Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/12873
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A unificação dos termos iniciais da decadência para a constituição do crédito tributário

A unificação dos termos iniciais da decadência para a constituição do crédito tributário

Publicado em . Elaborado em .

Sumário:1 – A constituição do crédito tributário nos lançamentos por homologação e a tese dos "5+5". 2 - A constituição do crédito tributário nos lançamentos por homologação, na visão atual do Superior Tribunal de Justiça. 3 - Os artigos 3º e 4º da Lei Complementar 118/2005 e a constituição do crédito tributário nos lançamentos por homologação., 4– O reflexo na Administração Tributária da inovação veiculada no artigo 3º da LC 118/2205. 5 – Problemas encontrados ao se adotar a jurisprudência do STJ relativa à decadência do direito de se lançar de ofício o tributo sonegado nos lançamentos por homologação. 5.1- A dependência do pagamento antecipado para a definição do termo inicial da decadência. 5.2 – A obrigação acessória influenciando o termo inicial da decadência. 5.3 – O termo inicial da decadência quando se constata dolo, fraude ou simulação por parte do contribuinte. 6- A interpretação que consideramos mais adequada, e que unifica o termo inicial da decadência para todas as modalidades de lançamento..7 -A homologação tácita sob o prisma da unificação dos termos iniciais da decadência e da vigência da LC 118/2005. 8 - Conclusões


1 – A constituição do crédito tributário nos lançamentos por homologação e a tese dos "5+5"

O artigo 142 do CTN dispõe que "compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível".

A interpretação literal deste artigo levou muitos estudiosos do tema a considerar que a "constituição" do crédito tributário corresponde ao "surgimento" deste crédito, ou, mais imprecisamente, ao seu "nascimento", não se podendo admitir que exista crédito tributário sem o correspondente lançamento. E sendo a competência para lançar privativa da Autoridade Administrativa, como define o artigo 142 citado acima, nos lançamentos por homologação, caso não houvesse a homologação expressa, ou mesmo tácita, não haveria crédito tributário passível de ser extinto pelo pagamento ou por outra modalidade de extinção. Este entendimento está no cerne da decisão judicial que assentou o que se convencionou chamar de tese dos "cinco mais cinco" anos, que estabelecia o termo inicial do prazo prescricional para que os contribuintes pudessem pleitear a repetição do indébito tributário.

É certo que qualquer tributo somente pode ser cobrado na exata medida em que um fato jurídico a ele relacionado encontre a subsunção completa na norma tributária que institua este tributo e explicite seus contornos. Este postulado decorre da aplicação do princípio da legalidade tributária, encontrado no inciso I do artigo 150 da Constituição Federal. Por conseguinte, havendo indébito, surge para o contribuinte o direito à restituição, como prevê o artigo 165 do Código Tributário Nacional. Entretanto, como todos os direitos à uma prestação, também o direito à repetição do indébito pode ser fulminado pela ocorrência da prescrição, que incide sobre a pretensão de se conseguir administrativamente a repetição, ou, caso esta pretensão encontre resistência, sobre a pretensão de se obter uma sentença condenatória que obrigue a Administração Tributária a proceder à restituição ou à compensação do indébito. O prazo prescricional é descrito no artigo 168 do CTN:

Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:

I - nas hipótese dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário;

II - na hipótese do inciso III do artigo 165, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória.

O ponto central na análise deste dispositivo consiste na definição do que se deve considerar como data da extinção do crédito tributário no lançamento por homologação, pois nestes haveria, segundo a visão tradicional, um pagamento dito "antecipado", que não extingue o crédito enquanto não houver a homologação expressa, ou enquanto não transcorrer o prazo de 5 anos contados da data do fato gerador, quando ocorreria a homologação tácita do lançamento.

Assim, há dois marcos temporais que poderiam ser indicados como início do prazo prescricional: o primeiro deles, a data do pagamento "antecipado", e o segundo, a data da homologação do lançamento. Ao longo do tempo, a jurisprudência do STJ foi se consolidando no sentido de que a extinção do crédito tributário só ocorreria quando o lançamento fosse homologado, de forma tácita ou expressa.

Como a Receita Federal do Brasil nunca homologa expressamente os lançamentos, e como o prazo para homologação tácita é de cinco anos a contar do fato gerador, conforme o parágrafo 4º do artigo 150 do CTN, o prazo prescricional de 5 anos para a postulação da restituição do valor indevidamente recolhido se iniciaria após a homologação tácita (5 anos após o fato gerador), ou seja, o contribuinte teria até 10 anos a partir do fato gerador para pleitear esta restituição. O aresto paradigma que consolidou esta tese, denominada "5+5", se deu no julgamento do Recurso Especial 44221/PR [01], que teve como Relator o Ministro Antônio de Pádua, em 04/05/1994, da qual extraímos o excerto abaixo:

"O tributo, a que se denominou empréstimo compulsório, está sujeito a lançamento por homologação, não se podendo falar antes desta em crédito tributário e pagamento que o extingue. Não tendo ocorrido homologação expressa, a decadência do direito de pleitear a restituição só ocorrerá após o transcurso do prazo de cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador, acrescido de mais cinco anos, contados daquela data em que se deu a homologação tácita". (RESP. 44.221/PR, Rel. MIN. Antônio de Pádua Ribeiro, 2º Turma, j. 04/05/1994, DJ 23/05/1994. Ementa com redação retificada por embargos de declaração julgados em 31/08/1994, DJ 19/09/1994).

Cremos, e a jurisprudência mais recente do STJ corrobora esta tese, que esta é uma interpretação equivocada, tendo-se em vista as disposições contidas no artigo 150 do CTN. Este artigo determina que o próprio contribuinte execute os mesmos procedimentos que o artigo 142 atribui à Autoridade Administrativa, quais sejam verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, e identificar o sujeito passivo. O contribuinte somente não propõe a aplicação de penalidade, sendo esta atividade realmente privativa da Administração.

O § 4º deste artigo 150 deixa claro que estes procedimentos efetuados pelo contribuinte podem, apenas com a passagem do tempo, sem qualquer interferência da Administração, se consolidarem num "lançamento tributário". Há uma discussão na doutrina se o lançamento seria um "ato administrativo" ou um "procedimento", mas obviamente a inércia não pode ser confundida nem com um "ato" nem com um "procedimento". Ambos os termos denotam uma ação, nunca uma omissão. Não poderia, deste modo, o lançamento ser efetuado pela Autoridade Administrativa, pois o fato jurídico que aperfeiçoa o lançamento é apenas e tão somente o transcurso de um prazo definido em Lei.

Assim, a "homologação tácita" do lançamento diz apenas sobre a desnecessidade de interveniência da Administração para que o crédito tributário seja constituído. O que se homologa, enfim, é uma atividade realizada pelo contribuinte. Quem efetua o lançamento, depois homologado, é o próprio contribuinte. A obrigação tributária principal surge com o fato gerador do tributo, e nesta obrigação se compreendem tanto o crédito tributário quanto o débito. Esta é uma regra geral do Direito, reproduzida no artigo 139 do CTN, que assegura que o crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta

Não há obrigação desprovida de crédito, e do seu credor correspondente. Constituir o crédito tributário é apenas aperfeiçoá-lo com a certeza do seu montante e com a liquidez necessária para que possa ser exigido, e esta tarefa foi deferida pela Lei ao contribuinte, nos "lançamentos por homologação". Nos tributos com lançamento "de ofício" e "por declaração" há uma atividade prévia da Administração com este fim, ou seja, o contribuinte não conhece o valor do crédito do qual é devedor. Nestes casos, somente, esta atividade de constituição é privativa da Administração. O CTN deve ser analisado como um micro-sistema jurídico, e o seu artigo 142 não pode ser interpretado isoladamente, dissociado do seu artigo 150.


2 - A constituição do crédito tributário nos lançamentos por homologação, na visão atual do Superior Tribunal de Justiça

No arcabouço jurídico e procedimental que foi montado para operacionalizar a cobrança dos débitos relacionados a tributos com lançamento por homologação que tenham sido declarados em DCTF ou em GFIP, encontramos um argumento poderoso, com amplo respaldo jurisprudencial, para a tese de que a constituição deste crédito tributário independe de qualquer "atividade privativa" da Autoridade Administrativa. Estes débitos podem ser cobrados administrativamente, se não pagos podem ser inscritos em DAU, podem ser objeto de ação de execução e os bens do contribuinte podem ser excutidos para satisfazer o seu credor sem que, na visão mais tradicional, tenha ocorrido o "lançamento", haja visto que todos estes acontecimentos podem finalizar antes do prazo no qual ocorreria a "homologação tácita".

O Poder Judiciário já reconheceu, em jurisprudência praticamente uniforme, o cabimento da inscrição em Dívida Ativa da União de débitos declarados em DCTF ou GFIP, e não vinculados a eventos que ocasionem a extinção ou suspensão dos débitos, mesmo que não haja qualquer procedimento administrativo prévio ou notificação ao contribuinte. É o que se constata, por exemplo, no Acórdãos do Superior Tribunal de Justiça [02] (REsp 832394 / SP) transcrito em parte a seguir:

TRIBUTÁRIO. CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITOS. DECLARAÇÃO DO DÉBITO PELO CONTRIBUINTE. FORMA DE CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO, INDEPENDENTE DE QUALQUER OUTRA PROVIDÊNCIA DO FISCO.

1. A apresentação, pelo contribuinte, de Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais - DCTF (instituída pela IN SRF 129/86, atualmente regulada pela IN SRF 395/04, editada com base nos arts. 5º do DL 2.124/84 e 16 da Lei 9.779/99) ou de Guia de Informação e Apuração do ICMS - GIA, ou de outra declaração dessa natureza, prevista em lei, é modo de formalizar a existência (= constituir) do crédito tributário, dispensada, para esse efeito, qualquer outra providência por parte do Fisco. Precedentes da 1ª Seção: AgRg nos ERESP 638.069/SC, DJ de 13.06.2005; AgRg nos ERESP 509.950/PR, DJ de 13.06.2005.

(...)

3. A falta de recolhimento, no devido prazo, do valor correspondente ao crédito tributário assim regularmente constituído acarreta, entre outras conseqüências, as de (a) autorizar a sua inscrição em dívida ativa; (b) fixar o termo a quo do prazo de prescrição para a sua cobrança; (c) inibir a expedição de certidão negativa do débito; (d) afastar a possibilidade de denúncia espontânea.

4. Recurso especial a que se nega provimento.

Como exposto neste Acórdão do STJ, os débitos relacionados a tributos com lançamento por homologação e declarados em DCTF ou GFIP estão devidamente constituídos, independentemente da "homologação", sendo plenamente exigíveis. O STJ também tem firme jurisprudência no sentido de que o prazo para a prescrição da ação de cobrança, nos tributos com lançamento por homologação, se inicia no vencimento da dívida, normalmente no mês seguinte ao do fato gerador. Se o termo inicial da prescrição ocorre nesta data, resta indubitável que o crédito está definitivamente "constituído" e que os procedimentos do contribuinte "equivalem ao próprio lançamento", na dicção do primeiro Acórdão citado acima.


3 -

Se havia dúvida de que os procedimentos efetuados pelo contribuinte no âmbito do lançamento por homologação constituem o crédito tributário e se consubstanciam no próprio lançamento, cremos que esta dúvida foi inteiramente dissipada após o surgimento da Lei Complementar 118/2005, que em seus artigos 3º e 4º dispõe sobre a extinção do crédito tributário nos lançamentos por homologação, e de maneira reflexa sobre a prescrição da pretensão de se repetir um pagamento indevido.

A tese do "cinco mais cinco" anos para a repetição do indébito tributário era frontalmente contrário aos interesses do Fisco, pois o alargamento do prazo prescricional resultou em um número substancial de ações judiciais com decisão favorável aos contribuintes, reduzindo o ingresso de receitas, já que praticamente todas as ações pleiteavam a compensação do indébito com créditos tributários vencidos ou vincendos. Pretendendo inserir no direito positivo sua interpretação sobre o tema, muito mais favorável a ele, o Executivo apresentou ao Congresso Nacional a Lei Complementar 118, que dispunha em seus artigos 3º e 4º:

"art. 3º - Para efeito de interpretação do inciso I do artigo 168 da Lei 5172/66 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o parágrafo 1º do artigo 150 da referida Lei.

Art. 4o Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação, observado, quanto ao art. 3o, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.

Esta Lei Complementar foi publicada em 10 de fevereiro de 2005. Se o seu artigo 3º tivesse realmente natureza interpretativa, teria efeitos até mesmo sobre os tributos cujo pagamento a maior ou indevido tivesse ocorrido antes da publicação da Lei, como determina o artigo 106 do CTN, que afirma que a lei aplica-se a ato ou fato pretérito em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados.

Embora traga expressa uma suposta natureza interpretativa (autêntica) do artigo 3º, na verdade este dispositivo pretendia expurgar uma das possíveis interpretações à norma, justamente aquela que havia sido considerada adequada e válida pelo Superior Tribunal de Justiça. Era de se esperar, portanto, que o Judiciário enfrentasse argüições de inconstitucionalidade propostas por contribuintes que se julgassem prejudicados pelo novo tratamento dado ao início do prazo prescricional.

E efetivamente esta questão foi objeto de decisões judiciais no âmbito do STJ, tendo a sua Corte Especial declarado a inconstitucionalidade da parte final do seu artigo 4°, como se constata na ementa do Acordão [03] transcrito adiante:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. LEI INTERPRETATIVA. PRAZO DE PRESCRIÇÃO PARA A REPETIÇÃO DE INDÉBITO, NOS TRIBUTOS SUJEITOS A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. LC 118/2005: NATUREZA MODIFICATIVA (E NÃO SIMPLESMENTE INTERPRETATIVA) DO SEU ARTIGO 3º. INCONSTITUCIONALIDADE DO SEU ART. 4º, NA PARTE QUE DETERMINA A APLICAÇÃO RETROATIVA.

1. Sobre o tema relacionado com a prescrição da ação de repetição de indébito tributário, a jurisprudência do STJ (1ª Seção) é no sentido de que, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o prazo de cinco anos, previsto no art. 168 do CTN, tem início, não na data do recolhimento do tributo indevido, e sim na data da homologação – expressa ou tácita - do lançamento. Segundo entende o Tribunal, para que o crédito se considere extinto, não basta o pagamento: é indispensável a homologação do lançamento, hipótese de extinção albergada pelo art. 156, VII, do CTN. Assim, somente a partir dessa homologação é que teria início o prazo previsto no art. 168, I. E, não havendo homologação expressa, o prazo para a repetição do indébito acaba sendo, na verdade, de dez anos a contar do fato gerador.

2. Esse entendimento, embora não tenha a adesão uniforme da doutrina e nem de todos os juízes, é o que legitimamente define o conteúdo e o sentido das normas que disciplinam a matéria, já que se trata do entendimento emanado do órgão do Poder Judiciário que tem a atribuição constitucional de interpretá-las.

3. O art. 3º da LC 118/2005, a pretexto de interpretar esses mesmos enunciados, conferiu-lhes, na verdade, um sentido e um alcance diferente daquele dado pelo Judiciário. Ainda que defensável a ''interpretação'' dada, não há como negar que a Lei inovou no plano normativo, pois retirou das disposições interpretadas um dos seus sentidos possíveis, justamente aquele tido como correto pelo STJ, intérprete e guardião da legislação federal.

4. Assim, tratando-se de preceito normativo modificativo, e não simplesmente interpretativo, o art. 3º da LC 118/2005 só pode ter eficácia prospectiva, incidindo apenas sobre situações que venham a ocorrer a partir da sua vigência.

5. O artigo 4º, segunda parte, da LC 118/2005, que determina a aplicação retroativa do seu art. 3º, para alcançar inclusive fatos passados, ofende o princípio constitucional da autonomia e independência dos poderes (CF, art. 2º) e o da garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI).

6. Argüição de inconstitucionalidade acolhida.

(argüição de inconstitucionalidade nos embargos de divergência em recurso especial 2005/0055112-1, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, DJ 27.08.2007 p. 170)

Como visto, a Corte Especial do STJ considerou que o artigo 3º da Lei Complementar 118/2005 tem eficácia prospectiva, incidindo apenas sobre "situações" que venham a ocorrer a partir da sua vigência. Mas o que poderia se entender por "situações"? Estaria o STJ pretendendo conferir validade ao dispositivo para ações ajuizadas após o transcurso do "vacatio legis" da Lei, que contivessem pedidos de repetição de indébitos ocorridos antes desta data, ou estaria considerando que somente os indébitos ocorridos após o "vacatio legis"poderiam ter como início do prazo prescricional a data do pagamento dito "antecipado"? Entendemos que as duas abordagens são válidas, mas em diferentes planos.

Quando o STJ decide que a as disposições do artigo 3º da LC 118/2005 são aplicáveis para ações ajuizadas após o transcurso do "vacatio legis" da Lei, este Tribunal dá ao tema uma abordagem marcadamente processual, cuidando para que a Lei nova não retroaja para prejudicar os contribuintes que já haviam proposto ações cujo objeto fosse a repetição de indébito.

Mas não se pode desconsiderar a questão sob ponto de vista do direito material, pois há a explicitação de um fato jurídico importantíssimo, qual seja o de que o pagamento (antes dito antecipado), agora, a partir da vigência da nova Lei, extingue o crédito tributário, sem que se tenha que esperar por uma homologação expressa ou pelo transcurso de 5 anos a partir do fato gerador para a efetivação da homologação tácita.

De qualquer modo temos agora uma Lei Complementar que a pretexto de "interpretar" um artigo do CTN inovou no plano normativo, trazendo disposições de direito material. Assim, a partir de 9 de junho de 2005 (120 dias após a publicação da LC 118/2005), todos os créditos tributários relacionados aos tributos objeto de lançamento por homologação são extintos, caso pagos, na data deste pagamento, que normalmente ocorre no mês seguinte ao do fato gerador. Mesmo que o pagamento seja feito a destempo, fora do prazo previsto, o crédito estará extinto sem que seja necessária a ocorrência de qualquer outro fato jurídico.

Sendo assim, como compatibilizar esta nova determinação legal com o disposto no § 4º do artigo 150 do CTN, quando este afirma que se considera definitivamente extinto o crédito tributário após o prazo de cinco anos do fato gerador, no caso da homologação tácita? É evidente que não podem coexistir duas "extinções" para o mesmo crédito. Estando extinto o crédito pelo pagamento, no mês seguinte ao do fato gerador, este não ressurge das cinzas para esperar pela homologação tácita, com a passagem de cinco anos a contar deste mesmo fato gerador, para ser, então, novamente extinto. Não há como reavivar o que já não mais existe. A extinção opera-se de pronto, a depender apenas do fato jurídico ao qual a Lei confere este poder.

Agora, portanto, após o início da vigência da Lei Complementar 118/2005, não é apenas a Jurisprudência que afirma que o crédito tributário é constituído pelo contribuinte, ou seja, que o lançamento é por ele efetuado. Após o surgimento da LC 188/2005 é a própria Lei (complementar, como o CTN) que assim o determina, pois para ser extinto é necessário que o crédito esteja "constituído", que tenha existência plena, que reúna em si todos os elementos que possam lhe conferir certeza, liquidez e exigibilidade. A "homologação tácita" foi assim despida de seus atributos mais importante, quais sejam o de constituir e "extinguir definitivamente" o crédito tributário.

Ousaríamos perguntar, então, se a extinção do crédito poderia permanecer dissociada da "homologação" por parte da administração tributária. Nos contornos traçados no CTN, o legislador vislumbrou a necessidade de uma "confirmação" da Autoridade Administrativa, mesmo que ficta, dos procedimentos do contribuinte na constituição do crédito tributário. Poderia então o crédito ser constituído e extinto sem a "homologação" oficial ?

A solução para esta questão nos parece ser dada pelo próprio § 4º do artigo 150 do CTN, primeira parte, quando este dispõe que "se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos". Assim, entendemos que a Lei Complementar 118/2005, ao definir a data do termo inicial do prazo prescricional para a repetição do indébito como sendo a data do pagamento, determinando que o crédito considera-se extinto nesta data, delimitou um novo lapso temporal para a homologação tácita do lançamento, que se estende agora do fato gerador até a data do pagamento do tributo.


4 – O reflexo na Administração Tributária da inovação veiculada no artigo 3º da LC 118/2205

O entendimento expresso no parágrafo anterior traz consigo uma indagação importante, que deve ser respondida para que a nova ordem normativa não traga perplexidades e dificuldades de ordem prática. A indagação se prende ao prazo decadencial para que a Administração possa lançar o tributo de ofício, no caso de irregularidade cometida pelo sujeito passivo na apuração e pagamento do tributo.

O Superior Tribunal de Justiça esposa o entendimento que o prazo previsto no § 4º do artigo 150 é decadencial, ou seja, após o seu transcurso não há mais direito do Fisco efetuar o lançamento de ofício para constituir o crédito tributário sonegado. Entretanto, o STJ também defende que se não houver o pagamento antecipado o início do prazo decadencial seria deslocado para o primeiro dia do exercício seguinte, como determina o inciso I do artigo 173 do CTN. A esse respeito, exemplificamos [04]:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. TRIBUTÁRIO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO ANTECIPADO. DECADÊNCIA. TERMO INICIAL.

1. No lançamento por homologação, o contribuinte, ou o responsável tributário, deve realizar o pagamento antecipado do tributo antes de qualquer procedimento administrativo, ficando a extinção do crédito condicionada à futura homologação expressa ou tácita pela autoridade fiscal competente. Havendo pagamento antecipado, o Fisco dispõe do prazo decadencial de cinco anos, a contar do fato gerador, para homologar o que foi pago ou lançar a diferença acaso existente (art. 150, § 4º, do CTN).

2. Se não houve pagamento antecipado pelo contribuinte, não há o que homologar, nem se pode falar em lançamento por homologação. Surge a figura do lançamento direto substitutivo, previsto no art. 149, V, do CTN, cujo prazo decadencial se rege pela regra geral do art. 173, I, do CTN: cinco anos a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o pagamento antecipado deveria ter sido realizado.

(...)

Haveria, assim, dois termos iniciais para o direito de se lançar de ofício o tributo sonegado, nos lançamentos por homologação. Este entendimento também é acolhido pela maioria dos doutrinadores. Sacha Calmon [05] (2002, p. 410), por exemplo, também defende que a falta de pagamento antecipado desloca o início do lapso decadencial para o primeiro dia do exercício seguinte: "a solução do dia primeiro do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado aplica-se ainda aos impostos sujeitos à homologação do pagamento na hipótese de não ter ocorrido o pagamento... Se tal não houve, não há o que homologar...".

Ora, esta dualidade do termo inicial do prazo de decadência nos lançamentos em que o próprio contribuinte constitui o crédito tributário, implicando em maior ou menor tempo para que a Autoridade Administrativa possa lançar ou rever o lançamento, e a conseqüente sujeição deste contribuinte à uma fiscalização, não nos parece a mais adequada. Há alguns problemas que consideramos difíceis de serem solvidos adotando-se a interpretação do STJ e da doutrina, que listaremos a seguir.


5 – Problemas encontrados ao se adotar a jurisprudência do STJ relativa à decadência do direito de se lançar de ofício o tributo sonegado nos lançamentos por homologação

O primeiro destes problemas decorre da diversidade de tratamento a contribuintes que se encontrem, na prática e sob o prisma da razoabilidade, na mesmo situação fática. Quando há um lançamento de ofício nos tributos sujeitos a lançamento por homologação onde houve o pagamento antecipado, é evidente que este pagamento não correspondeu a todo o crédito tributário decorrente dos fatos geradores ocorridos naquele período de apuração. Parte dos créditos tributário não foi objeto de pagamento ou outra forma de extinção, daí a necessidade de constituição através do lançamento de ofício. Independentemente de haver ou não o dolo de sonegar, a apuração do crédito não contemplou todos os fatos geradores, havendo, por conseguinte, uma ilegalidade nos procedimentos efetuados pelo contribuinte.

De acordo com a doutrina e com a jurisprudência do STJ, se o contribuinte realizou apenas um pagamento parcial, qualquer que fosse o montante, por mais diminuto que seja, o início do prazo decadencial é a data do fato gerador, mas se não realizou qualquer pagamento o início deste prazo se desloca para o primeiro dia do exercício seguinte. Esta não nos parece a interpretação mais adequada para a norma, como veremos no exemplo seguinte. Consideremos dois contribuintes que apuraram crédito tributário de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), em primeiro de janeiro de um determinado ano, mas que não declararam o crédito na DCTF.

O primeiro deles realiza um pagamento de R$ 1,00 (um real), e o segundo não efetua qualquer pagamento. Assim, segundo o entendimento do STJ e de parte expressiva da doutrina, o prazo decadencial do lançamento de ofício do tributo relacionado ao primeiro contribuinte se inicia em janeiro do ano em que este apurou o crédito tributário, ao passo que o prazo decadencial relacionado ao tributo sonegado pelo segundo contribuinte começaria a correr em primeiro de janeiro do ano seguinte.

Não nos parece razoável a desigualdade de tratamento de situação jurídica virtualmente idêntica. Haveria quase um ano a menos para que a Autoridade Administrativa pudesse efetuar o lançamento do primeiro contribuinte, sem que houvesse qualquer critério logicamente aferível para tanto. A isonomia deve ser observada, obviamente, tendo-se em conta o objetivo da norma jurídica tributária, que é carrear recursos para que o ente federativo possa fazer face aos gastos públicos. Vemos que os dois contribuintes não informaram os créditos em DCTF, e assim não se pode nem mesmo alegar que o primeiro contribuinte teria auxiliado a Administração Tributária ou cumprido parte das obrigações legais, merecendo algum tipo de beneplácito pelo feito.

Não devemos nos esquecer que os dois lançamentos, tanto o que tem como sujeito passivo o primeiro contribuinte quanto o que tem como sujeito passivo o segundo, são lançamentos de ofício, cuja base legal se encontra no artigo 149 do CTN. Este artigo não estabelece nenhuma distinção substantiva entre os lançamentos decorrentes das situações encontradas nos seus incisos. Nem mesmo o parágrafo único do artigo 149 pode servir como suporte para esta diferenciação.

Vincular o início do prazo decadencial ao pagamento antecipado significa conferir ao contribuinte um papel relevante na sua determinação, papel este não encontrado no CTN ou qualquer outra norma jurídica. É evidente que o Direito também é firmado por construção jurisprudencial ou por influência da doutrina, mas afirmar que um pagamento, mesmo que irrisório, como o descrito nos parágrafos anteriores, poderia subtrair quase um ano do período em que a Administração Tributária poderia verificar os procedimentos do contribuinte e lançar as diferenças eventualmente apuradas nos parece inconcebível.

5.2 – A obrigação acessória influenciando o termo inicial da decadência

O segundo problema se apresenta nos lançamentos do Imposto de Renda Pessoa Física, Imposto de Renda Pessoa Jurídica (Lucro Real apuração anual) e Contribuição Social Sobre o Lucro (Lucro Real apuração anual). Como se sabe, estes tributos são objeto de lançamento por homologação, mas como característica distintiva dos outros tributos sujeitos ao mesmo lançamento têm a eles associada uma declaração anual (DIRPF e DIPJ), a ser entregue no primeiro semestre do ano seguinte ao ano em que ocorreu o fato gerador, onde há um encontro de contas dos créditos tributários pagos antecipadamente com o crédito que realmente deveria ter sido ser pago.

Nestas declarações os créditos tributários são apurados com base em informações que somente o contribuinte detém, como, por exemplo, as despesas realizadas ao longo do ano calendário, e que são fundamentais para o cálculo do crédito tributário respectivo. Caso haja crédito tributário não declarado e não pago, deve-se realizar o lançamento de ofício respectivo. Este lançamento, como exposto anteriormente, é regido pelo artigo 149 do CTN. O inciso V deste artigo determina que o lançamento seja efetuado de ofício pela autoridade administrativa quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo 150, que cuida do lançamento por homologação.

Esta norma deixa patente que a atividade da Administração Tributária, nos lançamentos por homologação, é apenas supletiva da atividade do contribuinte. Deve-se esperar que o contribuinte possa primeiro executar todas os procedimentos de sua alçada, incluindo nestes o pagamento do tributo, para que, no caso de irregularidade, o Fisco possa agir. Este somente pode atuar quando puder ser comprovada a omissão ou inexatidão do contribuinte nos procedimentos de constituição do crédito tributário.

Nestes procedimentos se incluem a verificação da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, a determinação da matéria tributável, o cálculo do montante do tributo devido e a efetuação do pagamento, que são as atividades que emergem da análise conjunta dos artigos 142 e 150 do CTN. Somente após a data prevista para o pagamento do tributo pode ser lavrado o Auto de Infração (lançamento de ofício), e somente se não houver o pagamento, ou se este for insuficiente para extinguir o crédito tributário corretamente apurado.

Desta forma, este lançamento somente poderá ser realizado alguns meses depois do fato gerador dos tributos, que nos casos de fatos geradores complexivos, como os dos tributos citados, se situa em 31 de dezembro do ano calendário. Assim, os lançamentos de ofício somente poderão ser efetuados, digamos, em maio ou junho do ano da entrega da declaração, enquanto que a decadência do direito de se efetuar os lançamentos se inicia na data do fato gerador, em 31 de dezembro do ano anterior.

A Administração Tributária teria então, nestes tributos, um prazo menor para realizar os lançamentos, em comparação com os outros tributos que tem fato gerador instantâneo ou periódico. Alguns especialistas em Direito Tributário, como José Eduardo Soares [06] (2002, p. 363), consideram que somente após a entrega da Declaração se iniciaria a contagem do prazo para a decadência. Não nos parece correto este entendimento, pois no delineamento legal do lançamento por homologação não há qualquer referência à entrega de declaração, e nem esta declaração faz parte da essência desta modalidade de lançamento. A falta de entrega da Declaração não descaracteriza o lançamento como sendo "por homologação", pois basta que haja o pagamento antecipado sem qualquer interveniência prévia da Autoridade Administrativa para que este se apresente em toda a sua inteireza.

Vemos que em relação ao Imposto de Renda Pessoa Física a data final de apresentação da Declaração de Ajuste Anual é definida no artigo 7º da Lei 9.250/95, e em relação ao Imposto de Renda Pessoa Jurídica é estabelecida no artigo 56 da Lei 8.981/95. Conceber-se que o termo inicial da decadência ficasse vinculado à estas datas seria conferir a uma Lei Ordinária o poder de alterá-lo. Deve-se sempre ter em mente que a Constituição Federal determina que apenas a Leis Complementares podem dispor sobre decadência e prescrição em matéria de Direito Tributário.

O "adiamento" do termo inicial da decadência nada mais é do que a suspensão da fluência do prazo decadencial, e esta suspensão não pode ser instituída por Lei Ordinária ou Medida Provisória. No CTN somente são encontrados termos iniciais para a decadência nos incisos I e II do artigo 173, e, para alguns doutrinadores e para o STJ, no § 4º do artigo 150. Nenhum destes dispositivos faz referência à suspensão da fluência do prazo decadencial em conseqüência de qualquer obrigação acessória, como a entrega de Declaração de Ajuste.

Como a Administração Tributária somente pode efetuar o lançamento de ofício após a entrega da declaração, pois sua atividade é apenas supletiva da atividade do contribuinte, haveria um "estreitamento" da janela temporal dentro da qual poderia haver a lavratura do Auto de Infração para colher o crédito tributário sonegado. Consideramos esta redução do prazo para o lançamento como um grande obstáculo para que se possa considerar o prazo previsto no § 4º do artigo 150 como sendo relacionado à decadência do direito da Administração Tributária de efetuar o lançamento.

5.3 – O termo inicial da decadência quando se constata dolo, fraude ou simulação por parte do contribuinte

O § 4º do artigo 150 afirma que "se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação".

Questão tormentosa encontrada na parte final deste parágrafo se refere ao prazo decadencial para o lançamento quando a Administração Tributária constata dolo, fraude ou simulação nos procedimentos do contribuinte de apuração do crédito tributário. Como grande parte da doutrina e da jurisprudência considera que o prazo de 5 anos se refere à decadência do direito de realizar o lançamento, então qual seria a delimitação do prazo decadencial na ocorrência de dolo, fraude ou simulação, já que o CTN não desce a este detalhe ?

O Superior Tribunal de Justiça, corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal em todo o país, já enfrentou diversas vezes este questionamento e a Jurisprudência se cristalizou no sentido de que a constatação de dolo, fraude ou simulação do sujeito passivo nos lançamentos por homologação tem como conseqüência o deslocamento do início do prazo para o primeiro dia do exercício seguinte (artigo 173, inciso I do CTN), como se observa na ementa abaixo [07]:

ITBI. OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211. DECADÊNCIA. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. REGRA DO ARTIGO 150, § 4º, C/C 173, I, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. IDENTIFICAÇÃO DE DOLO, FRAUDE OU SIMULAÇÃO POR PARTE DO SUJEITO PASSIVO. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAMINAR AS CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS QUE LEVARAM O JULGADOR A FORMAR SEU CONVENCIMENTO. SÚMULA 7. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.

(...)

2 - O prazo decadencial nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, caso tenha havido dolo, fraude ou simulação por parte do sujeito passivo, só tem início no primeiro dia do ano seguinte ao qual poderia o tributo ter sido lançado. Inteligência do art. 150, § 4º, c/c o art. 173, I, do Código Tributário Nacional.

(...)

(REsp 950004 / SP, Segunda Turma, Relator Ministro Castro Meira, DJ 18.09.2007 p. 293)

Doutrinadores de grande reputação concordam com esta assertiva, como Sacha Calmon (2002, p. 410) [08], que afirma que "em ocorrendo, todavia, fraude ou simulação, devidamente comprovadas pela Receita Federal, imputáveis ao sujeito passivo da obrigação tributária do imposto sujeito a "lançamento por homologação", a data do fato gerador deixa de ser o dia inicial da decadência. Prevalece o dies a quo do artigo 173...".

Entretanto, esta interpretação deixa uma questão de difícil resposta. Não vemos qualquer problema quando a constatação de dolo, fraude ou simulação ocorre antes da homologação tácita do lançamento, "elastecendo", desta forma, o prazo onde o lançamento pode ser efetuado. Digamos que em junho de 2000 a fiscalização verifique que um crédito tributário, relacionado à um fato gerador ocorrido no mês de janeiro, não foi declarado nem pago pelo contribuinte em decorrência de fraude contábil. O início do transcurso de prazo decadencial ficaria adiado para o primeiro dia de 2001, podendo o Auto de Infração ser lavrado até 31 de dezembro de 2005.

Mas imaginemos que esta fiscalização seja realizada em junho de 2005. Nesta data já teria ocorrido a homologação tácita do lançamento, em virtude do transcurso de 5 anos a partir do da data do fato gerador, como dispõe o artigo 150 do CTN. Poderia ser lavrado o Auto de Infração? Segundo a interpretação da doutrina e da Jurisprudência, há dois comandos no ordenamento que se contrapõe, o primeiro deles proibindo a realização do lançamento de ofício pois já ocorreu a homologação tácita, e o segundo determinando que o lançamento seja efetuado, pois foi constatada uma fraude contábil que resultou em crédito tributário sonegado.

Acreditamos que a interpretação da norma deve tentar evitar este tipo de perplexidade, que evidentemente vai resultar em uma demanda judicial pretendendo a anulação do lançamento em função da decadência, caso este seja efetuado. Interpretar é extrair o sentido e o alcance da norma, e o seu exercício deve contemplar todas as possibilidades fáticas para se chegar a um resultado que tenda à pacificação social, que minimize os confrontos e a irresignação da parte porventura atingida por uma decisão que tenha esta interpretação como base, sem descuidar da concretização dos objetivos pelos quais a norma jurídica foi editada.


6-

.

Os problemas descritos anteriormente podem ser facilmente solvidos se o termo inicial da decadência dos tributos com lançamento por homologação for enfocado por outro aspecto. Há uma outra interpretação possível, e mas que nos parece mais correta. Entendemos que o prazo previsto no § 4º do artigo 150 cuida apenas e tão somente do direito do Fisco de homologar expressamente o lançamento, e não do prazo decadencial do direito de se lançar o tributo. O único prazo decadencial para qualquer modalidade de lançamento seria o encontrado no artigo 173 do CTN.

A esse respeito é importante que se observe que o artigo 150 integra o Capítulo II do Título III do CTN, intitulado "constituição do crédito tributário". Neste capítulo encontramos o artigo 142, que define o lançamento no caso dos tributos que dependem de atividade prévia da Administração Tributária, como os lançamentos por declaração e de ofício, e o artigo 150, que descreve o lançamento quando as atividades que resultam na constituição do crédito tributário são realizadas pelo contribuinte.

Este artigo 150, em seu § 4º, define o prazo dentro do qual os procedimentos efetuados pelo contribuinte podem ser homologados, e nos parece que o prazo nele previsto, 5 anos ou outro, se a Lei assim o dispuser, somente cuida do direito da Administração Tributária homologar estes procedimentos. Homologar significa confirmar que estes procedimentos, finalizados com o pagamento do tributo, contiveram uma subsunção perfeita dos fatos jurídicos ocorridos no período de apuração ao prescrito na legislação tributária.

Mas esta homologação sempre será dependente do valor efetivamente pago. Se o contribuinte efetua o pagamento de R$ 10,00 (dez reais), mas o crédito tributário que surgiu com os fatos geradores é de R$ 10.000,00 (dez mil reais), somente podem ser homologados os procedimentos (contábeis e fiscais) relacionados ao pagamento de dez reais. Os outros R$ 9.990,00 (nove mil, novecentos e noventa reais) seguem não homologados, mesmo que tacitamente, e somente deixa de ser possível o lançamento de ofício deste crédito com o término do prazo decadencial, que, sob esta ótica, se descasa do prazo para a homologação. Se não houver pagamento não há o que se homologar, e se este for insuficiente para extinguir o crédito tributário somente se homologa o que foi efetivamente pago.

É incabível a homologação, expressa ou tácita, dos procedimentos relacionados ao crédito tributário sonegado, pois a Administração Tributária não pode compactuar com este procedimento omissivo, em atendimento aos princípios constitucionais a ela diretamente direcionados, como os princípios da legalidade e o da moralidade. Ela não pode, em suma, homologar (certificar) um ato infracional, um crime, previsto nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90 e no Código Penal, artigos 168-A e 337-A. O crédito tributário sonegado está ao largo da homologação, está fora do seu âmbito de validade, não pode ser por esta consolidado.

A Lei 8.137/90 define como crime até mesmo a omissão ou a inexatidão da declaração (prestar informação falsa). Deve ser observado que os delitos previstos no artigo 2º desta Lei são delitos formais, que se aperfeiçoam com a prática da conduta típica, pouco importando a ocorrência de qualquer dano ao erário público para sua consumação. O dolo, a fraude ou a simulação citados no § 4º do artigo 150, ou se caracterizam como elemento subjetivo do tipo penal (dolo) nos crimes contra a ordem tributária, ou meios para a obtenção do resultado, ou da tentativa de consegui-lo (fraude ou simulação).

Neste ponto, devemos observar que na omissão ou inexatidão previstas no inciso V do artigo 149 do CTN podem não estar presentes o dolo ou a culpa, e assim o fato deixaria de ser típico, não podendo ser enquadrado na legislação penal, mas o ato de não apurar o crédito tributário por omissão ou inexatidão também é ilegal, pois descumpre determinação da legislação tributária no sentido de que o contribuinte constitua o crédito tributário de acordo com seu delineamento legal. Em ambos os casos, sendo ou não crime, a Administração Tributária não pode compactuar com estes atos infracionais, homologando os procedimentos em que estes se inserem.

Enfim, o crédito tributário sonegado, e por este motivo não homologado, somente pode deixar de ser constituído pelo lançamento de ofício se o direito de efetuar este lançamento se esvair pela decadência. No exemplo citado, após 5 anos do fato gerador, se a Administração Tributária não promover a homologação expressa haverá a homologação tácita do crédito tributário efetivamente pago, no valor de R$ 10,00 (dez reais), e o restante não pago nem declarado, R$ 9.990,00 (nove mil, novecentos e noventa reais) permanece não homologado, podendo vir a ser constituído pelo lançamento de ofício até o marco final do prazo decadencial.

E onde encontraríamos, então, as normas sobre a decadência nos lançamentos por homologação? Obviamente, onde o legislador as colocou, no artigo 173 do CTN. Este artigo integra o Capítulo IV, intitulado "extinção do crédito tributário", sendo que a decadência é uma das modalidades desta extinção. Assim o crédito tributário poderia ser constituído pelo lançamento de ofício, independentemente de qualquer outra consideração (existência de pagamento antecipado, dolo, etc), enquanto não se expirasse o prazo previsto no artigo 173, mesmo nos tributos com lançamento regular na modalidade "por homologação". Esta exegese teria a vantagem de unificar o prazo decadencial de todas as modalidades de lançamento, solvendo as questões controvertidas citadas anteriormente e diminuindo as perplexidades causadas pela interpretação conferida à norma pela doutrina e pela Jurisprudência.


7 -A homologação tácita sob o prisma da unificação dos termos iniciais da decadência e da vigência da LC 118/2005

Anteriormente comentamos sobre a alteração introduzida pela LC 118/2005, que consolida no ordenamento jurídico a interpretação de que a extinção do crédito tribuário se dá quando do pagamento, mesmo nos tributos com lançamento por homologação. E também discorremos sobre nosso entendimento de que a melhor exegese para o termo inicial do prazo decadencial, em qualquer modalidade de lançamento, seria a de que este termo inicial encontra-se no artigo 173 do CTN. E o que sobraria, então, para a homologação tácita, despida de seus atributos principais?

Devemos lembrar que a doutrina tradicional afirma que a homologação tácita do lançamento é antecedente necessário à extinção de um crédito tributário que teve seu pagamento "antecipado" e que não foi objeto de homologação expressa. Por esta ótica, considera-se o lançamento atividade privativa da Autoridade Administrativa, sendo ato (ou procedimento) constitutivo do crédito tributário, e havendo a homologação implementa-se, então, a condição indevidamente denominada "resolutória", expressa no § 1º do artigo 150. Entretanto, após o início da vigência da LC 118/2005, não se pode mais considerar que a extinção do crédito tributário depende da homologação, pois esta decorre do fato jurídico "pagamento", somente.

E, como descrevemos anteriormente, também consideramos indevida a associação do prazo decadencial do direito de se lançar de ofício o crédito tributário sonegado, nos lançamentos por homologação, com o prazo previsto no § 4º do CTN, pois este prazo somente cuida do direito da Administração Tributária homologar os procedimentos do contribuinte, desde que o crédito tributário fosse pago e houvesse a subsunção completa dos fatos jurídicos à legislação. A homologação seria, assim uma chancela ficta ou expressa para procedimentos de apuração do crédito totalmente revestidos de legalidade, efetuados pelo contribuinte dentro da autonomia que a Lei lhe concede.

E sendo assim, deveria a homologação estar dissociada da extinção do crédito tributário legalmente constituído e pago? Estes procedimentos podem, e devem, ser confirmados pela Administração, de maneira expressa ou tácita, e não vemos nenhum óbice a que esta homologação seja efetuada concomitantemente com o pagamento e com a extinção do crédito. O artigo 3º da Lei Complementar 118/2005, a nosso ver, trouxe uma conseqüência não prevista pelo legislador, mas importante para os contribuintes e para a Administração Tributária: a alteração do prazo para a homologação tácita do lançamento.

O § 4º do artigo 150 reza que "se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação". Ora, a LC 118/2005 determinou que o pagamento deve ser considerado fato jurídico extintivo da obrigação e do seu crédito correspondente, trazendo, em decorrência, a homologação para a data do pagamento. Homologação, ressaltamos, do valor do crédito apurado em conformidade com a Lei e devidamente pago.

Voltemos, agora, para nosso exemplo numérico. Suponhamos que o contribuinte tenha apurado um crédito tributário de R$ 10.000,00 (dez mil reais), tenha declarado R$ 1.000,00 (mil reais), e tenha pago R$ 10,00 (dez reais). Sobre os R$ 10,00 (dez reais) pagos recai a homologação tácita, simultaneamente ao pagamento. Mas restam ainda R$ 9.990,00 (nove mil, novecentos e noventa reais), que são um crédito tributário não pago e apenas parcialmente declarado.

Digamos que, dentro do prazo em que o artigo 173 permite que seja lançado o crédito tributário, se inicie uma fiscalização sobre os procedimentos deste contribuinte. Mesmo após iniciado procedimento de ofício, o contribuinte ainda poderá efetuar o pagamento dos tributos ou contribuições declarados, apenas com os acréscimos legais aplicáveis nos casos de recolhimento espontâneo, desde que o pagamento ocorra até o vigésimo dia subseqüente à data de recebimento do termo de início de fiscalização (Lei nº 9.430/96, art. 47).

Suponhamos, então, que neste prazo o contribuinte efetue o pagamento de R$ 990,00 (novecentos e noventa reais), acrescido dos encargos moratórios, completando o pagamento do valor declarado. Sobre este valor pago a posteriori incidiria a homologação expressa, pois este pagamento está plenamente ajustado aos parâmetros da legalidade, já que decorre de norma legal concessiva, podendo, então, ser homologado.

Esta homologação expressa não precisa nem mesmo estar descrita literalmente em nenhum documento, bastando que o valor pago constasse do Auto de Infração como subtraendo numa conta que apontasse o valor a ser constituído pelo lançamento. E os restantes R$ 9.000,00 (nove mil reais) podem ser objeto de lançamento de ofício, desde que este seja aperfeiçoado, com a ciência do contribuinte, antes que a decadência se consolide com o transcurso do prazo previsto no artigo 173 do CTN.


8 – Conclusões

O lançamento por homologação não é "atividade privativa da Autoridade Administrativa", visto que a legislação conferiu ao próprio contribuinte o dever de executar os atos que constituem o crédito tributário. Após a vigência da LC 118/2005, esta interpretação se consolidou pois a extinção do crédito tributário ocorre com o pagamento. Esta Lei Complementar também despiu a homologação tácita do seu principal atributo, o de ser antecedente necessário para a extinção definitiva do crédito tributário. A homologação tácita do lançamento certifica "a posteriori" a legalidade deste lançamento, que se aperfeiçoa com o pagamento do tributo. O termo inicial da decadência do direito do Fisco de constituir o crédito tributário encontra-se, apenas, no artigo 173 do Código Tributário Nacional.


Notas

  1. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=44221&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=3> Acesso em: 24 abr. 2009.
  2. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=denuncia+e+espontanea+e+gfip&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=4>. Acesso em: 24 abr. 2009.
  3. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=tribut%E1rio+lei+interpretativa+modificativa&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=4> Acesso em: 24 abr. 2009.
  4. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=homologa%E7%E3o+t%E1cita+decad%EAncia&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1>Acesso em 24 abr. 2009
  5. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Artigo integrante da coletânea "Lançamento Tributário e Decadência", coordenada por Hugo de Brito Machado. 1ª edição. São Paulo: Editoras Dialética e ICET, 2002.
  6. DE MELO, José Eduardo Soares. Artigo integrante da coletânea "Lançamento Tributário e Decadência", coordenada por Hugo de Brito Machado. 1ª edição. São Paulo: Editoras Dialética e ICET, 2002.
  7. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=950004&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1> Acesso em: 24 abr. 2009.
  8. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Artigo integrante da coletânea "Lançamento Tributário e Decadência", coordenada por Hugo de Brito Machado. 1ª edição. São Paulo: Editoras Dialética e ICET, 2002.

Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ECARD, Eduardo Gomes. A unificação dos termos iniciais da decadência para a constituição do crédito tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2143, 14 maio 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12873. Acesso em: 27 abr. 2024.