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Contribuição sindical e servidores públicos estatutários.

Análise da legislação e da jurisprudência

Contribuição sindical e servidores públicos estatutários. Análise da legislação e da jurisprudência

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O artigo analisa a possibilidade de cobrança compulsória da contribuição sindical, prevista nos arts. 578 e seguintes da CLT, de servidores públicos estatutários.

Introdução

O presente artigo tem por objetivo analisar a possibilidade de cobrança compulsória da contribuição sindical, prevista nos arts. 578 e seguintes da CLT, de servidores públicos estatutários. Para tanto, (a) abordaremos o modo como a questão está sendo tratada pelo Poder Judiciário, com especial foco na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal; (b) analisaremos os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais relacionados à questão; (c) teceremos breves críticas à Instrução Normativa nº 1 do Ministério do Trabalho e Emprego, de 30 de setembro de 2008.


I – Contribuição Sindical e a jurisprudência do STJ e do STF

Em relação à cobrança da contribuição sindical de servidores públicos, o leading case do Supremo Tribunal Federal apontado por parte da doutrina e da jurisprudência sobre a constitucionalidade da aplicação dos arts. 578 e seguintes da CLT aos servidores públicos estatutários é o RMS 21.758/DF, 1ª Turma, Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 4/11/1994, que recebeu a seguinte ementa:

Sindicato de servidores públicos: direito à contribuição sindical compulsória (CLT, art. 578 ss.), recebida pela Constituição (art. 8., IV, in fine), condicionado, porém, à satisfação do requisito da unicidade.

1. A Constituição de 1988, a vista do art. 8º, IV, in fine, recebeu o instituto da contribuição sindical compulsória, exigível, nos termos dos arts. 578 ss. CLT, de todos os integrantes da categoria, independentemente de sua filiação ao sindicato (cf. ADIn 1.076, med.cautelar, Pertence, 15.6.94).

2. Facultada a formação de sindicatos de servidores públicos (CF, art. 37, VI), não cabe excluí-los do regime da contribuição legal compulsória exigível dos membros da categoria (ADIn 962, 11.11.93, Galvão).

3. A admissibilidade da contribuição sindical imposta por lei e inseparável, no entanto, do sistema de unicidade (CF, art. 8., II), do qual resultou, de sua vez, o imperativo de um organismo central de registro das entidades sindicais, que, à falta de outra solução legal, continua sendo o Ministério do Trabalho (MI 144, 3.8.92, Pertence).

4. Dada a controvérsia de fato sobre a existência, na mesma base territorial, de outras entidades sindicais da categoria que o impetrante congrega, não há como reconhecer-lhe, em mandado de segurança, o direito a exigir o desconto em seu favor da contribuição compulsória pretendida.

A outra parte da doutrina e da jurisprudência refere-se à ADI 962/PI, Tribunal Pleno, Min. Ilmar Galvão, DJ de 11/2/1994, possivelmente induzida pela ementa acima transcrita – exemplo clássico do moderno "hermentismo" [01]. Com efeito, referida ação direta de inconstitucionalidade – em verdade, MC na ADI 962/PI, com posterior perda de objeto –, mencionada na ementa do RMS 21.758/DF, não tratou da questão. Eis o precedente:

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA LIMINAR. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. DESCONTO EM FOLHA. SERVIDOR PÚBLICO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CANCELAMENTO. PORTARIA. A portaria, conquanto seja ato de natureza administrativa, pode ser objeto de ação direta se, como no caso, vem a estabelecer prescrição em caráter genérico e abstrato. O cancelamento do desconto, em folha, da contribuição sindical de servidor público do Poder Judiciário, salvo se expressamente autorizado, encerra orientação que, prima facie, se revela incompatível com o princípio da liberdade de associação sindical, que garante aos sindicatos o desconto automático daquela parcela, tão logo haja a filiação e sua comunicação ao órgão responsável pelo pagamento dos vencimentos. A repercussão econômica desse cancelamento autoriza, por outro lado, concluir pela conveniência da suspensão cautelar do dispositivo. Medida liminar deferida, em parte, para que a portaria não produza efeitos em relação as deduções a título de contribuição sindical daqueles servidores.

Extrai-se do voto condutor do acórdão proferido no julgamento dessa medida cautelar o seguinte:

A disposição constitucional, alegadamente violada, é a que define a liberdade de associação sindical que, em se tratando da classe dos servidores públicos, está concretizada no art. 37, VI, da Constituição Federal.

O caput do art. 8º, referido na inicial, trata de matéria semelhante, abrangendo ainda a liberdade de associação profissional, relativamente aos trabalhadores urbanos e rurais, sendo que no seu inciso IV se encontra dito que "a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei".

Embora não se estabeleça expressamente, em favor das entidades sindicais que representam os interesses dos servidores públicos, regra autorizadora da fixação, em assembléia geral, da contribuição respectiva e da sua cobrança, mediante desconto em folha, o tratamento não pode discrepar, em atenção ao próprio princípio da liberdade de associação, daquele conferido aos órgãos representativos dos trabalhadores que, na técnica constitucional, estão vinculados ao setor privado.

Não é por outra razão que o legislador federal, ao assegurar, nos termos da Constituição Federal, a liberdade de associação sindical dos servidores públicos, previu, como corolário, o desconto em folha, sem ônus para a entidade sindical a que forem filiados, do valor das mensalidades e contribuições definidas em assembléia geral da categoria, como se apura do contido no art. 240 da Lei nº 8.112/90, cuja constitucionalidade se presume ante a inexistência de seu questionamento.

(...)

Com efeito, em se tratando de sociedades civis, em sentido estrito, a Constituição Federal não estabelece qualquer regra que permita o desconto automático de contribuições, o que implica concluir que somente poderá ser promovido mediante autorização do interessado (...).

O contrário, porém, ocorre no tocante às entidades sindicais que, nos termos da Constituição Federal, podem instituir, através de assembléia geral, contribuição a ser cobrada dos respectivos associados mediante desconto automático na folha de pagamento.

Assim, o ato de associar-se ao sindicato gera o efeito necessário e suficiente para que a contribuição instituída possa ser cobrada naquelas condições, tão logo efetuadas as devidas comunicações.

Ora, o Tribunal de Justiça, ao determinar, através da norma impugnada, o cancelamento dos descontos a entidades civis, alcançando, com isso, as contribuições sindicais, na forma indicada, violou o sentido da norma constitucional, exigindo nova manifestação, como que a invalidar a anteriormente deduzida quando da filiação do servidor ao sindicato. (sem grifos no original)

Percebe-se, portanto, que sequer foi mencionada a Consolidação das Leis do Trabalho na ADI 962/PI, quanto mais seus arts. 578 e seguintes. Referiu-se, em verdade, apenas à contribuição confederativa, instituída em assembléia geral e passível de ser cobrada apenas dos servidores/empregados sindicalizados.

Por sua vez, o Min. Sepúlveda Pertence, em seu voto no RMS 21.758/DF, dedicou ao assunto apenas os dois parágrafos abaixo transcritos:

(...)

De minha parte, não tenho dúvida, à vista do art. 8º, IV, in fine, da recepção sob ordem constitucional vigente, do instituto da contribuição sindical compulsória, exigível, nos termos dos arts. 578 e ss. CLT, de todos os integrantes da categoria, independentemente de sua filiação ao sindicato (CF/88. ADIn 1076, med. Cautelar, Pertence, 15.6.94)

Por outro lado, uma vez facultada a formação de sindicatos de servidores públicos (CF, art. 37, VI), não vislumbro suporte jurídico à pretendida exclusão deles do regime da contribuição legal compulsória: nesse sentido, aliás, é o único pronunciamento do Tribunal, ainda que em sede de delibação cautelar (ADIn 962, Galvão, 11.11.93).

(...)

A clareza do equívoco dispensa maior atenção de nossa parte.

Dez anos depois, iniciou-se a citação de precedentes no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, inclusive porque não é de se descartar, em um Tribunal que julga mais de quinze mil processos por mês com apenas trinta e três membros, uma ementa do STF que se reporta ao julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade – a informação de que era medida cautelar nem consta da ementa.

O primeiro acórdão do STJ adotando o entendimento do STF no RMS 21.758/STF – os anteriores afastavam a aplicação da CLT aos servidores estatutários –, foi proferido no julgamento do RMS 18.299/SP, 2ª Turma, Min. Eliana Calmon, DJ de 28/2/2005, assim ementado:

ADMINISTRATIVO - RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA - DECADÊNCIA - INOCORRÊNCIA - CONTRIBUIÇÃO SINDICAL – DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO DEMONSTRADO – AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA.

1. Retificação do conteúdo do voto, para correção de erro material.

2. Não se configura a decadência se o writ foi impetrado antes de escoado o prazo de cento e vinte dias contados da efetiva lesão de direito líquido e certo do impetrante.

3. A lei específica que disciplina a contribuição sindical compulsória ("imposto sindical") é a CLT, nos arts. 578 e seguintes, a qual é aplicável a todos os trabalhadores de determinada categoria, inclusive aos servidores públicos, observada a unicidade sindical e a desnecessidade de filiação, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que considerou recepcionada a exação pela atual Constituição Federal.

4. Segurança denegada, à míngua de prova pré-constituída de que o Sindicato impetrante (Sindicato dos Oficiais de Justiça do Estado de São Paulo) detém a qualidade de representante dos oficiais de justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cuja representatividade já fora reconhecida a outra entidade sindical que, a princípio, engloba toda a categoria dos servidores do Poder Judiciário de São Paulo (Sindicato União dos Servidores e Funcionários do Poder Judiciário Estadual no Estado de São Paulo), não tendo sido demonstrada a viabilidade de seu desmembramento.

5. Recurso ordinário improvido. (sem grifos no original)

No seu voto, a relatora consignou o seguinte:

No mérito, a contribuição sindical, denominada "imposto sindical", tem previsão no art. 578 e seguintes da CLT, sendo relevante a transcrição de alguns desses dispositivos:

(...)

Tal contribuição independe do direito à livre associação sindical, previsto constitucionalmente, vez que não se confunde com a contribuição sindical associativa, que somente é devida pelos trabalhadores, celetistas e servidores públicos, se filiados ao sindicato da categoria respectiva (contribuição assistencial).

Observe-se, também, que o Supremo Tribunal Federal já se posicionou quanto à constitucionalidade da cobrança compulsória do "imposto sindical" devido pelos servidores públicos, justamente com base no art. 578 e seguintes da CLT, vez que recepcionada pela atual Constituição da República, entendendo aquela Corte, não obstante, estar o mencionado "imposto" ligado ao sistema da unicidade sindical, previsto no art. 8, II, da CF/88. Veja-se o precedente de relevante interesse para a compreensão da controvérsia:

Sindicato de servidores públicos: direito a contribuição sindical compulsória (CLT, art. 578 ss.), recebida pela Constituição (art. 8., IV, in fine), condicionado, porem, a satisfação do requisito da unicidade.

1. A Constituição de 1988, a vista do art. 8., IV, in fine, recebeu o instituto da contribuição sindical compulsória, exigível, nos termos dos arts. 578 ss. CLT, de todos os integrantes da categoria, independentemente de sua filiação ao sindicato (cf. ADIn 1.076, med.cautelar, Pertence, 15.6.94).

2. Facultada a formação de sindicatos de servidores públicos (CF, art. 37, VI), não cabe excluí-los do regime da contribuição legal compulsória exigível dos membros da categoria (ADIn 962, 11.11.93, Galvão).

3. A admissibilidade da contribuição sindical imposta por lei e inseparável, no entanto, do sistema de unicidade (CF, art. 8., II), do qual resultou, de sua vez, o imperativo de um organismo central de registro das entidades sindicais, que, a falta de outra solução legal, continua sendo o Ministério do Trabalho (MI 144, 3.8.92, Pertence).

4. Dada a controvérsia de fato sobre a existência, na mesma base territorial, de outras entidades sindicais da categoria que o impetrante congrega, não há como reconhecer-lhe, em mandado de segurança, o direito a exigir o desconto em seu favor da contribuição compulsória pretendida. (STF, RMS 21.758/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ de 04/11/94, pág. 29.831)

Entendo, seguindo a linha do STF, que, ante a previsão legal e, uma vez demonstrada a unicidade do sindicato em relação à categoria dos servidores públicos municipais, cabe à Administração Pública o recolhimento compulsório do imposto sindical relativo a estes, a pedido de qualquer das entidades incluídas no rol dos beneficiários da importância da arrecadação, como previsto no art. 589 da CLT.

Após esse julgamento, no REsp 612.842/RS (2ª Turma, DJ de 11/4/2005), a relatora acrescentou o seguinte a sua fundamentação:

(...)

Pois bem, a principal argumentação do recorrente é que as disposições do art. 578 e seguintes da CLT são inaplicáveis aos servidores públicos municipais, porque regidos por lei municipal própria e que o art. 37 da CF/88, que rege o direito à livre associação sindical não foi regulamentado, não podendo a Administração Pública efetuar cobrança de contribuição sindical não prevista em lei específica.

Tais questionamentos são improsperáveis porque a lei específica quanto à contribuição sindical compulsória, com característica tributária, é a própria Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, que traz todos os contornos da exação, inclusive fato gerador, formas de recolhimento e sujeitos ativo e passivo.

(...)

O terceiro precedente foi o REsp 728.973/PA, 1ª Turma, Min. Francisco Falcão, DJ de 10/4/2006, para o qual serviu de fundamentação o acórdão proferido no REsp 612.842/RS, transcrito após a seguinte afirmação do relator:

(...)

Nesse contexto, observo que, em recente julgamento, a Egrégia Segunda Turma desta Corte, conduzida pela Eminente Ministra ELIANA CALMON, firmou posicionamento no mesmo sentido do Acórdão recorrido. Com efeito, louvando-se em entendimento do Colendo Supremo Tribunal Federal, acentuou a Ilustre Ministra no julgamento do Recurso Especial nº 612.842/RS:

(...)

Posteriormente, a 2ª Turma do STJ, no julgamento do REsp 442.509/RS (Min. João Otávio de Noronha, DJ de 14/8/2006) proferiu acórdão assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. COBRANÇA DEVIDA. PRECEDENTES

(...)

2. O Superior Tribunal de Justiça, em consonância com a jurisprudência firmada no Supremo Tribunal Federal, consolidou o entendimento de que a contribuição sindical, prevista nos arts. 578 e seguintes da CLT, é devida por todos os trabalhadores de determinada categoria, inclusive pelos servidores públicos. Precedentes.

No voto condutor do aresto, o relator consignou o seguinte:

Com efeito, esta Corte Superior de Justiça, em consonância com a jurisprudência firmada no Supremo Tribunal Federal, consolidou o entendimento de que a contribuição sindical, prevista nos arts. 578 e seguintes da CLT, é devida por todos os trabalhadores de determinada categoria, inclusive pelos servidores públicos.

Nesse diapasão, confiram-se os seguintes precedentes:

(...)(REsp n. 612.842/RS, relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 11.4.2005.)

(...)(REsp n. 622.798/RS, relator Ministro Francisco Falcão, DJ de 25.4.2005.)

O segundo precedente citado no voto do Min. João Otávio de Noronha, registre-se, não tratou da contribuição sindical de servidores públicos.

Nos mesmos moldes acima expostos, sem enfrentar efetiva e aprofundadamente a questão, apenas reiterando julgados anteriores, podem ser encontrados: REsp 854.616/RS; RMS 24.796/MG; AgRg no REsp 1.032.721/MG; RMS 26.254/MG; AgRg no REsp 1.066.504/RS; RMS 24.917/MS.

Portanto, a discussão jurídica propriamente dita acerca do tema ainda não está encerrada.


II – Análise da questão

A contribuição sindical, apesar de regida pela Consolidação das Leis do Trabalho, tem natureza tributária – assunto já debatido à exaustão e atualmente pacificado –, devendo, por isso, sujeitar-se às normas previstas no Código Tributário Nacional e na Constituição Federal.

Sua base constitucional está no art. 8º, IV, parte final, da CF/88:

Art. 8º (...)IV - a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei;

Ressalte-se que, ao contrário do que sustentam alguns doutrinadores, a contribuição sindical não foi abrangida pelo art. 149 da CF/88, pois a contribuição ali prevista, como de "interesse das categorias profissionais ou econômicas", está relacionada à atuação do Estado. Eis o teor do dispositivo:

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

A atuação sindical, a toda evidência, encontra-se atualmente desvinculada do Estado, sendo-lhe, inclusive, vedado intervir ou interferir na organização sindical (art. 8º, I, da CF/88). A contribuição a que se refere o art. 149 é a destinada a manter os denominados órgãos de classe – autarquias encarregadas de regular e fiscalizar as atividades exercidas pelos profissionais de sua área (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura - CREA; Conselho Regional de Medicina - CRM; Conselho Regional de Odontologia - CRO; Ordem de Advogados do Brasil - OAB) –, bem como os serviços sociais autônomos, instituídos após prévia autorização legal em favor de determinadas categorias econômicas (Serviço de Apoio às Micro e às Pequenas Empresas - SEBRAE; Serviço Social do Comércio - SESC; Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial - SENAC; Serviço Social da Indústria - SESI; etc.).

Feita essa advertência, teceremos algumas considerações importantes sobre artigos relacionados com o tema. São eles:

CF/88 – art. 37 (...) VI - é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical;

(...)

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

(...)

CLT - Art. 7º Os preceitos constantes da presente Consolidação salvo quando fôr em cada caso, expressamente determinado em contrário, não se aplicam:

(...)

c) aos funcionários públicos da União, dos Estados e dos Municípios e aos respectivos extranumerários em serviço nas próprias repartições;

d) aos servidores de autarquias paraestatais, desde que sujeitos a regime próprio de proteção ao trabalho que lhes assegure situação análoga à dos funcionários públicos.

(...)

Art. 580. A contribuição sindical será recolhida, de uma só vez, anualmente, e consistirá:

I - Na importância correspondente à remuneração de um dia de trabalho, para os empregados, qualquer que seja a forma da referida remuneração;

(...)

§ 4º Os agentes ou trabalhadores autônomos e os profissionais liberais, organizados em firma ou empresa, com capital social registrado, recolherão a contribuição sindical de acordo com a tabela progressiva a que se refere o item III.

(...)

Art. 582. Os empregadores são obrigados a descontar, da folha de pagamento de seus empregados relativa ao mês de março de cada ano, a contribuição sindical por estes devida aos respectivos sindicatos.

§ 1º Considera-se um dia de trabalho, para efeito de determinação da importância a que alude o item I do Art. 580, o equivalente:

a) a uma jornada normal de trabalho, se o pagamento ao empregado for feito por unidade de tempo;

b) a 1/30 (um trinta avos) da quantia percebida no mês anterior, se a remuneração for paga por tarefa, empreitada ou comissão.

§ 2º Quando o salário for pago em utilidades, ou nos casos em que o empregado receba, habitualmente, gorjetas, a contribuição sindical corresponderá a 1/30 (um trinta avos) da importância que tiver servido de base, no mês de janeiro, para a contribuição do empregado à Previdência Social.

Art. 583 - O recolhimento da contribuição sindical referente aos empregados e trabalhadores avulsos será efetuado no mês de abril de cada ano, e o relativo aos agentes ou trabalhadores autônomos e profissionais liberais realizar-se-á no mês de fevereiro.

(...)

CTN – Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

(...)

III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;

(...)

Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:

I - a analogia;

(...)

§ 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.

(...)

O terceiro artigo mencionado (art. 7º da CLT) é taxativo ao condicionar à expressa determinação legal a aplicação dos dispositivos previstos na CLT aos servidores públicos estatuários dos entes da Federação e suas autarquias. Esse artigo, por si só, já seria suficiente para obstar o desconto da contribuição sindical da maioria dos servidores públicos estatutários do país.

Além disso, conforme bem observado pela Ministra Eliana Calmon no REsp 612.842/RS, "a lei específica quanto à contribuição sindical compulsória, com característica tributária, é a própria Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, que traz todos os contornos da exação, inclusive fato gerador, formas de recolhimento e sujeitos ativo e passivo". Apesar de não haver divergência quanto à primeira premissa, nossa segunda premissa e a conclusão são diferentes.

Com efeito, a CLT definiu todos os contornos da contribuição sindical. E estabeleceu como seus sujeitos passivos os empregados, profissionais liberais, trabalhadores avulsos e autônomos. Não há menção a servidores públicos [02]. O silogismo é simples: empregados, profissionais liberais, trabalhadores avulsos e autônomos são sujeitos passivos da contribuição sindical; servidores públicos não se enquadram em nenhuma das quatro categorias; logo, servidores públicos não são sujeitos passivos da contribuição sindical!

A mera previsão do direito à livre associação sindical para os servidores públicos pela CF/88 (art. 37, V) não tem o condão de autorizar a cobrança de tributo sem que a lei o determine – princípio da legalidade tributária (art. 150, I, da CF/88). Tampouco é possível estender o conceito de empregado, cujos contornos técnicos há muito tempo estão estabelecidos, para abranger também servidores públicos, visando à inclusão destes como sujeitos passivos de uma obrigação tributária. Com efeito, da utilização da analogia não pode resultar a exigência de tributo (art. 108, § 1º, do CTN).

A inexistência de divergência doutrinária acerca da distinção entre empregados e servidores públicos dispensaria qualquer explicação de nossa parte, mas vamos a ela – deixaremos de lado, apenas, a diferenciação entre servidor público e profissional liberal, trabalhador avulso e autônomo, pois é auto-explicativa.

De acordo com a CLT, empregado é "toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário" (art. 3º). Empregador, por sua vez, não se confunde com pessoa jurídica de direito público, pois, de acordo com a CLT, é "a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço" (art. 2º) ou, ainda, "os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados" (art. 2º, § 1º - empregador por equiparação).

Servidor público é espécie do gênero agente público, e refere-se aos indivíduos titulares de cargos públicos – não empregos públicos –, que guardam relação especial com a Administração, de natureza institucional, gozando, inclusive, de estabilidade após três anos de efetivo exercício. Esses servidores são regidos por estatuto próprio e, conforme já visto, não se lhes aplicam os dispositivos da CLT, salvo expressa determinação legal em sentido contrário.

Amparam nosso entendimento, em alguns pontos, o renomado tributarista Leandro Paulsen e o igualmente célebre trabalhista Sérgio Pinto Martins:

Tendo em conta que o fundamento legal da contribuição sindical são os arts. 578 e 580 da CLT, só pode ser exigida de servidores celetistas, (...) salvo dispositivo de lei específico que a institua. (PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 10ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2008, p. 153).

O STF entendeu que a contribuição sindical pode ser cobrada dos servidores públicos, pois foi recebido pela Constituição o art. 578 da CLT (Ac. STF, Recurso em Mandado de Segurança 21.758-1, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 4-11-94, p. 29.831). Entretanto, o art. 578 da CLT trata apenas de funcionários privados e não públicos. O inciso IV do art. 8º da Constituição também diz respeito, apenas, aos funcionários do setor privado e não público, pois o § 3º do art. 39 da Lei Maior não faz remissão ao art. 8º da Constituição. Haveria necessidade, portanto, de lei própria. Sem lei, não poderia ser exigida a contribuição sindical de funcionário público, salvo dos empregados públicos, que são regidos pela CLT. (MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 19ª Ed. São Paulo: ATLAS, 2003, p. 746)


III – A Instrução Normativa nº 1 do Ministério do Trabalho e Emprego, de 30 de setembro de 2008

Registre-se, outrossim, que o Ministério do Trabalho e Emprego recentemente editou a Instrução Normativa nº 1, de 30 de setembro de 2008, nos seguintes termos:

CONSIDERANDO a necessidade de uniformizar o procedimento de recolhimento da contribuição sindical, prevista nos artigos 578 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, pela administração pública federal, estadual e municipal;

CONSIDERANDO que a exclusão dos servidores estatutários do recolhimento da contribuição sindical viola o princípio da isonomia tributária, previsto no art. 150, II da Constituição Federal de 1988;

CONSIDERANDO que os acórdãos proferidos nos RMS 217.851 (sic), RE 146.733 e RE 180.745 do Supremo Tribunal Federal determinam que "facultada a formação de sindicatos de servidores públicos (CF, art. 37, VI), não cabe excluí-los do regime da contribuição legal compulsória exigível dos membros da categoria";

CONSIDERANDO que o Superior Tribunal de Justiça, no mesmo sentido do Supremo Tribunal Federal, vem dispondo que "A lei que disciplina a contribuição sindical compulsória (´´´´imposto sindical´´´´) é a CLT, nos arts. 578 e seguintes, a qual é aplicável a todos os trabalhadores de determinada categoria, inclusive aos servidores públicos", conforme os acórdãos dos Resp 612.842 e Resp 442.509;

e

CONSIDERANDO que os Tribunais Regionais Federais também vêm aplicando as normas dos art. 578 e seguintes da CLT aos servidores e empregados públicos, resolve:

Art. 1º Os órgãos da administração pública federal, estadual e municipal, direta e indireta, deverão recolher a contribuição sindical prevista no art. 578, da CLT, de todos os servidores e empregados públicos, observado o disposto nos artigos 580 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho.

Art. 2º Esta Instrução Normativa entra em vigor na data de sua publicação.

Observe-se, primeiramente, que os Recursos Extraordinários 146.733 e 180.745 não trataram da contribuição sindical de servidores públicos. Com efeito, o primeiro referiu-se à contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas, e não há menção ao tributo disciplinado pela CLT em qualquer dos votos. Já o segundo limitou-se a debater a recepção, pela Constituição Federal de 1988, da contribuição sindical de não filiados ao sindicato, sem mencionar a situação dos servidores públicos estatutários.

Quanto ao RMS 21.785 e à jurisprudência do STJ, remetemos o leitor para a primeira parte deste artigo.

Em relação à apontada violação à isonomia pela exclusão dos servidores estatutários do recolhimento da contribuição sindical, deve-se ressaltar que a igualdade de tratamento pressupõe a igualdade entre empregados e servidores. Conforme já demonstrado, são categorias que não se confundem. Ademais, após magistral análise jurídica, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 492 (Min. Carlos Velloso, DJ de 12/3/1993), reconheceu que a Constituição Federal não assegurou aos servidores públicos o direito à negociação coletiva e ao ajuizamento de dissídios coletivos, devendo seus direitos e garantias ser fixados obrigatoriamente por lei (em relação aos vencimentos, ver Súmula 679/STF). Essas são diferenças importantes que justificariam o tratamento diferenciado dado aos servidores estatutários - embora nossa tese central, aqui, seja apenas a de que é necessária expressa determinação legal para a cobrança da contribuição sindical de servidores públicos. Nos termos do voto do relator na referida ação direta, citando o parecer da representante do Ministério Público:

[...] [há] muitas e inconciliáveis diferenças entre o regime estatutário e o contratual de Direito Privado, mas especificamente o de Direito do Trabalho. Neste, apesar da franca intervenção do Estado na regulação das relações de trabalho (...), existe amplo espaço para a autonomia da vontade, nascendo os direitos e obrigações não da lei, mas do contrato.

Enquanto as relações de Direito Público caracterizam-se pela desigualdade jurídica das partes (Estado e administrado), nas de Direito Privado impõem-se a igualdade jurídica, a despeito de ser comum a desigualdade econômica – caso das relações privadas de trabalho – a forçar a intervenção do Estado, mas sem desnaturar a origem contratual das obrigações.

É certo, assim, que as relações do servidor público com o Estado são diferentes daquelas que se estabelecem entre empregado e patrão. Por isso, não é viável dar-lhes tratamento igual e nem a Constituição o fez.

Tanto isso é verdade que, quando quis conferir ao servidor público alguns dos direitos atribuídos aos trabalhadores em geral, a Carta mandou aplicar-lhes os preceitos correspondentes (...). Se ambas as categorias tivessem o mesmo status, os servidores públicos só por isso gozariam dos mesmos direitos daqueles trabalhadores, não havendo razão para a Carta Maior aplicar-lhes as normas que os prevêem.

Por fim, a mera "necessidade de uniformizar o procedimento de recolhimento da contribuição sindical (...) pela administração pública federal, estadual e municipal" e a existência de alguns precedentes judiciais sem efeitos vinculantes e erga omnes não legitimam a cobrança compulsória do tributo "de todos os servidores e empregados públicos" do país com base em uma instrução normativa, o que viola, pelas razões já expostas, o princípio da estrita legalidade tributária (art. 150, I, da CF/88). Com efeito, apenas a lei pode definir o sujeito passivo dos tributos (art. 97, III, do CTN).

Ademais, não há falar que os arts. 583, § 1º, e 589 da CLT amparam o ato normativo em questão, pois tratam, respectivamente, do recolhimento da contribuição por meio de "sistema de guias, de acordo com as instruções expedidas pelo Ministro do Trabalho", e dos créditos a serem realizados pela Caixa Econômica Federal após a arrecadação do tributo.


Conclusão

A questão da incidência da contribuição sindical sobre os salários dos servidores públicos estatutários ainda não foi objeto de análise aprofundada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, apesar de haver um considerável número de precedentes sobre o tema.

De nossa parte, não vislumbramos a possibilidade de estender a aplicação dos arts. 578 e seguintes da CLT aos servidores públicos estatutários, porquanto (a) o art. 7º da CLT é taxativo ao condicionar à expressa determinação legal a aplicação dos dispositivos previstos na CLT aos servidores públicos estatuários dos entes da Federação e suas autarquias; (b) os servidores públicos não estão previstos como sujeitos passivos da contribuição sindical, sendo vedada a utilização da analogia para a exigência de tributo (art. 108, § 1º, do CTN); (c) da mera previsão do direito à livre associação sindical para os servidores públicos pela CF/88 (art. 37, V) não decorre a autorização para a cobrança de tributo sem que a lei o determine (art. 150, I, da CF/88 e art. 97, III, do CTN); (d) a Instrução Normativa nº 1/2008 do MTE não tem amparo legal nem constitucional e há flagrantes equívocos em suas premissas.


Notas

  1. "Hermentismo", termo inexistente no dicionário, inclusive no jurídico, é empregado ironicamente por Douglas Fischer, Procurador Regional da República na 4ª Região, para quem significa "a hermenêutica das ementas", "nova forma de interpretação jurídica" (FISCHER, Douglas. O STF e o crime de apropriação indébita de INSS. In: Revista Jus Vigilantibus, 11/1/2009. Disponível em: < http://jusvi.com/artigos/37894>. Acesso em 5 de junho de 2009).
  2. Nem teria como ser diferente, pois à época da elaboração da CLT não havia direito à associação sindical para os servidores públicos.

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CARVALHO, Daniel Pinheiro de. Contribuição sindical e servidores públicos estatutários. Análise da legislação e da jurisprudência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2196, 6 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13103. Acesso em: 29 mar. 2024.