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O direito de morrer: o caso Eluana Englaro

O direito de morrer: o caso Eluana Englaro

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O texto analisa os argumentos utilizados pela Corte de Apelação de Milão para reconhecer o direito de morrer a Eluana Englaro, jovem italiana que se encontrava em estado vegetativo desde 1992.

RESUMO: O presente texto pretende analisar, à luz das teorias da interpretação jurídica, os argumentos utilizados pela Corte de Apelação de Milão para reconhecer o direito de morrer a Eluana Englaro, jovem italiana que se encontra em estado vegetativo desde 18 de janeiro de 1992.

ABSTRACT: The text analyses the decision taken by the Milan´s Court of Appeal to declare the right of dying to Eluana Englaro, an italian young lady in vegetative state since the 18th of january 1992.

PALAVRAS-CHAVE: eutanásia; direito de morrer; jusnaturalismo; positivismo jurídico; teorias da interpretação jurídicas.

KEY WORDS: euthanasia; right to die; jusnaturalism; juspositivism; legal interpretation theories.

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A controvérsia em torno da decisão; 3. As dificuldades para se chegar a uma decisão; 4. Os argumentos da decisão; 5. Análise dos argumentos da decisão; 5.1. A indicação da utilização da interpretação dogmática; 5.2. Imprestabilidade do modelo dogmático para se proferir decisão no caso concreto; 5.3. A teoria hermenêutica; 5.4. A utilização da interpretação hermenêutica no caso concreto; 6. Conclusão; 7. Referências.


1. INTRODUÇÃO

A italiana Eluana Englaro, de 35 anos, encontra-se em estado vegetativo desde 18 de janeiro de 1992 por força de grave trauma crânio-encefálico causado por acidente automobilístico. Para manter-se viva, ela necessita ser alimentada e hidratada por meio de sonda nasogástrica. (Ver Nota de Atualização do Editor)

Beppino Englaro, seu pai, ingressou com ação judicial em que pleiteava a retirada da alimentação e da hidratação artificiais, de forma a possibilitar a morte natural. Como fundamento do pedido, afirmava que Eluana, em consciência, teria expressado a vontade de morrer em caso de acidente ou doença que a pusesse em coma prolongado ou estado vegetativo.

O pedido judicial de retirada da alimentação e hidratação artificiais atraiu bastante interesse e causou acirrada controvérsia, já que alguns o qualificaram de homicídio, trazendo à tona, inclusive, o debate sobre a eutanásia.

O pedido foi julgado improcedente pela Corte de Apelação de Milão em dezembro de 1999. Em seguida, o recurso de Beppino Englaro foi rejeitado em abril de 2005 pela Corte de Cassação italiana. No entanto, em 2007, a Corte de Cassação italiana possibilitou um novo julgamento do pedido pela Corte de Apelação de Milão.

Quando do novo julgamento do pedido, a Corte de Apelação de Milão, em 9 de julho de 2008, e com nova composição, autorizou o pai de Eluana a suspender a alimentação e a hidratação artificiais, afirmando que isso não significaria homicídio, mas apenas permitir o curso natural da doença. O argumento utilizado foi o de que a pessoa pode rejeitar tratamento médico desde que isso não coloque em risco a saúde coletiva, bem como se considerou que a reconstrução da presumível vontade de Eluana seria suficiente, juntamente com outros requisitos, para o acolhimento do pedido.

A Corte de Cassação italiana, em 13 de novembro de 2008, julgou inadmissível o recurso interposto pelo Ministério Público, por ilegitimidade. Com isso, houve o trânsito em julgado da decisão proferida pela Corte de Apelação de Milão no sentido de reconhecer o direito do pai de Eluana de suspender a alimentação e a hidratação artificiais e, assim, possibilitar que a morte ocorresse naturalmente, sem a interferência de tratamento médico.


2. A CONTROVÉRSIA EM TORNO DA DECISÃO

O advento da decisão definitiva no sentido de possibilitar a interrupção da alimentação e da hidratação artificiais provocou reações diversas.

De um lado, a Igreja Católica, que, de um modo geral, ainda tem bastante influência sobre as decisões jurídicas e políticas tomadas na Itália, por meio do cardeal Javier Lozano Barragan, qualificou a decisão de assassinato. O cardeal, fazendo referência ao direito natural, assim se manifestou sobre a decisão: "noi proponiamo, non imponiamo, di seguire la legge naturele che si trova espressa nel quinto comandamento: non uccidere. Salvo il caso dell’accanimento terapeutico non è assolutamente lecito staccare la spina" [01].

O Governo italiano criticou igualmente a decisão tomada pela Corte de Cassação, afirmando que os magistrados haviam assinado uma condenação à morte. A subsecretária de Bem-Estar Social, Eugenia Roccella, registrou que "per la prima volta qualcuno muore a causa di una sentenza" [02].

No mesmo sentido se posicionou o parlamentar oposicionista Luca Volontè: "il primo omicidio di Stato in nome del popolo italiano" [03].

De outro lado, Beppino Englaro afirmou que a Corte de Cassação "dice quello che tanta gente comune sa, e cioè dare al paziente il potere di mettere un limite alle cure è una cosa giustissima. E non significa affato uccidere" [04].

O CSM, órgão ao qual compete exercer o poder disciplinar sobre os juízes e membros do Ministério Público italianos (a exemplo da tarefa que é exercida no Brasil pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ e pelo Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP), por meio de documento, defendeu a decisão nos seguintes termos: "Ha solo applicato le norme" [05].


3. AS DIFICULDADES PARA SE CHEGAR A UMA DECISÃO

A polêmica em torno do pedido de Beppino Englaro expõe a dificuldade de se atingir um consenso quanto à decisão a ser tomada pelo Poder Judiciário italiano nesse caso específico.

Em verdade, a polarização do debate dificilmente permitiria que o Poder Judiciário prolatasse uma decisão imune a críticas, ainda que a fundamentasse adequadamente.

De toda sorte, seja qual fosse o sentido a ser seguido pelo Poder Judiciário, algumas questões teriam que ser obrigatoriamente enfrentadas para se chegar a uma decisão por meio de argumentação jurídica, entre elas as seguintes:

1.Pode o paciente recusar tratamento médico de forma a possibilitar a ocorrência de morte natural? Em que condições é possível a recusa?

2.Em se respondendo positivamente à questão acima, o caso de Eluana apresenta uma dificuldade adicional: o fato de ela estar inconsciente e de não poder expressar a vontade de recusar-se a tratamento médico. Assim, é juridicamente possível se inferir a presumível vontade do paciente em estado vegetativo de rejeitar o tratamento médico? É suficiente a revelação dessa vontade pelo tutor (reconstrução da presumível vontade do paciente inconsciente)?

Apenas a formulação de respostas a tais perguntas poderia fornecer a adequada fundamentação à decisão a ser tomada, o que foi feito quando da prolação da decisão.


4. OS ARGUMENTOS DA DECISÃO

A Corte de Apelação de Milão, ao proferir a decisão, buscou responder tais perguntas, tendo desenvolvido a seguinte argumentação.

Inicialmente, buscando responder à primeira das questões, fez referência ao princípio do "consenso informado", que está na base da relação médico-paciente e constitui norma de legitimação do tratamento sanitário. Referido princípio estaria de acordo com normas jurídicas supranacionais (Convenção de Oviedo a respeito dos direitos do homem e da biomedicina, Carta de Nizza a respeito dos direitos fundamentais na União Européia), com o art. 35 do código italiano de deontologia médica de 2006, além de encontrar "seguro fundamento constitucional". Sobre o fundamento constitucional, foram citados o art. 2º, que tutela e promove os direitos fundamentais da pessoa, de sua identidade e dignidade; o art. 13, que proclama a inviolabilidade da liberdade pessoal e dispõe a respeito da esfera de aplicação do poder da pessoa de dispor de seu próprio corpo; e o art. 32, que tutela a saúde como direito fundamental, sendo os tratamentos sanitários obrigatórios apenas nos casos expressamente previstos em lei e sempre que a medida se destine a impedir dano à saúde coletiva.

Pôs-se em relevo a correlação do "consenso informado" com a faculdade do paciente não apenas de escolher entre as diversas possibilidades de tratamento médico, mas também de eventualmente rejeitar a terapia e de decidir interrompê-la, seja em que fase da vida estiver, terminal ou não. Assim, a rejeição à terapia médico-cirúrgica, ainda quando possa conduzir à morte, não poderia ser confundida com a eutanásia, ou seja, com um comportamento que se destina a abreviar a vida, causando positivamente a morte. Significaria a escolha de que a doença siga seu curso natural. Por isso, na presença de uma determinação autêntica e genuína do interessado no sentido de rejeitar a cura, o médico não poderia dar seguimento ao tratamento, ainda que a omissão da intervenção terapêutica possa ocasionar perigo de agravamento do estado de saúde do doente e a morte.

Em seguida, buscando responder a segunda das questões, enfrentou-se o problema no qual o sujeito não esteja em condições de manifestar a própria vontade em razão de seu estado de total incapacidade e não haja, antes de entrar em tal condição, quando era em plena posse de suas faculdades mentais, especificamente manifestado, por meio de antecipadas declarações de vontade, a quais terapias desejaria se submeter e quais desejaria rejeitar no caso de vir a se encontrar em um estado de inconsciência. Em coerência com a exigência de tutela dos valores de liberdade e dignidade da pessoa se chegou à conclusão de que ao indivíduo que, antes de cair no estado de total e absoluta inconsciência, típica do estado vegetativo permanente, haja manifestado, de forma expressa ou ainda indiretamente por meio de suas próprias convicções, seu próprio estilo de vida e seus valores, a inaceitabilidade, para si, da idéia de um corpo destinado, graças a terapias médicas, a sobreviver à mente, deve-se reconhecer, por força do ordenamento jurídico, a possibilidade de se ouvir a própria voz a respeito da desativação do tratamento por meio de seu representante legal.

Quanto à identificação da vontade presumida do paciente, afirmou-se que, com a necessária especificação do poder de representação, deve este ser orientado à tutela do direito à vida do representado, no sentido de abranger uma interrupção somente em casos extremos. Ao consentir ao tratamento sobre a pessoa do incapaz, a representação do tutor seria subordinada a uma dupla ordem de vínculos, devendo-se agir no exclusivo interesse do incapaz; e na pesquisa do best interest, deve-se decidir não no lugar do incapaz nem pelo incapaz, mas com o incapaz, ou seja, buscando-se reconstruir a vontade presumida do paciente inconsciente, já adulto anteriormente de incorrer em tal estado, tendo em conta sua vontade expressa antes da perda da consciência.

Por isso, do juiz – o qual não poderia ser convocado a ordenar a interrupção de um tratamento sanitário – se espera propriamente e unicamente o controle da legitimidade da escolha (interruptiva) operada (pelo tutor) no interesse do incapaz.

Por fim, assim restou decidido: estando o doente há muitos anos em estado vegetativo permanente, com conseqüente incapacidade de comunicar-se com o mundo externo, e sendo mantido artificialmente em vida mediante uma sonda naso-gástrica que proveja a sua nutrição e hidratação, a pedido do tutor que o representa e após o contraditório com o curador especial, o juiz pode autorizar a desativação dos equipamentos, ressalvada a aplicação das medidas sugeridas pela ciência e pela prática médica no interesse do paciente, unicamente na presença dos seguintes pressupostos:

(i) quando a condição de estado vegetativo seja, com base em uma rigorosa avaliação clínica, irreversível e não existir qualquer recurso médico, segundo os padrões científicos reconhecidos a nível internacional, que permita supor a mínima possibilidade de recuperação da consciência e de retorno a uma percepção do mundo externo; e

(ii) sempre que tal instância seja realmente expressiva, com base em elementos de prova claros, unívocos e convincentes, da vontade do paciente, a respeito de sua precedente declaração ou de sua personalidade, de seu estilo de vida ou de seus convencimentos, correspondendo ao seu modo de conceber, anteriormente a cair em estado de inconsciência, a idéia de dignidade da pessoa.

Ainda segundo a Corte de Cassação de Milão, no caso de não existir um ou outro pressuposto, o juiz deve negar a autorização, devendo então ser dada incondicional prevalência ao direito à vida, independentemente do estado de saúde, de autonomia e de capacidade de entender e de querer do sujeito interessado e da percepção que outros possam ter de sua qualidade de vida.


5. ANÁLISE DOS ARGUMENTOS DA DECISÃO

O presente artigo se propõe a analisar as dificuldades enfrentadas e os diversos caminhos possíveis para se chegar a uma decisão em relação ao caso fático exposto acima.

Inicialmente, deve-se registrar que a Corte de Apelação de Milão, apesar de fazer referência ao princípio jurídico do "consenso informado", procura argumentar basicamente de forma subsuntiva, atrelando seus argumentos a dispositivos da constituição ou de lei já existentes no ordenamento jurídico italiano. A maior parte da argumentação desenvolvida tenta dar a impressão de que o Poder Judiciário, como afirmado, aliás, em nota pelo CSM, haja apenas aplicado a legislação, fazendo-o por meio de uma operação mecânica.

O discurso presente na decisão busca conferir a impressão de que a decisão representa uma mera aplicação da legislação, sem que, na interpretação desta, se tenha feito algum raciocínio criativo. Ou seja, como se o ordenamento jurídico italiano já trouxesse em si, e somente em si, a solução para o caso de Eluana, seja em relação à previsão para o paciente rejeitar terapia médica, seja em relação à reconstrução da vontade presumida do paciente em estado inconsciente. Como se o Poder Judiciário tivesse simplesmente feito uma operação mecânica de aplicação da previsão normativa ao fato (se A, então deve ser B), previsão normativa esta já perfeitamente identificável antes do julgamento.

Essa percepção no discurso se confirma ao se verificar que, na conclusão, a Corte de Apelação de Milão afirma que, por força do ordenamento jurídico, é possível ouvir-se a voz do paciente a respeito da desativação do tratamento por meio de seu representante legal.

5.2. Imprestabilidade do modelo dogmático para se proferir decisão no caso concreto

Não seria necessário indagação muito complexa para se contestar o pseudo caráter subsuntivo da decisão tomada. A simples leitura das declarações dadas por diferentes sujeitos de opinião no momento pós-decisão conduz à percepção de que a discussão se travava, desde o início, em terreno pantanoso, sem balizas muito bem definidas: enquanto a Igreja mencionava direito natural para condenar a decisão, Beppino Englaro se referia a justiça para enaltecê-la.

De outro lado, o próprio esforço desenvolvido pelo Poder Judiciário para precisar algumas balizas para futuras decisões (atuando, assim, tal qual um legislador) atesta o caráter criativo da interpretação.

Essa tentativa de se conferir um verniz subsuntivo à decisão se alinha ao raciocínio dogmático, segundo o qual o ordenamento jurídico seria um aparato conceitual rigorosamente dedutivo e auto-suficiente, pronto para atos de mera subsunção na fase aplicativa. Para esta concepção, há uma proibição de criação de direito pelo aplicador, ao qual compete apenas a aplicação de uma vontade pré-existente.

No entanto, o raciocínio dogmático já é algo antigo e até certo ponto ultrapassado na teoria do direito. A tradição do Jusnaturalismo e do Iluminismo do século XVIII configurava a atividade legislativa como uma atividade racional voltada a construir um sistema completo de leis inspiradas pela razão, ao passo que à fase de aplicação de normas aos casos concretos seria necessária uma razão frágil e mais simples (Viola e Zaccaria, 2004).

No século XIX, século das grandes codificações, quando a doutrina positivista possuía grande força, havia uma fé iluminística em um legislador universal, capaz de dominar a natureza e de pôr leis válidas para todos os homens. Segundo Viola e Zaccaria (2004, p. 149),

Era convinzione comune dell’epoca che un singolo redattore potesse dar vita ad un codice unitario, semplice e coerente (Bentham). In tutto l’arco dell’Ottocento, l’imperativismo, da John Austin ad August Thon, intende l’imperativo della legge come comando, come concreta manifestazione psicologica della volontà personale del legislatore.

Assim é que, principalmente na Europa continental, nos séculos XIX e XX, o modelo de bom legislador prevaleceu sobre o de bom intérprete. O problema da interpretação permanecia relegado a um papel secundário em relação à atividade do legislador justamente em face da crença a respeito do caráter mecânico de aplicação dos enunciados normativos. Na teoria juspositivista de interpretação, a lei deveria ser interpretada simplesmente por meio da lógica do jurista, sem que este contribuisse com a sua vontade para a confecção da decisão.

A teoria tradicional de interpretação buscava revelar a vontade objetiva da norma ou a vontade subjetiva do legislador mediante análise do texto, de seu processo de criação, de suas conexões sistemáticas, de seus antecedentes e da finalidade da norma (HESSE, 1992). Existiria interpretação na simples execução de uma vontade pré-existente que poderia ser alcançada com certeza objetiva através desses métodos e com independência do problema a resolver. Aliás, para a teoria tradicional, o direito seria um sistema fechado no qual não existiriam lacunas.

No entanto, o curso do tempo demonstrou que a dinâmica da vida social é bastante complexa e que pode gerar relações e conflitos dificilmente subsumíveis a padrões pré-fixados.

Se é certo que determinados casos (os chamados casos fáceis) podem facilmente se adequar a padrões normativos, também é certo que a vida social será pródiga em multiplicar a existência de casos (os chamados casos difíceis) para os quais não haverá uma perfeita correspondência normativa, justamente pela falta de previsibilidade do legislador quanto à sua possível ocorrência.

Assim é que a doutrina passou a contestar a pretensa completude atribuída pelos juspositivistas ao ordenamento jurídico. Entre as várias críticas endereçadas a essa concepção, pode ser citada a de Kaufmann (2002, p. 121), para quem a pressuposição de ausência de lacunas das leis mostrou-se insustentável:

Uma vez uma vez que não se podia abdicar da proibição da denegação de justiça, a proibição de criação do direito teve que cair. Isto leva, porém, a que, perante umna lacuna da lei, o juiz se veja obrigado a fazer uso de critérios que se situam a jusante da lei.

Também para Hesse (1992) o objetivo da interpretação apenas relativamente pode consistir na tentativa de revelar a vontade preexistente na norma. É que não se pode presumir que as leis ou o legislador tenham tomado uma decisão prévia para todas as questões controversas que pudessem surgir no futuro.

Ao momento, é importante registrar que essas considerações a respeito do modelo subsuntivo de aplicação do direito são bastante pertinentes em face do caso de Eluana. É que não se pode dizer que algum ordenamento jurídico já traga uma resposta pronta e única para todas as questões enfrentadas nesse caso (desligamento de aparelhos de paciente em estado vegetativo e reconstrução da vontade presumida do paciente inconsciente). Isso porque se está diante de um caso verdadeiramente difícil, dada a presença de elementos incomuns, em relação ao qual são possíveis várias interpretações plausíveis, ainda que em sentidos diferentes.

Sendo esse um caso tipicamente difícil, as cortes italianas não tinham a opção de fazer um raciocínio meramente subsuntivo, como o que, em algum momento, deram a entender que tinham feito. Na realidade, um raciocínio subsuntivo aqui seria verdadeiramente impossível. E se revela importante registrar que, apesar do discurso da decisão, nela não se encontra nenhum raciocínio subsuntivo, mas, como se verá mais adiante, eminentemente criativo.

5.3. A teoria hermenêutica

Ultrapassada esta concepção tradicional, a doutrina se viu às voltas com a busca de respostas satisfatórias para a interpretação jurídica e aplicação de decisões aos casos difíceis.

Cabe investigar, então, como se comporta o jurista face à interpretação de normas contidas em leis e diante de uma realidade social cada vez mais dinâmica e mutável. Como aqui se toma em consideração a imprestabilidade do raciocínio do tipo subsuntivo para se chegar a uma solução para o caso de Eluana, cabe investigar qual o verdadeiro percurso seguido pelo Poder Judiciário italiano para alcançar a decisão ora analisada.

Buscando elaborar uma nova teoria da interpretação, os teóricos do direito debateram bastante a respeito da necessidade ou não de se neutralizar o fator subjetivo do intérprete (variável e imprevisível), inclusive de forma a se conferir previsibilidade e controlabilidade à interpretação.

Para Viola e Zaccaria (2004, p. 207), a aplicação do direito pressupõe a sua prévia interpretação, que possui tanto um aspecto cognitivo quanto volitivo. O aspecto volitivo atua tanto na determinação do enunciado normativo a ser aplicado, quanto na aplicação da norma abstrata aos casos individuais.

Il momento della decisione non può essere espunto dall’ambito dell’interpretazione specificamente giuridica, se non si vuole ricadere nella posizione giuspositivistica tradizionale, per la quale chi applica il diritto deve limitarsi ad operazioni di tipo logico-conoscitivo.

Para Hesse (1992), partidário da hermenêutica jurídica, apesar de não se poder presumir que o legislador haja tomado decisões prévias sobre todas as questões controversas que surgiriam no futuro, deve-se imaginar ao menos que tenha se limitado a fornecer alguns "pontos de apoio" para a tomada futura dessas decisões.

Hesse (1992) defende, então, que a interpretação é concretização, ou seja, tem caráter criativo: o conteúdo da norma interpretada apenas se torna completo com sua interpretação. A concretização pressupõe a compreensão do conteúdo da norma a concretizar, a qual não está desvinculada nem da pré-compreensão do intérprete nem do problema concreto a resolver. O intérprete tem que pôr em relação com o problema concreto a resolver a norma que pretende entender. Essa determinação, assim como a aplicação da norma, constitui um processo único, e não a aplicação de algo preexistente.

A diferença entre o modelo juspositivo tradicional e o hermenêutico é que, para este, o texto jurídico necessita de uma contribuição externa ao sistema para que seja possível a sua compreensão. Aspectos decisivos para a aplicação do direito e para a decisão judicial são externos à lei: em conseqüência, o modelo formalista e estatalista do juspositivismo é posto em crise, em favor de um modelo mais amplo e plural de direito como prática interpretativa.

O ponto de partida do modelo hermenêutico é constituído pela relação entre norma e caso fático, que pertencem a planos diversos (dever ser e ser). Considerando que a norma não se encontra fora do procedimento de interpretação e que as circunstâncias de fato podem ser valoradas apenas levando-se em conta os enunciados normativos, a concretização do direito se produz apenas simultaneamente ao caso concreto. Institui-se, assim, um círculo hermenêutico entre compreensão das normas e das circunstâncias de fato.

Para Hesse (1992), o procedimento de concretização se dará por meio de uma atuação tópica e orientada pela norma com a finalidade de encontrar diversos pontos de vista (inclusive contrários entre si) que venham a fundamentar a decisão a ser tomada. Sempre que estes pontos de vista contenham premissas objetivamente adequadas e fecundas, aportarão conseqüências que levam à solução do problema. Hesse (1992) exclui da discrição do intérprete os topoi que deva utilizar: de um lado, o intérprete apenas pode utilizar os topoi relacionados com o problema; de outro lado, será obrigatória a inclusão dos elementos de concretização que a própria norma lhe proporciona, assim como das diretrizes que a legislação contém.

Nesse aspecto, para Kaufmann (2002), toda a interpretação inovadora procede analogicamente. Para ele, o aplicador do direito progride lentamente dos grupos de casos fáceis que caem no âmbito de aplicação de uma norma para os casos difíceis.

Enfim, na teoria hermenêutica, a compreensão da norma não é um fenômeno estático e objetivo, mas um evento real, que envolve o intérprete e suas pré-compreensões baseadas em sua experiência de vida.

A função da interpretação é superar tanto a distância temporal entre o ontem e o hoje, como a diferença entre a universalidade da norma e a singularidade dos casos fáticos (VIOLA E ZACCARIA, 2004). Hermenêutica, então, seria o colocar-se "entre", empenhar-se na arte de mediação entre elementos de natureza diversa. Daí se passar a compreender que o juiz, não apenas no sistema do common law, é organicamente investido de uma função produtiva de novo direito, eis que a lei não é mais auto-suficiente. É esta compreensão que passa a ser difundida pela teoria hermenêutica alemã e pela quase totalidade dos filósofos e teóricos do direito. A tarefa do juiz é precisamente valorar no caso singular os conflitos de valores e de interesses que o legislador haja disciplinado, ou ainda que não o haja feito, num plano universal, e assim materializar as previsões normativas em decisões.

No entanto, a pluralidade de interpretações, que surge a partir da circunstância de que a interpretação não é uma atividade mecânica e, assim, não é única, mas criativa, e, portanto, múltipla (possibilidade de existência de mais de uma "boa" interpretação), põe em risco a necessária exigência de previsibilidade da interpretação jurídica.

O fato de serem atribuídos ao intérprete amplos poderes não pode significar a sua utilização de modo arbitrário. O comportamento do intérprete deve se dar segundo critérios racionais e controláveis. A única alternativa que resta, então, é tentar colocar sob controle teórico o espaço que se abre ao intérprete.

Kaufmann (2002, p. 151), no entanto, contesta que o afastamento do esquema sujeito-objeto no processo de conhecimento implique uma aproximação ao subjetivismo, sendo temperado pela referência à tradição:

O pensamento hermenêutico não permanece refém dos acasos do momento, vivendo antes da «herança» da tradição como o «solo comum do mundo comum em que nos situamos», o «acervo garantido» dos conhecimentos comuns dos quais vivemos. A hermenêutica parte do princípio de que aquele que quer compreender está ligado ao que é transmitido e está em contato ou estabelece contato com a tradição, da qual brota o que é comunicado. E diga-se uma vez mais, contra todos os racionalistas formalistas, que entre esta tradição que compreende e a razão não existe uma lei.

Que a determinação do direito não é simplesmente um ato passivo de subsunção, mas um ato criativo, no qual o investigador do direito é implicado, significa que o direito não é substancial, não está nas coisas, como é dito no Witiko de Stifter; pelo contrário, todo o direito tem um caráter referencial, o direito é algo relacional, existe nas relações dos homens entre si e com as coisas. Que para este tipo de pensamento jurídico só pode existir um «sistema aberto», e que este só pode comportar intersubjetividade, compreende-se por si mesmo.

Apesar da posição de Kaufmann de rejeitar o subjetivismo, não se pode afirmar que a hermenêutica jurídica possa proporcionar um meio absolutamente previsível e controlável de se interpretar o direito. Afinal, como tantas vezes já afirmado pelos teóricos, o direito não é uma equação matemática. Por isso, e na verdade, a previsibilidade e controlabilidade absolutas da interpretação jurídica não são um objetivo a ser perseguido pela hermenêutica. Aliás, o próprio Kaufmann admite que a interpretação de uma norma dirigida a um caso possa conduzir a diversos resultados.

Nesse sentido é que Hesse (1992) fala de racionalidade possível, dada a impossibilidade de se alcançar uma racionalidade absoluta, sob pena de se retornar ao raciocínio dogmático.

Schroth (2002) se pergunta até que ponto a hermenêutica filosófica trouxe à luz novos conhecimentos para a teoria da interpretação jurídica. E responde ressaltando a importância de as idéias hermenêuticas terem tornado transparentes as limitações das regras metodológicas da interpretação tradicionais e de terem demonstrado que aos resultados da compreensão é sempre imanente um momento criativo.

Assim, para a hermenêutica, é plenamente possível a existência de mais de uma solução para uma questão jurídica (SCHROTH, 2002, p. 386).

O resultado da compreensão de normas jurídicas depende sempre também das regras, perspectivas e expectativas normativas que o intérprete interiorizou. A doutrina do condicionamento da compreensão pela pré-compreensão também abrangerá o chamado "dilema da confirmação" (Stegmüller). Freqüentemente, é possível encontrar, na ciência jurídica, para diferentes hipóteses interpretativas, argumentos e contra-argumentos igualmente bons. Nestes casos, a decisão sobre qual das hipóteses interpretativas se deve seguir é deixada à intuição do intérprete, guiada pela pré-compreensão.

Viola e Zaccaria (2004, p. 113) apontam que a ausência de uma hierarquia predefinida entre valores em conflito importa que a escolha entre qual deve prevalecer se determina face às situações singulares, por meio da utilização do círculo hermenêutico. Este procedimento "non differisce minimamente dal metodo per tentativi ed eliminazione degli errori, dal metodo per trial and error, che, secondo Popper, costituisce per eccellenza il procedimento metodologico delle scienze (Popper 1970a e 1970b)".

E, por fim, ainda segundo Viola e Zaccaria (2004, p. 115), a hermenêutica permite que a dogmática reconquiste um espaço novo em uma relação mais estreita com a práxis e com os casos concretos: "la sua funzione e la sua portata si ridefiniscono nella cornice di un concetto di scienza più aperto ad accogliere al suo interno sia i giudizi di valore sia il soggeto interpretante". Apesar da função central da hermenêutica na contínua adaptação dos textos normativos à realidade fática, a dogmática conserva uma função ordinativa e de controle.

5.4. A utilização da interpretação hermenêutica no caso concreto

Tendo-se observado que o caso de Eluana seria tipicamente difícil (em razão de envolver elementos para os quais não existe solução pronta no ordenamento jurídico italiano) e que não se pode considerar que o Poder Judiciário italiano tenha desenvolvido raciocínio subsuntivo para proferir a decisão de autorização de desligamento dos aparelhos que a mantêm viva, já se pode afirmar que, para se alcançar a decisão proferida, se desenvolveu um autêntico raciocínio interpretativo no modelo hermenêutico.

De fato, em relação à primeira das questões (possibilidade de o paciente rejeitar tratamento médico), o Poder Judiciário italiano, não encontrando expressa previsão que permitisse rejeição do tratamento médico, fez uma interpretação ampla em que, tomando por norte o princípio do "consenso informado" e o direito de dispor do próprio corpo, valorou-os frente às características caso concreto.

Antes de se proferir a decisão, a Corte de Apelação de Milão analisou todos os exames médicos que atestam a persistência e continuidade do estado vegetativo desde 1992, em especial os resultados colhidos pela equipe médica de neurologia do Hospital Niguarda de Milão. A respeito desses resultados, foi levada em conta a indicação "de seguro valor científico" contida em relatório produzido por técnicos do Ministério da Saúde.

Considerou-se, inclusive, o fato de que os parâmetros médicos para se considerar irreversível um estado vegetativo é indicado em três meses para uma criança e em um ano para um adulto, assim como o fato de Eluana se encontrar em estado vegetativo há 16 anos.

Por último, verificou-se que o estado de saúde de Eluana se enquadrava dentro dos standards para a definição do estado vegetativo permanente, conforme padrões internacionais.

Em relação à busca da resposta para esta primeira pergunta (possibilidade de o paciente rejeitar tratamento médico), ainda se considerou o fato de a doença não poder vir a pôr em risco a saúde coletiva.

O caráter criativo da interpretação se revelou de forma mais marcante na reconstrução da presumível vontade de Eluana. Em relação a esta questão, diferentemente do que ocorreu em relação à anterior, o juiz se viu desprovido de pontos de apoio bem definidos, tendo optado por fazer uma verdadeira interpretação construtiva para possibilitar a inferência da vontade de Eluana a partir de elementos bastante fluidos e sem fácil comprovação (apesar de ter feito referência à presença nos autos de "elementos claros, unívocos e convincentes, da vontade do paciente"), tais como "sua personalidade, seu estilo de vida ou seus convencimentos, correspondendo ao seu modo de conceber, anteriormente a cair em estado de inconsciência, a idéia de dignidade da pessoa".

Na verdade, em relação à reconstrução da vontade de Eluana, fica patente uma interpretação com base quase que exclusivamente na pré-compreensão do julgador: ainda que se considerasse possível a inferência da presumível vontade da paciente, que teria sido manifestada indiretamente há mais de 16 anos, daí, no entanto, não se poderia concluir que esta presumível vontade seria para todo o sempre, ou quais os limites dessa vontade, etc.

Diante da falta de pontos de apoio bem definidos, a pré-compreensão do julgador teve que exercer papel realmente importante. Muito possivelmente o julgador se utilizou de sua percepção a respeito da qualidade de vida de Eluana, ou mesmo imaginou-se no lugar dela e concluiu que, caso vivesse o mesmo drama, preferiria morrer. E, assim, universalizou sua pré-compreensão.

O que se vê, então, longe de apenas aplicar a lei, é a interpretação criativa pelo juiz a partir do padrão hermenêutico. O juiz, aqui, não apenas aplicou a lei. Criou, sim, a partir do caso concreto, uma solução razoável, tendo fincado no ordenamento jurídico seus pontos de apoio e, na falta destes, procedeu com certa liberdade na criação do direito. Tanto assim se deu que o julgador, na conclusão da decisão, se sentiu à vontade para "normatizar" o problema em relação a casos futuros [06].


6. CONCLUSÃO

A tentativa de se conferir um color subsuntivo à decisão tomada pode significar que o juiz italiano não quis assumir a responsabilidade moral relativa à morte de Eluana perante a sociedade. O fato de o julgador afirmar que, mediante processo interpretativo, descobriu a vontade do legislador, transfere a este toda a responsabilidade moral pela morte de Eluana. Caso se acuse o Poder Judiciário da permissão da prática de homicídio, a sua defesa já estará pronta: como afirmou o CSM logo após a decisão, o Poder Judiciário havia apenas aplicado o que se encontrava contido na norma. A responsabilidade por uma eventual acusação de homicídio, assim, nesse discurso, seria transferida ao legislador.

Espera-se que a presente análise sob o ponto de vista da hermenêutica jurídica haja alcançado o objetivo de revelar o verdadeiro raciocínio interpretativo desenvolvido pelo Poder Judiciário italiano ao proferir a decisão no caso de Eluana Englaro. Tentou-se ainda demonstrar o necessário caráter criativo da interpretação realizada, ante a inexistência de uma vontade legislativa a ser revelada, mas apenas de pontos de apoio a serem observados.


7. REFERÊNCIAS

HESSE, Konrad. Escritos de derecho constitucional. Trad. Pedro Cruz Villalon. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1992.

KAUFFMAN, Arthur. Filosofia do direito. Trad. Antônio Ulisses Cortez. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007.

KAUFFMAN, Arthur. A problemática da filosofia do direito ao longo da história. In: KAUFFMAN, Arthur, HASSEMER, Winfried (coord.). Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito contemporâneas. Trad. António Manuel Hespanha. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.

SCHROTH, Ulrich. Hermenêutica filosófica jurídica. In: KAUFFMAN, Arthur, HASSEMER, Winfried (coord.). Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito contemporâneas. Trad. António Manuel Hespanha. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.

VIOLA, Francesco, ZACCARIA, Giuseppe. Diritto e interpretazione: lineamenti di teoria ermeneutica del diritto. Roma: Laterza, 2004.


Notas

  1. Jornal La Reppublica, Ano 33, número 271, 14 de novembro de 2008.
  2. Jornal La Reppublica, Ano 33, número 271, 14 de novembro de 2008.
  3. Jornal La Reppublica, Ano 33, número 271, 14 de novembro de 2008.
  4. Jornal La Reppublica, Ano 33, número 271, 14 de novembro de 2008.
  5. Jornal La Reppublica, Ano 33, número 271, 14 de novembro de 2008.
  6. "Por fim, assim restou decidido: estando o doente há muitos anos em estado vegetativo permanente, com conseqüente incapacidade de comunicar-se com o mundo externo, e sendo mantido artificialmente em vida mediante uma sonda naso-gástrica que proveja a sua nutrição e hidratação, a pedido do tutor que o representa e após o contraditório com o curador especial, o juiz pode autorizar a desativação dos equipamentos, ressalvada a aplicação das medidas sugeridas pela ciência e pela prática médica no interesse do paciente, unicamente na presença dos seguintes pressupostos:
  1. quando a condição de estado vegetativo seja, com base em uma rigorosa avaliação clínica, irreversível e não existir qualquer recurso médico, segundo os padrões científicos reconhecidos a nível internacional, que permita supor a mínima possibilidade de recuperação da consciência e de retorno a uma percepção do mundo externo; e
  2. sempre que tal instância seja realmente expressiva, com base em elementos de prova claros, unívocos e convincentes, da vontade do paciente, a respeito de sua precedente declaração ou de sua personalidade, de seu estilo de vida ou de seus convencimentos, correspondendo ao seu modo de conceber, anteriormente a cair em estado de inconsciência, a idéia de dignidade da pessoa".

Nota de Atualização (do Editor): Eluana Englaro morreu em 9 de fevereiro de 2009, depois que foram retirados os tubos que a alimentavam.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAUJO, Luiz Eduardo Diniz. O direito de morrer: o caso Eluana Englaro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2099, 31 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12557. Acesso em: 28 mar. 2024.