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Pequenas observações sobre certos aspectos dos direitos fundamentais do contribuinte

Pequenas observações sobre certos aspectos dos direitos fundamentais do contribuinte

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RESUMO

O artigo aborda resumidamente a existência e a extensão dos direitos fundamentais do contribuinte ao silêncio, à inviolabilidade de seu domicílio, e do escritório de seu advogado. Discute-se, assim, se a fiscalização tributária, quando de sua atividade externa, precisa forçosamente valer-se de autorização judicial prévia, à semelhança do que se dá com as diligências policiais; se, acompanhada ou não da polícia de segurança pública, ou judiciária, pode invadir seu domicílio, ou o do advogado constituído pelo contribuinte para a defesa dos seus direitos e interesses; se o contribuinte pode ser legitimamente multado ao recusar-se a colaborar com a fiscalização tributária; se os contribuintes pessoas jurídicas têm os mesmos direitos fundamentais tributários que os contribuintes pessoas físicas; se é lícito instaurar-se procedimento administrativo tributário contra o sujeito passivo, embora inexistente qualquer indício de irregularidade; e quando é possível realizar-se diligência de busca e apreensão de equipamentos, documentos e outros elementos probatórios em escritórios de advocacia. Para tanto, usa-se comentários da doutrina, da jurisprudência dos Tribunais Superiores, considera-se a legislação primária e secundária em vigor, e a INTERNET, quanto à repercussão que o advento da Lei no. 11.767/2008 está a provocar entre os profissionais do Direito.

SUMMARY

The article briefly approaches the existence and the extension of the basic rights of the taxpayer to silence, the inviolability of his domicile, and of his lawyers’office. It is argued, thus, if the fiscalization tax, when its external activity, it forcibly needs to use itself previous judicial authorization, as similarly as security police agents when of criminal proceedings; if, followed or not of the security police agents, it can invade its domicile, or of the lawyer’s office taxpayer; if the contributor can legitimately be fined when opposing to collaborate it with the tax fiscalization; if the contributing legal people have the same fiscal basic rights that the contributing physical people; if it is constitutionaly legitimate to restore administrative procedure against taxpayer, even when inexistent any indication of irregularity; and when it is possible to become fullfilled diligence of search and apprehension of equipment, documents and other evidences in law offices. For in such a way, it is used doctrinary commentaries, Superior Courts jurisprudence, and it is considered primary and secondary legislation, as well as INTERNET, how much to the controversies that the advent of the Law in. 11.767/2008 is to provoke among the Law professionals.

PALAVRAS – CHAVE

CONTRIBUINTE.. INVIOLABILIDADE. DOMICÍLIO. SIGILO PROFISSIONAL. ADVOGADO. BUSCA. APREENSÃO.

KEYWORDS

TAXPAYER. INVIOLABILITY. DOMICILE. PROFESSIONAL SECRECY. LAWYER. SEACH. APPREHENSION.


I - A FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA TEM SUA ATIVIDADE EXTERNA CONDICIONADA A PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, À SEMELHANÇA DO QUE SE DÁ COM A POLÍCIA JUDICIÁRIA?

A polícia de segurança pública não pode invadir a casa do indivíduo sem que esteja a ocorrer flagrante, desastre, ou para prestar socorro; de dia, somente poderá invadir a casa com prévia ordem judicial; à noite, nem assim. (art. 5º., XI da CF/88)

A polícia, quando atua em cumprimento a uma ordem judicial, por razões de inquérito ou ação criminal, é judiciária – significa isso que, embora exercendo atividade administrativa, e, quando em investigações em inquérito criminal, de modo inquisitorial, somente pode agir depois de controlada pela autoridade judicial competente – esta a radical inovação da Constituição Federal de 1988 em relação à nossa tradição constitucional positiva e ao CPP de 1940, os quais tinham como autoridade competente para expedir a ordem de invasão aquela que presidia o inquérito criminal, ou seja, o Delegado de Polícia.

Chamo aqui a atenção para este fato: a polícia, quando no exercício de suas funções e atribuições em inquérito ou ação penal, não estará dotada da prerrogativa da auto – executoriedade dos atos estatais, exatamente em razão da necessidade do prévio controle judicial.

Trata-se, como facilmente se percebe, de uma exceção a princípio geral de direito público, e que existe como tal por se ter o Estado como entidade central do sistema jurídico, o ponto de convergência das limitações às liberdades públicas, em prol do interesse público, esta a concepção clássica do Estado de Polícia.

Em matéria de polícia da segurança pública, desta forma, o Estado é, por princípio, suspeito.

As razões para essa suspeição são históricas – torturas, desrespeitos os mais variados aos direitos humanos, corrupção do aparato de segurança, coisas que ainda se encontram na pauta das organizações de defesa dos direitos humanos nos dias de hoje, embora o regime Democrático de Direito anunciado pela Constituição Federal de 1988 – o que mostra que a construção das liberdades democráticas é um projeto diário e infindável, talvez uma utopia, mas que deve ser buscada e efetivada.

Em sede de fiscalização tributária (1), no entanto, o quadro histórico não é exatamente aquele da área da polícia de segurança pública, embora o sistema de administração tributária, desde sempre, conte também com suas doses generosas de violência, explícita ou simbólica (2), contra o contribuinte. (3)

Em relação à autoridade administrativa de fiscalização tributária não há que se partir da presunção de que o Estado, enquanto Administração Tributária, é suspeito e, por esse motivo, deve também ser sujeito de um prévio controle judicial – vale, aqui, o princípio geral de direito administrativo que reconhece ao Estado, quando no exercício de seu poder geral de polícia – no caso, política tributária -, a prerrogativa de auto-executar seus atos – no caso, de fiscalização tributária.

É a própria Constituição Federal de 1988, em seu art. 145 que confere ao Estado a competência tributária.

Ora, toda competência é instituída para o atingimento de uma finalidade, e daí porque quem tem a competência tem, também, os meios para atingir aquela finalidade, dentre os quais insere-se o poder – dever de fiscalizar o correto adimplemento das suas obrigações tributárias pelos contribuintes. (4)

Não há que se condicionar o exercício do poder de fiscalização tributária, assim, a um prévio controle judicial.


II - OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO CONTRIBUINTE PESSOA FÍSICA DEVEM SER RESPEITADOS PELA FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA

Todavia, e como decorrência do caráter Democrático do Estado de Direito que a República Federativa do Brasil estabeleceu ser princípio fundamental seu, os direitos e garantias individuais, ora compreendidos como os direitos humanos, ora como liberdades públicas (5), deverão ser respeitados pelo Estado e pelos órgãos e entidades da Administração Pública, em todos os seus atos, durante toda a sua atuação, pouco importando que os atos praticados sejam materiais, que tenham como local um procedimento administrativo ou um processo judicial. (6)

Esta a razão pela qual a fiscalização tributária não poderá invadir a casa do contribuinte, embora a atividade de fiscalização tenha sido legitimamente autorizada pelo superior hierárquico do auditor fiscal, e não pelo juiz.

Para essa invasão, da casa do indivíduo, haverá que se valer de ordem judicial prévia. (7)

Mas o que se deverá entender por "invasão" e por "casa" ?

A doutrina é tranqüila ao caracterizar a invasão como a entrada na casa, sem a permissão do morador, ou contra expressa proibição de entrada na casa feita pelo morador. (8)

Mas a posição dos Tribunais a respeito da extensão do direito à inviolabilidade do domicílio profissional do contribuinte tem sido conflitante; de um lado, capitaneado pelo STF, em posição inovadora em relação à jurisprudência da própria Corte, os que alargam a garantia ao máximo extremo, mediante interpretação do art. 5º., XI da CF/88; do outro, os que entendem que o art. 5º., XI da CF/88 não se estende à empresa e reconhecendo a aplicabilidade do disposto nos arts. 194 e 200 do CTN. (9)

E o que se deve entender por "casa" ?

O "lar"; a "residência"; a "moradia"; a "habitação" individual ou coletiva; o "local não destinado ao público". (10)

Todos esses significados sempre tendo em foco o indivíduo, referência neste sentido feita pelo art. 5º., XI da CF/88.


III - AS PESSOAS JURÍDICAS GOZAM DA MESMA PROTEÇÃO AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS QUE OS CONTRIBUINTES PESSOAS FÍSICAS ?

Igual proteção pode ser reconhecida às pessoas jurídicas?

Na medida em que representarem verdadeiro desdobramento da personalidade e da vida privada do indivíduo, legítima será essa extensão.

É o caso dos pequenos escritórios e consultórios de profissionais liberais, as pequenas oficinas mecânicas, as microempresas de "fundo de quintal".

Mas seria ir demais além da conta, a meu ver, reconhecer-se a pessoas jurídicas de maior porte, médias e grandes empresas, multinacionais e transnacionais, aquela proteção historicamente destinada a proteger a pessoa humana, e assim também a coletividade organizada para exercício das suas liberdades fundamentais. (11)


IV – PODE SER REINSTAURADO, OU PRORROGADO INDEFINIDAMENTE, PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE FISCALIZAÇÃO CONTRA O CONTRIBUINTE, SEM QUALQUER INDÍCIO DE IRREGULARIDADE?

O exercício do poder de polícia tributária pela fiscalização haverá que respeitar os direitos fundamentais do contribuinte.

Poderá reinstaurar-se, ou prorrogar-se indefinidamente, procedimento administrativo de fiscalização contra o contribuinte, sem qualquer indício de irregularidade?

A meu ver, e por princípio, não.

Seja por imprecisão, incompletude ou descoberta de informações omitidas pelo contribuinte, como resultado do cruzamento de variadas declarações prestadas pelo contribuinte e por terceiros, a intervenção da Administração Tributária na esfera da liberdade do contribuinte terá que ser razoável ou proporcional, logo, com justa causa, sob pena de ferimento do princípio do devido processo legal – art. 5º., LIV da CF/88. (12)


V – É CONSTITUCIONALMENTE LÍCITO O CONTRIBUINTE SOFRER SANÇÕES PECUNIÁRIAS EM CASO DE RECUSA EM COLABORAR COM A FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA?

Será lícito à Administração Tributária sancionar o contribuinte com multas mais elevadas (multa de ofício) na hipótese de ele não colaborar com a fiscalização, recusando-se a exibir livros, registros, dados e outros elementos de informação ?

Aqui poder-se-ia estar diante de um possível conflito entre um dever (obrigação) de colaboração do contribuinte com a Administração Tributária, especialmente em caso de lançamento por homologação, e o direito ao silêncio por parte do contribuinte, como exercício do seu direito de defesa (passiva) já em âmbito administrativo inquisitorial, como é o caso do procedimento de fiscalização tributária ?

Desde logo, deve ser admitida a possibilidade de ser necessário ao sujeito passivo omitir-se, não prestando a informação desejada, uma vez que, não raro, o ilícito tributário poderá também constituir-se, a um só e mesmo tempo, em ilícito penal – sendo exemplo a existência de contabilidade paralela ("caixa dois"), a demonstrar a existência de sonegação fiscal?

Penso que o sujeito passivo, regra geral, não poderá valer-se do silêncio como estratégia de defesa – não por não ser admissível a existência do direito fundamental à defesa em procedimento administrativo inquisitorial, entendido, no mínimo, como direito à participação do sujeito passivo no procedimento, atuando ou quedando-se inerte, voluntariamente -, mas sim porque, ao contrário do que se dá na esfera do direito penal, onde a realização do tipo importa no descumprimento de uma obrigação negativa – não cometer o crime -, em se tratando de obrigação tributária, o Estado é parte dessa relação jurídica e, como parte, tem o direito de exigir que a parte co-obrigada preste contas do regular adimplemento de sua prestação.

Dentro desta perspectiva, a imposição de multa de ofício e a aplicação de outras espécies de sanções ao contribuinte pela Administração Tributária, como a sujeição daquele a um regime tributário especial, afigura-se legítima.

A questão, não obstante, está a despertar acesa polêmica (13), inclusive no Direito Comparado.

Assim é que, por exemplo, informa Juan Manuel Alvarez Echagüe que o Tribunal Constitucional espanhol entende que "el aportar datos o acompañar documentos no constituye una declaración contra si mismo, sino que ello se configuraría cuando existiere una declaración del contribuyente donde admite su culpabilidad." (14)

E, na Argentina, Gastón Armando Miani diz que "la exigência constitucional que manda que nadie puede ser obligado a declarar contra sí mismo ha sido considerada por la doctrina judicial de la Corte Suprema de la Nación aplicable exclusivamente en materia penal, por lo tanto en materia tributaria el principio de imunidad de declaración no puede ser opuesto al deber de colaboración de los contribuyentes y terceros en la tarea de fiscalización a cargo de los organismos recaudadores.." (15).


VI – BUSCA E APREENSÃO DE EQUIPAMENTOS, DOCUMENTOS, E OUTROS ELEMENTOS, PELA FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA, ACOMPANHADA OU NÃO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA, EM ESCRITÓRIOS DE ADVOCACIA.

É lícito à fiscalização tributária, acompanhada ou não de policiais da segurança pública, adentrar em escritórios de advocacia e buscar e apreender documentos, papéis, CDs, computadores e outros arquivos, manuais ou eletrônicos, com a finalidade de investigar a existência de infração penal tributária e/ou crime penal tributário?

Se o próprio escritório de advocacia for o contribuinte sujeito à diligência de fiscalização, nenhum problema, evidentemente. Mas, e se o advogado, ou o escritório de advogados houver sido constituído para defender os direitos e interesses do contribuinte, inclusive para estudar medidas que favoreçam a regularização de sua situação tributária, quando não também penal?

Mais que abordar-se o tema reportando-se à legislação, à doutrina e à jurisprudência, haverá que se extrair dos fatos ocorridos na vida cotidiana o significado valorativo do impacto que aquelas medidas podem vir a representar para uma sociedade democrática. (16)

Vários foram os protestos e as declarações divulgados pelo Conselho Federal da OAB contra as invasões de escritórios de advocacia, não raro seguidas da prisão de advogados com forte aparato policial e transmissão de imagens em canais de televisão, busca e apreensão de papéis, documentos, arquivos manuais e eletrônicos, microcomputadores, e também contra a freqüência cada vez maior de interceptações de comunicações telefônicas e de dados entre os advogados e seus clientes; não deixou a Ordem, contudo, de também denunciar, com veemência, o abuso das interceptações e escutas telefônicas autorizadas judicialmente, ou clandestinas, abusos estes que mereceram até reportagens internacionais. (17)

A reação da OAB levou o Ministro da Justiça a baixar as Portarias nos. 1287 e 1288, ambas de 30.6.2005, estabelecendo normas de procedimento a serem observadas pela Polícia Federal quando de cumprimento de mandados judiciais de busca e apreensão em escritórios de advocacia.

Houve, sem dúvida, avanços no que diz respeito à defesa dos direitos e das prerrogativas que os advogados devem ter, em benefício do direito de defesa de seus constituintes.

Assim, por exemplo, o art. 2º., "caput" e inciso I da Portaria no. 1288/2005 determina que "as diligências de busca e apreensão em escritórios de advocacia só poderão ser requeridas à autoridade judicial quando houver, alternativamente": "I – provas ou fortes indícios da participação de advogado na prática delituosa sob investigação".

A jurisprudência é pacífica no sentido de que o advogado que ultrapassar a fronteira que o separa de tornar-se cúmplice de seu cliente não poderá esperar contar com a proteção da imunidade do seu sigilo profissional, logo, poderá sofrer todas as medidas preventivas de natureza penal que o próprio cliente poderia vir a sofrer. (18)

Fora de situação em que o advogado tenha se tornado cúmplice, o art. 7º., II da Lei no. 8.906/94 garante a inviolabilidade do seu escritório ou do seu local de trabalho, salvo em caso de busca e apreensão determinada por magistrado. (19)

Mas o inciso II daquele artigo 2º. poderá causar alguma repercussão prejudicial ao direito à defesa técnica pelo investigado, indiciado ou réu.

De fato, o citado dispositivo estabelece que, alternativamente, a autoridade policial poderá requerer ao juiz a expedição de mandado de busca e apreensão quando houver "fundados indícios de que em poder de advogado há objeto que constitua instrumento ou produto do crime ou que constitua elemento do corpo de delito, ou, ainda, documentos ou dados imprescindíveis à elucidação do fato em questão".

Basta imaginar-se a hipótese de um empresário, de qualquer porte econômico, que haja descontado contribuição previdenciária na folha de pagamento de seus empregados, mas que não haja repassado o montante à Previdência Social, por absoluta falta de recursos financeiros, ou seja, o desconto das contribuições deu-se apenas virtualmente, e que busque consultar um advogado para que este o oriente sobre como poderá regularizar a sua situação, para tanto entregando-lhe todos os documentos comprobatórios daquele não – recolhimento.

Tais documentos constituiriam, penso, "documentos imprescindíveis à elucidação do fato em apuração", e, buscados e apreendidos, poderiam vir a servir de fundamento para a decretação de prisão temporária ou definitiva do empresário, não obstante estivesse ele a buscar ser orientado sobre como proceder para legalizar sua situação.

O art. 4º., "caput" e inciso IV da referida Portaria no. 1288/2005 é enfático e explícito ao vedar a busca e apreensão dos objetos ali relacionados, "salvo expressa determinação em contrário", ou seja, "cartas, fac – símiles, correspondência eletrônica (e-mail) ou outras formas de comunicação entre advogado e cliente protegidas pelo sigilo profissional".

Aqui a Portaria se houve melhor do que a decisão proferida quando do julgamento do RHC no. 13274-RS, STJ, 5ª. Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, dec. un. pub. DJU 29.9.2003, p. 276, quando se entendeu que não teria havido "quebra do sigilo do advogado em nenhum momento, ocorrendo apenas gravações e transcrições automáticas de algumas ligações recebidas do advogado pelos investigados".

Ora, se as ligações foram feitas para o telefone do escritório do advogado, ou do seu local de trabalho, sem o conhecimento dos interlocutores, interceptação de comunicação telefônica houve.

E se "não foi determinada a quebra do sigilo do advogado em nenhum momento", aí então é que a interceptação telefônica constituiu-se em prova ilícita e inválida.

O Relator acolheu as razões expostas pelo juiz monocrático, no sentido de que o advogado que teve gravada sua conversa telefônica com os investigados ainda não os estava defendendo naquele processo, e seu nome não fora citado e nem constou dos respectivos autos.

Mas, se o advogado estava a conversar sobre as condições em que aceitaria defender o possível cliente naquele processo criminal, ou em qualquer outra espécie de processo, ou dando alguma espécie de consultoria ou orientação técnica, a relação profissional entre cliente e advogado já estava a existir, e tanto é assim que o advogado, ainda que sem receber instrumento de mandato ou sem celebrar contrato de honorários, não poderia dar a conhecer a terceiros as informações que recebera daquele interlocutor. (20)

Corretamente, a meu ver, a decisão proferida quando do julgamento do ROMS no. 11627-SP, STJ, 1ª. Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, dec. un. pub. DJU 24.6.2002, p. 184, ao declarar que:

"(...) a inviolabilidade do advogado, no exercício de sua profissão, abrange os meios utilizados em sua atuação, nestes incluídos seu escritório e locais de trabalho, correspondência, formas de comunicação, a exemplo da telefônica, todos protegidos pelo sigilo profissional. Nesta última hipótese há de se entender, evidentemente, a inadmissibilidade de interceptação telefônica do local de trabalho do advogado e, por óbvio, de sua própria residência."

Nessa mesma linha, o art. 161 do Projeto de Código Processual Penal – Tipo para Ibero – América:

"Art. 161 – Coisas não sujeitas a seqüestro. Não estarão sujeitas a seqüestro:

1.As comunicações escritas sobre o imputado e as pessoas que possam abster-se de depor como testemunhas em razão de parentesco ou segredo particular (arts. 171 e 172);

2. as anotações feitas pelas pessoas referidas no item 1, sobre relatos confiados pelo imputado ou sob qualquer circunstância, às quais estende-se o direito de abster-se de depor;

3. outras coisas, inclusive os resultados de exames ou diagnósticos relativos a arte de curar, aos quais estende-se o direito de abster-se a depor.

A limitação somente terá aplicação quando as comunicações ou coisas estejam em poder daquelas pessoas autorizadas de abster-se de depor ou, no caso de advogados e profissionais médicos, arquivadas ou aos cuidados do escritório de advocacia ou do estabelecimento hospitalar, e não se aplica a limitação se o autorizado de abster-se a depor como testemunha é suspeito de ter participado da infração penal ou é considerado como encobridor, ou quando se tratar de coisas submetidas ao confisco porque proveniente de uma infração punível ou servem, em geral, para a prática de uma infração penal, apenas." (21)

A Lei no. 11.767, de 07.08.2008, deu nova redação ao art. 7º. da Lei no. 8.906/94, o qual passou a dispor que:

"Art. 7º. – (...)

"II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia;

"§ 6º. – Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo, em decisão motiva, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes.

"§ 7º. – A ressalva constante do § 6º. deste artigo não se estende a clientes do advogado averiguado que estejam sendo formalmente investigados como seus partícipes ou co-autores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade."

A redação é mais pormenorizada do que a sugerida no art. 161 do Código de Processo Penal – Tipo para Ibero-América, mas, essencialmente, chega ao mesmo resultado: a defesa do sigilo profissional do advogado perante o interesse na investigação processual penal, admitindo-se que este último prevaleça desde que motivadamente, e somente se o advogado e seus clientes estiverem sendo formalmente investigados, logo, em inquérito criminal sob controle e direção da autoridade judiciária competente.

Entretanto, houve discordância por parte de juízes e promotores de justiça, no sentido de que a nova redação não teria sido expressa quanto a proibir que a busca e apreensão de documentos, equipamentos, etc., em escritórios de advocacia, mediante prévia ordem judicial, possa ter outra fundamentação, que não aquela descrita, ou seja, outras situações nas quais o advogado, ou o escritório de advogados, não estiverem a ser, eles mesmos, formalmente investigados por algum crime. (22)


VII - CONCLUSÕES

O exercício da atividade de fiscalização tributária externa não está condicionado a prévia autorização judicial, contudo, na hipótese de invasão de domicílio do contribuinte pessoa física, haverá que se observar as mesmas limitações constitucionalmente impostas à polícia judiciária, e isso porque os direitos fundamentais do contribuinte devem ser respeitados também pela fiscalização tributária;

Igual proteção é de ser estendida às micro e pequenas empresas, por se tratarem de verdadeiro desdobramento da personalidade do indivíduo;

Não se poderá reinstaurar-se, ou prorrogar-se indefinidamente, procedimento administrativo de fiscalização contra o contribuinte, sem existência de qualquer indício de irregularidade, sob pena de violação do princípio constitucional do devido processo legal;

Defende-se a licitude da imposição de multa de ofício ao contribuinte que recusar-se a colaborar com a fiscalização tributária, no sentido de prestar as informações exigidas, uma vez que o sujeito ativo, por integrar a relação jurídica tributária com o sujeito passivo, tem direito de controlar as suas legalidade e regularidade; a questão, porém, é controversa, inclusive no Direito Comparado;

A aplicação do art. 2º., II da Portaria no. 1.288/2005 do Ministro de Justiça, que autoriza a busca e apreensão de "documentos imprescindíveis à elucidação do fato em apuração" poderá resultar em prejuízo à defesa técnica do contribuinte;

Defende-se a constitucionalidade da Lei no. 11.767, de 07.08.2008, e que as medidas ali estabelecidas, por si sós, não impedem a devida investigação criminal.


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Autor

  • Alberto Nogueira Júnior

    juiz federal no Rio de Janeiro (RJ), mestre e doutor em Direito pela Universidade Gama Filho, professor adjunto da Universidade Federal Fluminense (UFF), autor dos livros: "Medidas Cautelares Inominadas Satisfativas ou Justiça Cautelar" (LTr, São Paulo, 1998), "Cidadania e Direito de Acesso aos Documentos Administrativos" (Renovar, Rio de Janeiro, 2003) e "Segurança - Nacional, Pública e Nuclear - e o direito à informação" (UniverCidade/Citibooks, 2006); "Tutelas de Urgência em Matéria Tributária" (Forum/2011, em coautoria); "Dignidade da Pessoa Humana e Processo" (Biblioteca 24horas, 2014); "Comentários à Lei da Segurança Jurídica e Eficiência" (Lumen Juris, 2019).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA JÚNIOR, Alberto. Pequenas observações sobre certos aspectos dos direitos fundamentais do contribuinte. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2210, 20 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13186. Acesso em: 29 mar. 2024.