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A modulação dos efeitos temporais no controle difuso-incidental de constitucionalidade

A modulação dos efeitos temporais no controle difuso-incidental de constitucionalidade

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O entendimento quanto ao tema tem sofrido modificações, mesmo sem qualquer alteração legislativa. Passou-se a se admitir a modulação dos efeitos temporais da norma declarada inconstitucional também no controle incidental pelo Supremo Tribunal Federal.

Resumo

Para um controle rígido da constitucionalidade das leis, o ordenamento jurídico brasileiro acolheu um sistema misto. Através desse sistema, é possível realizar o controle tanto de modo abstrato ou concentrado quanto de modo difuso ou concreto. O controle difuso-incidental de constitucionalidade ocorre diante de um caso concreto e sempre teve como regra, até mesmo por influência do direito norte-americano, efeitos apenas entre as partes – inter partes – e retroativos, ou seja ex tunc. Entretanto, o entendimento quanto ao tema tem sofrido modificações, mesmo sem qualquer alteração legislativa. Passou-se a se admitir a modulação dos efeitos temporais da norma declarada inconstitucional, já que diante de algumas situações, atribuir efeitos retroativos poderia ocasionar um caos jurídico, social e econômico. Assim, diante de um caso concreto, ao ser declarada a inconstitucionalidade da norma, através de um juízo de proporcionalidade e razoabilidade, poderá o julgador limitar os efeitos da decisão, atribuindo a ela efeitos ex nunc ou pro futuro.

Palavras-chaves: Controle difuso de constitucionalidade. Efeitos temporais. Modulação.


1.INTRODUÇÃO

Desde 1891, quando a Constituição passou a prever o controle judicial difuso, o controle de constitucionalidade das leis se tornou tema assente no cenário jurídico, gerando inúmeras celeumas tanto na doutrina quanto na jurisprudência, o que só enriqueceu ainda mais o tema.

A gama de aspectos a serem abordados no controle judicial de constitucionalidade é infinita. Contudo, após o julgamento do Recurso Extraordinário nº 197.917-SP, um tema vem ganhando destaque. Cuida-se dos efeitos temporais no controle difuso-incidental de constitucionalidade.

Diferentemente do controle abstrato, não há qualquer previsão legal que possibilite a limitação ou modulação dos efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade naquele modelo de controle. Mesmo assim, entendeu o egrégio Supremo Tribunal Federal ser possível a modulação de efeitos no controle difuso.

Nesse contexto, é preciso analisar as raízes do controle difuso e demonstrar que os efeitos anteriormente previstos já não se coadunam com as perspectivas atuais. E mais, esclarecer que não é necessária a existência de legislação própria, para se determinar a limitação de efeitos.

A limitação ou modulação dos efeitos temporais não se resumem a teorias emergidas para simples debate acadêmico. Seus efeitos influenciam sobremaneira o cotidiano das pessoas e do Poder Público, gerando reflexos sociais, jurídicos e econômicos.

Por essa razão, antes da análise dos efeitos temporais produzidos sem sede de controle difuso-incidental de constitucionalidade, mister se faz análise de todo sistema de controle existente no ordenamento, ainda que de maneira perfunctória. Após, imprescindível imiscuir-se no sistema difuso de controle de constitucionalidade e nos efeitos por ele produzidos, não se olvidando do papel do Senado Federal.

Para tanto, buscou-se através de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial trazer a lume os fundamentos que envolvem o tema proposto, captando com precisão aspectos essenciais e acidentais do tema, com contraposição de idéias e observando como os Tribunais têm analisado o tema.


2.NOÇÕES PROPEDÊUTICAS SOBRE O CONTROLE DE CONSTITU-CIONALIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.

Logo em seu primeiro artigo, a Constituição da República consignou que a República Federativa do Brasil constitui-se em um Estado Democrático de Direito, sendo que uma das vigas que sustenta esse modelo de Estado é o princípio da legalidade. É, pois, pela lei que será possível vislumbrar a atuação da vontade popular, o cumprimento dos objetivos elencados pelo constituinte (art. 3º da Constituição) e dos diversos direitos e garantias assegurados àqueles que se encontram em terrae brasilis.

Nesse diapasão, José Afonso da Silva atento a importância da lei ressalta, in verbis:

Deve, pois, ser destacada a relevância da lei no Estado Democrático de Direito, não apenas quanto ao seu conteúdo formal de ato jurídico abstrato, geral, obrigatório e modificativo da ordem jurídica existente, mas também à sua função de regulamentação fundamental, produzida segundo um procedimento constitucional qualificado (2006, p. 121).

Como corolário, surge o princípio da constitucionalidade que revela que o Estado Democrático de Direito se funda na legitimidade de uma Constituição rígida, proveniente da vontade popular que, dotada de supremacia, vincule todos os poderes e os atos dele provenientes (SILVA, 2006, p. 122).

Em razão dessa supremacia da Constituição, impõe-se que todas as situações jurídicas existentes estejam em conformidade com os princípios e preceitos nela elencados – princípio da supremacia formal da Constituição. Isso significa afastar toda norma que venha em sentido contrário ao estabelecido pelo legislador constituinte originário, de modo a existir uma compatibilidade vertical entre as normas de grau inferior com as de grau superior.

Zeno Veloso, ao tecer comentários sobre a hierarquia constitucional, de maneira lapidar, constata:

As normas constitucionais são dotadas de preeminência, supremacia em relação às demais leis e atos normativos que integram o ordenamento jurídico estatal. Para manter a harmonia do sistema, e até por uma questão de lógica, coerência, todas as normas devem se adequar, têm de ser pertinentes, precisam se conformar com a Constituição, que é o parâmetro, o valor supremo, o nível mais elevado do direito positivo, a lex legum (Leis das leis) (2007, p.135).

Consequentemente, toda manifestação do legislador ou Poder Público que trouxer a lume uma norma que estiver em desacordo com a Constituição será ela considerada inconstitucional, devendo ser retirada do ordenamento jurídico. Para isso, é imperiosa a existência de um órgão independente, apto a analisar eventual incompatibilidade da norma com a Constituição.

De fato, ao se cogitar em um Estado de Direito, como bem ressaltou Alexandrino (2007, p. 2), é imprescindível que haja um órgão independente daquele encarregado da elaboração normativa, ao qual a Constituição atribua competência para verificar a conformidade das normas ordinárias com os princípios e regras estabelecidos no texto constitucional. E o motivo é simples: se as funções (poder) de legislar e julgar estivessem concentradas na mão de uma única pessoa (déspota), nenhum provimento por ele emitido seria considerado ilegal, ilegítimo, enfim, contrário ao direito. Era, pois, necessário se fazer um divisão.

Os primeiros passos para uma efetiva divisão, separação dos poderes, ou das funções atribuída aos órgãos [01], iniciou-se com Aristóteles ao identificar o exercício de três funções estatais distintas, concentradas na figura de uma só pessoa. Posteriormente, tal teoria restou aperfeiçoada por Montesquieu, que ressaltou que tais funções estariam conectadas a três órgãos distintos, autônomos e independentes [02] entre si (LENZA, 2006, p. 222).

Consagrada nas Constituições de vários países, a separação dos poderes, que era ligado a idéia de Estado Democrático (DALLARI, 1998, p. 218), também foi adotado pela Constituição brasileira como cláusula pétrea, ao estabelecer que o Legislativo, o Executivo e o Judiciário são poderes independentes e harmônicos entre si (art. 2º e art. 60, § 4º, inc. III).

Nesse passo, ao Poder Judiciário foi atribuída a função jurisdicional de dirimir as lides que lhe eram levadas, aplicando a lei no caso concreto. Nesses conflitos, por vezes, o que se discute é a (in)constitucionalidade da lei perante a Constituição da República, seja de modo incidental ou principal. Em qualquer das situações, mutatis mutandis, será realizado um controle de constitucionalidade.

Desse modo, como bem aduz Alexandre de Moraes (2001, p. 559) "controlar a constitucionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou ato normativo com a constituição, verificando seus requisitos formais e materiais". No mesmo sentido e com a mesma sapiência assevera Paulo Napoleão Nogueira da Silva (1992, p. 14) que "o controle da constitucionalidade das leis é uma conseqüência lógica do princípio da supremacia da Constituição, que envolve a distinção entre matéria constitucional e matéria ordinária".

Com efeito, a incompatibilidade da norma infraconstitucional com a Constituição decore de vícios, os quais acabam por gerar sua inconstitucionalidade. Esses vícios poderão sobressair de duas maneiras.

O primeiro delas é denominado de vício formal e ocorre quando a norma infraconstitucional contiver um vício em sua formação, ou seja, no processo legislativo de sua elaboração (LENZA, 2006, p. 99). Em casos tais, o conteúdo da norma até pode ser compatível com o texto constitucional, porém alguma formalidade exigida no tocante ao trâmite legislativo ou às regras de competência foi desobedecida (ALEXANDRINO, 2007, p. 9). O vício formal pode ser de natureza subjetiva ou objetiva.

O vício formal subjetivo é verificado na fase de iniciativa e ocorre a partir do momento em que o projeto de lei é apresentado por quem não detinha competência. Melhor explicando: de acordo com o art. 61, § 1º, inc. II, "a" da Constituição da República, são de iniciativa privativa do Presidente as leis que disponham sobre a criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica. Desse modo, se porventura um deputado federal deflagrar o processo legislativo tratando da matéria acima delineada, estar-se-á diante de um vício formal subjetivo, já que tal matéria só poderia ser tratada em projeto de lei de iniciativa do Presidente.

O vício também poderá ser verificado nas fases posteriores à fase de iniciativa. Assim ocorrendo, mediante a inobservância das regras constitucionais referentes às fases constitutivas e complementar do processo legislativo, como votação, sanção, veto, configurar-se-á a chamada inconstitucionalidade por vício formal objetivo. Por exemplo: a lei complementar só é aprovada por maioria absoluta (art. 69 da Constituição); se ela for votada por um quorum de maioria relativa haverá um vício formal objetiva que macula a norma, tornando-a inconstitucional.

O segundo vício que torna inconstitucional a norma é o material que está relacionado ao conteúdo da norma. Mesmo que o processo legislativo foi fielmente obedecido, a norma será inconstitucional, pois ela é incompatível com a Carta Política. Seria o caso da lei que, em circunstâncias normais, instituísse pena de caráter perpétuo (art. 5º, inc. XLVII, "b" da Constituição).

A análise acerca da existência desses vícios, acarretando, por consequência, um controle de constitucionalidade, não cabe tão somente ao Poder Judiciário, já que ele pode ocorrer em dois momentos distintos, ou seja, pode tanto ser realizado preventivamente – antes do projeto de lei se tornar lei – como de modo repressivo, retirando do ordenamento a lei geradora de efeitos.

O controle prévio ou preventivo é aquele realizado durante o processo legislativo e pode ser realizado tanto pelo Legislativo, quanto pelo Executivo e Judiciário.

No Legislativo, o projeto de lei passará pelo crivo das comissões de constituição e justiça [03], que emitirá um parecer acerca da compatibilidade do projeto com o texto constitucional; se negativo o parecer, o projeto de lei será rejeitado e arquivado definitivamente (art. 101, § 1º do Regimento Interno do Senado Federal e art. 54, inc. I do Regimento Interno da Câmara dos Deputados) [04].

O Executivo poderá exercitar o controle prévio mediante o veto, por entender que o projeto de lei é inconstitucional (veto jurídico) ou contrário aos interesses públicos (veto político).

Já o controle prévio realizado pelo Judiciário [05] pode ser realizado em uma única hipótese, qual seja, garantia de um devido processo legislativo, de modo a vedar a participação do parlamentar em procedimentos contrários à Constituição (LENZA, 2006, p. 103), como, por exemplo, deliberação de emenda tendente a abolir a separação dos Poderes (art. 60, § 4º, inc. III da Constituição da República). Nesse diapasão

[...] somente o membro do Poder Legislativo tem legitimação para pedir esse controle, visto que somente o parlamentar tem interesse na estrita observância do processo de que participa. Todos os demais, não parlamentares, não tem legitimidade ad causam ativa para exercer esse controle (KÜMPEL, 2007, p. 128).

Acolhido como regra no ordenamento jurídico brasileiro, o controle posterior ou repressivo de constitucionalidade é realizado pelo Poder Judiciário, através de um controle difuso-incidental (concreto) ou concentrado (abstrato).

O primeiro, cuja análise será realizada pormenorizadamente no item seguinte, é cabível diante de um caso concreto, em que a parte sustenta a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo.

Já o controle concentrado, em que o objeto principal da demanda é a própria declaração de (in)constitucionalidade da norma e que tem como características a generalidade, a impessoalidade e a abstração do questionamento (KÜMPEL, 2007, p. 129), pode ocorrer mediante os seguintes meios [06]: ação direta de inconstitucionalidade – art. 102, inc. I, "a" (ADI); arguição de descumprimento de preceito fundamental – art. 102, § 1º (ADPF); ação direta de inconstitucionalidade por omissão – art. 103, § 2º; ação direta de inconstitucionalidade interventiva – art. 36, inc. II e; ação direta de constitucionalidade – art. 102, inc. I, "a" (ADC), todos da Constituição da República.

Denota-se, portanto, que o Brasil adotou um modelo misto ou eclético de controle judicial de constitucionalidade, já que, conforme pondera Dirley da Cunha Júnior (2007, p. 84), foram combinados o sistema difuso-incidental (oriundo do direito norte-americano) e concentrado-principal (proveniente dos países europeus continentais).

Cumpre assinalar ainda que, excepcionalmente, caberá ao Poder Legislativo realizar essa espécie de controle em duas hipóteses: a uma, prevista no artigo 49, inc. V, da Constituição da República, compete ao Congresso Nacional sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa; a duas, prevista no artigo 62 da Constituição da República, quando uma medida provisória submetida ao Congresso Nacional é taxada de inconstitucional (LENZA, 2006, p.106).

Tecidas essas breves linhas sobre o controle de constitucionalidade, mister imiscuir-se no tema proposto, a iniciar pelo detalhamento do controle difuso-incidental.


3.O CONTROLE DIFUSO-INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

O controle difuso de constitucionalidade encontra raízes históricas no direito norte-americano, especificamente no caso Marbury versus Madison, em 1803, quando o Juiz John Marshall da Suprema Corte entendeu que havendo conflito entre a aplicação de uma lei e a Constituição em um caso concreto, deve prevalecer sempre a norma hierarquicamente superior (LENZA, 2006, p. 107).

Sintetizando os argumentos tecidos no leading case em testilha, Dirley da Cunha Junior enfatiza:

A decisão de MARSHALL representou a consagração não só da supremacia da constituição em face de todas as demais normas jurídicas, como também do poder e dever dos juízes de negar aplicação às leis contrárias à Constituição. Considerou-se que a interpretação das leis era uma atividade específica dos juízes, e que entre essas figurava a lei constitucional, como a lei suprema, de tal modo que, em caso de conflito entre duas leis a aplicar a um caso concreto, o juiz deve aplicar a lei constitucional e rejeitar, não a aplicando, a lei inferior (2007, p. 75).

Com isso, acolheu-se a tese de que as Constituições, mormente aquelas tidas como rígidas, tal como a Constituição brasileira, são normas jurídicas fundamentais e supremas a qualquer outra, devendo sempre prevalecer em detrimento de leis infraconstitucionais.

Com efeito, o modelo norte-americano de controle de constitucionalidade – judicial review – restou encampado inicialmente pela Constituição Republicana de 1891, que não previa qualquer outra espécie de controle, mantendo-se vigente até então. É certo que durante esse lapso temporal – 1891 a 1988 – outras constituições fizeram parte do cenário nacional e trouxeram algumas inovações.

Ao longo do século XX, o sistema norte-americano (baseado no commow law) foi perdendo espaço para um novo modelo de controle surgido na Europa continental (baseado no civil law). Trata-se do sistema de controle concentrado de constitucionalidade, atualmente também adotado pelo Brasil [07], em que a análise da norma infraconstitucional ocorre de maneira abstrata, sem necessidade de se estar diante de um caso concreto [08].

Tradição no ordenamento jurídico brasileiro, o controle difuso-incidental de constitucionalidade, também conhecido como posterior, repressivo ou controle pela via de exceção ou defesa, é imprescindível para o deslinde do caso concreto [09].

É que diante de uma relação jurídica controvertida posta ao crivo do Poder Judiciário, é possível questionar acerca da constitucionalidade do ato normativo aplicado ao caso. Sem aferir se a norma é ou não constitucional, não poderá o magistrado decidir o mérito da lide.

Nesse diapasão, advogam Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino:

Então, sendo argüida a inconstitucionalidade da norma, o juiz, para reconhecer ou negar o direito do autor, vê-se obrigado a examinar a questão de constitucionalidade suscitada. Por isso se diz que no controle difuso o objeto da ação não é a constitucionalidade em si, mas sim uma relação jurídica concreta qualquer (2007, p. 39).

Por esse motivo que o controle difuso é também denominado de incidental ou incidenter tantum, já que a declaração de inconstitucionalidade da norma é meramente acessória, porquanto a questão principal a ser decidida é o reconhecimento ou proteção de um direito alegado. Outorga-se, portanto, ao litigante o direito de obter uma declaração de inconstitucionalidade somente para o efeito de isentá-lo, no caso concreto, do cumprimento da lei ou ato normativo, elaborados em desacordo com a Carta Magna (MORAES, 2001, p. 565).

Pelo fato da controvérsia surgir no caso concreto, esse controle poderá ser realizado por qualquer órgão do Poder Judiciário, seja pelos juízes de primeiro grau [10], pelos Tribunais locais ou superiores, podendo a controvérsia, inclusive, ser levada ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal (STF) através do recurso extraordinário ou ordinário – art. 102, inc. II e III da Constituição. Todos têm, no âmbito de sua competência, a aptidão para aferir a constitucionalidade da norma.

Em relação ao recurso extraordinário interposto perante a cúpula do Judiciário, salientares são os escólios de Lenio Luiz Streck, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Martonio Mont´Alverne Barreto Lima:

O Supremo Tribunal, aqui, não funciona nem mesmo como mera corte de cassação, mas como corte de apelação, cabendo-lhe julgar tanto o error in procedendo quanto o error in iudicando. Assim, o resultado da atuação do Supremo Tribunal Federal no controle difuso de constitucionalidade nunca é o julgamento de uma tese, e dessa atuação não resulta uma teoria, mas uma decisão; e essa decisão trata da inconstitucionalidade como preliminar de mérito para tratar do caso concreto, devolvido a ele por meio de recurso, sob pena de se estar negando jurisdição (art. 5º, XXXV e LV, da Constituição da República) (2007, p. 4).

Entretanto, em relação aos tribunais [11] cabe uma observação. Caso haja, no julgamento da lide, um questionamento incidental sobre a constitucionalidade de alguma lei, mister seja suscitada uma questão de ordem que será remetida ao pleno ou órgão especial do respectivo tribunal para análise de sua compatibilidade com a Constituição.

É a chamada cláusula de reserva de plenário e está prevista no artigo 97 da Constituição. A Carta Política exige que somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial [12] poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

Observa-se que a norma refere-se aos tribunais e não aos juízes monocráticos que atuam em primeira instância. Consequentemente, a cláusula de reserva de plenário não impede que o juiz, que atue em primeira instância, declare a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público (MORAES, 2001, p. 566).

Com a exigência do quórum qualificado busca-se garantir maior segurança jurídica às decisões e uma maior estabilidade ao ordenamento jurídico (ALEXANDRINO, 2007, p. 43), já que a inobservância da cláusula tornará ilegítima e totalmente nula a decisão do órgão colegiado. Por essa razão é que Alexandre de Moraes (2001, p. 566) aduz que essa cláusula atua como verdadeira condição de eficácia jurídica da própria declaração jurisdicional de inconstitucionalidade.

Essa necessidade de maioria absoluta apenas corrobora o princípio da constitucionalidade das leis, que sempre deve prevalecer caso não seja alcançado o quórum desejado. Aliás, é como doutrina José Afonso da Silva (2006, p.53), in verbis: "milita presunção de validade constitucional em favor de leis e atos normativos do Poder Público, que só se desfaz quando incide o mecanismo de controle jurisdicional estatuído na Constituição".

Ressalte-se, no entanto, que nem todo tribunal possui um órgão especial. Na falta, a declaração de inconstitucionalidade somente poderá ser proferida por deliberação do plenário. Isso significa que os órgãos fracionários do tribunal – turmas, câmara e seções – não poderão se manifestar acerca da constitucionalidade da norma, nem mesmo pela unanimidade de seus membros.

Todavia, a aplicação do art. 97 em comento tem sido mitigada pela jurisprudência [13]. Dando um maior enfoque aos princípios da economia processual e segurança jurídica tem-se admitido a dispensa da aplicação do dispositivo legal sempre que houver decisão do órgão especial ou pleno do Tribunal, ou do Supremo Tribunal Federal no mesmo sentido (LENZA, 2006, p. 109).

Essa orientação jurisprudencial restou positivada no artigo 481, parágrafo único do Código de Processo Civil que enfatizou que os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.

Declarada a inconstitucionalidade de qualquer ato normativo, afastando sua aplicação no caso concreto, é necessário delimitar a partir de quando essa declaração produzirá efeitos e para quem produzirá. O modelo clássico, referente ao controle difuso-incidental de constitucionalidade, impõe que declaração produza efeitos inter partes, alcançando tão somente as partes do processo, e ex tunc, isto é, retroativos à data da edição do ato normativo.

Todavia, diante de situações peculiares, é possível conceder efeitos distintos àqueles normalmente aplicados no controle-difuso incidental de constitucionalidade. É possível que esses efeitos atinjam terceiras pessoas – efeito erga omnes – ou não retroajam diante da existência de alguma circunstância – efeitos ex nunc.


4.OS EFEITOS DA DECISÃO NO CONTROLE DIFUSO-INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE E O PAPEL DO SENADO FEDERAL

Declarada a inconstitucionalidade através do controle difuso-incidental, a lei não terá qualquer validade no caso concreto sub judice, ou seja, ela não será aplicada às partes do processo; e tão somente a elas. É que, diferentemente do controle abstrato de constitucionalidade, em que os efeitos da decisão são estendidos a todos [14] (erga omnes), no controle difuso, a inconstitucionalidade só produzira efeitos em relação àqueles que faziam parte da lide (inter partes).

A lei, portanto, continuará sendo aplicada e tendo total eficácia em relação a terceiros, que poderão, diante de uma situação concreta, requerer seja reconhecida, de modo incidental, a inconstitucionalidade da lei para que ela não produza efeitos na relação jurídica controvertida.

Contudo, a decisão em controle difuso-incidental, eventualmente, pode ter seus efeitos estendidos a terceiros, passando, pois, a ter efeitos erga omnes, como no sistema objetivo de controle abstrato de constitucionalidade.

Para isso, é preciso atentar-se ao art. 52, inc. X da Constituição, que dispõe que caberá privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, a lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Essa suspensão pode se dar em relação às leis federais, estaduais, distritais e municipais, desde que, é claro, sua inconstitucionalidade tenha sido reconhecida em controle difuso (LENZA, 2006, p. 113).

Nesse ínterim, a partir do momento em que for publicada a resolução do Senado Federal, a suspensão atingirá a todos – efeitos erga omnes – e produzirá efeitos ex nunc (MORAES, 2001, p. 569; LENZA, 2006, p. 114). É certo, todavia, que há autores como Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2007, p. 53) que sustentam que os efeitos temporais seriam retroativos, ou seja, ex tunc, semelhantes aos concedidos no controle concentrado.

Contudo, atribuir a uma decisão de controle difuso de constitucionalidade os mesmos efeitos de uma decisão em controle concentrado, faria com que caísse por terra a distinção entre os dois sistemas, que, aliás, foram bem delineados no ordenamento jurídico brasileiro.

É preciso, nesse particular, fazer uma diferenciação entre "retirada de eficácia" da lei, em sede de controle concentrado, e "suspensão" que faz o Senado Federal, em sede de controle difuso.

São expressões que, embora semelhantes, não significam a mesma coisa. Suspender é como revogar a lei, à espera da retirada de sua eficácia, deixando ela de produzir efeitos a partir de certo momento (ex nunc). Retirada sua eficácia ela se torna nula, como se nunca tivesse existido, o que a faz produzir efeitos ex tunc.

É possível, nesse contexto, mutatis mutandis, fazer uma analogia entre a suspensão e a norma anulável e entre a retirada da eficácia da norma e norma nula.

De acordo com Vitor Frederico Kümpel (2007, p. 115), a norma anulável existe, é válida, mas é suspensa em determinado momento. Ela vigora até o momento em que alguém requer a cessação de seus efeitos, sendo que os efeitos anteriores à sua desconstituição são válidos e eficazes (ex nunc). Já a norma nula não tem qualquer validade, não tendo potencialidade para produzir efeitos concretos; a norma é inaplicável desde o início de seu período de vigência (ex tunc).

Em outras palavras, Lenio Luiz Streck e outros (2007, p. 9) certificam que "quando se revoga uma lei, seus efeitos permanecem; quando se a nulifica, é esta írrita, nenhuma". Não fosse assim, continuam os doutrinadores, "bastaria que o Supremo Tribunal mandasse a lei declarada inconstitucional, em sede de controle difuso, ao Senado, para que os efeitos fossem equiparados aos da ação direta de inconstitucionalidade".

Pela clareza com que tratam o tema, mister se faz, mais uma vez, a transcrição ipsis litteris dos escólios dos autores acima mencionados:

[...] o Senado, integrante do Poder Legislativo, ao editar a resolução que suspende a execução da lei, atuará não no plano da eficácia da lei (esse é feita em controle concentrado pelo STF), mas, sim, no plano da vigência da lei. Daí que, no primeiro caso – controle concentrado – o efeito pode ser ex tunc; no segundo caso – controle difuso – o efeito somente poderá ser ex tunc para aquele caso concreto e ex nunc após o recebimento desse plus eficacial advindo de um órgão do Poder Legislativo (2007, p. 11).

No mais, válido esclarecer que o Senado, além de não poder em hipótese alguma modificar os termos da decisão, não estará obrigado a suspender, no todo ou em parte, a execução da lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Se suspender, certo é que deverá fazê-lo nos termos delineado pela decisão proferida pelo Tribunal; não poderá ampliá-la, restringi-la ou interpretá-la.

Trata-se, pois, de ato discricionário, facultativo, em que o Senado analisando critérios de oportunidade e conveniência editará ou não a resolução. Conseqüentemente, não há qualquer prazo para sua manifestação, tampouco uma sanção para eventual recusa à suspensão. De qualquer sorte, editada e aprovada a resolução, não será possível ao Senado revogá-la (ALEXANDRINO, 2007, p. 54). Corroborando o papel discricionário do Senado Federal, Pedro Lenza sintetiza:

[...] o Senado Federal não está obrigado a suspender a execução de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Trata-se de discricionariedade política, tendo o Senado Federal total liberdade para cumprir o art. 52, X da CF/88. Caso contrário, estaríamos diante de afronta ao princípio da separação de poderes. (2007, p. 114)

Destarte, a resolução do Senado Federal, se emitida, irá gerar efeitos prospectivos apenas, ou seja, ex nunc. Excepcionalmente, apenas em relação à Administração Pública Federal direta e indireta, o § 2º do art. 1º do Decreto nº 2.346/97, estabelece que a produção de efeitos será ex tunc.

Contudo, o papel do Senado Federal, previsto no art. 52, inc. X da Constituição, ao que tudo indica, tende a ser revisto. Com efeito, após o advento da Constituição de 1988, as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito do controle difuso, acabaram por refazer uma releitura de todo o sistema de controle de constitucionalidade, em particular quanto aos efeitos produzidos.

De fato, os sistemas de controle de constitucionalidade, abstrato ou concreto, possuem a mesma finalidade, razão pela qual não mais parece ser legítima a distinção quanto aos efeitos produzidos, se inter partes ou erga omnes (MENDES, 2007, p. 206).

De acordo com Gilmar Mendes (2007, p. 206), ministro do Supremo Tribunal Federal e autoridade salutar quando se faz referência a controle de constitucionalidade, é possível se falar em uma autêntica "mutação constitucional", uma reforma da Constituição sem expressa modificação do texto.

Através dessa "mutação constitucional" tem se buscado fazer uma releitura do papel do Senado Federal diante uma decisão em controle difuso-incidental de constitucionalidade. Com a nova leitura do art. 52, inc. X, não caberia mais à Casa Legislativa, suspender a execução, no todo ou em parte, da norma declarada inconstitucional declarada pelo STF.

Com isso, o próprio Supremo, diante de uma declaração de inconstitucionalidade em sede de controle difuso, passaria a estender os efeitos de sua decisão a terceiros. Ou seja, os efeitos que no controle difuso-incidental de constitucionalidade que sempre foram inter partes passam a ser erga omnes.

E qual seria o papel do Senado? Caberia a ele tão somente a obrigatoriedade de publicar a decisão no Diário do Congresso; e caso não a publique não haverá qualquer empecilho para que a decisão do Supremo assuma sua real eficácia jurídica (MENDES, 2007, p. 209).

Nesses termos, ressalta o eminente Ministro, in verbis:

Desta forma, se o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, chegar à conclusão, de modo definitivo, de que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação ao Senado Federal para que este publique a decisão do Diário do Congresso. Tal como assente, não é (mais) a decisão do Senado que confere eficácia geral ao julgamento do Supremo. A própria decisão da Corte contém essa força normativa. [...] Assim, o Senado não terá a faculdade de publicar ou não a decisão, uma vez que não se cuida de uma decisão substantiva, mas de simples dever de publicação [...]. (2007, p. 208).

Com isso, estar-se-á assemelhando o controle difuso-incidental com judicial review norte americano, cujo princípio do stare decisis, típico dos países da commow law, implica na vinculação dos demais órgãos judiciários às decisões da Suprema Corte. Por fim, sintetiza Dirley da Cunha Júnior (2007, p. 83), que a força desses precedentes acaba assumindo uma verdadeira eficácia erga omnes, a despeito de a decisão ter sido prolatada em um caso concreto.

Nesse passo, não se pode olvidar que, diferentemente do modelo norte-americano, o ordenamento jurídico brasileiro está tradicionalmente vinculado ao civil law, de derivação romano-germânica, e possui um sistema misto de controle de constitucionalidade, que pode ocorrer tanto de modo concentrado como de modo difuso. Via de consequência, é temerário, a princípio, assemelhar aquele sistema a este.

Conforme preconizado, a "mutação constitucional" nada mais é do que uma alteração no próprio texto constitucional e que, data maxima venia, não pode prosperar, ao menos nesse sentido, porquanto ocorreria uma ruptura na famigerada separação dos poderes. Haveria uma substituição do poder constituinte pelo Poder Judiciário e, com isso, revela Lenio Luiz Streck (2007, p. 19), soçobra a democracia.

É que, nos termos pretendidos pela supracitada "mutação", o texto constitucional sofreria uma alteração de redação que seria realizada pelo próprio Poder Judiciário.

De "compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, a lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal" passaria para "compete privativamente ao Senado Federal dar publicidade à suspensão da execução, operada pelo Supremo Tribunal Federal, de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do Supremo" (STRECK, 2007, p. 3).

Além do mais, equiparar os efeitos do controle-difuso incidental – inter partes – aos do controle concentrado – erga omnes – é ferir uma gama de princípios constitucionais, dentre os quais podem se destacar o do devido processo legal e da ampla defesa. Seria como impor uma decisão àqueles que não participaram do processo, sem se estar diante de um controle concentrado. Aliás, não haveria diferenças substanciais quantos aos efeitos produzidos pelos meios de controle de constitucionalidade existentes.

Dessa feita, uma decisão de controle difuso de constitucionalidade, proferida por seis votos, poderá proceder a alterações na estrutura jurídica do país, ao passo que para se aprovar uma súmula no Supremo, são necessários, no mínimo, oito votos (quorum mínimo).

De maneira assaz, Lenio Luiz Streck e outros, veementemente contrários à "mutação" pretendida, destacam:

Excluir a competência do Senado Federal – ou conferir-lhe apenas um caráter de tornar público o entendimento do Supremo Tribunal Federal – significa reduzir as atribuições do Senado Federal à de uma secretaria de divulgação infra-legislativa das decisões do Supremo Tribunal Federal; significa, por fim, retirar do processo de controle difuso qualquer possibilidade de chancela dos representantes do povo deste referido processo, o que não parece ser sequer sugerido pela Constituição da República de 1988 (2007, p. 7).

Comungando do mesmo entendimento, Pedro Lenza (2006) entende não ser possível a mutação, atribuindo efeito erga omnes para as decisões em sede de controle difuso, pois não há dispositivos e regras, nem processuais ou constitucionais, para sua implementação. Seria necessário, pois, uma reforma constitucional.

Assim, rechaçar a aplicação do art. 52, inc. X da Constituição e conferir efeitos erga omnes às decisões proferidas pelo Supremo em sede de recurso extraordinário, ou até mesmo ordinário, seria ferir de morte o modelo constitucional do processo e uma grave lesão aos direitos fundamentais assegurados pelo constituinte.


5.A MODULAÇÃO DOS EFEITOS TEMPORAIS NO CONTROLE DIFUSO-INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE

O ordenamento jurídico brasileiro adotou o sistema misto de controle de constitucionalidade. Um deles, o abstrato, cujos efeitos são erga omnes e, em regra, ex tunc, foi disciplinado pela Lei nº 9.868/99. O outro, denominado de controle difuso-incidental, prescinde de lei reguladora, posto que sua verificação ocorre in concreto – como causa de pedir de uma lide –, gerando efeitos inter partes e ex tunc.

Conforme outrora analisado, o controle difuso deriva do sistema norte-americano – judicial review –, o qual influenciou demasiadamente o sistema brasileiro. Por essa razão, a doutrina brasileira se orientou pelo princípio de que todo ato legislativo contrário à Constituição é nulo [15]: "the inconstitutional statute is not law at all" (VELOSO, 2007, p. 143). Nesse contexto, advogam Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino:

[...] no Brasil, em regra, a norma jurídica inconstitucional é nula; assim, com a declaração de sua inconstitucionalidade, é retirada do ordenamento jurídico com eficácia retroativa (ex tunc), desde o seu nascimento. Também, por decorrência, como regra, são considerados eivados de vícios todos os atos com base nela praticados. (2007, p. 116)

Diferentemente da norma anulável, em que a norma é válida, mas tem sua validade suspensa em determinado momento, produzindo tão somente efeitos ex nunc, a norma ou ato nulo não tem qualquer validade, não tendo potencialidade de produzir efeitos concretos. A norma nula, portanto, é inaplicável desde o início de sua vigência, gerando efeitos ex tunc (KÜMPEL, 2007, p. 115).

Com efeito, o direito norte-americano, mesmo sendo adepto inexorável da doutrina da "the inconstitucional statute is not law at all", em que os efeitos produzidos são ex tunc, passou a admitir a necessidade de se estabelecer limites à declaração de inconstitucionalidade.

Essa necessidade veio a ser considerada pela Suprema Corte americana em razão dos problemas gerados em processos criminais. Se as leis ou atos inconstitucionais nunca existiram, eventuais condenações com base neles mostravam se ilegítimas e ilegais, abrindo-se a possibilidade, diante de um juízo de inconstitucionalidade, impugnar todas as condenações efetuadas sob a vigência da norma inconstitucional [16].

Passou-se, desse modo, a jurisprudência norte-americana, a admitir que as decisões emanadas da Suprema Corte tivessem seus efeitos modificados, modulados, adequando-os à situação concreta. Além dos efeitos retroativos – ex tunc – admitiu-se também, de modo excepcional, a produção de efeitos prospectivos ou para data futura.

Corroborando o novo entendimento fixado pela Corte americana, Gilmar Mendes [17] leciona:

Vê-se, pois, que o sistema difuso-incidental mais tradicional do mundo passou a admitir a mitigação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade e, em caso determinados, acolheu até mesmo a pura declaração de inconstitucionalidade com efeito exclusivamente pro futuro.

Seguindo o entendimento norte-americano, diversas Cortes passaram a limitar os efeitos na declaração de inconstitucionalidade. Dentre elas, pode-se citar a Constituição Portuguesa, que em seu art. 282, nº 4, ressaltou que quando a segurança jurídica, razões de eqüidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos n.ºs 1 e 2 [18], que prevêem efeitos retroativos.

O sistema jurídico brasileiro somente trouxe à lume disposição nesse sentido quando da promulgação da Lei nº 9.868/99, in verbis:

Art. 27 [19]. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Nota-se, todavia, que tal instituto refere-se tão somente às ações diretas de inconstitucionalidade e declaratórias de constitucionalidade. Ou seja, sua aplicação se restringe às hipóteses de controle abstrato ou concentrado de constitucionalidade. Em relação ao controle difuso-incidental não há qualquer disposição semelhante. Poder-se-ia, então, afirmar que não é possível a limitação ou modulação dos efeitos temporais no controle difuso?

No julgamento do recurso extraordinário nº 79.343, em 1977, o então Ministro Leitão de Abreu e relator do processo, teceu, de maneira passageira, secundária (obter dictum), breves linhas sobre a modulação dos efeitos na declaração de inconstitucionalidade. Sustentou ele, com base na doutrina de Kelsen e nas novas teorias norte-americanas, que deveria ser abandonada a teoria da nulidade (cujos efeitos produzidos eram ex tunc), adotando-se, conseqüentemente, a teoria da anulabilidade para o caso concreto, em que os efeitos produzidos são ex nunc.

Ao proferir seu voto no supracitado recurso, o eminente Ministro Leitão de Abreu asseverou que lhe parece acertado o entendimento de que não se deve ter como nulo ab initio ato legislativo que entrou no mundo jurídico munido de presunção de validade. Segundo ele, razoável é a inteligência de que se cuida de ato anulável. E conclui da seguinte maneira:

Tenho que procede a tese, consagrada pela corrente discrepante, a que se refere o "Corpus Juris Secundum", de que a lei inconstitucional é um fato eficaz, ao menos antes da determinação da inconstitucionalidade, podendo ter conseqüências que não é lícito ignorar. A tutela da boa-fé exige que, em determinadas circunstâncias, notadamente quando, sob a lei ainda não declarada inconstitucional, se estabelecerem relações entre o particular e o Poder Público, se apure, prudencialmente, até que ponto a retroatividade da decisão, que decreta a inconstitucionalidade, pode atingir, prejudicando-o, o agente que teve por legítimo o ato e, fundado nele, operou na presunção de que estava procedendo sob o amparo do direito objetivo.

De fato, conferir eficácia ex tunc às declarações de inconstitucionalidade sem qualquer restrição ou atenuações, seja em controle concentrado ou difuso, pode, em muitas situações, gerar um verdadeiro caos social, jurídico e financeiro. Imagine-se, de acordo a reflexão de Zeno Veloso (2007, p. 144), as conseqüências advindas da desconstituição de inúmeras relações jurídicas que se realizaram com base na lei tida, posteriormente, como inconstitucional; nas relações desenvolvidas e criadas com base na boa-fé, na confiança, amparadas em uma lei devidamente promulgada, publicada e em pleno vigor.

Nesse diapasão, pode-se concluir que mesmo diante de uma lei inconstitucional é preciso, por vezes, assegurar os efeitos por ela produzidos, atribuindo à decisão de inconstitucionalidade efeitos ex nunc, sendo despicienda a existência de lei que autorize a atribuição de tais efeitos. E isso, diga-se, vale para o controle difuso-incidental de constitucionalidade.

A produção dos efeitos na declaração de inconstitucionalidade já causou preocupação ao Min. Maurício Corrêa que, ao proferir seu voto em ação direta de inconstitucionalidade (ADI nº 1.102), assim se manifestou:

Creio não constituir-se afronta ao ordenamento constitucional exercer a corte política judicial de conveniência, se viesse a adotar a sistemática, caso por caso, para a aplicação de quais os efeitos que deveriam ser impostos, quando, nesta hipótese, defluisse situação tal a recomendar, na salvaguarda dos superiores interesses do Estado e em razão da calamidade dos cofres da Previdência Social, se buscasse o dies a quo, para a eficácia dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

A modulação dos efeitos temporais acabou ganhando maiores proporções quando do julgamento, em 07 de maio de 2004, do Recurso Extraordinário nº 197.917 – leading case –, em que foi designado relator o Min. Maurício Corrêa. Na decisão, o Supremo reduziu o número de vereadores do município de Mira Estrela de 11 para 9 e determinou que a aludida decisão só atingisse a próxima legislatura, ou seja, atribuiu-se à decisão efeitos pro futuro. Na parte referente aos efeitos, restou ementado da seguinte maneira a decisão:

Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade.

Observa-se que no caso leading case retratado, optou-se, mediante um juízo de ponderação, pela aplicação do princípio da segurança jurídica em detrimento do princípio da nulidade, que torna írrita a norma ab initio, gerando efeitos ex tunc. A não modulação dos efeitos no caso, gerariam inúmeros transtornos, atingindo decisões que foram tomadas em momento anterior as eleições, que resultou na atual composição da Câmara Municipal, fixação no número de candidatos, definição do quociente eleitoral; e nas decisões posteriores ao pleito, como a validade da deliberação da Câmara nos diversos projetos e leis aprovados.

A segurança jurídica, sem dúvida, é um dos pilares do Estado Democrático de Direito, pois é por meio dela que os jurisdicionados irão pautar suas condutas, sabendo das conseqüências advindas de seus atos. Terá conhecimento, diante de uma lide, se a decisão a ser emitida pelo órgão jurisdicional ser-lhe-á ou não favorável.

Sua aplicação diante de um caso concreto, todavia, incomoda a muitos conforme enfatizou o Ministro do Superior Tribunal de Justiça Herman Benjamin [20], ressaltando ainda que a segurança jurídica é um daqueles objetivos maiores do Direito. Aduz o Ministro:

De início, incomoda ao legislador, pois a função legislativa contemporânea é fragmentária, apressada e, muitas vezes, atécnica, quando não caótica. Incomoda ao administrador, pois a velocidade do tráfego dos negócios que devem ser regulados exige atuação imediata e, amiúde, com desvios radicais de rota e de ponto de destino. Incomoda ao juiz, já que a complexidade e a diversidade dos conflitos, individuais e coletivos, estão permanentemente conclamando-o a explorar novos territórios na aplicação da lei, o que leva, inexoravelmente, à alteração das decisões e posições jurisprudenciais consolidadas. Finalmente, incomoda à doutrina e aos próprios jurisdicionados que, ora festejam inovações judiciais em temas polêmicos, ora criticam o conservadorismo do magistrado, quando esse se apega aos precedentes e à letra da lei.

Mas não é só em razão do princípio da segurança jurídica que se pode justificar a não aplicação da teoria da nulidade constitucional. Outro princípio que enseja a não aplicação da teoria é o do excepcional interesse social, que também é previsto no art. 27 da Lei nº 9.868/99 que regulou os efeitos no controle abstrato e pode encontrar fundamento em diversas normas constitucionais.

Imagine, por exemplo, centenas de famílias que foram direcionadas a um terreno expropriado e lá construíram suas residências, sendo reconhecido, posteriormente, a inconstitucionalidade do decreto expropriatório. Conceder efeitos retroativos geraria um caos social, já que não haveriam locais adequados e suficientes para o alojamento dessas famílias.

A aplicação do princípio da segurança jurídica ou do excepcional interesse público, em detrimento ao princípio da nulidade, deverá ser analisado caso a caso, ponderando-se os efeitos que serão produzidos, mediante de um juízo de proporcionalidade e razoabilidade.

Em escólio bastante autorizado, Gilmar Mendes [21] doutrina que o princípio da nulidade somente há de ser afastado se for possível demonstrar, com base numa ponderação concreta, que a declaração de inconstitucionalidade ortodoxa envolveria o sacrifício da segurança jurídica ou de outro valor constitucional materializável sob a forma de interesse social.

Com isso, certo é que não é caso de se buscar aplicação analógica irrestrita do disposto no art. 27 da Lei nº 9.868/99, mas sim de fazer valer, diante de casos concretos, princípios constitucionalmente assegurados, que se destacam diante de um juízo de ponderação. Referido artigo projeta-se, na verdade, como uma orientação a ser seguida diante de um controle incidental de constitucionalidade.

Nessa esteira, ao analisar a possibilidade de modulação dos efeitos temporais no controle difuso, proclama o Min. Herman Benjamin [22], do STJ, que não se trata de, simplesmente, aplicar-se as normas veiculadas pela Lei nº 9.868/99, por analogia, mas sim de adotar como válidas e inafastáveis os pressupostos valorativos e principiológicos que fundamentam essas normas e que, independentemente da produção legislativa ordinária, haveriam de ser observados tanto pelo Supremo quanto pelo Superior Tribunal de Justiça.

D´outra feita, o Min. César Peluzo, do Supremo Tribunal Federal [23], afirma não haver motivos para não se legitimar a limitação dos efeitos no controle difuso, pois, no fundo, as técnicas de controle servem ambas, com caráter alternativo e conseqüências próprias, adequados a cada situação histórica, ao mesmíssimo propósito constitucional.

De qualquer sorte, para que haja uma modulação dos efeitos temporais é mister que se profira um juízo de inconstitucionalidade [24]. Assim, caso a norma não tenha sido recepcionado pela Constituição, não poderá se falar em sua inconstitucionalidade, mas sim em sua revogação [25]. Portanto, se a norma não foi recepcionada, faltará um dos pressupostos indispensáveis à utilização da técnica da modulação temporal.

Desta maneira, é plenamente lícito admitir a modulação dos efeitos temporais no controle difuso de constitucionalidade, seja em razão da segurança jurídica, seja do excepcional interesse social analisados no caso concreto. Consequentemente, o efeito ex tunc da decisão será rechaçado, devendo-se fixar um dos momentos previstos no art. 27 da Lei nº 9.868/99, cuja aplicação analógica, nesse ponto, se impõe.

Nos termos do supracitado artigo – considerando que se trata de controle difuso, em que os efeitos se dão apenas entre as partes do litígio – é possível decidir que os efeitos da decisão só tenham eficácia: 1) a partir do seu trânsito em julgado ou; 2) de outro momento que venha a ser fixado.

No primeiro caso, a decisão que declarar a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo só produzirá efeitos prospectivos – ex nunc -, ou seja, a partir do trânsito em julgado de sua decisão. Via de conseqüência, todos os atos praticados antes, com base na lei, permanecerão válidos. Já na segunda hipótese, é possível fixar outro momento para que a declaração de inconstitucionalidade comece a produzir efeitos – efeitos pro futuro. Esse momento a ser fixado pode ser qualquer um, antes ou depois da data da declaração de inconstitucionalidade (ALEXANDRINO, 2007, p. 107).

À vista do exposto, não obstante a falta de norma expressa, é possível afastar a incidência da nulidade da norma constitucional [26], mediante um juízo de ponderação no caso concreto, e aplicar a modulação dos efeitos temporais quando da declaração de inconstitucionalidade em sede de controle difuso-incidental.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em razão da rigidez da Constituição, foi necessário criar mecanismos para que as leis e normas infraconstitucionais que viessem a ser produzidas não contrariassem o texto constitucional, sob pena de serem declarados inconstitucionais.

Surge então o controle de constitucionalidade, adotando o ordenamento jurídico brasileiro um sistema misto. Conseqüentemente, essa verificação de compatibilidade de normas infraconstitucionais perante a Carta Magna poderá ocorrer tanto de modo abstrato ou concentrado quanto de modo difuso ou concreto.

Diferentemente do controle abstrato, em que a constitucionalidade da norma é verificada em tese, o controle difuso ocorre diante de casos concretos, em que as partes litigantes, de maneira incidental, pedem que se declare determinado ato ou norma inconstitucional naquele caso.

Por essa razão, é que qualquer órgão do Poder Judiciário poderá realizar esse controle de constitucionalidade. Ressalte-se, todavia, que quando a inconstitucionalidade for declarada pelo Tribunal é necessário que o faça pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial, conforme regra do art. 97 da Constituição. Entretanto, caso a inconstitucionalidade já tenha sido declarada outrora pelo órgão especial ou pleno do Tribunal ou do Supremo, dispensa-se a aplicação do dispositivo legal supracitado.

Como o controle difuso-incidental ocorre tão somente entre as partes, somente entre elas é que a decisão terá efeito – efeitos inter partes. Já se a decisão for definitiva e emanar do Supremo Tribunal Federal será possível estender os efeitos dessa decisão a terceiros (efeitos erga omnes), mediante a publicação, pelo Senado Federal, de Resolução suspendendo a execução, no todo ou em parte, da lei declarada inconstitucional (art. 52, inc. X da Constituição). Nesse caso, a decisão somente irá gerar efeitos ex nunc, não atingindo situações pretéritas.

Já no caso concreto, os efeitos da decisão irão retroagir, produzindo efeitos ex tunc, já que se adotou o princípio da nulidade da norma, em detrimento do princípio da anulabilidade.

Excepcionalmente, tem se admitido a modulação dos efeitos temporais da norma, já que diante de algumas situações, atribuir efeitos retroativos, poderia ocasionar um caos jurídico, social e econômico. Passou-se, pois, a admitir efeito ex nunc ou pro futuro no controle difuso-incidental de constitucionalidade.

Embora não haja disposição expressa permitindo a modulação dos efeitos, tal como ocorre no controle abstrato de constitucionalidade, sua aplicação é totalmente possível, invocando-se para tanto a aplicação de princípios constitucionais como o da segurança jurídica e do excepcional interesse público.

De qualquer sorte, a aplicação desses princípios deverá ser analisada caso a caso, ponderando-se os efeitos que serão produzidos, através de um juízo de proporcionalidade e razoabilidade.


REFERÊNCIAS

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Controle de constitucionalidade. 6ª ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2007.

BONAVIDES, Paulo. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1980.

CUNHA JÚNIOR, Dirley. O princípio do "stare decisis" e a decisão do Supremo Tribunal Federal no controle difuso de constitucionalidade. Leitura complementares de Direito Constitucional: controle de constitucionalidade, p. 73-96. Bahia: Editora JusPodivm, 2007.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

KÜMPEL, Vitor Frederico. Introdução do estudo do Direito: Lei de introdução ao Código Civil e hermenêutica jurídica. São Paulo: Editora Método, 2007.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 10ª ed. São Paulo: Editora Método, 2006.

MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 9ª ed. São Paulo: Atlas, 2001.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. A evolução do controle de constitucionalidade e a competência do Senado Federal. São Paulo: RT, 1992.

STRECK, Lenio Luiz; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni; LIMA, Martonio Mont´Alverne Barreto. A nova perspectiva do Supremo Tribunal Federal sobre o Controle Difuso: mutação constitucional e limites da legitimidade da Jurisdição Constitucional. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/10253>. Acesso em: 06 nov. 2007.

VELOSO, Zeno. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Leitura complementares de Direito Constitucional: controle de constitucionalidade, p. 135-146. Bahia: Editora JusPodivm, 2007.


Notas

  1. Muitos criticam a expressão "poder" ao se referir a tripartição de Poderes. Isso porque o poder é uno e indivisível. O que se divide são as funções, que são atribuídas a órgãos distintos. Nesse sentido, ressalta Dallari (1998, p. 216) "existe uma relação muito estreita entre as idéias de poder e de função do Estado, havendo mesmo quem sustente que é totalmente inadequado falar-se em uma separação de poderes, quando o que existe de fato é apenas uma distribuição de funções".
  2. Com a "tripartição de poderes" surgiu o sistema de freios e contrapesos (checks and balances) como demonstrou de modo preciso Dallari (1998, p. 218), in verbis: "Segundo essa teoria [sistema de freios e contrapesos] os atos que o Estado pratica podem ser de duas espécies: ou são atos gerais ou são atos especiais. Os atos gerais, que só podem ser praticados pelo poder legislativo, constituem-se a emissão de regras gerais e abstratas, não se sabendo, no momento de serem emitidas, a quem elas irão atingir. Dessa forma, o poder legislativo, que só pratica atos gerais, não atua concretamente na vida social, não tendo meios para cometer abusos de poder nem para beneficiar ou prejudicar a uma pessoa ou a um grupo em particular. Só depois de emitida a norma geral é que se abre a possibilidade de atuação do poder executivo, por meio de atos especiais. O executivo dispõe de meios concretos para agir, mas está igualmente impossibilitado de atuar discricionariamente, porque todos os seus atos estão limitados pelos atos gerais praticados pelo legislativo. E se houver exorbitância de qualquer dos poderes surge a ação fiscalizadora do poder judiciário, obrigando cada um a permanecer nos limites de suas respectivas esferas de competência".
  3. Na Câmara dos Deputados a comissão é denominada de "Comissão de Constituição, Justiça e Redação", enquanto no Senado Federal é denominada de "Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania".
  4. É possível, desde que o parecer pela inconstitucionalidade não for unânime, recurso por parte de pelo menos um décimo dos membros do Senado para que se de prosseguimento ao projeto.
  5. Mandado de Segurança contra ato da Mesa do Congresso que admitiu a deliberação de proposta de emenda constitucional que a impetração alega ser tendente a abolição da república. Cabimento do mandado de segurança em hipóteses em que a vedação constitucional se dirige ao próprio processamento da lei ou da emenda, vedando a sua apresentação (como e o caso previsto no parágrafo único do artigo 57) ou a sua deliberação (como na espécie). Nesses casos, a inconstitucionalidade diz respeito ao próprio andamento do processo legislativo, e isso porque a constituição não quer - em face da gravidade dessas deliberações, se consumadas - que sequer se chegue a deliberação, proibindo-a taxativamente. A inconstitucionalidade, se ocorrente, já existe antes de o projeto ou de a proposta se transformar em lei ou em emenda constitucional, porque o próprio processamento já desrespeita, frontalmente, a constituição. Inexistência, no caso, da pretendida inconstitucionalidade, uma vez que a prorrogação de mandato de dois para quatro anos, tendo em vista a conveniência da coincidência de mandatos nos vários níveis da federação, não implica introdução do princípio de que os mandatos não mais são temporários, nem envolve, indiretamente, sua adoção de fato. Mandado de segurança indeferido (MS 20.257/DF; Rel. Min. Décio Miranda; DJ 27.02.81; p. 1304; j. 08.10.80 – Tribunal Pleno).
  6. As ações referentes ao controle concentrado de constitucionalidade receberam tratamento legislativo específico através das Leis nº 9.868 e 9.882, ambas de 1999.
  7. O controle concentrado de constitucionalidade somente apareceu quando da Emenda Constitucional nº 16, de 26 de novembro de 1965, então oferecendo nova redação ao artigo 101 da Constituição de 1946.
  8. Conforme ressaltada alhures, o Brasil adotou um sistema misto ou eclético de controle de constitucionalidade. Sintetizando, adotou-se tanto o modelo difuso, possibilitando a todos os órgãos do Poder Judiciário a realização do controle incidental de constitucionalidade de leis e atos normativos, e concentrado, proveniente dos países europeus continentais, em que o órgão de cúpula do Poder Judiciário realiza o controle abstrato de constitucionalidade das normas jurídicas (ALEXANDRINO, 2007, p. 21).
  9. Não importa qual a espécie de processo no caso, pois o incidente de inconstitucionalidade poderá ser suscitado tanto em processos de conhecimento, quanto nos de execução ou cautelar.
  10. CONTROLE DIFUSO DA CONSTITUCIONALIDADE. PRINCÍPIO DA RESERVA DE PLENÁRIO. O juiz singular pode deixar de aplicar lei inconstitucional; os órgãos fracionários dos tribunais, não - porque, mesmo no âmbito do controle difuso da constitucionalidade, os tribunais só podem deixar de aplicar a lei pelo seu plenário ou, se for o caso, pelo respectivo órgão especial (CF, art. 97), observado o procedimento previsto no artigo 480 e seguintes do Código de Processo Civil, salvo se já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão (CPC, art. 481, parágrafo único). Recurso especial conhecido e provido. (REsp 89297/MG, Rel. Ministro Ari Pargendler, TERCEIRA TURMA, julgado em 06.12.1999, DJ 07.02.2000 p. 151).
  11. A expressão "tribunais" refere-se tanto aos tribunais locais, quanto superiores e o próprio Supremo Tribunal Federal.
  12. De acordo com a Constituição da República – art. 93, inc. XI, nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores poderá ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais da competência do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por antiguidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno.
  13. INCONSTITUCIONALIDADE - INCIDENTE - DESLOCAMENTO DO PROCESSO PARA O ÓRGÃO ESPECIAL OU PARA O PLENO - DESNECESSIDADE. Versando a controvérsia sobre ato normativo ja declarado inconstitucional pelo guardião maior da Carta Política da Republica - o Supremo Tribunal Federal - descabe o deslocamento previsto no artigo 97 do referido Diploma maior. O julgamento de plano pelo órgão fracionado homenageia não só a racionalidade, como também implica interpretação teleológica do artigo 97 em comento, evitando a burocratização dos atos judiciais no que nefasta ao princípio da economia e da celeridade. A razão de ser do preceito esta na necessidade de evitar-se que órgãos fracionados apreciem, pela vez primeira, a pecha de inconstitucionalidade argüida em relação a um certo ato normativo (STF – 2ª T; AgR nº 168.149-RS; Rel. Min. Marco Aurélio; j. 26.06.1995; DJ 04.08.1995)
  14. As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todas e efeitos vinculantes, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração publica, direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (art. 102, § 2º da Constituição).
  15. "Atos inconstitucionais são, por isso mesmo, nulos e destituídos, em conseqüência, de qualquer carga de eficácia jurídica. A declaração de inconstitucionalidade de uma lei alcança, inclusive, os atos pretéritos com base nela praticados, eis que o reconhecimento desse supremo vício jurídico, que inquina de total nulidade os atos emanados do poder público, desampara as situações constituídas sob sua égide e inibe — ante a sua inaptidão para produzir efeitos jurídicos válidos — a possibilidade de invocação de qualquer direito." (ADI 652-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 2-4-92, DJ de 2-4-93). No mesmo sentido: ADI 1.434–MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 29-8-96, DJ de 22-11-1996.
  16. Lembre-se que o judicial review norte-americano, ao qual se assemelha o controle difuso-incidental de constitucionalidade, segue o princípio do stare decisis, no qual a decisão proferida em um caso concreto pela Supreme Court produz efeitos erga omnes, vinculando a todos.
  17. Conforme voto proferido no Recurso Extraordinário nº 197.917-SP.
  18. "1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado. 2. Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infracção de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última".
  19. O artigo 27 da Lei nº 9.868/99 é objeto de duas ações diretas de inconstitucionalidade: ADI''s nº 2.154 e nº 2.258, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, pendente de julgamento.
  20. Conforme voto proferido nos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 738.689-PR.
  21. RE nº 197.917-SP
  22. Conforme voto proferido nos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 738.689-PR.
  23. Conforme voto proferido no Recurso Extraordinário nº 197.917-SP
  24. RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO PELO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO/RJ - PLEITO RECURSAL QUE BUSCA A APLICAÇÃO, NO CASO, DA TÉCNICA DA MODULAÇÃO DOS EFEITOS TEMPORAIS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - IMPOSSIBILIDADE, PELO FATO DE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NÃO HAVER PROFERIDO DECISÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PERTINENTE AO ATO ESTATAL QUESTIONADO - JULGAMENTO DA SUPREMA CORTE QUE SE LIMITOU A FORMULAR, NA ESPÉCIE, MERO JUÍZO NEGATIVO DE RECEPÇÃO - NÃO-RECEPÇÃO E INCONSTITUCIONALIDADE: NOÇÕES CONCEITUAIS QUE NÃO SE CONFUNDEM - RECURSO IMPROVIDO. MODULAÇÃO TEMPORAL DOS EFEITOS DA DECISÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE: TÉCNICA INAPLICÁVEL QUANDO SE TRATAR DE JUÍZO NEGATIVO DE RECEPÇÃO DE ATOS PRÉ-CONSTITUCIONAIS. - A declaração de inconstitucionalidade reveste-se, ordinariamente, de eficácia "ex tunc" (RTJ 146/461-462 - RTJ 164/506-509), retroagindo ao momento em que editado o ato estatal reconhecido inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido, excepcionalmente, a possibilidade de proceder à modulação ou limitação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, mesmo quando proferida, por esta Corte, em sede de controle difuso. Precedente: RE 197.917/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA (Pleno). Revela-se inaplicável, no entanto, a teoria da limitação temporal dos efeitos, se e quando o Supremo Tribunal Federal, ao julgar determinada causa, nesta formular juízo negativo de recepção, por entender que certa lei pré-constitucional mostra-se materialmente incompatível com normas constitucionais a ela supervenientes. A não-recepção de ato estatal pré-constitucional, por não implicar a declaração de sua inconstitucionalidade - mas o reconhecimento de sua pura e simples revogação (RTJ 143/355 - RTJ 145/339), descaracteriza um dos pressupostos indispensáveis à utilização da técnica da modulação temporal, que supõe, para incidir, dentre outros elementos, a necessária existência de um juízo de inconstitucionalidade. Inaplicabilidade, ao caso em exame, da técnica da modulação dos efeitos, por tratar-se de diploma legislativo, que, editado em 1984, não foi recepcionado, no ponto concernente à norma questionada, pelo vigente ordenamento constitucional. (STF – 2ª T.; RE- AgR nº 395.902-RJ; Rel. Min. Celso de Mello; j. 07.03.06; DJ 25.08.06.).
  25. CONSTITUIÇÃO. LEI ANTERIOR QUE A CONTRARIE. REVOGAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDA-DE SUPERVENIENTE. IMPOSSIBILIDADE. 1. A lei ou é constitucional ou não é lei. Lei inconstitucional é uma contradição em si. A lei é constitucional quando fiel à Constituição; inconstitucional na medida em que a desrespeita, dispondo sobre o que lhe era vedado. O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária. 2. Reafirmação da antiga jurisprudência do STF, mais que cinqüentenária. 3. Ação direta de que se não conhece por impossibilidade jurídica do pedido." (ADI2/DF, Rel. Min. Paulo Brossard, Julgamento: 06/02/1992, Tribunal Pleno, DJ 21-11-1997).
  26. "A teoria da nulidade tem sido sustentada por importantes constitucionalistas. Fundada na antiga doutrina americana, segundo a qual ‘the inconstitutional statute is not law at all’, significativa parcela da doutrina brasileira posicionou-se pela equiparação entre inconstitucionalidade e nulidade. Afirmava-se, em favor dessa tese, que o reconhecimento de qualquer efeito a uma lei inconstitucional importaria na suspensão provisória ou parcial da Constituição. Razões de segurança jurídica podem revelar-se, no entanto, aptas a justificar a não-aplicação do princípio da nulidade da lei inconstitucional. Não há negar, ademais, que aceita a idéia da situação ‘ainda constitucional’, deverá o Tribunal, se tiver que declarar a inconstitucionalidade da norma, em outro momento fazê-lo com eficácia restritiva ou limitada. Em outros termos, o ‘apelo ao legislador’ e a declaração de inconstitucionalidade com efeitos limitados ou restritos estão intimamente ligados. Afinal, como admitir, para ficarmos no exemplo de Walter Jellinek, a declaração de inconstitucionalidade total com efeitos retroativos de uma lei eleitoral tempos depois da posse dos novos eleitos em um dado Estado? Nesse caso, adota-se a teoria da nulidade e declara-se inconstitucional e ipso jure a lei, com todas as conseqüências, ainda que dentre elas esteja a eventual acefalia do Estado? Questões semelhantes podem ser suscitadas em torno da inconstitucionalidade de normas orçamentárias. Há de se admitir, também aqui, a aplicação da teoria da nulidade tout court? Dúvida semelhante poderia suscitar o pedido de inconstitucionalidade, formulado anos após a promulgação da lei de organização judiciária que instituiu um número elevado de comarcas, como já se verificou entre nós. Ou, ainda, o caso de declaração de inconstitucionalidade de regime de servidores aplicado por anos sem contestação. Essas questões — e haveria outras igualmente relevantes — parecem suficientes para demonstrar que, sem abandonar a doutrina tradicional da nulidade da lei inconstitucional, é possível e, muitas vezes, inevitável, com base no princípio da segurança jurídica, afastar a incidência do princípio da nulidade em determinadas situações. Não se nega o caráter de princípio constitucional ao princípio da nulidade da lei inconstitucional. Entende-se, porém, que tal princípio não poderá ser aplicado nos casos em que se revelar absolutamente inidôneo para a finalidade perseguida (casos de omissão ou de exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade), bem como nas hipóteses em que a sua aplicação pudesse trazer danos para o próprio sistema jurídico constitucional (grave ameaça à segurança jurídica)." (RE 364.304-AgR, voto do Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3-10-06, DJ de 6-11-06).

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PASQUINI, Luís Fernando Barbosa. A modulação dos efeitos temporais no controle difuso-incidental de constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2142, 13 maio 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12831. Acesso em: 26 abr. 2024.