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O ISSQN e o conflito entre municípios.

Quem pode cobrar? A quem recolher?

O ISSQN e o conflito entre municípios. Quem pode cobrar? A quem recolher?

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A falta de clareza no tratamento da questão abriu caminho para que se instalasse uma verdadeira guerra fiscal entre os municípios e, no viés contrário, dá sustentação para muitos contribuintes deixarem de recolher o imposto.

RESUMO

Este artigo enfrenta um dos mais complexos problemas vivenciados pelos contribuintes e administrações tributárias municipais: as dúvidas que envolvem a competência para exigir e arrecadar o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN. O estudo demonstra de que forma a falta de clareza no tratamento da questão abriu caminho para que se instalasse uma verdadeira guerra fiscal entre os municípios e, no viés contrário, dá sustentação para muitos contribuintes deixarem de recolher o imposto. Analisa o exercício do poder tributante pelos municípios, considerando as limitações constitucionais e infraconstitucionais, o papel e o alcance da lei complementar nacional. Aborda o fato gerador do imposto sobre serviços em seus aspectos material, temporal e espacial, à luz da legislação, das principais decisões jurisprudenciais e posições doutrinárias, e classifica os serviços tributáveis segundo o local de sua prestação, avaliando as implicações decorrentes e determinantes para a cobrança do imposto. Examina a presunção na legislação tributária, o conceito de estabelecimento prestador e o poder de polícia especial que detêm os municípios para regular o exercício de atividades em seu território. O estudo avalia, portanto, os aspectos e variáveis relacionadas ao tema a partir da realidade vivida pelas administrações tributárias na cobrança do tributo e, sem pretender fechar a discussão, objetiva colaborar para a minimização dos efeitos do conflito que tanto incomoda e prejudica os municípios e os contribuintes.

Palavras-chave: Competência. ISSQN. Fato Gerador. Serviços. Estabelecimento Prestador.


1. INTRODUÇÃO

Na proporção em que ganhou importância como fonte de receita, o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza transformou-se em alvo de disputas envolvendo a legitimidade para a sua cobrança. Não são poucos os municípios brasileiros que, na busca de aumentar a receita própria, passaram a atrair empresas praticando alíquotas muito reduzidas, patrocinando um verdadeiro leilão. Diante da possibilidade de aliviar a carga tributária, muitos prestadores de serviço transferiram suas empresas, alguns efetivamente, outros de forma fictícia [01].

Outro fator ainda mais sutil motiva a economia ilegal de tributos gerada pelo estabelecimento fictício em uma cidade: a precária estrutura das administrações tributárias dos municípios pequenos. Com a transferência da sede jurídica da prestadora para escritórios virtuais, o contribuinte foge da fiscalização (normalmente mais preparada e estruturada nos municípios maiores) e, não raro, desobriga-se do cálculo do imposto pelo preço do serviço, recolhendo valores ínfimos fixados por estimativas sem respaldo na realidade da empresa.

O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que o local da prestação do serviço é que define o Município competente para a imposição tributária. Assim decidindo, resguardou o direito daqueles municípios que sofriam com as fraudes, na medida em que determinou que o imposto fosse recolhido no local onde o prestador estivesse efetivamente prestando o serviço, em detrimento do endereço jurídico da empresa.

Mas a questão não se resolveu assim tão facilmente e não são raros os casos em que dois ou mais municípios tentam tributar os mesmos fatos geradores, situação inadmissível em nosso sistema jurídico tributário, onde a competência de um ente federado exclui de pronto a pretensão impositiva de qualquer outro.

A Emenda Constitucional nº. 37, de 12 de junho de 2002, trouxe certo alívio ao fixar a alíquota mínima do ISSQN em dois por cento (2%), porém, nem a edição da Lei Complementar nº. 116, de 31 de julho de 2003, resolveu definitivamente o problema [02].

A solução fica ainda mais distante com a confusão criada pelo intérprete e aplicador do direito tributário que frequentemente utiliza a expressão ditada pela jurisprudência "local da efetiva prestação do serviço" como sinônima de "município sede do tomador do serviço".

O equívoco agrava o problema também para o sujeito passivo, seja ele o prestador, contribuinte direto, ou o tomador do serviço, eleito responsável tributário em situações previstas na lei complementar federal e nas legislações municipais.

Diante da falta de clareza e uniformidade no tratamento da questão, perdem os contribuintes e os municípios que, além dos prejuízos diretos provenientes do valor do tributo em si, obrigam-se a resguardar seus direitos em processos administrativos e/ou judiciais, onerosos por natureza.

A proposta deste artigo é apresentar e discutir aspectos pertinentes ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza e colaborar para a minimização dos nocivos efeitos produzidos pelo conflito que envolve a sua cobrança.


2. O ISSQN E O EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA MUNICIPAL

Aos municípios compete instituir e arrecadar, dentre outros tributos, o ISSQN. O exercício da competência tributária, porém, pressupõe obediência às limitações contidas na Constituição Federal, nas Constituições dos Estados, nas Leis Orgânicas e não menos importante se mostra a observação das normas gerais de direito tributário.

Sobre o tema, Amaro (2006, p. 106 e 107) ensina que:

O exercício do poder de tributar supõe o respeito às fronteiras do campo material de incidência definido pela Constituição e a obediência às demais normas constitucionais ou infraconstitucionais que complementam a demarcação desse campo e balizam o exercício daquele poder. [...] Desse modo, as chamadas ‘limitações ao poder de tributar’ integram o conjunto de traços que demarcam o campo, o modo, a forma e a intensidade de atuação do poder de tributar [...]. (Grifamos em negrito)

Na Constituição Federal, as limitações são verificadas essencialmente nas imunidades por ela conferidas e nos princípios constitucionais tributários, que servirão de norte ao legislador ordinário na criação e regulação dos tributos.

Dentre os princípios constitucionais, merece atenção especial o princípio da territorialidade, segundo o qual a legislação tributária terá sua aplicação definida pelos limites geográficos do ente titular da competência ativa. Carvalho (2002, p. 161) anota que: "A observância eficaz do princípio da territorialidade da tributação é condição determinante do bom funcionamento e da harmonia que o ordenamento planificou".

Passando ao campo infraconstitucional, encontramos as normas gerais de direito tributário, prescritas pelo Código Tributário Nacional e, no caso do ISSQN, pela Lei Complementar 116, de 31 de julho de 2003.

Destacamos aqui o importante papel reservado expressamente pelo Art. 146 da Constituição Federal à lei complementar nacional que reger matéria tributária. Segundo Amaro (2006, p. 168 e 169), é função precípua da lei complementar dispor sobre conflitos de competência entre os entes tributantes, explicitando, por exemplo, a demarcação da linha divisória da incidência do ISS (imposto municipal) e do ICMS (imposto estadual), assim como a regulação das limitações constitucionais ao poder de tributar e o estabelecimento das normas gerais. Ensina o autor:

Dir-se-ia que a Constituição desenha o perfil dos tributos (no que respeita à identificação de cada tipo tributário, aos limites do poder de tributar, etc.) e a lei complementar adensa os traços gerais dos tributos, preparando o esboço que, finalmente, será utilizado pela lei ordinária, [...].

A par desse adensamento do desenho constitucional de cada tributo, as normas gerais padronizam o regramento básico da obrigação tributária (nascimento, vicissitudes, extinção) conferindo-se, dessa forma, uniformidade ao Sistema Tributário Nacional. (grifo nosso)

Cabe observar que a competência para estabelecer normas gerais em matéria tributária inclui a definição dos fatos geradores dos impostos, conforme teor do inciso III, alínea a do dispositivo constitucional.

Portanto, o exercício regular da competência tributária pelos municípios impede o legislador ordinário de definir fato gerador não previsto ou diferente do previsto na legislação complementar. A mesma orientação deve nortear a previsão legislativa quanto à responsabilidade tributária e a atribuição desta não pode certamente resultar na invasão da competência de outro ente federativo.


3. O FATO GERADOR DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS

Para o estudo proposto é imprescindível empreender análise prévia do critério material da hipótese de incidência do imposto sobre serviços, assim como delimitado pela legislação. Para tanto, optou-se por apoiar o raciocínio nas normas atuais, estabelecidas pela LC 116/2003, comparando-as com a legislação por ela sucedida, o DL 406/68.

Pode-se afirmar com precisão que não houve, com a transição legislativa, mudança no núcleo do critério material, correspondendo o fato gerador à "prestação" dos serviços previstos em lista específica (Art. 8º DL 406/68 e Art 1º LC 116/2003).

Luciano Amaro ensina que o fato gerador de um tributo corresponde a "uma situação material descrita pelo legislador [...] definido pela referência a uma ação ou situação [...] que se identifica como núcleo ou materialidade", em torno do qual gravitam circunstâncias "igualmente necessárias para a identificação da obrigação tributária". Discorrendo sobre cada uma destas circunstâncias, lembra o autor que o fato gerador é um acontecimento histórico, motivo pelo qual se põe no tempo e no espaço, aspectos cuja análise e definição entende ser de grande relevância considerando que uma mesma situação pode constituir-se em fato gerador tributário em um determinado lugar e não em outro, e, mais que isso, em relação ao espaço, "para efeito da solução de possíveis conflitos de normas", posto que define, por exemplo, se a prestação de um serviço estará sujeita à legislação de um ou de outro município. Quanto ao aspecto temporal, considera o autor que "o fato acontece no tempo", sendo este aspecto relevante não apenas porque define os prazos para cumprimento de obrigações, mas principalmente porque identifica a legislação aplicável, qualificando o fato, se gerador ou não de obrigação tributária, isento ou tributável, e ainda, definindo a alíquota incidente. (AMARO, 2006, p. 263 a 267).

Os aspectos que circundam o fato gerador dele não se separam e, por certo, a previsão legal correspondente não pode destoar da situação material também descrita pela lei.

Sendo o critério material da obrigação tributária caracterizado pela ação de prestar um serviço, é preciso identificar inicialmente quando aconteceu o fato. Definido o momento da materialização ou concretização da hipótese de incidência, a prestação do serviço, podemos extrair com isenção total de dúvida onde esta se deu e, assim, qual o Município competente para exigir a obrigação tributária decorrente.

Nas relevantes palavras do mestre Amaro (2006, p.279):

O que se deve ressaltar é a importância da precisa identificação temporal e espacial do fato gerador, pois, a partir do momento em que ele se realiza, nasce a obrigação tributária, com a irradiação de direitos e deveres, pretensões e ações, conferidos às partes que titulam os pólos ativo e passivo da relação jurídica tributária.

Para situar o fato no tempo, importante lembrar do art. 116 do Código Tributário Nacional, que, diferenciando as situações de fato e de direito, preceitua ter-se por ocorridas as primeiras (nas quais se inclui o fato gerador do ISSQN): "desde o momento em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios" [03].

Neste sentido, esclarecedor o comentário de Decomain (2000, p. 458):

Nada obstante as previsões contidas no art. 116, as leis que criam cada tributo podem definir em que momento se considera realizado o respectivo fato gerador. Assim, por exemplo, a Lei Complementar n. 87/96, que contém normas gerais relativas ao ICMS, considera realizado um dos possíveis fatos geradores daquele imposto, representado por operação de circulação de mercadoria, no momento em que a mercadoria deixa o estabelecimento do fornecedor.

O Decreto-Lei nº. 406/68, para definir o critério espacial do fato gerador do ISSQN, estabelecia em seu artigo 12 regra geral em que o serviço considerava-se prestado e o imposto devido no local do "estabelecimento prestador", listando apenas duas exceções ou regras especiais, consistentes nos serviços relacionados à construção civil e à exploração de rodovia mediante preço ou pedágio [04]. Reconhecia, portanto, apenas em duas situações excepcionais, que o fato imponível ocorria em local diverso e independente do estabelecimento prestador.

A Lei Complementar 116/03 tratou a questão com maior zelo e ajustou a definição do critério espacial ao princípio da territorialidade, ao ampliar as regras especiais (Art. 3º, I a XXII e §§ 1º e 2º). Ao mesmo tempo, no caput do artigo, confirmou a regra geral do local do estabelecimento prestador para todos os demais serviços. Vejamos:

Art. 3º O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local:

I – do estabelecimento do tomador ou intermediário do serviço [...];

II – da instalação dos andaimes, palcos, coberturas e outras estruturas [...];

III – da execução da obra [...];

IV – da demolição [...];

V – das edificações em geral, estradas, pontes, portos e congêneres [...];

VI – da execução da varrição, coleta, remoção, incineração, tratamento, reciclagem, separação e destinação final de lixo [...];

VII – da execução da limpeza, manutenção e conservação de vias e logradouros públicos, imóveis, chaminés, piscinas, parques, jardins e congêneres [...];

VIII – da execução da decoração e jardinagem, do corte e poda de árvores [...];

IX – do controle e tratamento do efluente de qualquer natureza e de agentes físicos, químicos e biológicos [...];

X e XI - (VETADOS)

XII – do florestamento, reflorestamento, semeadura, adubação e [...];

XIII – da execução dos serviços de escoramento, contenção de encostas [...];

XIV – da limpeza e dragagem [...];

XV – onde o bem estiver guardado ou estacionado [...];

XVI – dos bens ou do domicílio das pessoas vigiados, segurados [...];

XVII – do armazenamento, depósito, carga, descarga, arrumação e guarda [...];

XVIII – da execução dos serviços de diversão, lazer, entretenimento e [...];

XIX – do Município onde está sendo executado o transporte [...];

XX – do estabelecimento do tomador da mão-de-obra [...];

XXI – da feira, exposição, congresso ou congênere [...];

XXII – do porto, aeroporto, ferroporto, terminal rodoviário, ferroviário ou metroviário [...].

§ 1º No caso dos serviços a que se refere o subitem 3.04 da lista anexa, considera-se ocorrido o fato gerador e devido o imposto em cada Município em cujo território haja extensão de ferrovia, rodovia, postes, cabos, dutos e condutos [...].

§ 2º No caso dos serviços a que se refere o subitem 22.01 da lista anexa, considera-se ocorrido o fato gerador e devido o imposto em cada Município em cujo território haja extensão de rodovia explorada.

Da simples leitura das regras específicas extrai-se com segurança que a lei não vinculou o critério espacial ao tomador dos serviços, seu estabelecimento ou domicílio.

O que a lei fez foi pinçar do elenco de serviços tributáveis, aqueles que exigem a transferência efetiva, mesmo que temporária, de estrutura necessária à execução do serviço para local diverso do estabelecimento prestador e, a partir desta seleção, definiu que o imposto é devido àquele município onde os serviços forem executados, o que pode coincidir com o município sede do prestador dos serviços, do tomador ou qualquer outro. Somente nos incisos I e XX a lei indicou o estabelecimento do tomador para definir o local da prestação, presumindo que somente nele os serviços podem se realizar.


4. O ASPECTO ESPACIAL DO ISSQN, A JURISPRUDÊNCIA E A DOUTRINA

O Superior Tribunal de Justiça, enquanto ainda vigente o DL 406/68, firmou entendimento no sentido de que o Município competente para exigir e arrecadar o ISSQN era aquele onde o serviço fosse efetivamente prestado, podendo-se, para alcançar esta verdade, ignorar o teor da alínea a do artigo 12 do citado diploma legal. Neste sentido a decisão dos Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 130.792-CE, de relatoria do Ministro Ari Pargendler, publicada no DJ em 16/06/2000, página 66: "... importa o local onde foi concretizado o fato gerador, como critério de fixação de competência do Município arrecadador e exigibilidade do crédito tributário, ainda que se releve o teor do artigo 12, alínea ‘a’ do Decreto-lei nº 406/68" [05].

Tal decisão não permaneceu isenta de críticas. Ives Gandra da Silva Martins e Marilene Talarico Martins Rodrigues (in PEIXOTO e MARTINS, 2004, p. 245) avaliaram que o entendimento feriu expressamente dispositivo legal. Citando o acórdão do Resp. 54.002-0/PE (94.0028001-7), os autores dão o tom da repercussão provocada pelas decisões daquele Tribunal: "Foi, portanto, com surpresa que os doutrinadores pátrios e advogados tomaram conhecimento das decisões do STJ, em que o Poder Judiciário assume as funções de ‘legislador positivo’, claramente declarando que o fazia".

Bernardo Ribeiro de Moraes (apud Martins e Rodrigues, in PEIXOTO e MARTINS, 2004, p. 247) classificou a decisão como contrária à lei: "A jurisprudência, data venia, não pode ser contra legem, nem o Superior Tribunal de Justiça deixou de aceitar, como vigente, o art. 12 do Dec.-lei 406/68, que adota o ‘estabelecimento prestador’ como local da prestação de serviços (incidência tributária)".

Ainda é cedo para concluir qual o tratamento que o STJ dispensará à questão para os fatos geradores tributários ocorridos sob a égide da LC 116/2003. Os julgados emitidos após aquela data, ou se referem a fatos geradores pretéritos ou não tiveram o problema enfrentado por depender de reexame de provas fáticas, o que esbarra na Súmula 7 daquele Tribunal [06].

O fato é que o entendimento jurisprudencial, pacificado em repetidas decisões, serviu de pedra fundamental a uma confusão conceitual ainda não solucionada e, não raro, a orientação de desconsiderar o local do estabelecimento prestador para fins de definir o destino da arrecadação dá suporte à utilização da expressão "local da efetiva prestação do serviço" ou "local onde foi concretizado o fato gerador", como sinônima de "município do tomador do serviço".

A cobrança do tributo com base na interpretação equivocada das expressões afronta diretamente o critério material do ISSQN, marcada pelo verbo prestar. Incidirá o imposto municipal sobre a prestação do serviço, não sobre a sua destinação ou fruição.


5. OS SERVIÇOS TRIBUTÁVEIS: CLASSIFICAÇÃO E ANÁLISE SEGUNDO O LOCAL DE SUA PRESTAÇÃO

Análise atenta da Lista de Serviços anexa à LC 116/2003 leva à identificação de três divisões ou grupos de serviços classificáveis segundo o local de sua prestação.

Num primeiro olhar, é possível identificar aqueles serviços cuja prestação necessariamente ocorrerá no estabelecimento prestador.

Tais serviços serão sempre concretizados em um determinado local físico, normalmente um prédio. São exemplos os serviços prestados por hospitais; laboratórios; clínicas; creches; asilos; serviços de hotelaria; bancários; gráficos; guarda e alojamento de animais; entre outros.

Em relação a estes, não resta dúvida que a competência para exigir o ISSQN deve pertencer ao município da localização do prédio onde a atividade é desenvolvida integralmente - o estabelecimento prestador -, em sintonia, portanto, com a regra geral estabelecida pela lei.

Num olhar um pouco mais atento, são encontrados os serviços cuja prestação necessariamente ocorrerá fora do estabelecimento prestador.

Neste grupo estão, por exemplo, os serviços de construção civil; demolição; varrição, coleta, remoção, incineração, tratamento, reciclagem, separação e destinação final de lixo; limpeza, manutenção e conservação de vias, imóveis, piscinas, parques e jardins; corte e poda de árvores; florestamento e reflorestamento; decoração; jardinagem; vigilância, segurança, monitoramento de pessoas ou bens, fornecimento de mão de obra e exploração de rodovia mediante pedágio.

Entendemos que o legislador buscou identificar os serviços cuja prestação necessariamente ou muito provavelmente ocorre fora do estabelecimento prestador, listando-os nos incisos e parágrafos do art. 3º da lei, que constituem exceções à regra geral. Estas regras especiais respeitam o princípio da territorialidade e o aspecto material da hipótese de incidência, quando conferem competência para exigir e cobrar o imposto ao município onde os serviços são executados, o que não se confunde com o local para onde é emitido o documento fiscal ou com o domicílio do tomador do serviço.

Existe, no entanto, um terceiro grupo, no qual se encontram os serviços que, por suas características, podem ser prestados tanto no estabelecimento prestador quanto no estabelecimento ou domicílio do tomador do serviço ou em um terceiro lugar qualquer.

A maior problemática relacionada à competência para exigir e arrecadar o ISSQN é precisamente neste ponto encontrada. Exemplo típico são os serviços de assessoria e consultoria, que em princípio, podem ser prestados em qualquer lugar, nada impedindo que o prestador faça com que o fato gerador se concretize em local totalmente diferente do estabelecimento prestador ou do tomador do serviço. Nos tempos atuais, em que a informática e principalmente a internet propiciam a aproximação virtual das pessoas e aceleraram sobremaneira a comunicação, não é mais preciso que o prestador vá pessoalmente ao encontro do cliente para fechar negócios ou cumprir contratos.

O deslinde da questão exige entender que a prestação dos serviços incluídos nesta categoria, que inclui, por exemplo, além dos citados assessoria e consultoria, serviços de informática; publicidade; agenciamento; corretagem; intermediação; medicina; advocacia e contabilidade, entre outros, demanda a existência de uma base operacional, física ou não, onde o prestador concentre a estrutura necessária, seja ela de equipamentos ou mesmo de bens imateriais como o conhecimento ou a tecnologia a ser empregada.

Há que se considerar ainda que cabe ao poder público municipal o planejamento e organização da cidade. Para exercer suas funções, os municípios detêm, além de competência legislativa, o chamado poder de polícia especial, pelo qual controlam o exercício das atividades econômicas em seu território, permitindo e organizando, através de alvarás de licença, a instalação, localização e funcionamento da indústria, comércio e serviços, segundo a legislação disciplinadora das posturas municipais.

As empresas, quer sejam comerciais, industriais ou prestadoras de serviços, assim como as pessoas físicas que desenvolvem atividades econômicas estão sujeitas, portanto, ao poder de polícia especial do município onde estiverem estabelecidas ou domiciliadas. Assim, ao decidir por determinado município como domicílio tributário e efetivamente nele estabelecer-se, fixando e mantendo a estrutura necessária à atividade, o prestador de serviços estará sujeito à legislação deste.

O fato de algumas atividades exigirem o deslocamento do prestador de um município para outro em alguma das etapas da prestação do serviço, não o desobriga de estabelecer-se em um município determinado, onde manterá a estrutura operacional e administrativa necessária ao seu negócio, o que inclui o alvará de funcionamento municipal conforme a respectiva legislação de posturas.

A lei tributária subordinou os serviços incluídos neste terceiro grupo à regra geral e considerou prestado o serviço e devido o imposto para o município do estabelecimento prestador. Prevendo de outra forma, estaria negando a competência municipal para organizar seu território e disciplinar o exercício das atividades econômicas. Estaria permitindo que os prestadores destes serviços exercessem sua atividade sem obedecer qualquer legislação da espécie, sem licenças para funcionamento, sem alvarás municipais.

Deve ser notado que o entendimento defendido para este grupo de serviços não confronta com o indicado para o segundo grupo antes apresentado, onde os serviços necessariamente são executados fora do estabelecimento prestador e que a LC 116/2003 listou, submetendo-os a regras especiais. Isto porque o exercício daquelas atividades exige licenciamento do município onde o serviço for executado, ainda que não emitido em nome do prestador, sujeitando-se, portanto, à legislação de posturas daquele município. É o caso das obras de construção civil; dos serviços de diversões públicas; feiras e eventos; exploração de rodovias (pedágio); serviços portuários, aeroportuários, ferroportuários, terminais rodoviários e metroviários. Já serviços como os de varrição; limpeza; decoração; jardinagem e fornecimento de mão-de-obra, por exemplo, mesmo que o seu exercício não necessite de alvará prévio, estarão ainda assim sujeitos ao poder de polícia local, face à necessidade de instalação e manutenção de estrutura física para a prestação.

Podemos concluir que a lei, ao estabelecer que o serviço considera-se prestado e o imposto devido no território onde se encontrar o estabelecimento prestador ou o domicílio do prestador, para todos os serviços não constantes das exceções que listou, entendeu que a hipótese de incidência tributária do ISS deve ser tida como materializada no local onde o prestador mantém as condições necessárias ao seu negócio, ainda que possa deslocar-se para prestar o serviço no estabelecimento encomendante ou em outro lugar qualquer, em sua casa de praia, campo, em viagem internacional, etc.

Também o fato de determinados serviços demandarem eventual deslocamento de profissionais (que pode ocorrer em qualquer momento desde a contratação até a finalização ou entrega ao contratante) para outros municípios, sede do tomador ou não, não tem o condão de transferir a competência tributária ativa àqueles municípios.

Nos termos já amplamente demonstrados, o que ocorre com freqüência e deve ser combatida é a falta de clareza verificada nas decisões administrativas e judiciais sobre a matéria, ou o que é pior, na interpretação a elas dada.

Neste sentido, é preciso dispensar atenção especial à tradução das expressões empregadas, não se admitindo confusão entre "local da efetiva prestação do serviço" ou "local da ocorrência dos fatos geradores" com "domicílio do contratante do serviço" ou "domicílio do tomador do serviço" ou ainda, com "domicílio de terceiro", que venha a ter relação direta ou indireta com os fatos geradores.

A confusão tem servido de escudo para que se cometam verdadeiros absurdos. Alguns municípios simplesmente autuam o contribuinte efetivamente estabelecido em outro, por créditos tributários que não lhes pertencem e defendem o lançamento com fundamentos desprovidos de razoabilidade ou de qualquer outro valor jurídico. Recentemente, um prestador de serviços do ramo de informática devidamente estabelecido no município A, notificado pelo município B a recolher imposto supostamente devido pela prestação de serviços a órgão público daquele município, teve negado seu pedido de revisão administrativa sob o argumento de os serviços terem sido lá "disponibilizados". Ora, a disponibilização de serviço não se constitui em fato gerador do ISSQN, sem contar que, naquele caso concreto, o contrato de prestação de serviços previa que os serviços contratados seriam disponibilizados ao tomador através de página eletrônica, evidenciando que os serviços seriam prestados no estabelecimento prestador, até porque inexistia qualquer previsão de visitas ou deslocamentos, mesmo que eventuais, ao endereço do contratante. Ou seja, o município B entendeu que o fato gerador do imposto se dera com a fruição do serviço, não com a sua prestação, o que contraria todo o sistema jurídico tributário.

O fato de um documento fiscal ser emitido contra pessoa estabelecida ou domiciliada em outra cidade não é elemento suficiente para caracterizar que lá tenha sido o serviço executado, tampouco transfere a competência tributária ativa àquele município. O que determina a incidência tributária é a ocorrência do fato gerador, no caso, a prestação do serviço, não a sua destinação, disponibilização ou fruição. Em regra, a emissão do documento fiscal é efetuada contra aquele e no endereço daquele que ficou responsável pelo pagamento do preço, normalmente o tomador do serviço, porém, o pagamento do preço não é fato gerador tributário, logo, não pode este quesito orientar o destino da arrecadação.

Portanto, ao subordinar à regra geral os serviços que, em tese, podem ser prestados tanto no estabelecimento prestador quanto em quaisquer outros lugares, a lei complementar presumiu a materialização da hipótese de incidência no estabelecimento prestador do serviço, afastando, desde logo, quaisquer outras discussões.

5.1. A PRESUNÇÃO NA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA

Analisando a possibilidade de a lei tributária valer-se de presunções ou ficções para compor a norma de incidência, Amaro (2006, p. 272 e 274 a 275) leciona:

Num dado acontecimento, que pode desdobrar-se em várias fases, a lei pode escolher determinada etapa desse acontecimento para o efeito de precisar, no tempo, o instante em que o fato gerador se tem por ocorrido e no qual, portanto, tem-se por nascida a obrigação tributária. [...]. As presunções legais, como as humanas, extraem, de um fato conhecido, fatos ou conseqüências prováveis, que se reputam verdadeiros, dada a probabilidade de que realmente o sejam [...]

Se o emprego dessas técnicas implicar afronta, ainda que indireta, a qualquer princípio constitucional, ele deve ser repelido [...] aquilo que o legislador não puder fazer diretamente (porque não esteja na sua esfera de competência ou porque fira preceito de norma superior), ele igualmente não pode fazer de modo indireto, mediante utilização (que, nessas circunstâncias se revelará artificiosa) das presunções ou ficções. (Grifos originais em itálico)

Na mesma linha, Ferragut (2005, p. 146 a 148) pondera com propriedade:

Se a segurança jurídica não admitisse as presunções, acabaria dificultando a proteção dos direitos daqueles que os detêm, mas que são prejudicados pela fraude, dolo e simulação. Dentre esses encontra-se, sem dúvida alguma, o Fisco. [...] No Direito Tributário, assumem significativa importância, tendo em vista que fatos juridicamente relevantes são muitas vezes ocultados por meio da fraude à lei fiscal, ficando o processo de positivação do direito obstado de ocorrer. [...] Todas essas técnicas, se vistas sob o ângulo da praticabilidade, têm como objetivo: evitar a investigação exaustiva do caso isolado, com o que se reduzem os custos na aplicação da lei; dispensar a colheita de provas difíceis ou mesmo impossíveis em cada caso concreto ou aquelas que representem ingerência indevida na esfera privada do cidadão e, com isso, assegurar a satisfação do mandamento normativo. (Grifo nosso)

Assim, a LC 116/2003, ao presumir a ocorrência do fato gerador no local do estabelecimento para os serviços cuja identificação dos aspectos espacial e temporal será sempre questionável e facilmente mascarada por meio da fraude fiscal, o fez dentro dos limites de sua competência e cumpriu o papel a ela atribuído pelo artigo 146 da Constituição Federal. Definiu o aspecto espacial em consonância com o critério material da hipótese de incidência - a prestação do serviço -, respeitando o princípio da territorialidade das leis e ainda dirimindo possíveis conflitos de competência entre municípios.

5.2. O ESTABELECIMENTO PRESTADOR

Em sintonia com o Código Civil [07], a Lei Complementar 116/2003 definiu estabelecimento pressupondo a existência de uma base física, uma estrutura onde o prestador promova parte ou todo o complexo de atividades necessárias à conclusão do serviço:

Art. 4º Considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas.

Ao assim dispor, o legislador complementar pretendeu inibir a prática fraudulenta de contribuintes que se instalam formalmente em municípios onde obtém vantagem com a incidência de alíquota menor em detrimento do local onde está de fato estabelecido, onde mantém sua unidade econômica ou profissional e efetivamente presta serviço.

Ainda na vigência do art. 12, a, do Decreto-lei 406/68, alguns autores já defendiam que a questão crucial a ser respondida é: O que é estabelecimento prestador?.

Da doutrina, destacamos a lição de Machado (2003, p. 360):

O equívoco está em considerar como tal o local designado formalmente pelo contribuinte. Estabelecimento na verdade é o local em que se encontram os equipamentos e instrumentos indispensáveis à prestação do serviço, o local em que se pratica a administração dessa prestação. Adotado esse entendimento, as situações fraudulentas podem ser corrigidas, sem que se precise desconsiderar a regra do art. 12 do Decreto-lei nº. 406/68.

O entendimento do Superior Tribunal de Justiça não divergia:

[...] ISS. Transporte de Pedra. Competência para Cobrança. [...] Competente para cobrar o ISS é o Município onde a empresa prestadora do serviço se instala para executá-lo, mesmo que seja em caráter precário ou temporário. Recurso Improvido. (REsp 6.679/ES, Rel.Min. César Asfor Rocha, 1ª.T., DJ 04/10/1993 p. 20502)

Mantendo a posição, ao decidir questão em que o Município de Porto Alegre pretendia cobrar o ISS sobre serviços de administração de consórcios sob o argumento de que a coleta de adesões para a formação do grupo ocorria em seu território, o STJ ementou:

TRIBUTARIO. ISS. LOCAL DA INCIDENCIA. O local do recolhimento do ISS incidente sobre a administração de bens ou negócios, inclusive consórcios é o do território do município onde se realiza o serviço. O serviço de administração de consórcio compreende não só a coleta dos nomes dos interessados como a realização de reuniões, cobrança de parcelas e respectiva contabilização, aquisição dos bens e sorteio dos consorciados, e, "in casu", em todas essas etapas, praticado no município de Lins, ao qual cabe o poder de tributar. Recurso improvido. Decisão unânime. (REsp 72.398/SP, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, 1ª.T., DJ 10.06.1996 p. 20283).

Defendendo a competência tributária do local onde o serviço é efetivamente prestado, aquele egrégio Tribunal reconheceu-a ao Município de Lins, onde o serviço fora executado no seu conjunto pelo estabelecimento prestador. Considerou, portanto, irrelevante haver a coleta de adesões em Porto Alegre, entendendo que esta não caracterizava a realização do serviço, apenas parte dele, que não configurava fato gerador tributário.

O julgado do recurso interposto contra decisão do Tribunal de Alçada do Paraná não destoa. O Município de Curitiba, abrigando escritório de vendas com estoque de mercadorias de empresa do ramo gráfico, pretendia tributar os serviços nele negociados sob o argumento de que lá ocorria a contratação dos serviços com a definição dos modelos de formulários e outros detalhes do contrato, completando-se o fato imponível também em seu território com a entrega e cobrança do serviço, enquanto que o "parque gráfico", localizado em outro município, servia apenas para a impressão dos formulários. A decisão contestada foi mantida por unanimidade com a seguinte ementa:

TRIBUTÁRIO – ISS – SERVIÇOS DE COMPOSIÇÃO GRÁFICA – MUNICÍPIO COMPETENTE PARA EXIGIR – LOCAL DA REALIZAÇÃO DO FATO GERADOR – INTERPRETAÇÃO DO ART. 12 DO DECRETO-LEI 406/68 – PRECEDENTES. - Consoante iterativa jurisprudência desta eg. Corte o Município competente para a cobrança do ISS é aquele em cujo território se realizou o fato gerador, em atendimento ao princípio constitucional implícito que atribui àquele Município, o poder de tributar os serviços ocorridos em seu território. - Executados os serviços de composição gráfica em estabelecimentos localizados em outros municípios, não tem a Municipalidade de Curitiba competência para exigir ISS referente a esses fatos geradores. - Recurso especial não conhecido.

(Resp 252.114/PR, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJU de 02.12.02)

Os exemplos acima ilustram o verdadeiro sentido da jurisprudência formada pelo STJ, que reconhece a competência do município onde materializada a hipótese de incidência, o que não se confunde com a sede jurídica do prestador, tampouco com o destino, a entrega ou fruição do serviço. O imposto será devido onde for prestado o serviço, de fato.

Sempre atual o entendimento do consagrado mestre Moraes (1975, p. 489):

Estabelecimento vem a ser o local fixo, onde a pessoa exerce sua atividade ou administra seus negócios. Manifesta-se através da loja, do armazém, do escritório, do hospital, da oficina, da agência, do consultório, etc. [...] O essencial, para a caracterização do estabelecimento, é essa manifestação material em que a pessoa se situa no espaço em que exista um centro de ocupação habitual. Sem essa manifestação do exercício de atividades ou esse núcleo de ocupações habituais, inexiste estabelecimento. (grifo nosso).

A doutrina contemporânea não destoa:

Existem alguns serviços cuja prestação tem início em um estabelecimento e etapas executadas em outro(s), de modo que podem existir dificuldades para identificar aquele que é contribuinte do ISS. [...] A regra da Lei Complementar 116/2003 deu maior relevância à atividade realizada pelo prestador do que à utilidade fruída pelo tomador. Essa conclusão decorre também da leitura do art. 4º, quando, ao definir estabelecimento prestador, o faz indicando o ‘local onde o contribuinte desenvolva a atividade’ de prestar serviços e ‘que configure unidade econômica ou profissional’. [...] para ser considerado um estabelecimento para fins de incidência do ISS, basta ser o local da prestação que, ao mesmo tempo, configure uma unidade econômica ou profissional. Ou seja, a configuração de um estabelecimento decorrerá de elementos de fato e não de características jurídicas. Será o exercício de uma atividade, aliado à identificação de uma instalação como unidade distinta e relevante que a faça apresentar-se perante a clientela, a fiscalização tributária, os concorrentes, que irá qualificar um estabelecimento prestador de serviços. (grifo nosso) CEZAROTI (in PEIXOTO e MARTINS, 2004, p. 217).

Assim, o estabelecimento deve ser visto de forma mais ampla do que a sua formalização jurídica e deve ser reconhecido independentemente de estar ele legalizado em forma de sede, filial, sucursal, etc., sendo possível caracterizá-lo segundo as manifestações do ânimo de permanecer estabelecido, que pode ser exteriorizado de diversas formas.

Pensando nisso alguns municípios têm instituído obrigações acessórias, como é o caso do Município de São Paulo que, pela Lei 14.042/2005 determinou a obrigatoriedade de inscrição em cadastro específico de empresas que prestarem serviços para empresas domiciliadas em seu território e utilizarem documentos fiscais autorizados por outra municipalidade. A medida, que visa evitar a fraude fiscal com a instalação de sedes fantasmas, teve a constitucionalidade confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Poderíamos concluir este estudo afirmando que a exigência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza caberá sempre ao município onde ocorrer o seu fato gerador. Tal assertiva, porém, parece zombar da inteligência do leitor, na medida em que esta é frase corrente e batida entre os aplicadores do direito tributário e não conduz à tão esperada solução para os impasses vivenciados diariamente.

A solução proposta requer uma visão ampla sobre a legislação pertinente e também sobre os fatos tributáveis, de modo a, principalmente, evitar-se as confusões conceituais, hoje tão comuns e desastrosas, entre "local da efetiva prestação do serviço" com "município sede do tomador do serviço".

Pressuposto preliminar reside no entendimento de que a cobrança do ISSQN pelos municípios deve harmonizar-se com a Constituição da República e com as normas gerais tributárias, sendo-lhes vedado, portanto, definir fato gerador ou aspectos dele de forma diferente da previsão contida em lei complementar nacional, a quem compete também e em caráter exclusivo, a solução dos conflitos de competência entre os entes tributantes.

Do mesmo modo, é vedado aos municípios agir na cobrança do imposto adotando interpretação equivocada ou, o que é pior, utilizar as palavras da lei e/ou da jurisprudência distorcendo-as, ora empregando-as num sentido, ora noutro, para obter vantagem indevida. A vedação aqui expressa estende-se, por óbvio, ao sujeito passivo tributário.

Outra premissa básica a fixar é que, conforme disposição expressa da LC 116/2003, o critério material da hipótese de incidência do ISSQN corresponde à "prestação" de serviços, não à sua destinação ou fruição. O momento da concretização do fazer determinará o critério temporal do fato gerador tributário, decorrendo dele, por conseqüência, o aspecto espacial.

Os serviços, por sua vez, apresentam características próprias que indicam o local de sua prestação. Merece atenção especial o fato de que alguns podem ser executados pelo mesmo prestador, ora em seu estabelecimento, ora no estabelecimento do tomador, ora em outro lugar qualquer.

Classificando os serviços tributáveis a partir do local de sua possível prestação, identificamos três espécies, sendo: a) serviços cuja prestação necessariamente ocorrerá no estabelecimento prestador; b) serviços cuja prestação necessariamente ocorrerá fora do estabelecimento prestador; c) serviços que em tese podem ser prestados tanto no estabelecimento prestador quanto no estabelecimento ou domicílio do tomador do serviço ou mesmo em qualquer outro lugar, a escolha do prestador.

O imposto sobre os serviços incluídos no grupo a será, sem sombra de dúvida, devido ao município em que esteja localizado o estabelecimento prestador, posto que somente neles o fato gerador poderá concretizar-se.

Quanto aos serviços indicados no grupo b, entendemos que estes correspondem às regras específicas listadas pelo art. 3º da LC 116/2003 e o imposto deve ser recolhido para o município indicado pelo dispositivo legal, local onde ocorre a materialização da hipótese de incidência, que não se confunde com o município sede do tomador do serviço.

Em relação aos serviços contidos no grupo c, o imposto deve ser recolhido conforme a regra geral disposta na lei, qual seja, ao município que hospedar o estabelecimento prestador, local da ocorrência dos fatos tributáveis, por presunção legal, que servirá, nestes casos, para afastar o conflito de competências entre os entes tributantes, orientando igualmente o sujeito passivo tributário.

Em outras palavras, o fato gerador do ISSQN dar-se-á indubitavelmente e concretamente no estabelecimento prestador, para os serviços cuja prestação demanda a existência de base física imóvel, e presumidamente para aqueles que podem ser executados tanto no estabelecimento prestador quanto no estabelecimento ou domicílio do tomador do serviço ou ainda em um terceiro lugar qualquer, cujo controle foge ao alcance do poder público, assim como a ninguém transparece.

A lei complementar nacional, ao utilizar o instituto da presunção para definir o estabelecimento prestador como local da ocorrência do fato gerador tributário para os serviços cuja identificação dos aspectos espacial e temporal será sempre questionável e facilmente mascarada por meio da fraude fiscal, o fez dentro dos limites de seus poderes e de sua competência.

A conduta adotada por muitos municípios e pelos próprios sujeitos passivos, de conferir a exigência do imposto indiscriminadamente para o município sede do tomador do serviço não nos parece correta, especialmente porque implica em considerar ocorrido o fato tributário segundo a destinação ou fruição do serviço, o que desvirtua o critério material da hipótese de incidência - a prestação do serviço.

As regras legais definidoras do aspecto espacial do ISSQN estão em sintonia com os princípios constitucionais da territorialidade e da autonomia municipal, com a competência para planejar e organizar a cidade e com o uso do poder de polícia para disciplinar o exercício das atividades econômicas em seu território.

Para a correta aplicação da lei, o estabelecimento deve ser entendido como a unidade econômica ou profissional onde o prestador desenvolva sua atividade fim, de modo permanente ou temporário, observando-se que a existência do estabelecimento independe da sua formalização jurídica, de estar legalizado, em forma de sede, filial, sucursal, etc., e deve ser caracterizado segundo as manifestações do ânimo de permanecer estabelecido.

A solução do conflito exige, portanto, que tanto os municípios quanto os sujeitos passivos tributários orientem-se pela regra estabelecida pela Lei Complementar Federal 116/2003, estatuto legal que, cumprindo o papel atribuído pela Constituição Federal e sem extrapolar seus poderes, dirimiu conflitos de competência e fixou as normas gerais relativas ao fato gerador do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRASIL. Código Civil. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm.

BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei nº 5.172/1966. 31ª edição. São Paulo, Saraiva, 2002. 1034 p.

BRASIL. Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/LCP/Lcp116.htm.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 14ª ed.rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002. 544 p.

DECOMAIN, Pedro Roberto. Anotações ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva, 2000. 796 p.

FERRAGUT, Maria Rita. Presunções no Direito Tributário. 2ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2005. 318 p.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 28ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2007. 560 p.

CEZAROTI, Guilherme. O Fato Gerador e o Aspecto Espacial do ISS. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães, MARTINS, Ives Gandra da Silva (org.). ISS, LC 116/2003. Curitiba: Ed. Juruá, 2004, 670 p.

MARTINS, Ives Gandra da Silva, RODRIGUES, Marilene Talarico Martins. O ISS e o Local da Prestação do Serviço. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães, MARTINS, Ives Gandra da Silva (org.). ISS, LC 116/2003. Curitiba: Ed. Juruá, 2004, 670 p.

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Temas Atuais de Direito Tributário. São Paulo: Ed. Elevação Jurídica, 2001, 186 p.


Notas

  1. O jornal "Folha de São Paulo", já em 2002, dava o tom dos acontecimentos: "Interessadas em aumentar a arrecadação do ISS (Imposto Sobre Serviços), algumas cidades da grande São Paulo estimulam a criação de empresas dentro dos limites de seus territórios sem que elas desenvolvam qualquer atividade econômica no município. Isso ocorre porque as empresas recolhem o imposto no local onde, pelo menos oficialmente, estão instaladas. Como as alíquotas desses vizinhos da capital paulista são, muitas vezes, bem menores – 0,3% em Carapicuíba, por exemplo, contra 5% em São Paulo-, a transação interessa a empresários e prestadores de serviço. Para que a companhia não necessite transferir de fato a sua sede para fora da capital, a tática é a seguinte: para usufruir da alíquota menor, ela adota o endereço de um escritório, geralmente de contabilidade, como domicílio fiscal. Com isso, torna-se uma ‘empresa virtual’ e funciona em um ‘escritório virtual’. O resultado tem sido positivo para esses municípios (espécie de paraísos fiscais) e incomoda a Prefeitura de São Paulo, que promete pedir uma ação do Ministério Público contra essa prática. Em São Paulo, o ISS foi responsável por 50,98% da receita tributária da prefeitura em 2001" (Folha de São Paulo. Ed. 24/04/2002. Reportagem de Chico de Góis. Disponível em <http://www.gcontrol.com.br> Acesso setembro/2008).
  2. É o que mostrou a Revista Veja com a reportagem "Tem firma com sede até no cemitério" onde o destaque foi um jovem município do Estado de São Paulo que aprovou alíquota de 0,5% de ISS para prestadoras que para lá migrassem ainda que só no papel e, para atender a demanda, permitiu o uso de endereços notadamente falsos, como o ginásio de esportes municipal, o edifício-sede da prefeitura, um lago e até o cemitério. O prejuízo aos municípios chegava, na época, a 800 milhões de reais anuais, beneficiando principalmente profissionais liberais e grandes empresas. Segundo a reportagem, a guerra fiscal entre os municípios seria ainda mais interessante e segura se comparada com a guerra fiscal dos estados porque: "Quando o objeto do incentivo era o ICMS, a empresa precisava transferir de verdade fábricas e operações para o estado que oferecia a vantagem. No caso do ISS, a mudança ocorre, na maioria das vezes, apenas no papel. Arranja-se um endereço na cidade que dá desconto de ISS e transfere-se a sede para lá. Em geral, a alteração é só de fachada e não implica nenhum custo administrativo permanente, como aluguéis e funcionários. Não raro, a nova sede resume-se a uma caixa postal." (Revista Veja, Ed. nº 1938, de 11 de janeiro de 2006. Reportagem de Fábio Portela. Disponível em <http://www.fazenda.gov.br/resenhaeletronica/MostraMateria.asp?page=&cod=256565> Acesso setembro/2008)
  3. Código Tributário Nacional, art. 116, I.
  4. Alínea c incluída pela LC 100/1999.
  5. No mesmo sentido: AgRg EDcl no Ag 468.839/DF; AgRg no REsp 299.838/MG; e AgRg no Ag 336.041/MG.
  6. Ver decisão do AgRg no Ag 903224 / MG, Ministra Eliana Calmon, DJ 07.02.2008 p. 1.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LONGEN, Márcia Zilá. O ISSQN e o conflito entre municípios. Quem pode cobrar? A quem recolher?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2185, 25 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13046. Acesso em: 28 mar. 2024.