsabilizado pelo dano ou prejuízo causado no distanciamento do resultado prometido.

2. Da grave lesão estética causada nos seios de paciente, descortina-se a ocorrência de dano moral, danos estes que, pela agressividade e seqüelas (perda de sensibilidade), potencializam-se como motivos de dor, tristeza íntima, arrependimento, insegurança, inferiorização afetiva, comprometendo a auto-estima e o êxito social e familiar (esfera afetiva) da paciente.

3. É inexeqüível a condenação por danos materiais que imponha, ao réu, o custeio de despesas de eventual cirurgia plástica reparadora que queira a autora ser submetida com outro cirurgião de sua escolha.

No que tange a esta questão dos riscos e da viabilidade da cirurgia estética, singular importância assume os deveres anexos à relação contratual que devem ser atendidos pelos contratantes, principalmente o dever de informação que se dirige a ambas as partes e que é tratado pelo sistema de proteção e defesa do consumidor como direito básico deste último.

Ademais, importante pontuar que a mesma doutrina francesa que admite ser de meios a obrigação do médico nas cirurgias puramente estéticas, destaca a peculiaridade deste tipo de procedimento e exige maior rigidez quanto ao dever de informação, bem como quanto à obtenção do consentimento esclarecido. [181]

Insta ressaltar, mais uma vez, que a obrigação sempre se dá nos limites daquilo que foi pactuado entre os contratantes. Neste sentido, embora, nas cirurgias estéticas embelezadoras, seja de resultado, em regra, o grau de informação e transparência assumido pelo médico no momento do acordo de vontades é de singular importância para a delimitação da obrigação.

3.3 DIREITO/DEVER DE INFORMAÇÃO NA CIRURGIA PLÁSTICA

O Direito do Consumidor preocupa-se, notadamente, com a segurança e a saúde dos consumidores. Para que a excelência da qualidade e da segurança seja alcançada, necessária se faz a eliminação de quaisquer ameaças ao consumidor, já que os únicos riscos aceitos são os normais e previsíveis.

Neste sentido, dois importantes deveres surgem para o fornecedor, que não devem ser afastados em hipótese alguma, sob pena de serem responsabilizados, na forma da lei, são eles: o dever de cuidado e o dever de informação - esclarecimento do consumidor acerca de todas as peculiaridades do serviço, principalmente os riscos e obrigações que são assumidas. [182]

O dever de cuidado é inerente à prestação do serviço médico e diz respeito à obrigação do médico de estar à disposição do paciente, de prestar-lhe assistência quando necessário, acompanhando atentamente seu quadro, as reações de seu organismo, mormente na fase pós-cirúrgica. [183]

Ao se tratar dos deveres anexos à relação de consumo, destacou-se o dever de informação atribuído ao fornecedor, cuja observância caracteriza direito do consumidor. Faz-se mister esclarecer que este dever existe também ao consumidor paciente.

Prima facie, no que tange ao dever de informar em abstrato, ressalta-se que este deve ser cumprido tanto na fase pré-contratual, quando da delimitação das obrigações de cada um dos contratantes, do conteúdo e do objeto do negócio jurídico, como na fase de execução do avençado.

No momento de formação do contrato, o dever de informar dirigido ao profissional da medicina é determinante à obtenção do consentimento do paciente. Pode ser verificado sob duas vertentes, segundo a doutrina estrangeira: o dever de conselho e o deve de esclarecimento. [184]

O dever de aconselhamento diz respeito à obrigação do médico de "[...] fornecer aquelas informações necessárias para que o consumidor possa escolher entre os vários caminhos a seguir [...]" [185]. Deve o médico, em razão de seu conhecimento técnico, expor ao paciente quais os tipos de serviços (tratamentos, cirurgias, medicamentos, técnicas, etc.) que podem ser utilizados em seu caso concreto, e aconselhar o mais indicado, o mais benéfico.

O dever de esclarecimento, por sua vez, impõe ao médico a obrigação de elucidar ao paciente o seu real quadro clínico, a necessidade ou não de se submeter a determinado procedimento, os riscos que envolvem a prestação de determinado serviço, as possibilidades de êxito, as desvantagem, as possíveis seqüelas, as obrigações que deverão ser por ele cumpridas para o êxito do serviço, enfim, todas as peculiaridades do objeto do contrato.

Neste sentido, segundo Marques [186],

O dever de esclarecimento (Aufklarungspflicht, em alemão e obligation de renseignements, em francês) obriga o fornecedor do serviço [...] a informar sobre os riscos do serviço, [...], sobre a forma de utilização [...] e a qualidade dos serviços [...].

Cumpre frisar que as informações prestadas pelo profissional são determinantes à formação do consentimento do paciente e, por tal razão, devem ser claras, mais do que prestadas, devem ser compreendidas pelo consumidor. É o que destaca Kfouri Neto [187]:

A informação prestada pelo médico deve ser inteligível e leal. Tanto a informação quanto o consentimento devem ser escritos, individualizados e testemunhados. A adoção de formulários é difícil dadas as peculiaridades de cada caso. De qualquer modo, não podem suscitar a menor dúvida.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de considerar a ausência do consentimento informado do paciente como causa a ensejar a responsabilidade civil do médico, por se tratar de conduta negligente do mesmo. É o que, de fato, se extrai do voto do Ministro Relator Aguiar Júnior [188]:

Do ponto de vista doutrinário e legal, o r. acórdão apenas acentuou o dever ético do médico de informar o paciente sobre as conseqüências da cirurgia, o que não se confunde com a singela comunicação de que o ato operatório seria difícil e demorado, nada esclarecendo sobre a conveniência da intervenção cirúrgica, resultados, expectativas e possibilidades de êxito ou de agravamento do quadro. A despreocupação do facultativo em obter do paciente seu consentimento informado pode significar - nos casos mais graves - negligência no exercício profissional. As exigências do princípio do consentimento informado devem ser atendidas com maior zelo na medida em que aumenta o risco, ou o dano, ou diminui a possibilidade de êxito.

Ainda, também se atribui o dever de informar ao paciente, mormente com relação às doenças que possui, às suas características e hábitos pessoais, bem como possíveis reações de seu organismo, acerca das quais tenha conhecimento e que sejam relevantes à prestação do serviço ou que tenham sido questionadas pelo médico.

No entanto, como destaca Marques [189], no que concerne à observância deste dever, presume-se a boa-fé do consumidor, de forma que o mesmo não poderá ser prejudicado por ter faltado com determinada informação especializada. Salienta a brilhante doutrinadora que tais informações, na maioria das vezes, são desconhecidas ou consideradas irrelevantes pelo consumidor. Portanto, neste caso, em sendo necessárias, devem ser investigadas pelo profissional.

De forma geral, o dever de informação atribui à avença a noção de transparência [190], imprescindível à adequada execução dos contratos, bem como à satisfação dos anseios das partes.

Ao destacar a importância do dever de informar, leciona Lopez [191] que

Hoje, o dever de informar é princípio do sistema do Código de Defesa do Consumidor, art. 4º, IV, e também direito básico do consumidor (cliente), art. 6º, III, quando o Código determina que a informação (direito básico) deve ser adequada e clara sobre os diferentes produtos ou serviços, bem como sobre os riscos que representem. Além disso, fazem parte do sistema do consumidor os princípios da transparência em todas as atitudes, assim como a vulnerabilidade do consumidor. Com certeza, o doente é o indivíduo mais vulnerável que existe.

A obrigação de informar atribuída ao médico encontra-se expressa também no Código de Ética Médica, em seu art. 59, in verbis:

Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal.

Quanto à relação de consumo que envolve a realização de cirurgia estética, a informação assume papel ainda mais relevante. E isto porque, a depender da maneira como for prestada, é capaz de determinar as obrigações dos contratantes de forma diversa a que normalmente lhes são atribuídas em razão da natureza do serviço.

Em virtude do agravamento das obrigações do médico nesta espécie de procedimento, o mesmo deve se imbuir de maior cuidado no momento da contratação, a fim de analisar com exatidão as informações trazidas pelo caso. [192]

Pelas lições de Kfouri Neto [193], deve o cirurgião seguir alguns passos na fase pré-contratual, quais sejam: confirmar as informações apresentadas pelo consumidor, ponderar os riscos e as vantagens trazidos pela cirurgia, verificar e se convencer da viabilidade da mesma, informar ao paciente os benefícios e malefícios do procedimento.

Como já verificado, o paciente procura com a cirurgia plástica o resultado. A ele não interessa o "meio termo". Caso o resultado pretendido não seja alcançado, juridicamente, a inexecução será completa. Daí a necessidade do dever de informação. O cirurgião plástico delimitará sua responsabilidade através das informações que passa para o consumidor.

Caso não seja a cirurgia estética viável ao alcance do resultado pretendido pelo paciente, caso os riscos sejam muitos, de forma a dificultar ou impedir a conclusão do procedimento da forma como esperada pelo consumidor, deve o médico expor ao consumidor tais circunstâncias e informar a impossibilidade de se obter o resultado, ou até mesmo, no mais graves dos casos, se recusar à realização da cirurgia. Neste sentido, destaca Dias [194]:

A cirurgia estética, portanto, deve ser apreciada do ponto de vista subjetivo. É, decerto, impossível compreender a irresponsabilidade do médico que pratica operação desta natureza sem a existência de um como que estado de necessidade, apreciável segundo as circunstâncias e na proporção dos riscos que imponha ao paciente. Isto é, embora reconhecida a necessidade da operação, deve o médico recusar-se a ela, se o perigo da intervenção é maior que vantagem que poderia trazer ao paciente.

Oportuno ressaltar que o defeito de informação, ou seja, a inobservância deste dever anexo à relação contratual, é passível de ensejar a responsabilidade médica, mormente em se considerando a especialidade estética. É o que pontua Lopez [195], segundo a qual, nas cirurgias puramente estéticas, a informação defeituosa é extremamente grave, vez que se trata de procedimentos dispensáveis.

Como bem destaca o jurista francês Jean Penneau, citado por Lopez [196], para os procedimentos dispensáveis, o defeito de informação configura-se também no caso "[...] em que se o cliente tivesse sido melhor informado teria optado por outra solução, que não o exporia aos riscos da internação."

Conforme já analisado, as cirurgias puramente estéticas são desprovidas de finalidade curativa, porquanto o paciente que a ela se submete, o faz motivado apenas pelo embelezamento de sua feição estética, já que, em regra, goza de perfeita saúde. É por esta razão que, como destacou a aludida jurista, pode ser considerado procedimento dispensável.

Cumpre ponderar que inegável é o fato de que esta espécie de serviço médico envolve grande álea, característica a todos os procedimentos cirúrgicos. No entanto, é exatamente a aliança entre a presença de tantos riscos e a ausência de finalidade curativa que exige maior rigor na observância do dever de informar.

Assim sendo, pode-se afirmar que a informação defeituosa pode ensejar a responsabilidade do profissional da medicina, na forma como regula o art. 14, do Código de Defesa do Consumidor, desde que configurados os demais elementos caracterizadores da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, já elucidados em capítulo anterior.

No que concerne à obrigação de resultado assumida pelo médico nas cirurgias puramente estéticas, bem como à importância da informação da definição desta obrigação, com louvor ressalta Cavalieri Filho [197]

O objetivo do paciente [na cirurgia estética] é melhorar a aparência, corrigir alguma imperfeição física – afinar o nariz, eliminar as rugas do rosto etc. nesses casos, não há dúvida, o médico assume obrigação de resultado, pois se compromete a proporcionar ao paciente o resultado pretendido. Se esse resultado não é possível, deve desde logo alertá-lo e se negar a realizar a cirurgia. O ponto nodal, conforme já salientado [...], será o que foi informado ao paciente quanto ao resultado esperável. Se o paciente só foi informado dos resultados positivos que poderiam ser obtidos, sem ser advertido dos possíveis efeitos negativos (riscos inerentes), eis aí a violação do dever de informar, suficiente para respaldar a responsabilidade médica.

É, portanto, no caso concreto que se poderá distinguir, para fins de responsabilidade civil, se a obrigação será de meios ou de resultado. Mesmo nos casos em que a obrigação é considerada de meios, caso o profissional prometa a obtenção do resultado, quando da formação do contrato, deverá ser responsabilizado pelo mesmo. [198]

Ainda, importante pontuar que mesmo nas obrigações de resultado, a presença da culpa do médico não pode ser dispensada. A responsabilidade do profissional liberal da medicina continua a ser subjetiva, a teor das disposições do art. 14, §4º, do Código de Defesa do Consumidor, contudo, a prova da ausência de culpa cabe ao médico.

A fim de analisar a configuração da culpa médica e do nexo causal para a responsabilidade civil, necessária se faz a distinção entre o erro médico e as causas de exclusão da responsabilidade.

3.4 CULPA MÉDICA E CAUSAS DE EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE

A identificação da culpa médica, tanto nas relações em que o profissional se sujeita a obrigação de meio, quanto naquelas em que em que está submetido a obrigação de resultado, é considerada de extrema dificuldade. [199]

Consoante já mencionado, nas cirurgias puramente estéticas, objeto deste estudo, para a configuração da responsabilidade do médico, cabe ao paciente lesado a prova do defeito na prestação dos serviços, ou seja, do dano caracterizado pela não obtenção do resultado avençado, bem como do nexo causal entre o defeito e a conduta do profissional.

E isto porque a responsabilidade civil do cirurgião plástico nesta espécie de procedimento é subjetiva, por força do disposto no art. 14, §4º, do Código de Defesa do Consumidor, porém com culpa presumida [200], já que a obrigação assumida pelo mesmo é, em regra, de resultado.

Ao médico atribui-se o ônus de afastar a presunção de culpa, "mediante prova da ocorrência de fator imponderável capaz de afastar o seu dever de indenizar" [201], o que importa na prova de que agiu de forma diligente, prudente e perita e que, por conseqüência, a não obtenção do resultado se deve a circunstâncias alheias à sua vontade, que caracterizam as excludentes do nexo causal.

A responsabilidade do médico pode estar fundada também na violação dos deveres anexos à relação de consumo, conforme elucidado linhas acima. Neste caso, a violação dos deveres caracteriza a conduta negligente, na maioria das vezes.

No que tange a prova da culpa médica, importante ressaltar a relevância da regra consumerista de inversão do ônus da prova nas obrigações de meios, bem como da imputação da contraprova ao profissional, nas obrigações de resultado.

Isso porque, em regra, os obstáculos que se apresentam ao consumidor para a prova da conduta culposa do prestador de serviços são inúmeros. Trata-se de questões de caráter estritamente técnico, muitas vezes, que são desconhecidas pelo leigo. Ademais, a seqüência de atos praticados pelo médico é incompreensível aos olhos do paciente, além de estar envolta no sigilo necessário à atividade da medicina, segundo determinação legal. É o que destaca Aguiar Júnior [202]:

São consideráveis as dificuldades para a produção da prova da culpa. Em primeiro lugar, porque os fatos se desenrolam normalmente em ambientes reservados, seja no consultório ou na sala cirúrgica; o paciente, além das dificuldades em que se encontra pelas condições próprias da doença, é um leigo, que pouco ou nada entende dos procedimentos a que é submetido, sem conhecimentos para avaliar causa e efeito, nem sequer compreendendo o significado dos termos técnicos; a perícia é imprescindível, na maioria das vezes, e sempre efetuada por quem é colega do imputado causador do dano, o que dificulta e, na maioria das vezes, impede a isenção e a imparcialidade. É preciso superá-las, porém, com determinação, especialmente quando atuar o corporativismo.

Por tais razões, extrema relevância possui o dever de cooperação do prestador de serviços na busca pela verdade real, no âmbito processual, bem como o seu dever de provar a ausência de culpa e do dever de indenizar.

A legislação pátria trata das chamadas excludentes de responsabilidade. São circunstâncias que interferem no acontecimento que deu origem ao dano, rompem o nexo causal e, por conseqüência, excluem a responsabilidade. [203]

Pela disposição do art. 14, §3º, I e II, do Código de Defesa do Consumidor, o prestador de serviço estará isento de responsabilidade quando provar a inexistência do defeito e a culpa exclusiva do consumidor.

O Código Civil de 2002 [204], por sua vez, prevê como causas excludentes de responsabilidade o caso fortuito ou força maior, conforme disposições do art. 393, e a culpa exclusiva da vítima.

As regras trazidas por ambos diplomas legais se aplicam ao médico cirurgião plástico, de modo que, uma vez restando demonstrada a presença de uma dessas circunstâncias, não poderá ser responsabilizado.

Importa pontuar, entretanto, que não se deve confundir causas imprevisíveis com questões que deveriam ter sido levadas em conta pelo médico quando da análise acerca da viabilidade da cirurgia. Sobre o tema, leciona Lopez [205]:

A reação inesperada, devido à constituição física e psíquica do paciente, pode ilidir a culpa médica, se o profissional procedeu com esmero, perfeição técnica e também informou o cliente de que, mesmo em casos raríssimos, o dano poderia acontecer. [grifo nosso]

Neste caso, cabe ao profissional a prova de que cumpriu com todos os deveres e obrigações que lhes foram atribuídos pelo contrato de prestação de serviço, demonstrando a imprevisibilidade da causa.

Oportuno ressaltar, como já mencionado, que a responsabilidade civil do médico é subjetiva. Embora a obrigação nas cirurgias embelezadoras seja de resultado, não há que se falar em responsabilidade objetiva, vez que está ultima encontra-se fundada na teoria do risco, consoante observado em tópico anterior.

Por esta razão, não poderá o médico ser responsabilizado por complicações inerentes ao ato cirúrgico que não possuam relação direta com a sua atividade, desde que sejam imprevisíveis (fortuito interno). [206]

Por fim, insta frisar que a delimitação das obrigações assumidas pelo médico, os limites de sua culpa e a identificação das causas de exclusão de sua responsabilidade dependem, notadamente, da conduta por ele assumida no momento da contratação e no decorrer da prestação do serviço, quanto aos deveres de boa-fé, cuidado e informação.

Aquele profissional que tem seus atos pautados pela ética e pela observância da estrita legalidade dificilmente será responsabilizado por eventuais danos advindos do exercício de sua profissão.


CONCLUSÃO

Consoante restou observado neste estudo, a responsabilidade civil do médico vem sendo analisada de forma mais branda pela doutrina nacional e estrangeira, ao longo da evolução histórica da sociedade.

Em tempos remotos, a própria realização de cirurgia estética, por ser desprovida de qualquer finalidade curativa, era condenada pelos aplicadores do direito. Atualmente, não mais procede tal entendimento, pois esta espécie de serviço médico é prática comum, dominada pela técnica médica.

Ainda, observa-se na sociedade contemporânea que os avanços tecnológicos sofridos pela ciência médica, o surgimento de técnicas inovadoras, são acompanhados pela banalização da cirurgia estética.

A busca incessante pelo modelo ideal de forma física transforma o procedimento cirúrgico em hodierno objeto de consumo, o que exige dos profissionais da medicina maior atenção à ética médica, a fim de evitar a realização de procedimentos contrários à aludida ética da medicina.

É neste contexto que se insere a discussão acerca das obrigações assumidas pelo cirurgião plástico em cirurgias puramente estéticas. A doutrina e a jurisprudência brasileiras sustentam, em sua grande maioria, que se obriga o médico à obtenção do resultado estético prometido ao paciente, e não ao mero agir com diligência e técnica adequadas.

No que tange à questão, insta concluir pela a importância da atenção aos deveres anexos à relação de consumo decorrentes da boa-fé objetiva. A prestação de serviço médico se submete aos ditames do sistema de proteção e defesa do consumidor. Assim sendo, a formação e a execução do contrato devem estar pautadas no deveres de informação e de confiança, a fim de eliminar o desequilíbrio da relação decorrente da vulnerabilidade do paciente.

Atribui-se ao cirurgião plástico maior rigor à atenção do dever de aconselhamento e de cuidado, devendo analisar os benefícios e os prejuízos trazidos pela cirurgia estética, e informar ao consumidor todas as peculiaridades que envolvem o procedimento, para que o mesmo consinta de forma válida pela realização do mesmo.

Em razão do exposto, a responsabilidade civil do médico nas cirurgias puramente estéticas é subjetiva, como o é a responsabilidade do profissional liberal fornecedor da modalidade da prestação de serviço, no entanto, com culpa presumida, pois a obrigação por ele assumida é de resultado.

Ante o defeito na prestação do serviço, consubstanciado pelo dano advindo do não cumprimento da obrigação avençada, cabe ao lesado o ônus de provar a não obtenção do resultado, o dano e o nexo causal entre ambos. Ao médico, cabe o ônus de afastar a presunção de culpa e de provar causas que excluam sua responsabilidade.


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Notas

  1. NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 3.
  2. Ibid., p. 3.
  3. GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 5.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 6.
  4. Ibid., p. 7.
  5. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. São Paulo: RT, 2006. p. 210.
  6. BRASIL. Constituição (1988). Vade mecum Saraiva. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.1-71.
  7. GRINOVER, 2005. p. 8.
  8. DIREITO, Carlos Alberto Menezes. A proteção do consumidor na sociedade da informação: atualidades e perspectivas. 1999. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/9124>. Acesso em: 27 fev. 2008.
  9. BRASIL. Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Vade mecum Saraiva. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 809-823.
  10. GRINOVER, 2005. p. 27.
  11. MARQUES, 2006. p. 303.
  12. Ibid., p. 304.
  13. MARQUES, 2006. p. 303.
  14. Ibid., p. 304.
  15. Ibid., p. 304.
  16. Ibid., p. 305.
  17. Ibid., p. 304-305.
  18. DE ALMEIDA, João Batista. Manual de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 39.
  19. MARQUES, 2006. p. 337.
  20. Ibid., p.339.
  21. GRINOVER, 2005. p. 34-35.
  22. MARQUES. Op. Cit, p. 355, nota 19.
  23. GRINOVER. Op. Cit, p. 38, nota 21.
  24. BRASIL. Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Vade mecum Saraiva. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 809-823.
  25. MARQUES, 2006. p. 356.
  26. STJ, 3ª T., REsp 181.580/SP, rel. Min. Castro Filho, j.09.12.2003, apud MARQUES, 2006. p. 357.
  27. MARQUES, 2006. p. 359-360.
  28. GRINOVER, 2005. p. 40.
  29. GRINOVER, 2005. p. 806.
  30. FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 45.
  31. BRASIL. Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Vade mecum Saraiva. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 809-823.
  32. MARQUES, 2006. p. 393.
  33. BRASIL. Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Vade mecum Saraiva. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
  34. GRINOVER, 2005. p. 48.
  35. BRASIL. Op. Cit., nota 33.
  36. MARQUES, 2006. p. 427.
  37. PRUX, Oscar Ivan. Responsabilidade civil do profissional liberal no código de defesa do consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p.108-109.
  38. Ibid., p. 107.
  39. PRUX, 1998. p. 36.
  40. Ibid., p. 41.
  41. Ibid., p. 37.
  42. Ibid., p. 37.
  43. Ibid., p. 38.
  44. MARQUES, 2006. p. 210.
  45. BRASIL. Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Vade mecum Saraiva. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 809-823.
  46. MARQUES, 2006. p. 216.
  47. AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo. 1995. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/411>. Acesso em: 27 fev. 2008.
  48. MARQUES. Op. Cit., p. 215, nota 46.
  49. BRASIL. Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Vade mecum Saraiva. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 809-823.
  50. MARQUES. Op. Cit., p. 219, nota 46.
  51. MARQUES, 2006. p. 280.
  52. Ibid., p. 281.
  53. MARQUES, 2006. p. 222-223.
  54. STJ, REsp 436.827/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar Junior, d.j. 18.11.2002. Disponível em: <www.stj.gov.br>. Acesso em: 20 mai. 2008.
  55. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 04.
  56. Ibid., p. 04.
  57. KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 4. ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2001. p. 39.
  58. KFOURI NETO, 2001. p. 39.
  59. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 7. p. 11.
  60. KFOURI NETO. Op. Cit, p. 39, nota 58.
  61. Ibid., p. 40.
  62. DINIZ. Op. Cit, p. 11, nota 59.
  63. GONÇALVES, 2005. p. 06.
  64. Ibid., p. 6.
  65. GONÇALVES, 2005. p. 6.
  66. DINIZ, 2004. p. 12.
  67. Ibid., p. 7.
  68. DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 82.
  69. GONÇALVES, 2005. p. 7.
  70. DINIZ, 2004. p. 13.
  71. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 118.
  72. GONÇALVES, 2005. p. 18.
  73. Ibid., p. 2.
  74. DIAS, 2006. p. 4.
  75. DIAS, 2006. p. 5.
  76. DINIZ, 2004. p. 40.
  77. Pontes de Miranda apud DIAS, 2006. p. 11.
  78. Ibid., p. 11.
  79. GONÇALVES, 2005. p. 19.
  80. DIAS, Op. Cit., p. 12, nota 77.
  81. LYRA, Afranio apud GONÇALVES, 2005. p. 19-20.
  82. SOUZA, Neri Tadeu Camara. Responsabilidade civil e penal do médico. 2. ed. Campinas: LZN, 2006. p. 95.
  83. DIAS, 2006. p. 14.
  84. GONÇALVES, Op. Cit., p. 20, nota 81.
  85. BRASIL, Lei 3.268, 30 de setembro de 1957. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L3268.htm>. Acesso em: 13 abr. 2008.
  86. KRIGUER FILHO, Domingos Afonso e RAMOS FILHO, Irineu. Código de processo ético-profissional médico comentado e anotado. 2. ed. Porto Alegre: Síntese, 1999. p. 33.
  87. KRIGUER FILHO, 1999. p. 23.
  88. Ibid., p. 23.
  89. BRASIL, Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/decretos/mostra_decreto.asp?id=144>. Acesso em: 13 abr. 2008.
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  94. BRASIL. Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Vade mecum Saraiva. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 809-823.
  95. MARQUES, Cláudia Lima, BENJAMIN, Antônio Herman V., MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor: arts. 1º a 74: Aspectos materiais. 1.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 732.
  96. Ibid., p. 733.
  97. Ibid., p. 736-737.
  98. ASSIS, Márcio Rogério Martins de. PROCON orienta a respeito de cirurgia estética. 2006. Disponível em: <http://www.procon.go.gov.br/procon/imprime.php?textoId=000189>. Acesso em: 25 abr. 2008.
  99. KFOURI NETO, 2001. p. 55.
  100. GONÇALVES, 2005. p. 21.
  101. KFOURI NETO, 2001. p. 55.
  102. DINIZ, 2004. p. 27.
  103. KFOURI. Op. Cit., p. 56, nota 101.
  104. GONÇALVES, 2005. p. 22.
  105. DINIZ, 2004. p. 58.
  106. BRASIL. Código Civil. Vade mecum Saraiva. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 151-324.
  107. GONÇALVES, 2005. p. 22.
  108. SERPA LOPES, Miguel Maria de apud KFOURI NETO, 2001. p. 56.
  109. REALE, Miguel apud GONÇALVES, 2005. p. 25, nota 107.
  110. NONATO, Orozimbo apud DIAS, 2006. p.128-129.
  111. GONÇALVES, 2005. p. 25.
  112. BRASIL. Código Civil. Vade mecum Saraiva. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 151-324.
  113. GONÇALVES, 2005. p. 36.
  114. DIAS, 2006. p. 562 563.
  115. BRASIL. Código Civil. Vade mecum Saraiva. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 151-324.
  116. BRASIL. Código Civil. Vade mecum Saraiva. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 151-324.
  117. BRASIL. Código Civil. Vade mecum Saraiva. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 151-324.
  118. DINIZ, 2004. p. 44.
  119. GONÇALVES, 2005. p. 490.
  120. DINIZ, 2004. p. 45.
  121. GONÇALVES, 2005. p. 494.
  122. Ibid., p. 494.
  123. KFOURI NETO, 2001. p. 106.
  124. GONÇALVES, Op. Cit., p. 539, nota 121.
  125. GONÇALVES, 2005. p. 537.
  126. Ibid., p. 538.
  127. SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no código do consumidor e a defesa do fornecedor. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 241.
  128. GONÇALVES, Op. Cit., p. 538, nota 125.
  129. SANSEVERINO, Op. Cit., p. 242, nota 127.
  130. KFOURI NETO, 2001. p. 106.
  131. ALVIM, Agostinho apud GONÇALVES, 2005. p. 539.
  132. BRASIL. Código Civil. Vade mecum Saraiva. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
  133. GOLÇALVES, Op. Cit., p. 542, nota 131.
  134. DINIZ, 2004. p. 110-114.
  135. GONÇALVES, Op. Cit., p. 542, nota 131.
  136. GONÇALVES, 2005. p. 545.
  137. LOPEZ, Teresa Ancona. O dano estético: responsabilidade civil. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 45-47.
  138. Ibid., p. 46.
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FAVARATO, Juliana Carrareto. Responsabilidade civil do médico nas cirurgias estéticas à luz do Código de Defesa do Consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2080, 12 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12449. Acesso em: 28 mar. 2024.