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Coerência e adequação: uma crítica à metodologia da ponderação de valores

Coerência e adequação: uma crítica à metodologia da ponderação de valores

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RESUMO: Este estudo tem como objetivo promover, desde o ponto de vista do paradigma procedimental do Direito, defendido por JÜRGEN HABERMAS, uma crítica à metodologia da ponderação de valores, proposta por ROBERT ALEXY. Com esta finalidade, compatibiliza-se a integridade jurídica de RONALD DWORKIN com os ideais discursivos procedimentais de HABERMAS, considerando não apenas possível, mas imperativo, que se proceda à correção do Direito mediante seleção da norma mais adequada para os casos concretos. Neste contexto, é útil a cisão, proposta por KLAUS GÜNTHER, entre discurso jurídico de justificação e discurso de jurídico de aplicação, de forma a concluir que a ponderação trata princípios como se valores fossem. Desta forma, a Teoria do Discurso é útil para preservar a ética da legalidade e dos princípios em desfavor da judicialização da política e da utilização de um método irracional e arbitrário que manipula os direitos.

PALAVRAS-CHAVE: Direito, Política, Ponderação de Valores, Juízo de Adequabilidade, Democracia, Discurso Jurídico de Justificação, Discurso Jurídico de Aplicação, Integridade.


1. Prelúdio.

Há hoje um fecundo debate entre o que ÁLVARO CRUZ convencionou chamar de escolas mineira e gaúcha do Constitucionalismo brasileiro. De um lado, a escola mineira defende os pressupostos da ética do discurso e do procedimentalismo discursivo. Do outro, a escola gaúcha adota a filosofia existencial de MARTIN HEIDEGGER e a Hermenêutica Filosófica de HANS-GEORG GADAMER, e seus embates tem contribuído de forma expressiva para o desenvolvimento do Constitucionalismo e da Filosofia do Direito no País.

O mérito de tal debate não é objeto deste trabalho, sendo alvo para uma problematização posterior. Desta forma, esclareça-se que o presente estudo adota como paradigma central a Teoria do Discurso de HABERMAS, mas não como uma opção filosófica diante do embate entre procedimentalismo e substancialismo, Teoria do Discurso e Hermenêutica Filosófica; a adoção deste paradigma constitui apenas uma hipótese de estudo, que se justifica na interessante argumentação e na seriedade com que HABERMAS trata o Direito diante de seus pressupostos comunicativos, apesar das ressalvas que lhe são apontadas pelos seus críticos.

Hodiernamente a ponderação é tida como verdadeira panacéia universal para o problema da aplicação do Direito. Adversamente, os pressupostos aqui adotados levam à conclusão de que tal metodologia aplica em verdade meros valores, desmerecendo a especial dignidade de preferência dos argumentos jurídicos.

Desta forma, sob o pano de fundo da Teoria do Discurso, um dos objetivos deste estudo é demonstrar que a equivalência operacional entre princípios e valores, que de fato se dá na ponderação, produziria uma crise deontológica no Direito, por submeter à preferibilidade do magistrado direitos igualmente devidos. Adotar-se-ia, portanto, que princípios e valores não se confundem.

Se há o vislumbre da possibilidade de respostas corretas no Direito, e há, é preciso que se tenha em mente que esta atividade não pode transformar os magistrados em paladinos de sua própria Justiça!


2. Estudo Prévio.

Quais são os limites que circundam as questões jurídicas, separando-as de juízos axiológicos, éticos ou pragmáticos dos intérpretes? Antes de explorar a (pretensa) juridicidade da aplicação de uma técnica que se propõe a ponderar princípios jurídicos, é necessário compreender a forma como a normatividade os abrange.

A evolução da Teoria do Direito tomou fôlego com a proposição, primeiro por parte de JOSEF ESSER, em 1956, do conceito de princípio (Grundsatz). Tal conceito, à época, era munido de significação diversa da que assume hodiernamente; não era propriamente uma norma jurídica – por vezes tomava ares de parâmetro axiológico, mas nunca assumiu um papel deontológico, isto é, munido do dever-ser jurídico. A crítica dos filósofos do Direito proporcionou a elevação dos princípios ao status de norma jurídica, o que possibilita uma compreensão melhor problematizada do fenômeno jurídico. Isto culminou com a emergência de um novo paradigma hermenêutico que superou o corte epistemológico do positivismo, trazendo novas ferramentas para o intérprete, promovendo a ruptura com o projeto positivista da decisão ametódica, suposto ato de vontade, para então firmar compromisso com a correção do Direito.

Nesse contexto, RONALD DWORKIN, um dos professores responsáveis pelo tratamento mais refinado concedido aos princípios, promoveu um ataque geral ao positivismo, desconstruindo a idéia positivista de um ordenamento jurídico composto unicamente de regras e beirando a um convencionalismo cego, ao afirmar que as normas jurídicas distinguem-se em regras e princípios. Mais do que isso, seu discurso verdadeiramente destrói o cerne do positivismo (a discricionariedade judicial) com a propositura de sua tese da resposta correta [01]. É assim que, segundo MARÍLIA MURICY MACHADO PINTO (1999, p. 73), DWORKIN acredita que, mesmo diante de hard cases, "o juiz está potencialmente apto a encontrar a única resposta correta [02]".

DWORKIN afirma que as regras são descritoras de um comando específico e que deve ser aplicado segundo a lógica do tudo ou nada, de modo que ou uma norma é válida, e é aplicada, ou não é válida, e não é aplicada. (DWORKIN, 2002, p. 39), ou seja, ele oferece às regras um tratamento binário. Adversamente, os princípios, por terem um caráter mais aberto, embora igualmente devido, podem se submeter a juízos de adequação normativa, isto é, podem ser analisados perante o caso concreto para que sua dimensão de peso ou importância [03] possibilite a descoberta da resposta adequada nos casos concretos, quando um dos princípios aplicáveis prima-facie recebe o status de dever em definitivo, em detrimento dos demais. (DWORKIN, 2002, p. 42). Mas como se escolhe um princípio mais adequado entre os demais? Esta questão será revisitada ao final deste estudo.

Talvez uma das principais características da teoria de DWORKIN [04] seja sua diferenciação dos princípios de uma outra classe de argumentos, as políticas (2002, p. 36). Para o jurista estadunidense, política é um padrão que estabelece "um objetivo a ser alcançado, em geral uma melhoria em algum aspecto econômico, político ou social da comunidade", ao passo em que princípio é "um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade".

ROBERT ALEXY, desconstruindo a formulação de DWORKIN, afirma que os princípios, ao invés de comandos deontologicamente devidos segundo um código binário [05], sujeitos a um juízo de adequabilidade, seriam em verdade comandos de otimização, ou seja, normas que devem ser realizadas "em medida tão alta quanto possível relativamente às possibilidades fáticas e jurídicas", sendo, portanto, de aplicação prima-facie, apenas através da ponderação levadas ao que chama "dever real e definitivo". (ALEXY, 1993, p. 99).

DWORKIN entende que os princípios são aplicados em sua inteireza, ou não são aplicados, de acordo com seu peso (adequação) no caso concreto, frente aos outros princípios aplicáveis prima-facie. Diante de um caso em que dois princípios podem ser aplicados, apenas um deles o será. Por outro lado, ALEXY entende que os princípios se realizam gradualmente, sendo quantizados no que tange à sua realização no caso concreto pelo intérprete, de acordo com o cálculo da ponderação: princípios, pois, assumem um papel indistinto de valores, pois eles são medidos segundo noções de melhor ou pior, graduados escalonadamente – desrespeitando o pressuposto de que todos os direitos são igualmente devidos.

Por não reconhecer as políticas enquanto classe de argumentos, ALEXY não diferencia princípios de valores, deontológico e axiológico, transformando a aplicação do Direito em uma tarefa criativa. DWORKIN, por outro lado, entende que o juiz percebe o Direito, desvendando as respostas corretas, jamais as criando. Exatamente quais critérios ele se utiliza para desvendar a resposta correta, sem criar respostas através de sua concepção de justeza e do que é bom ou preferível, aludir-se-á infra.

Esclarecido este ponto, importa problematizar a estrutura que a mandamento da ponderação assume no Direito. Nesse ínterim, cumpre observar a ligação interna entre proporcionalidade e ponderação, para não incorrer no erro de descuidadamente confundi-los, como é hábito dos Tribunais.

ALEXY não iguala a proporcionalidade a um princípio, o que entraria em contradição com a sua própria teoria (ou até a proporcionalidade poderia comportar mitigações, o que implicaria em antítese); entretanto, vale-se, na falta de um vocábulo melhor, da expressão princípio da proporcionalidade [06], inadvertida e genericamente. Este princípio se dividiria em outros três: idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido restrito; os dois primeiros estariam encarregados da efetivação ampla das possibilidades fáticas do princípio em questão, ao passo em que o terceiro se relacionaria às possibilidades jurídicas. Para ALEXY, as possibilidades jurídicas são determinadas pelas regras e, especialmente, pelos princípios em sentido contrário. (ALEXY, 2001, p. 132).

A proporcionalidade em sentido restrito, portanto, seria o campo da técnica da ponderação de princípios, cerne da "fórmula-peso" referida pelo autor. Aqui a técnica ganha aplicação através da "lei da ponderação". Esses três critérios, idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, são as bases para a resolução da colisão de princípios.

HUMBERTO ÁVILA, entretanto, discorda desse posicionamento, pois afirma que nem a proporcionalidade nem a ponderação se identificam com princípios, já que não assumem essa estrutura. Afirma, ainda, que a ponderação não faz parte do conteúdo jurídico da proporcionalidade (ALEXY entendia que a primeira era um sub-princípio da segunda). A ponderação, para ele, "exige a atribuição de uma dimensão de importância a valores que se imbricam", sem que se determine como deve ser feita essa ponderação, ou seja, a ponderação é desprovida de critérios problematizados; a proporcionalidade, no entanto, contém exigências precisas (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito [07]) em relação à estrutura de raciocínio a ser empregada em sua aplicação, o que demonstra sua incompatibilidade estrutural. (ÁVILA, 2007, p.152).

Importa perceber como o próprio ALEXY descreve a forma como se dá a aplicação da lei de ponderação:

Segundo a lei da ponderação, esta deve realizar-se em três graus. No primeiro grau deve ser determinada a intensidade da intervenção. No Segundo grau trata-se, então, da importância dos fundamentos que justificam a intervenção. Somente no terceiro grau realiza-se, então, a ponderação no sentido restrito e verdadeiro (ALEXY, 2007, pp. 67-68).

ÁVILA discorda do tratamento segundo o tudo-ou-nada dado às regras por DWORKIN; crê que também com as regras ocorre ponderação [08], o que somente corrobora com o argumento de que ponderação não seria um princípio, e sim uma norma que estrutura a aplicação de outras normas, sejam elas regras ou princípios (que, para o autor, são aplicados da mesma forma [09]). A (útil) contribuição de ÁVILA, portanto, é refutar que a proporcionalidade e a ponderação sejam princípios, demonstrando que são dois diferentes postulados normativos. Esses mandamentos, propostos por ele, possuem status de normas de "segundo grau" ou de metanormas. Eles são, para o autor, deveres jurídicos que "estabelecem a estrutura de aplicação de outras normas", permitindo a verificação dos casos em que há violação às normas cuja aplicação coadunam. (ÁVILA, 2006, p. 122).

Seriam exemplos de postulados, para ÁVILA, a ponderação, a proporcionalidade, a razoabilidade e a eficiência, entre outros. Assim, quando se costuma dizer que em uma situação determinada a proporcionalidade foi violada, não é ela quem foi atingida, mas a norma – para o autor, regra ou princípio; para o consenso da doutrina, apenas princípio – que deixou de ser aplicado como deveria, ou seja, mediante um juízo de proporcionalidade. ÁVILA esclarece que tais metanormas são percebidas da análise da jurisprudência e da fundamentação dos casos, isto é, na interpretação da argumentação jurídica, em especial nos casos dos Tribunais Superiores.

Aceitando a proposta de ÁVILA, e, portanto, assumindo a ponderação como um postulado [10], resta questionar a racionalidade de sua aplicação.

KARL LARENZ admite, no desenvolver de sua Metodologia do Direito, que, diante da ponderação, "mesmo observando o princípio da proporcionalidade", fica uma margem ampla para a valoração judicial pessoal na conformação da decisão, embora o autor afirme que a técnica tem um quê de racionalidade, não sendo "simplesmente matéria de sentimento jurídico". (LARENZ, 1989, p. 587).

O autor afirma que a ponderação traz algo de produtivo [11], pois, mesmo que só até certo ponto, segue princípios identificáveis e um raciocínio estabelecido [12]. Não obstante, e embora faça esse elogio, LARENZ não refuta inteiramente a crítica, citada em seu próprio texto, de autoria de FRIEDRICH MÜLLER, no sentido de que a proporcionalidade seria, tão-somente, uma linguagem vazia que possibilite ao juiz oferecer um parecer subjetivo no caso concreto, até passando por cima dos textos normativos em causa. (LARENZ, 1989, p. 576).

ALEXY, por outro lado, afasta integralmente essa suposição não refutada por LARENZ. A fórmula-peso, para o autor, seria aplicada na argumentação jurídica segundo uma estrutura (pretensamente) racional, justificando sua afirmativa através da pormenorização de um procedimento estruturado por ele para conferir-lhe esse caráter.

Tal estrutura se baseia em uma "lei da ponderação", a ser utilizada toda vez que houver um choque principiológico: "quanto mais alto é o grau do não-cumprimento ou prejuízo de um princípio, tanto maior deve ser a importância do cumprimento do outro". O juiz deveria, diante de um caso em que esteja em conflito princípios como a liberdade de opinião e o direito de personalidade, primeiro comprovar o grau de não-cumprimento ou prejuízo de um princípio, e em seguida comprovar a importância do cumprimento do princípio contrário. Em um terceiro passo, verificar-se-ia se a importância do cumprimento do princípio contrário justificaria o não-cumprimento ou prejuízo do outro. Tais critérios constituiriam a fórmula-peso. (ALEXY, 2001, p. 133)

Para possibilitar que a fórmula-peso seja aplicada, recorre-se a uma estrutura triádica, que traz graus como leve, médio e grave a serem conferidos à intensidade do não-cumprimento do princípio em questão, e da importância do cumprimento do princípio contrário. O resultado da ponderação, por já ter passado pela verificação anterior da satisfação dos "sub-princípios" da adequação e da necessidade, seria comprovadamente submisso ao conteúdo jurídico do princípio da proporcionalidade.


3. A crise deontológica da ponderação.

Segundo MARCELO ANDRADE CATTONI DE OLIVEIRA (2007, p. 116), o raciocínio da ponderação de princípios (ou de "valores") parte do pressuposto que os princípios constitucionais devem ser tratados, segundo a tradição da Jurisprudência de Valores da Alemanha, como comandos otimizáveis que colidem entre si para reger um caso concreto.

A partir do analisado supra, e com base nos pressupostos da Teoria do Discurso, observar-se-á como será inevitável concluir, diante de tais premissas, que a metodologia da ponderação de valores termina por promover uma crise deontológica [13] na operacionalização dos direitos.

Com efeito, HABERMAS afirma que a premissa de que parte a compreensão da Jurisprudência de Valores é falsa, porque não se pode interpretar a Constituição como uma "ordem concreta de valores", discurso este que se soma ao da ponderação de valores, "que, no, entanto, é frouxo". (HABERMAS, 2003, v. 1, p. 315).

O autor sustenta sua crítica (HABERMAS, 2003, v.1, p. 317) base na descrição de sua análise acerca das diferenças entre normas e valores que (...)

(...) distinguem-se, em primeiro lugar, através de suas respectivas referências ao agir obrigatório ou teleológico; em segundo lugar, através da codificação binária ou gradual de sua pretensão de validade; em terceiro lugar, através de sua obrigatoriedade absoluta ou relativa e, em quarto lugar, através dos critérios aos quais o conjunto de sistemas de normas ou de valores deve satisfazer. Por se distinguirem segundo essas qualidades lógicas, eles não podem ser aplicados da mesma maneira.

Assim, e por considerar que princípios têm primazia sobre valores por conta de uma especial dignidade de preferência, HABERMAS critica a utilização da ponderação de valores pelos tribunais, sob pena de transformar o Tribunal Constitucional em uma instância autoritária, arbitrária e infratora da Separação de Poderes.

A teoria de ALEXY pretensamente empresta aos princípios um caráter deontológico, mas termina por equivaler os comandos de otimização a valores, operacionalizando-os axiologicamente – isto porque, como afirma LÚCIO ANTÔNIO CHAMON JÚNIOR, ALEXY, ao invés de propor que a pesagem de princípios diante do caso concreto fosse feita mediante um juízo de correção para a aplicação do princípio mais adequado, como defende DWORKIN, entende que ela dependa de uma idéia preferibilidade [14]. (CHAMON JÚNIOR, 2006, p. 61).

ALEXY não percebe que valores e princípios diferem por conta da ausência, por parte dos valores, de validade jurídica, que perpassa pelo seu reconhecimento frente à possibilidade de universalização de interesses, como veremos adiante; valores correspondem a códigos morais, que são sempre individuais. Os princípios, no entanto, são imbuídos de normatividade por conta de sua forma peculiar de conformação.

O autor tenta defender-se de tais críticas (ALEXY, 2003, p. 111) alegando que provaria, mediante a exemplificação, que é possível construir sentenças racionais valendo-se da ponderação. No entanto, o ALEXY limita-se a reproduzir exemplos de julgados dos Tribunais alemães, classificando e descrevendo as intensidades de intervenção, os graus de importância dos princípios e a relação entre eles, objetivando convencer o leitor que o resultado encontrado pelo aplicador do direito é razoável e racional. Em uma das passagens de sua defesa, mais precisamente no exemplo que tratava de uma decisão do Tribunal Constitucional Federal sobre advertências de perigo à saúde [15], afirma o autor que o dever dos produtores de tabaco de colocar em seus produtos referências aos perigos do fumo foi considerado pelo Tribunal "uma intervenção relativamente leve" na liberdade de expressão.

É precisamente neste momento que tudo o que ALEXY sustenta desmorona. Ora, a concessão de graus para intervenção ou importância de princípios, que é um argumento utilizado por ALEXY para conferir pretensa racionalidade à ponderação, é justamente a maior prova de sua falta de critérios. A classificação da intervenção, no caso citado, poderia ter sido no sentido de considerá-la média, ou até grave, segundo os graus propostos por ALEXY, o que desvirtuaria o resultado do cálculo da fórmula-peso, e, portanto, da resposta à questão jurídica, baseada na lei de colisão. Obviamente, nesse caso, as partes do processo foram reféns dos juízos valorativos dos membros do Tribunal, mas tais juízos não são argumentos jurídicos, como expôs HABERMAS.

Ocorre que ALEXY não explica quais serão os parâmetros que servirão como baliza para que o intérprete considere certo fato como grave ou médio, ao explicar a estrutura triádica da fórmula-peso, de forma que esta etapa fica aberta para as pré-compreensões do aplicador do Direito. E, como afirma o próprio autor, os graus de intensidade de importância e da intervenção nos princípios (pretensamente) justificam a proporcionalidade ou não da ponderação de princípios, logo, comprovada a ausência de critérios nesta parte, toda a decisão ficaria comprometida.

O próprio ALEXY ameaçou que aceitar tais colocações seria reconhecer que o desenvolvimento do Direito Constitucional alemão nos últimos cinqüenta anos seria, em verdade, equivocado (2002, p. 109). Esse argumento, em tom de ultimato, soa como um argumento de autoridade, que, no entanto, não impressiona ou surte qualquer efeito.

Por causar uma confusão entre deontológico e teleológico na manipulação dos princípios, oferecendo-lhes tratamento axiologizante e quantizado, equiparando-os a meros valores, a Teoria do Discurso denuncia a fragilidade da Teoria dos Direitos Fundamentais de ALEXY, bem como da Jurisprudência dos Valores do Tribunal Constitucional Alemão.


4. A eticização do discurso jurídico de aplicação

Como visto, a ponderação de valores conferiria, pretensamente, o caráter de dever definitivo aos princípios, que antes dela seriam devidos apenas virtualmente, ou prima-facie. Como bem observa CHAMON JÚNIOR (2006, p. 65), baseado na coerente lição de DWORKIN, somente um juízo de adequabilidade é capaz de conferir a uma norma prima-facie seu caráter de dever definitivo:

Assim, logo ao tomarmos conhecimento de um fato, podemos tomar as normas com somente prima-facie aplicáveis. Todo o Direito nos surge como sendo, em princípio, aplicável em sua amplitude de princípios válidos. Todavia, o juízo de adequabilidade perante essas normas válidas é que permitirá aos envolvidos alcançarem, com retidão, aquela norma não meramente aplicável prima-facie.

Afinal, como afirma HABERMAS (2003, v.1, p. 323), "a validade jurídica do juízo tem o sentido deontológico de um mandamento, não o sentido teleológico daquilo que é atingível no horizonte dos nossos desejos".

Importantíssima, nesse momento, é a distinção, proposta por KLAUS GÜNTHER, entre discurso jurídico de fundamentação e o discurso jurídico de aplicação das normas, referindo-se, respectivamente, ao discurso político-legislativo (e, portanto, axiológico, pragmático e/ou ético) que precede e fundamenta a criação de uma norma, e ao discurso unicamente jurídico que possibilita sua aplicação.

Como explica LUIZ MOREIRA na introdução à tradução para o português da tese de doutoramento de GÜNTHER (Der Sinn für Angemessenheit: Anwendungsdiskurse in Moral und Recht), a justificação das normas vincular-se-ia à sua validade, pois, para GÜNTHER, o critério de justificação se expressa na "universalidade do princípio moral, com a qual se estabelece um sentido recíproco-universal de imparcialidade". E a norma será imparcial se puder receber o assentimento de todos e a conduta a concordância universal dos envolvidos – que se materializa na obediência ao princípio (U) de HABERMAS: o princípio da universalização de interesses, que se coaduna, antes de tudo, com o compromisso democrático da formação discursiva de um Direito legítimo através do discurso de justificação normativa. (MOREIRA, 2004, p. 17).

Como o conhecimento dos participantes é limitado, e o tempo finito, a dimensão de justificação necessitaria da dimensão de aplicação [16].

HABERMAS (2003, v.1, p.270), valendo-se dos conceitos cunhados por GÜNTHER, explica que em discursos de aplicação "(...) não se trata da validade e sim da relação adequada entre a norma e a situação". A aplicação, pois, diz respeito à adequabilidade. A aplicação determina se uma norma é ou não é adequada, o que deve ser aferido mediante o exame de todas as características da situação, bem como de todas as normas que eventualmente possam ser aplicadas. Esta dimensão procuraria conferir coerência ao Direito, objetivando promover imparcialidade à sua aplicação. A aplicação seria imparcial se coerentemente realizasse a adequação entre todas as características e normas do caso.

Destarte, a adequabilidade serviria como uma resposta ao problema da impossibilidade das normas não preverem todas as hipóteses de aplicação, uma tarefa irrealizável. Como afirma GÜNTHER (2004, p. 65),

(...) somente se o nosso saber abrangesse todos os casos de aplicação de uma norma é que faríamos coincidir o juízo sobre a validade da norma com o juízo sobre a adequação. Mas, obviamente, nunca disporemos de tal saber.

Com efeito, ficaria evidente a necessidade de distinguir-se justificação e aplicação, validade e adequação, legislação e jurisdição. Por entender que na fundamentação é preciso haver um exame de possibilidade de universalização de interesses e na aplicação há uma apreensão adequada e completa de contextos relevantes à luz de normas concorrentes, GÜNTHER irá afirmar que "não é possível abrir mão da razão prática". (GÜNTHER, 2004, p.19).

Não obstante as partes de um processo alegarem, em sua manifestação no bojo do processo, argumentos não-jurídicos, o aplicador do direito não poderá se valer deles para decidir um conflito jurídico – aqui reside a imparcialidade do Poder Judiciário.

Argumentos axiológicos não podem fazer parte do discurso de aplicação, porque não são munidos do caráter de devido. No discurso de aplicação apenas argumentos jurídicos podem ser utilizados, porque portadores da obrigatoriedade intrínseca ao Direito; de outra sorte, conferir esta capacidade a um juízo pragmático (referido aos meios para alcançar determinados fins), moral (referido à idéia de justiça) ou ético (referido a valores) seria tentar eleger um determinado valor como fundamental ou determinante, destronando a pluralidade (ou pluralismo) de seu lugar de destaque na conformação do fenômeno jurídico. Não há espaço na sociedade hodierna para pretender-se cristalizar uma ordem universal de valores, ainda mais contramajoritariamente [17].

Desta forma, ao se permitir que o magistrado pondere acerca da aplicação de dois princípios, sendo-lhe legítimo graduar sua efetividade/aplicação, em verdade está se estendendo ao magistrado/aplicador do Direito poderes para emitir um juízo de valor que apenas poderia ser feito em sede de discurso jurídico de fundamentação, porque munido do caráter moral, pragmático e/ou eticizante apenas aceitável em sede de processo democrático de universalização de interesses

Desta forma, uma vez que HABERMAS adota a cisão, proposta por GÜNTHER, entre fundamentar e aplicar, não poderia o magistrado, em sua concepção, graduar a aplicação de princípios ou direitos fundamentais (que são, em sua maioria, princípios), pois eles somente seriam aplicáveis, ou não, sem graus de efetivação; se o magistrado o faz (se pondera, gradua), interfere de modo demasiado grave nas competências do Poder Legislativo, e a comunidade torna-se refém da tirania axiológica e contramajoritária dos Tribunais, e de sua arbitrariedade disfarçada de discurso racional – pois as teorias de LARENZ e ALEXY não passariam de uma tentativa de disfarçar o subjetivismo do intérprete em uma (suposta) metodologia de aplicação do Direito.

CHAMON JÚNIOR (2006, p. 157), nesse ínterim, enfatiza:

Em face da pluralidade moderna, (...) se uma decisão assumisse um determinado padrão valorativo como pressuposto a esse mesmo veredicto, estaríamos diante de uma decisão axiológica, e não uma decisão jurídica: decidir-se-ia pelo valore preferível no caso, e não pelo direito (ou dever) e pela norma adequados ao caso. E será que podemos não reconhecer direitos ou deveres de outrem sob o argumento de que um valor é ‘preferível’, ou ‘mais importante’, que outro?

Nesse contexto, e diante do procedimentalismo aduzido, um discurso jurídico de aplicação que se submeta a tais juízos valorativos não se diferencia, em sua fraqueza jurídica e de legitimidade, de uma sentença imotivada ou de qualquer tentativa de impor uma decisão arbitrária sem fundamento argumentativo/jurídico, somente através do uso de uma moral particular. Seria o mesmo que tentar criar e impor o Direito no caso concreto: a ponderação de princípios desconfirmaria o discurso jurídico de fundamentação (que se assenta em uma perspectiva, antes de tudo, democrática) implicando na eticização do discurso de aplicação, acarretando o esvaziamento de sua juridicidade.


5. Judicialização da Política e Ética da Legalidade

O juiz, diante de um conflito entre os dois direitos, deve proceder à análise dos princípios aplicáveis prima-facie, ultrapassando um momento prévio em que o discurso visa verificar a validade dos direitos em jogo, para buscar a norma jurídica mais adequada ao caso concreto, segundo os critérios da integridade, como veremos adiante. A aplicação do Direito não se confunde com sua validação – de modo que não é possível fazer concessões recíprocas entre os princípios e restringir ambos para alcançar uma solução dita proporcional ou justa.

Reside importante diferença entre a aplicação do princípio adequado e a aplicação ponderada de princípios. A primeira respeita o mandamento da Separação dos Poderes, se limitando a interpretar os fatos e o Direito válido para encontrar uma norma adequada, entre as possíveis e aplicáveis prima-facie; a segunda, proposta por ALEXY, autoriza o magistrado a mitigar princípios que concorrem (prima-facie) para o caso concreto, isto é, corrigir o legislador, diminuindo ou aumentando a intensidade de efetivação de determinado princípio, como se este fosse um valor e pudesse ser manipulado desta forma. O pensamento de ALEXY ultrapassa a um bem-aventurado ativismo judicial; parece sequer respeitar as limitações constitucionais fundamentais à mera existência da Democracia, e termina por esvaziar a juridicidade de sua metodologia, já que eticiza o discurso de aplicação de normas.

Se o Poder Legislativo é inerte, omisso, ineficiente, estas são questões que não vinculam a argumentação, e que jamais autorizariam o magistrado a emitir juízos políticos em lugar dos parlamentares competentes. Ponderar, sob o paradigma da Teoria do Discurso, é necessariamente uma faculdade de âmbito legislativo, porque tem o condão de se manifestar sobre valores e sua preferibilidade, ou não, e inclusive sobre a intensidade em que estes valores devem se efetivar. O discurso de fundamentação, pois, transforma os juízos morais dos partícipes do discurso em normas jurídicas, mediante o procedimento discursivo.

Trabalhemos com a seguinte hipótese: o legislador constituinte de um país, em seus debates políticos, ponderou sobre diversos aspectos de duas situações da vida distintas, concluindo pelo reconhecimento de dois princípios jurídicos, igualmente devidos.

O que a ALEXY propõe é que o magistrado tenha a faculdade de – sob o suposto argumento da promoção da menor restrição de direitos – mitigar uma disposição legislativa legitimamente criada e juridicamente devida para, de acordo com seus critérios individuais, "ajustar" materialmente a intensidade da realização deste princípio no mundo dos fatos, de acordo com os valores que ele crê serem melhores ou mais importantes frente à Constituição deste país.

Entretanto, como seu Parlamento [18] não restringiu materialmente estes direitos em sede de discurso jurídico de justificação (quando estes argumentos fariam parte da verificação democrática da possibilidade de universalização de interesses) não pode o aplicador legislar para o caso concreto, ou seja, considerar devidos seus argumentos sobre o que seria melhor ou preferível, sob a proteção do argumento em que o magistrado deve objetivar a menor restrição a direitos, e alterar sobremodo as decisões políticas do legislador, sobrepondo sua moral à do Parlamento. A aplicação do Direito deveria se blindar contra estas contaminações.

O Direito válido deste país imaginário não prevê hipótese ou cláusula de exceção para que se restrinja a aplicação da disposição material contida naqueles direitos, e não pode o magistrado ignorar a Separação de Poderes em prol da imposição de sua opinião. O magistrado não pode se manifestar sobre a intensidade em que os princípios devem se efetivar. Se determinado princípio é devido, e é adequado, este princípio deve se realizar em sua inteireza frente às possibilidades fáticas. Ainda seguindo a hipótese aludida, os Ministros da Suprema Corte do país são chamados se pronunciar sobre o caso, e, para isso, se valem do método da ponderação de valores. Utiliza-se de um mesmo raciocínio para analisar uma mesma questão de Direito e, no entanto, forçosamente os magistrados chegam a resultados demasiado distintos, e não apenas por mera reconstrução diferenciada da situação de fato [19].

Logo se percebe que o motivo que levou os Ministros a se dividirem entre a prevalência de um ou outro direito é a divergência de posicionamentos axiológicos sobre as prioridades a serem protegidas pela decisão em questão, vale dizer, quais princípios deverão ser protegidos em face da (suposta) ordem concreta de valores, a Constituição do país – o que desqualifica a hipótese de que a ponderação traz um enunciado jurídico sobre princípios: traz, antes, um enunciado de preferência sobre valores. A individualidade que é intrínseca em cada ser humano o faz compreender as prioridades e nuances da Constituição de formas diferentes, e qualquer metodologia para a manipulação de direitos que confiar nesse critério, em verdade não assumirá critério algum.

Por mais que essa ponderação ofereça um resultado louvável, que receba a aprovação popular, ela se utilizou de pressupostos errados. A imposição autoritária de normas jurídicas que sigam o padrão ético da maioria da população não deixa de ser formalmente não-apta e metodologicamente proibida, e, portanto, não constitui Direito. Não apenas desconfirma a normatividade das disposições legítimas do Parlamento, negligenciando-a de efetivação no "mundo dos fatos", mas procede a esse fim munido apenas de argumentações axiológicas, e não de argumentos jurídicos. Se o discurso de justificação de normas não validou qualquer hipótese de restrição àqueles direitos, como pode o magistrado decidir pela sua mitigação e como se dará essa mitigação no caso concreto?

Como bem afirma CATTONI DE OLIVEIRA (2007, pp. 121-122), a visão paradigmática da ponderação de valores termina por judicializar a política, julgando à luz de pretensos valores supremos da comunidade, a que os Tribunais Superiores teriam acesso privilegiado. Para o autor, partidários desse tipo de ativismo judicial

(...) atribuem ao judiciário o papel de tutor da política, um superpoder quase constituinte, e permanente, como pretensa e única forma de garantia de uma democracia materializada e de massa, sem, contudo, considerar os riscos a que expõe o pluralismo cultural, social e político próprios a um Estado Democrático de Direito.

Por tudo isso, CHAMON JÚNIOR (2003, p. 61) afirma que a concepção de ALEXY acerca dos princípios como comandos otimizáveis e aplicáveis mediante ponderação, comum à Jurisprudência de Valores, é uma farsa. Frente a uma compreensão pluralista da comunidade, com todas as suas idiossincrasias, valer-se de tais fundamentos de decisão constitui um absurdo.

Nas palavras de CATTONI DE OLIVEIRA (2007, p. 122), O Supremo Tribunal Federal converter-se-ia no "guardião da moral e dos bons costumes, uma espécie do Poder Moderador, ou, quem sabe, do Santo Ofício, a ditar um codex e um índex de boas maneiras para o Legislativo e para o Executivo". Para o referido autor (2007, pp. 124-125),

(...) A aplicação de um princípio da proporcionalidade, a compreensão dos princípios como valores otimizáveis, assim como a compreensão dos direitos como bens ou interesses sujeitos a um cálculo de utilidade, confunde "argumentos de princípio" com "argumentos de política", perspectiva jurisdicional e perspectiva legislativa. E, por isso, não garante direito algum, nem legitimidade à Jurisdição.

Afinal, como visto antes, não é possível tentar cristalizar uma ordem concreta de valores contramajoritariamente (e antidemocraticamente), isto é, mediante a aplicação do Direito segundo uma concepção axiologizante de princípios jurídicos tomados como valores. Para se estabelecer determinados juízos valorativos, éticos ou pragmáticos como devidos, estes precisam primeiro, passar por um discurso jurídico de fundamentação para que adquiram validade, porque aí averiguar-se-ia a possibilidade de universalização de interesses, e a partir daí seriam tratados como direitos.

É possível concluir, diante do que já foi articulado, que o está em jogo, com a adoção dos pressupostos da Teoria do Discurso e a crítica à metodologia da ponderação, é a separação entre Direito e Política. A Constituição, por articular Direito e Política conjuntamente (CATTONI DE OLIVEIRA, 2007, p. 125), precisa ser corretamente interpretada, de modo que não se ponham em risco os direitos em detrimento de questões éticas, pragmáticas ou morais, o que vai de encontro ao arcabouço histórico do Estado Democrático de Direito...

Neste momento é oportuno citar o voto do Ministro EROS GRAU, na ADPF 144, oportunidade em que defendeu o que chama de ética da legalidade. Ela tratava da constitucionalidade do estabelecimento, pelo Poder Judiciário, de critérios de inelegibilidade no que tange à vida pregressa dos candidatos a cargos políticos apenas pela inércia do Poder Legislativo (ausência de Lei Complementar).

Em seu voto, digno de encômios, o Ministro afirmou que o Poder Judiciário "não está autorizado a substituir a ética da legalidade por qualquer outra"; para o eminente Ministro, a ética da legalidade a que se refere percebe-se no respeito ao caráter deontológico do Direito, e na impossibilidade de romper e substituir a racionalidade formal do Direito Moderno em detrimento de outra racionalidade substancial (material) "que, fatal e irremediavelmente, será resolvida, no bojo da díade violência/direito, pelo primado do primeiro termo". Significa que toda argumentação que objetiva tornar devido um juízo moral, individual, um mero valor, é uma violência [20].

Concluindo seu voto, afirmou o Ministro que se posiciona pela inconstitucionalidade da criação de novo critério de avaliação da vida pregressa dos parlamentares [21], fazendo uma afirmação inesquecível, em resposta ao clamor público para que os Ministros considerassem-na constitucional (supostamente, assim, contribuindo para a repressão da corrupção):

É necessário que esta Corte cumpra o dever, que lhe incumbe, de defesa da Constituição, por cuja suspensão, algumas vezes, a sociedade tem clamado. Então somos originais --- observei em outra ocasião --- somos tão originais que dispensamos quaisquer déspotas para nos tornarmos presa do pior dos autoritarismos, o que decorre da falta de leis e de Constituição. O estado de sítio instala-se entre nós no instante em que recusamos aos que não sejam irmãos, amigos ou parentes o direito de defesa (...).

É assim que o próprio Ministro GRAU, em seu "Direito Posto e Pressuposto" (2005, p. 112) afirma, nesse contexto, que:

(...) a eticização do direito pela qual se clama apenas poderá ser realizada, no presente, mediante a adição de conteúdos às formas jurídicas, o que importa desenvolvam os juristas não uma atividade exclusivamente técnica, e significa atuem segundo uma ética na lei (não acima da lei).

Essa ética é a ética dos princípios jurídicos (...).

A ética da legalidade e dos princípios, para a Teoria do Discurso, não se confunde com a ética dos meus valores. A ponderação dos Ministros do nosso país imaginário se mostrou inapta a garantir direitos, já que submeteu seu exercício a conjecturas utilitaristas de custo e benefício da concessão destes próprios direitos, confundindo o que é bom e o que é devido, mesclando os dois sistemas (Política e Direito) de uma forma proibida; à Suprema Corte parece ter sido delegado poder legiferante, exercido através do parâmetro antidemocrático do que é preferível para seus Ministros, o que insinua uma inadequação metodológica e um desvirtuamento democrático, já que somente argumentos jurídicos autorizam a interferência no patrimônio jurídico dos indivíduos afetados pelas normas jurídicas.

Diante de tantas críticas, poder-se-ia à primeira vista cogitar que a Teoria do Discurso reduziria o juiz a uma atividade mecânica, subsuntiva, já que não poderia se manifestar sobre a ponderação de princípios no caso concreto. Entretanto, não é esta a ratio da proposta procedimentalista.


6. Direito e Integridade: coerência e adequação.

Conforme se demonstrou, o Direito, submetido à potestade dos juízos éticos dos magistrados, torna-se extremamente antidemocrático. Apenas um juízo de adequabilidade normativa seria capaz de oferecer uma resposta coerente à aplicação de princípios jurídicos. Mas de que parâmetros disporia o aplicador do Direito para proceder à adequação? Vale dizer, é preciso retornar à pergunta lançada acima: como se escolhe o princípio mais adequado entre os que concorrem prima-facie?

Isto se refere a uma questão fundamental: de onde vêm os princípios jurídicos? Nas palavras de DWORKIN, não existiria um teste de pedigree que oriente a identificação dos princípios; a origem desses princípios jurídicos

(...) não se encontra na decisão particular de um poder legislativo ou tribunal, mas na compreensão do que é apropriado, desenvolvida pelos membros da profissão e pelo público ao longo do tempo. A continuidade de seu poder depende da manutenção dessa compreensão do que é apropriado (2002, p. 64).

É assim que DWORKIN afirma, por exemplo, que se deixar de parecer injusto que as pessoas se beneficiem de seus próprios delitos, então este princípio irá aos poucos ruir, e eventualmente perder seu status de devido. Observe que os princípios são absolutamente distintos das regras neste sentido, já que as regras sempre poderiam estar, dentro de uma ótica convencionalista, hierarquicamente fundadas em uma regra superior que lhes confira validade (daí vem a idéia do teste de pedigree).

Nesse sentido, CHAMON JÚNIOR afirma que princípios nada mais são que sentidos normativos interpretáveis em consonância com uma prática social em sentido constante. Se existem hoje novos direitos, que há vinte anos "não existiam", "já nos é claro que, ao futuro, o reconhecimento de outras novas questões está aberto" (CHAMON JÚNIOR, 2008, pp. 245-246).

E esse projeto moderno de reconstrução democrática do Direito, no bojo da Teoria do Discurso, se coaduna com o pressuposto que já se anunciou acima, qual seja, o que afirma estar a atividade do intérprete sempre direcionada a desvendar as respostas adequadas já existentes no Direito. Para isso, exige-se que se interprete de forma adequada o sistema de princípios. Esta forma adequada implica na busca por coerência, e exige que o Direito considere sua história como um todo fluido, que acumula experiências que devem ser levadas em consideração.

É preciso, destarte, aceitar a noção de DWORKIN de integridade, que corrobora com a proteção da ética da legalidade e dos princípios. Segundo essa concepção, os juízes devem decidir predispostos a encarar o Direito como uma comunidade íntegra de princípios. O raciocínio jurídico envolveria uma interpretação construtiva – deverá refletir a melhor representação de nossas práticas jurídicas desde sempre e até hoje.

DWORKIN metaforiza, com Hércules, um magistrado com capacidade e paciência sobre-humana. Ele deve interpretar a história institucional como um movimento único e constante, partindo de uma completa e pormenorizada análise das fontes do Direito – da legislação, dos precedentes e dos princípios jurídicos aplicáveis aos casos. A metáfora de Hércules tem como objetivo a superação, pelo aplicador do Direito, do tradicional recurso à (duvidosa) vontade do legislador como critério assegurador da objetividade da interpretação do Direito. O Direito é algo que vem se construindo desde sempre, de modo que ele transcende a nós mesmos e nossas compreensões limitadas.

Isso se relaciona diretamente com a idéia de romance em cadeia – cada magistrado deve encarar seu exercício como a continuidade de uma história institucional em que necessariamente é preciso interpretar o passado e a partir dele construir respostas adequadas para os problemas hodiernos sem que se perca o ideal da coerência. Cada magistrado é um romancista, e recebe um livro inacabado, mas com início e desenvolvimento – sua tarefa é dar continuidade ao livro, acrescentando-lhe um capítulo, sem fazer com que ele perca o fio da sua história (coerência). Cada romancista subseqüente ao primeiro interpreta os capítulos anteriores, percebendo o que os outros romancistas construíram coletivamente, e cria um outro (DWORKIN, 1999, p. 276).

Assim é de maneira que o juiz, quando se encontra perante um hard case, não cria uma nova norma particular, mas tão-somente revela qual é o direito no caso em questão. Todas os casos, mesmo aqueles que não são tutelados por regras jurídicas expressas, são abarcados pelo Direito, e possuem uma resposta correta à luz dos princípios jurídicos. É de clareza cristalina como a idéia de integridade de DWORKIN é compatível com a Teoria do Discurso de HABERMAS, e como esta depende daquela.

Assim, HABERMAS não se contenta em criticar a ponderação de valores: ao contrário, inspira-se nas idéias de DWORKIN para propor o seu modelo de aplicação jurisdicional, condizente com os pressupostos da cisão entre justificação e aplicação e, acima de tudo, preocupado em não tratar princípios como valores.

O magistrado que pondera, mesmo que se esforce para interpretar a história institucional, assim como faz Hércules, terminará por partir em uma nova direção, excursionando em uma nova jornada com finalidades e percurso diferentes daquele iniciado juntamente à conformação e evolução da história comunitária, porque assentada em valores particulares e juízos que não podem ser universalizados, conquanto idiossincráticos, dentro de uma perspectiva pluralista.

Diferenciando princípios de políticas [22], DWORKIN, ao contrário [23], faz uma proposta deontológica, através do juízo de adequabilidade, que representa justamente a leitura do livro que conta a história da comunidade e do Direito, e a percepção, pelo juiz, do melhor princípio que pode justificar uma prática (criação do novo capítulo).

Percebe-se, nesse ponto, a influência que a Common Law, assentada na vinculação dos precedentes, exerceu sobre o jurista estadunidense. Não obstante, os precedentes recebem tratamento diferenciado nos sistemas de matriz romano-germânico. Entretanto, isso não implica na incompatibilidade da integridade de DWORKIN com sistemas desta matriz, como o brasileiro. Ao invés, cumpre ressalvar que, no sistema romano-germânico, somente é possível a utilização de um precedente através da integridade, como afirma LÊNIO STRECK:

Para o precedente ser aplicado, deve estar fundado em um contexto, sem a dispensa de profundo exame acerca das peculiaridades do caso que o gerou. Logo, a fundamentação de um princípio por meio da jurisprudência não dispensa o que é mais caro para a common law (sic) – a justificação acerca da similitude do caso que está servindo como holding. (STRECK, 2006, p. 386).

A utilização de precedentes, assim, deve ocorrer de modo excepcional, pois este sistema tem como paradigma e núcleo central a lei (art. 5º, II da Constituição da República). Para STRECK, nem mesmo na Common Law as decisões são proferidas para que sejam precedentes para casos futuros, mas são emanadas para resolver os casos concretos – por isso é que não basta a simples menção do precedente para solucionar a controvérsia, mas deve haver também a justificação e contextualização no caso concreto.

Nesse sentido, demonstra CHAMON JÚNIOR (2008, pp. 255-256) que

O próprio passado do Direito, como vimos, permite-nos vislumbrar que sua história é repleta de equívocos e mal-entendidos do seu sentido. Mas o Direito tem a capacidade de aprender com os tropeços de seu passado, ao mesmo tempo em que se auto-purifica. Afirmar, à melhor luz, que o Direito é uma prática social que permite sua auto-purificação, a partir dos erros e equívocos do passado, implica dizer que o próprio Direito, relendo a si mesmo, pode vislumbrar determinadas decisões – legislativas e administrativas e aqui, em especial, jurisdicionais – como equívocos porque incoerentes com esse projeto do Direito. Esse novo capítulo que se fará ‘escrito’ pode superar pode superar a falta de coerência no tratamento de determinadas questões jurídicas porque capaz de ser adequadamente focado ao que está a exigir o constitucionalismo moderno.

Mas Hércules não estaria imune a críticas por parte de HABERMAS. Este tece um comentário importante sobre o herói de DWORKIN – ressalta seu solipsismo (2002, v.1, p. 278-280). Assim, cita FRANK MICHELMAN para afirmar que

What is lacking is dialogue. Hercules... is a loner. He is much too heroic. His constructions are monologous. He converses with no one, except through books. He has no encounters. He meets no otherness. Nothing shakes him up. No interlocutor violates the inevitable insularity of his experience and outlook. Hercules is just a man, after all. No one man or woman could be that. Dworkin has produced an apotheosis of appellate judging without attention to what seems the most universal and striking institutional characteristic of the appellate bench, its plurality (MICHELMAN, apud HABERMAS, 2003, v. 1, p. 278).

Mesmo Hércules assumiria um viés monológico e, pois, avesso às modernas preocupações da Teoria do Discurso com a produção da decisão judicial. HABERMAS preocupa-se com o isolamento do herói-intérprete, que confia em sua prodigiosa capacidade de analisar minuciosamente sem atentar, contudo, às limitações interpretativas da solidão. Isso sugere que se ancorem as exigências ideais feitas à teoria do Direito no ideal político de uma Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição (e aqui HABERMAS cita nominalmente o famoso trabalho de PETER HÄBERLE), "ao invés de apoiá-las no ideal da personalidade de um juiz, que se distingue pela virtude e pelo acesso privilegiado à verdade" (HABERMAS, 2003, v.1, pp. 277-278).

Diante de tudo isto, Hércules demonstra ser um juiz prudente, mas solitário e monológico. Ele aos poucos se dá conta de que o fardo que ele carrega precisa ser dividido com os demais intérpretes do Direito. Somente através de uma dimensão argumentativa e democrática, mas que se paute na integridade, será possível aplicar o Direito orientado à descoberta das respostas corretas...


7. Conclusão: interpretação e correção no Direito.

Diante dos pressupostos adotados como hipótese de estudo e o desenrolar dos argumentos empregados para a crítica da metodologia da ponderação, com base na compreensão procedimentalista-discursiva de HABERMAS, podemos concluir que a compreensão de princípios como comandos de otimização pressupõe a interpretação da Constituição como uma ordem concreta de valores, confundindo Direito e Política. Os princípios, tratados desta forma, atendem a um código gradual que se incompatibiliza com o código binário do Direito (lícito/ilícito). Direitos igualmente devidos (e devidos em sua inteireza) não podem ser mitigados por conta de um juízo de preferência remetido a valores.

Além disto, conclui-se que a estrutura deontológica dos princípios não permite sua aplicação axiologizada. A racionalidade da ponderação derivaria da utilização da fórmula-peso e da lei da ponderação, mas a atribuição aproblematizada de um juízo de importância demonstraria a fragilidade dessa argumentação, dependente de pré-compreensões e juízos axiológicos. Tal metodologia desrespeitaria a ética da legalidade, desconfirmando o discurso de fundamentação das normas e eticizando seu discurso jurídico de aplicação, esvaziando sua juridicidade.

A busca por um resultado adequado exigiria uma criteriosa análise contextual das fontes aliada à interpretação construtiva, ensejando a aceitação de uma concepção jurídica que extravasa a um modelo positivista, no sentido de conceber um sistema coerente de princípios e aceitar a possibilidade de correção do Direito. No entanto, não se vale, aqui, de arbitrariedades travestidas de discursos racionais, como é de gosto da ponderação de valores. Princípios têm sempre primazia sobre políticas, e direitos não podem ser sacrificados, minimamente que seja, em nome do bem coletivo, do preferível ou do mais importante.

Essa leitura é compartilhada também por HABERMAS e GÜNTHER: eles compreendem que os direitos devem ser interpretados pressupondo-se um sistema coerente de princípios. A adequabilidade permite que normas sejam válidas (e, portanto, aplicáveis prima-facie) não havendo colisão, pois a dimensão de aplicação das normas coerentemente seleciona o princípio mais adequado para ser aplicado no caso concreto (de modo que só há um conflito aparente de princípios). Assim, GÜNTHER, com HABERMAS, crê que as normas jurídicas precisam ser válidas no sentido de uma Teoria do Discurso, através de (U), e o sistema coerente de normas pretende dar uma resposta sempre adequada, correta, para os casos concretos. Nesse sentido, a integridade poderá ser compreendida como parâmetro para argumentações de adequação. (GÜNTHER, 2004, p. 414).

A interpretação de acordo com a integridade é condição de possibilidade de produção de decisões democráticas que continuem a municiar o Direito com dados para sua contínua produção coerente de si mesmo. A metáfora do romance em cadeia inspira a atuação do magistrado como um roteirista que, acima de tudo, deve zelar pela coerência da obra.

A procura por respostas corretas, afinal, jamais se dá através do sentimento pessoal sobre o que é bom ou justo. Hércules sabe que não cabe a ele criar o Direito, mas tão somente desvendá-lo, por isso busca oferecer um tratamento adequado aos princípios jurídicos. Ele tem consciência de que deve interpretá-los de acordo os parâmetros da integridade, e sabe também que jamais poderá negligenciar-lhes o caráter deontológico e binário. Hércules discorda da metodologia da ponderação de valores, que considera altamente antidemocrática, afinal ele não tem a pretensão de produzir o Direito.

Por fim, uma última exigência da Teoria do Discurso é produzir decisões judiciais não apenas orientadas para a coerência e em vistas do desvendamento da resposta correta, mas menos solipsistas – uma crítica da qual nem mesmo Hércules foi isento. A metodologia da ponderação, longe de se furtar a tal crítica, é dela o maior exemplo de aplicação, pelo caráter idiossincrático, monológico e valorativo que sua operacionalização assume.

Por torna-se dependente de juízos axiológicos, a ponderação poderia ser comparada à interpretação referida a um ato de vontade, como pretendeu KELSEN; pelo menos seu positivismo era bem franco quanto à discricionariedade da aplicação do Direito pelo juiz...


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Notas

  1. DWORKIN insurge-se contra a obra de seu antecessor na cátedra de Filosofia do Direito de Oxford, HERBERT HART, mestre do positivismo jurídico na Common Law. Sua principal crítica ao pensamento de HART é a inadequação da tese da discricionariedade judicial e a compreensão do Direito como um ordenado de regras. Embora o alvo das críticas de DWORKIN seja o positivismo de HART (no contexto de Common Law), é seguro trazer suas críticas ao terreno (igualmente passível de críticas) do positivismo legalista do sistema romano-germânico, cujo principal teórico é HANS KELSEN.
  2. Precisamente como DWORKIN crê que seja possível encontrar a resposta correta veremos adiante. Por ora, assimilemos apenas sua divisão das normas em regras e princípios, e sua noção de argumentos de política.
  3. É um erro confundir a dimensão de peso ou importância, de DWORKIN, com a ponderação de valores de ALEXY, pois a última, como veremos, pressupõe a mitigação mútua de princípios aplicáveis a um caso concreto segundo o parâmetro da discricionariedade, das pré-compreensões ou sentimento de justo, enquanto a análise da dimensão de peso dos princípios escolhe aquele mais adequado entre os que concorrem prima-facie no caso concreto segundo uma interpretação orientada à integridade do Direito.
  4. E um dos diferenciais entre a teoria de DWORKIN e as propostas de ALEXY.
  5. DWORKIN não se utiliza da expressão código binário, mas ela é pertinente.
  6. Parte considerável da doutrina, entretanto, toma o vocábulo de ALEXY literalmente, e inclusive objetiva "extrair" o princípio da proporcionalidade de disposições constitucionais as mais variadas.
  7. Para o autor, a adequação exige uma relação empírica entre um meio adotado e o fim promovido pela norma, devendo o meio adequado ser capaz de atingir o fim em questão. A necessidade envolve a existência de meios alternativos ao contido na norma e que possam promover igualmente o fim sem restringir, na mesma intensidade, os direitos fundamentais afetados. A proporcionalidade em sentido estrito exige a comparação entre a importância da realização do fim e a intensidade de restrição dos direitos fundamentais, para que se justifique ou não a restrição daqueles direitos.
  8. Ela seria possível porque nem sempre quando a hipótese de uma regra é preenchida haverá a implementação de sua conseqüência. Diferenciando incidência (prima-facie) de aplicabilidade das regras, ÁVILA demonstra que a aplicação da regra depende também da ponderação de outros fatores que não apenas a verificação do fato tipificado – as regras podem ter seu conteúdo preliminar de sentido superado por razões contrárias, mediante um processo de ponderação de razões (uma hipótese seria a do motorista que desobedece ao limite de velocidade da rodovia para salvar um ente familiar que se encontra em estado grave, levando-o ao hospital o mais rápido que pode, e, para isso, desobedece à regra). Este estudo prefere crer, com DWORKIN, que às regras é dispensado um tratamento segundo o tudo-ou-nada. No caso do motorista que desobedece ao limite de velocidade da rodovia, não haveria ponderação de razões, mas simplesmente a aplicação de outra norma, que versa sob inegibilidade de conduta diversa.
  9. O autor afirma que ambas as ponderações (de regras e de princípios) afastam a incidência da norma que recebeu menor peso ou importância. Difere, pois, do que propõe ALEXY – que os princípios prima-facie aplicáveis, que são comandos otimizáveis, se realizariam gradualmente, ou seja, os princípios que concorrem para o caso concreto mitigariam uns aos outros chegando a um nível de efetividade adequado para o aplicador do Direito. Adversamente, ÁVILA entende, assim como DWORKIN, que as normas em geral são aplicadas, ou não. DWORKIN teoriza o tudo-ou-nada para regras, e a adequabilidade para os princípios; ÁVILA, por sua vez, pensa a ponderação tanto para regras como para princípios, mas o vocábulo, aí, assume um sentido diferenciado daquele proposto por ALEXY, sendo mais correlato com o que DWORKIN chama de dimensão de peso e importância: quando uma norma recebe uma maior dimensão de peso na ponderação (aplicação), a outra norma deixa de irradiar efeitos, isto é, tem sua aplicabilidade reconhecida como meramente prima-facie (ÁVILA, 2006, pp. 54-56). ÁVILA parece ter utilizado a expressão ponderação desarmada de seu significado tradicional da juriprudência de valores de ALEXY, de maneira que melhor se identifica com o que GÜNTHER chama de adequabilidade normativa.
  10. Esta discussão é, em verdade, acessória, não trazendo grandes repercussões de ordem prática.
  11. Ele chega a afirmar que as ponderações de valores configuram desenvolvimento do Direito, assim como acontece com os conceitos jurídicos indeterminados – as decisões serviriam como parâmetros comparativos e apreciativos para novos casos.
  12. ÁVILA discordaria da opinião de LARENZ, pois crê que a ponderação não possui critério algum, motivo esse, aliás, que o levou a classificá-la como um postulado "inespecífico", em oposição, por exemplo, do postulado da proporcionalidade, que é "específico", pois segue critérios bem definidos pelo próprio autor. A ponderação, por sua vez, seria completamente ametódica. (ÁVILA, 2006, p. 130).
  13. Utiliza-se, aqui, a expressão deontológico em sentido contrastante a axiológico: a primeira refere-se à dignidade de preferência e obrigatoriedade das normas jurídicas, munidas de dever-ser; a segunda expressão refere-se à forma de normatividade moral dos valores, não-obrigatória.
  14. Um juiz jamais poderá decidir, entre as normas aplicáveis ao caso concreto, qual é a preferível, pois este juízo comporta um componente moral que não interessa nem vincula a coletividade. O juiz deverá apontar qual é a resposta correta, isto é, qual norma, entre as duas prima-facie aplicáveis, deverá ser aplicada.
  15. BVerfGE 95, 173.
  16. A justificação de normas e a aplicação de normas teriam propósitos distintos, e seriam conduzidos, também, por princípios específicos. O discurso de fundamentação seria orientado por (U), ao passo que a aplicação de normas (que previamente passaram por um discurso de fundamentação) segue outra perspectiva. Com isso GÜNTHER almejaria resolver o problema do impossível obstáculo que teria o momento de fundamentação das normas em prever as infinitas hipóteses de aplicação. Isto tornaria (U) um princípio inviável em termos práticos.
  17. Não significa, entretanto, que as normas jurídicas não envolvam valores em seu discurso de justificação. Conforme mencionado, o discurso de justificação se consubstancia em um juízo político-legislativo e, portanto, reveste-se de pautas morais, éticas e/ou pragmáticas, concernentes às autoridades legítimas para a emissão daquele conteúdo valorativo, de forma que este possa se positivar representando os valores elegidos democraticamente para a sociedade. Assim como em qualquer discurso "que assuma carga pragmático-universal à força do melhor argumento", a decisão política é aberta, como afirma CHAMON JÚNIOR (2006, p. 156).
  18. Entendido, aqui, como o local legítimo para justificação e elaboração das normas jurídicas, com condições ideais de discurso e participação de todos os indivíduos afetados pelas normas em questão.
  19. Que, em si, é inevitavelmente valorativa.
  20. Frise-se, isso não quer dizer que os valores sejam expulsos do âmbito jurídico, nem significa o abandono da ética pelo Direito, mas tão-somente que a ética do Direito Moderno é a ética da legalidade. É a prevalência da "objetividade da lei" sobre o "subjetivismo da eqüidade". Por isso a necessária percepção da diferença entre valores e princípios.
  21. Para o Ministro GRAU, isso importaria substituir a presunção de não-culpabilidade (art. 5º, LVII, da Constituição da República) por uma presunção de culpabilidade, que não é suportada pela Constituição: "Viver a democracia, isso não é gratuito. Há um preço a ser pago por ela; em síntese, o preço do devido processo legal".
  22. Argumentos de política se formam em discursos éticos, pragmáticos ou axiológicos, enquanto argumentos de princípio são formados em discursos jurídicos. Os princípios são reconhecidos e assentidos segundo a lógica do devir de uma história institucional, o que justifica sua exigibilidade (por sua universal aceitação). Políticas, ao invés, são fins, argumentos teleológicos ao passo em que princípios são deontológicos.
  23. Aliás, como é fácil perceber, as teorias de DWORKIN e ALEXY são muito diferentes, porque partem de pressupostos não-conciliáveis, apesar do esforço de alguns juristas em aproximá-los. Provavelmente é a utilização do vocábulo balanceamento que termina confundindo a teoria deontológica de DWORKIN com a concepção axiológica de ALEXY. Entrementes, a palavra só quer significar que princípios têm uma dimensão de peso que, diante do caso concreto, mediante uma interpretação íntegra e um esforço hercúleo, deverá ser analisada pelo aplicador do direito para que ele perceba um princípio, entre os que concorrem prima-facie para o caso, como o mais adequado para a situação particular, conservando a coerência do romance em cadeia.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Marcus Seixas. Coerência e adequação: uma crítica à metodologia da ponderação de valores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2100, 1 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12518. Acesso em: 28 mar. 2024.