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A evolução histórica da previdência social no Brasil

A evolução histórica da previdência social no Brasil

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RESUMO: A evolução histórica da Previdência Social no Brasil é marcada por uma contínua e paulatina modificação da estrutura de custeio, organização e administração dos bens previdenciários, com o repasse de responsabilidades do setor privado ao Estado, bem como com o alargamento dos interesses a serem albergados pelos direitos de Seguridade Social. A apresentação desse percurso, de forma objetiva e clara, é o principal intento dessa faina.

PALAVRAS-CHAVES: Seguridade, Previdência Social, Evolução Histórica.


INTRODUÇÃO

O estudo da evolução histórica da Previdência Social no Brasil é de grande importância para uma compreensão exata dos termos atuais, e para uma reflexão contínua em busca de excelência legislativa, doutrinária, jurisprudencial e administrativa na Previdência Social do futuro.

Salutar, para a apresentação dessa evolução histórica, que sejam evidenciados momentos específicos nos quais a previdência teve relevo, por meio de uma disposição linear de desenvolvimento da sociedade, com os devidos graus de proteção do cidadão por meio da Seguridade Social – seja ela no âmbito privado ou mediante a intervenção do Estado.

Em contrapartida, deve-se deixar claro, desde o início, que o objeto da presente faina é a apresentação da evolução histórica da Previdência Social apenas no Brasil, sem embargo das análises mais acuradas e profundas que são feitas sobre a previdência no mundo, com especial destaque para a Poor Relief Act inglesa de 1601 e as encíclicas papais, óbvio, da igreja católica, a partir de 1891. [01]

A Previdência Social brasileira é destaque exclusivo nesse trabalho, desde o seu nascedouro até os dias atuais, com a análise das principais fases do seu desenvolvimento. Ademais, é importante ressaltar que a abordagem será feita de forma clara e sistemática, pontuando as principais características de cada momento histórico, sem aprofundamentos exacerbados em todos os meandros, posto que tal conduta mais complica do que auxilia na absorção do tema.

Expostas as bases sobre as quais a abordagem vai ser desenvolvida, segue a análise da evolução histórica da Previdência Social no Brasil.


1. O MARCO LEGISLATIVO INICIAL

O desenvolvimento da Previdência Social brasileira, assim como em boa parte do globo, teve início privativo, voluntário, mediante a formação dos primeiros planos mutualistas [02].

Em um plano mais abstrato, tratando genericamente dos direitos sociais no Brasil, e não especificamente da Previdência Social, a Constituição Imperial de 1824 fez alusão à assistência social, ainda que indefinidamente e sem disposições concretas sobre o Direito Previdenciário:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte:

(...)

XXXI. A Constituição também garante os soccorros públicos.

A primeira legislação específica sobre Direito Previdenciário data de 1888. Foi o Decreto nº. 9.912 de 26 de março de 1888, que regulou o direito à aposentadoria dos empregados dos correios. Outra norma, em novembro do mesmo ano, criaria a Caixa de Socorros em cada uma das estradas de ferro do Império.

Por outra, a primeira Constituição Federal a abordar temática previdenciária específica foi a Constituição Republicana de 1981, no tocante à aposentadoria em favor dos funcionários públicos, ao dispor em seu art. 75 que "a aposentadoria só poderá ser dada aos funcionários públicos em caso de invalidez no serviço da Nação." [03]

Em seguida, no ano de 1892, foi instituída a aposentadoria por invalidez e a pensão por morte aos operários do Arsenal da Marinha, tendo em conta que já estava vigorando o regime republicano, sob forte influência de cafeicultores e militares.

Em 1919, o Decreto Legislativo n°. 3.724 instituiu compulsoriamente um seguro por acidente de trabalho, que já vinha sendo praticado por alguns seguimentos, contudo sem previsão expressa na lei.

Entretanto, essas previsões legais e constitucionais ainda eram muito esparsas, carecendo de uma melhor estruturação jurídica e prática, que só veio a ocorrer a partir de 1923.


2. A LEI ELÓI CHAVES (DECRETO-LEGISLATIVO N°. 4.682/1923)

O Decreto-Legislativo n°. 4.682, de 14 de janeiro de 1923, mais conhecido como "Lei Elói Chaves", é dado como um marco para o desenvolvimento da Previdência Social brasileira. Com efeito, tal norma determinava a criação das caixas de aposentadorias e pensões para os ferroviários, a ser instituída de empresa a empresa. Tal posicionamento, sobre a colocação da "Lei Elói Chaves" como marco legislativo para a criação da previdência social brasileira não é imune a críticas:

Tivemos o mutualismo como forma organizatória e como precedente precioso da Previdência Oficial. Sob tal prisma, os festejos oficiais que situam na Lei Elói Chaves (1923) o nascimento da Previdência brasileira têm caráter ideológico que deve ser desvendado: buscam transformar as conquistas sociais, logradas com lutas e a partir das bases, em benesses estatais. Sobre ser ainda, a afirmativa relativa ao surgimento da Previdência em 1923, uma inverdade histórica, seja pelos apontamentos, seja porque outras leis previdenciárias são anteriores a esta data (como nossa primeira lei acidentária que data de 1919). [04]

Objeções a parte, nos anos que seguiram ao ano de edição da "Lei Elói Chaves" outras caixas de aposentadoria foram criadas, em favor das demais categorias, tais como: portuários, telegráficos, servidores públicos, mineradores, etc. Foi criado também em 1923 o Conselho Nacional do Trabalho, com o intuito maior de pensar a questão operária, fomentando o desenvolvimento da proteção social no plano estatal.

As caixas de aposentadorias e pensões mantinham a administração e a responsabilidade do sistema previdenciário nas mãos da iniciativa privada, sendo o Estado apenas o responsável pela criação das caixas e pela regulamentação de seu funcionamento, de acordo com os procedimentos previstos na legislação.

Entre 1923 ("Lei Elói Chaves") e 1934 (nova Constituição Federal), várias normas foram criadas sobre Direito Previdenciário:

A Lei n°. 5.109/1926 estendeu o Regime da "Lei Elói Chaves" aos portuários e marítimos. A Lei n°. 5.485/1928 estendeu o regime da "Lei Elói Chaves" aos trabalhadores dos serviços telegráficos e radiotelegráficos.

O Decreto n°. 19.433/1930 criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, tendo como uma das atribuições orientar e supervisionar a Previdência Social, inclusive como órgão de recursos das decisões das Caixas de Aposentadorias e Pensões.

O Decreto n°. 22.872/1933 criou o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos, considerado "a primeira instituição brasileira de previdência social de âmbito nacional, com base na atividade genérica da empresa". [05]

Essas caixas de aposentadoria e pensão, em sua maioria, previam a forma de custeio da previdência da classe determinada, bem como os benefícios a ela concedidos, em especial: a) a aposentadoria integral, com 30 anos de serviço e 50 ou mais anos de idade; b) aposentadoria com redução de 25%, com 30 anos de serviço e menos de 50 anos de idade; c) as indenizações em caso de acidente de trabalho; d) a pensão por morte para os dependentes; e) outros benefícios não pecuniários.

A Constituição Federal de 1934 trouxe uma nova sistemática para a Previdência Social brasileira, em especial no tocante ao custeio.


3. A CONSTITUIÇÃO DE 1934

A Carta Magna de 1934 foi a primeira a estabelecer o custeio tríplice da Previdência Social, com a participação do Estado, dos empregadores e dos empregados:

Art 121 - A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País.

§ 1º - A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador:

(...)

h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte. (destaque posto)

Conforme assevera a doutrina,

No plano constitucional, deixava-se o estágio da assistência pública para adentrar na era do seguro social. Não poderia ser diferente, vez que em todo o mundo, mesmo em sociedades industriais mais avançadas, não se tinha afastado a concepção do seguro social. Nem mesmo o Social Security Act norte-americano, impulsionador da mudança da concepção do seguro social, havia sido concebido, já que data de 1935. [06]

Além disso, a CF/1934 foi a primeira Norma Maior a utilizar o termo "Previdência" em seu texto, ainda desacompanhado do adjetivo social.

A Constituição Federal de 1937, de cunho eminentemente autoritário, não trouxe grandes inovações no plano previdenciário, a não ser o uso da expressão "seguro social", como sinônimo da expressão Previdência Social, sem, entretanto, qualquer diferenciação prática ou teórica no plano legislativo.

É de se registrar ainda que a CF/1937 estabeleceu os seguros de velhice, de invalidez e de vida para os casos de acidente de trabalho (art. 137, alínea "m").

Sob a égide da Carta de 1937, foram editados:

a) O Decreto-Lei n° 288, de 23 de fevereiro de 1938, criou o Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado;

b) O Decreto-Lei n° 651, de 26 de agosto de 1938, criou o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas, mediante a transformação da Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Trabalhadores em Trapiches e Armazéns;

c) O Decreto-Lei n° 1.142, de 9 de março de 1939, estabeleceu exceção ao princípio da vinculação pela categoria profissional, com base na atividade genérica da empresa, e filiou os condutores de veículos ao Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas;

d) O Decreto-Lei n° 1.355, de 19 de junho de 1939, criou o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Operários Estivadores;

e) O Decreto-Lei n° 1.469, de 1° de agosto de 1939, criou o Serviço Central de Alimentação do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários;

f) Foi reorganizado o Conselho Nacional do Trabalho, criando-se a Câmara e o Departamento de Previdência Social;

g) O Decreto-Lei n° 2.122, de 9 de abril de 1940, estabeleceu para os comerciantes regime misto de filiação ao sistema previdenciário. Até 30 contos de réis de capital o titular de firma individual, o interessado e o sócio-quotista eram segurados obrigatórios; acima desse limite a filiação era facultativa;

h) O Decreto-Lei n° 7.835, de 6 de agosto de 1945, estabeleceu que as aposentadorias e pensões não poderiam ser inferiores a 70% e 35% do salário mínimo;

i) O Decreto-Lei n° 8.742, de 19 de janeiro de 1946, criou o Departamento Nacional de Previdência Social.

A Constituição Federal de 1946 apresentou, pela primeira vez em termos constitucionais, a expressão "Previdência Social", abandonando de vez o termo "seguro social". Não houve alteração substancial sobre a previdência com a Carta de 1946, o que não se pode estender à legislação infraconstitucional editada sob a sua batuta, em especial com a edição da Lei Orgânica da Previdência Social, em 1960, tema protagonista do tópico seguinte.


4. A LEI ORGÂNICA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL (LEI N°. 3.807/1960)

A Lei Orgânica da Previdência Social de 1960 estabeleceu um marco de unificação e uniformização das normas infraconstitucionais existentes sobre a Previdência Social, já buscadas, mas até então nunca alcançadas.

No plano substancial, a LOPS criou alguns benefícios, como o auxílio natalidade, o auxílio funeral e o auxílio reclusão. Vale salientar que a essa altura a Previdência Social já beneficiava todos os trabalhadores urbanos.

A doutrina não foi silente sobre a importância da promulgação da LOPS:

Decerto que a LOPS foi o maior passo dado ao rumo da universalidade da Previdência Social, embora não se desconheça que alguns trabalhadores (domésticos e rurais) não foram contemplados pela nova norma, pois teve o condão de padronizar o sistema, aumentar as prestações ofertadas (auxílio-natalidade, funeral, reclusão e a aposentadoria especial) e servir de norte no percurso ao sistema de seguridade social. [07]

Em 1963, foi editada a Lei n°. 4.214, que instituiu o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL), estendendo alguns benefícios conquistados pelos trabalhadores urbanos aos rurícolas brasileiros.

Em 1965, foi editada uma modificação constitucional, que proibiu a concessão de benefícios previdenciários sem a previsão legal de sua devida forma de custeio, visando elidir a concessão irresponsável de benefícios, em especial por motivos políticos.

Em 1966, com a alteração de dispositivos da Lei Orgânica da Previdência Social, foram instituídos o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS, e o Instituto Nacional de Previdência Social - INPS (atualmente a sigla é INSS), que reuniu os seis institutos de aposentadorias e pensões existentes, unificando administrativamente a previdência social no Brasil.


5. A CONSTITUIÇÃO DE 1967

A Constituição de 1967, instituída no início do Regime Militar, trouxe algumas regras sobre a Previdência Social, especificamente no art. 158:

Art 158 - A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria, de sua condição social:

I - salário mínimo capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, as necessidades normais do trabalhador e de sua família;

II - salário-família aos dependentes do trabalhador;

III - proibição de diferença de salários e de critérios de admissões por motivo de sexo, cor e estado civil;

IV - salário de trabalho noturno superior ao diurno;

V - integração do trabalhador na vida e no desenvolvimento da empresa, com participação nos lucros e, excepcionalmente, na gestão, nos casos e condições que forem estabelecidos;

VI - duração diária do trabalho não excedente de oito horas, com intervalo para descanso, salvo casos especialmente previstos;

VII - repouso semanal remunerado e nos feriados civis e religiosos, de acordo com a tradição local;

VIII - férias anuais remuneradas;

IX - higiene e segurança do trabalho;

X - proibição de trabalho a menores de doze anos e de trabalho noturno a menores de dezoito anos, em indústrias insalubres a estes e às mulheres;

XI - descanso remunerado da gestante, antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego e do salário;

XII - fixação das percentagens de empregados brasileiros nos serviços públicos dados em concessão e nos estabelecimentos de determinados ramos comerciais e Industriais;

XIII - estabilidade, com indenização ao trabalhador despedido, ou fundo de garantia equivalente;

XIV - reconhecimento das convenções coletivas de trabalho;

XV - assistência sanitária, hospitalar e médica preventiva;

XVI - previdência social, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, para seguro-desemprego, proteção da maternidade e, nos casos de doença, velhice, invalidez e morte;

XVII - seguro obrigatório pelo empregador contra acidentes do trabalho;

XVIII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico ou intelectual, ou entre os profissionais respectivos;

XIX - colônias de férias e clínicas de repouso, recuperação e convalescença, mantidas pela União, conforme dispuser a lei;

XX - aposentadoria para a mulher, aos trinta anos de trabalho, com salário integral;

XXI - greve, salvo o disposto no art. 157, § 7º.

§ 1º - Nenhuma prestação de serviço de caráter assistencial ou de benefício compreendido na previdência social será criada, majorada ou estendida, sem a correspondente fonte de custeio total.

§ 2º - A parte da União no custeio dos encargos a que se refere o nº XVI deste artigo será atendida mediante dotação orçamentária, ou com o produto de contribuições de previdência arrecadadas, com caráter geral, na forma da lei.

Como se pode ver, a CF/1967 foi a primeira a prever a concessão de seguro desemprego.

A Emenda Constitucional n°. 01 de 1969, alcunhada de "Emendão", não trouxe inovações expressivas no texto da Constituição de 1967, no tocante à Previdência Social, valendo destacar a inclusão do salário-família, que fora criado por norma infraconstitucional, no texto fundamental.

Sob a égide da Constituição de 1967, com as alterações feitas por meio da "Super Emenda" de 1969, foram editadas várias normas referentes ao Direito Previdenciário, com destaque para:

a) A Lei n° 5.316, de 14 de setembro de 1967, integrou o seguro de acidentes do trabalho na Previdência Social;

b) O Decreto-Lei n° 564, de 1° de maio de 1969, estendeu a Previdência Social ao trabalhador rural, especialmente aos empregados do setor agrário da agroindústria canavieira, mediante um plano básico;

c) A Lei Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970, criou o Programa de Integração Social-PIS. A Lei Complementar nº 8, de 3 de dezembro de 1970, instituiu o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PASEP;

d) A Lei Complementar n° 11, de 25 de maio de 1971, institui o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural - PRÓ-RURAL, em substituição ao plano básico de Previdência Social Rural;

e) A Lei n° 5.859, de 11 de dezembro de 1972, incluiu os empregados domésticos na Previdência Social;

f) A Lei n° 6.036, de 1° de maio de 1974, criou o Ministério da Previdência e Assistência Social, desmembrado do Ministério do Trabalho e Previdência Social;

g) A Lei n° 6.125, de 4 de novembro de 1974, autorizou o Poder Executivo a constituir a Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social (atual DATAPREV);

h) O Decreto n° 77.077, de 24 de janeiro de 1976, expediu a Consolidação das Leis da Previdência Social.

i) A Lei n° 6.439, de 1° de setembro de 1977, instituiu o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social - SINPAS, orientado, coordenado e controlado pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, responsável "pela proposição da política de previdência e assistência médica, farmacêutica e social, bem como pela supervisão dos órgão que lhe são subordinados" e das entidades a ele vinculadas.

j) O Decreto n° 89.312, de 23 de janeiro de 1984, aprovou nova Consolidação das Leis da Previdência Social.


6. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Lei Maior de 1988, marco da objetivação democrática e social do Estado Brasileiro, tratou de alargar em demasiado o tratamento constitucional dado à Previdência Social, dispondo pela primeira vez do termo "Seguridade Social", como um conjunto de ações integradas envolvendo Saúde, Assistência e Previdência Social.

Como bem salienta a doutrina:

A Seguridade Social é uma técnica moderna de proteção social, que se busca implementar em prol da dignidade da pessoa humana. As suas diversas facetas, quais sejam, a assistência, a saúde e a Previdência Social, no sistema de Seguridade Social, deveriam atuar de articulada e integradas, mas percebe-se a existência de uma nítida separação no respectivo campo de atuação extraída do próprio texto constitucional. [08]

Embora a Constituição Federal tenha tratado de forma conjunta os três aspectos da Seguridade Social, o legislador constituinte não se furtou de estabelecer normas específicas a respeito de cada qual segmento, de modo que a Previdência Social sofreu algumas modificações significativas em sua corporificação normativa e prática, o que refletiu diretamente na legislação infraconstitucional, bem como na estruturação administrativa dos órgãos previdenciários.

Dentre as modificações mais expressivas apresentadas pela CF/1988, pode-se observar a ampliação da rede de custeio, mantido o caráter contributivo da Previdência Social. Nesse passo, conforme saliente o art. 195, cabe ao Estado uma função de dúplice custeio, como tomador de serviços e como organizador e distribuidor dos concursos de prognósticos, cabendo também ao empregador e ao empregado a integralização da rede de custeio da Previdência Social.

Vale destacar o art. 194 da Constituição Federal, que com maestria apresentou os objetivos (ou princípios) que devem gerir a Previdência Social no Brasil, em diversos aspectos, desde a criação das normas pelo Poder Legislativo, até a interpretação que o Poder Judiciário deve dar às normas, passando, por óbvio, pelo direcionamento das políticas públicas, que deve ser desenvolvido pelo Poder Executivo.

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

I - universalidade da cobertura e do atendimento;

II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;

III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;

V - eqüidade na forma de participação no custeio;

VI - diversidade da base de financiamento;

VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

A doutrina expõe com exatidão a prioridade finalística da Previdência Social, a partir da Constituição Federal de 1988, no sentido de:

garantir condições básicas de vida, de subsistência, para seus participantes, de acordo, justamente, com o padrão econômico de cada um dos sujeitos. São, portanto, duas idéias centrais que conformam esta característica essencial da previdência social brasileira: primeiro, a de que a proteção, em geral, guarda relação com o padrão-econômico do sujeito protegido; a segunda consiste em que, apesar daquela proporção, somente as necessidades tidas como básicas, isto é, essenciais – e portanto compreendidas dentro de certo patamar de cobertura, previamente estabelecido pela ordem jurídica – é que merecerão proteção do sistema. Pode-se dizer, assim, que as situações de necessidade social que interessam à proteção previdenciária dizem respeito sempre à manutenção, dentro de limites econômicos previamente estabelecidos, do nível de vida dos sujeitos filiados. [09]

A legislação infraconstitucional, conforme alhures referido, também sofreu modificações consideráveis, a fim de guardar coerência com a nova sistemática imposta pelo constituinte.

A Lei n°. 8.029/1990 extinguiu o Ministério da Previdência e Assistência Social e restabeleceu o Ministério do Trabalho e da Previdência Social. No mesmo ano, o Decreto n°. 99.350 criou o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, mediante a fusão do IAPAS com o INPS.

Em 24 de julho de 1991, entraram em vigor os dois diplomas fundamentais da Previdência Social no Brasil, a Lei n°. 8.212 dispôs sobre a organização da Seguridade Social e instituiu seu novo Plano de Custeio e a Lei n°. 8.213 instituiu o Plano de Benefícios da Previdência Social.

Não obstante a boa qualidade técnica dessas leis previdenciárias, várias modificações já foram procedidas em seus textos, e outras leis foram editadas tratando da temática previdenciária, em situações específicas.

Outrossim, vale salientar que os chefes do Poder Executivo, em várias oportunidades, trataram de editar medidas provisórias referentes à temática previdenciária, sem qualquer preocupação com a insegurança jurídica carregada por tais normas, o que veio a elevar a complexidade do emaranhado de normas em vigor sobre o assunto.

Vale a referência à Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, que estabeleceu o eixo da Reforma da Previdência Social. As principais mudanças foram: limite de idade nas regras de transição para a aposentadoria integral no setor público, fixado em 53 anos para o homem e 48 para a mulher, novas exigências para as aposentadorias especiais, mudança na regra de cálculo de benefício, com introdução do fator previdenciário.

Por fim, destaca-se o Decreto n°. 3.048/99, que aprovou o Regulamento da Previdência Social no Brasil, e as Emendas Constitucionais nº. 41/2003 e nº. 47/2005, que introduziram mudanças no regime previdenciário dos servidores públicos, instituindo a tão debatida "taxação dos inativos", pela qual os servidores públicos aposentados que recebem determinado valor acima da teto do valor dos benefícios no Regime Geral de Previdência Social são obrigados a contribuir com uma alíquota de 11% sobre o valor excedente.


CONCLUSÃO

Conforme antevisto na introdução, o objetivo primordial desse trabalho era a apresentação da evolução histórica linear da Previdência Social no Brasil, sem uma análise mais aprofundada sobre as particularidades técnicas do assunto, que nada impede seja feita em outra oportunidade.

Essa apresentação, se procedida com a devida organização, pode ser fundamental para a compreensão da estruturação atual da Previdência Social no Brasil, possibilitando a compreensão das dificuldades até aqui encaradas, para propiciar uma base histórica ao estudo futuro do tema, com a implementação da tão falada Reforma Previdenciária, que daqui a não muito será de ordem primordial ao desenvolvimento seguro do povo Brasileiro.

Assim sendo, espera-se ter alcançado o êxito na demonstração do desenvolvimento da Previdência Social no Brasil, de forma simples, objetiva, mas completa e devidamente estruturada.


BIBLIOGRAFIA

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www.previdencia.gov.br/pg_secundarias/previdencia_social_12_04-A.asp. Acesso em 06 de setembro de 2008, às 17:35h.


Notas

  1. IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 12 ed. Niterói: Impetus, 2008. p. 39.
  2. IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 12 ed. Niterói: Impetus, 2008. p. 44.
  3. MARTINS, Sérgio Pinto. Fundamentos de Direito da Seguridade Social. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 18.
  4. ALVIM, Ruy Carlos Machado. Citado por FERNANDES, Aníbal. Uma história crítica da legislação previdenciária Brasileira. RDT 18/13. Citado por PEREIRA JÚNIOR, Aécio. Evolução histórica da Previdência Social e os direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 707, 12 jun. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6881>. Acesso em: 06 set. 2008.
  5. Disponível em http://www.previdencia.gov.br/pg_secundarias/previdencia_social_12_04-A.asp. Acesso em 06 de setembro de 2008, às 17:35h.
  6. PEREIRA JÚNIOR, Aécio. Evolução histórica da Previdência Social e os direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 707, 12 jun. 2005. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/6881>. Acesso em: 06 set. 2008.
  7. ALVIM, Ruy Carlos Machado. Apud FERNANDES, Aníbal. Uma história crítica da legislação previdenciária Brasileira. RDT 18/25.
  8. PEREIRA JÚNIOR, Aécio. Evolução histórica da Previdência Social e os direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 707, 12 jun. 2005. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/6881. Acesso em: 06 set. 2008.
  9. PULINO. Daniel. A Aposentadoria por invalidez no direito positivo brasileiro. São Paulo: LTR. 2001. P. 33.

Autor

  • Arthur Laércio Homci

    Mestre em Direito pela Universidade Federal do Pará - UFPA (2011). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Estado do Pará - CESUPA (2009). Atualmente é Professor de Direito Processual Civil e Direito Previdenciário (Graduação e Especialização), e Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica do CESUPA. Advogado.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HOMCI, Arthur Laércio. A evolução histórica da previdência social no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2104, 5 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12493. Acesso em: 26 abr. 2024.