Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/13253
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Da rescisão contratual pela falta de manutenção das condições de habilitação nos contratos administrativos

Da rescisão contratual pela falta de manutenção das condições de habilitação nos contratos administrativos

Publicado em . Elaborado em .

Sumário: 1 – Introdução; 2 – Dos documentos exigíveis; 3 – Da fiscalização; 4 – Dos efeitos da irregularidade; 5 – Da possibilidade de regularização e manutenção contratual; 6 – Das considerações finais.


1 – INTRODUÇÃO:

Não obstante atuais procedimentos licitatórios introduzidos pela denominada Lei do Pregão (Presencial e Eletrônico), a Lei Federal n.º 8.666/93 continua em vigor, principalmente no que concerne aos Contratos Administrativos.

Como é cediço, todo contrato administrativo deve conter cláusulas essenciais ou necessárias, para não ensejar sua nulidade.

Visando dirimir controvérsias doutrinárias no que diz respeito de quais seriam essas cláusulas, diante da peculiaridade de cada situação, o art. 55 da Lei n.º 8.666/93 relacionou 13 cláusulas necessárias a todo contrato administrativo, dentre as quais a estabelecida no inciso XIII, in verbis:

"XIII - a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação."

Em razão desta obrigatoriedade, as exigências para efeito de habilitação dos participantes em licitações públicas, seja qual for sua modalidade, devem permanecer durante toda a execução do contrato celebrado com o órgão licitante.

A falta de manutenção das mesmas condições de habilitação e qualificação previstas no edital constitui motivo para rescisão contratual, determinada por ato unilateral da contratante, nos termos do art. 78, inciso I e art. 79, inciso I, da Lei sob comento.

No entanto, como será visto de forma mais detalhada, a rescisão com base neste inciso não deve ser operada de imediato e de forma automática, pois, além do contraditório e da ampla defesa assegurados ao contratado como princípios constitucionais, o princípio da proporcionalidade, do interesse público e da continuidade dos serviços devem ser sopesados.


2 – DOS DOCUMENTOS EXIGÍVEIS:

Como foi dito, o teor do inciso XIII em estudo deve constar como cláusula essencial nos contratos administrativos.

O edital, como instrumento convocatório da licitação, fixa as condições de participação, vinculando não só os proponentes às suas cláusulas, mas à própria Administração, nos termos do art. 41 de Lei n.º 8.666/93.

Destarte, a obrigação do mantimento das mesmas condições de habilitação e qualificação do contratado está restrita as exigências previamente contidas no edital, conforme lição do mestre Hely Loopes Meirelles [01] abaixo transcrita:

"O Edital é o instrumento através do qual a Administração leva ao conhecimento público a abertura da concorrência ou da tomada de preços, fixa as condições de sua natureza e convoca os interessados para a apresentação de suas propostas. Vincula inteiramente a Administração e os proponentes às suas cláusulas. Nada se pode exigir ou decidir além ou aquém do edital, porque é a lei interna da concorrência e da tomada de preços."

Por sua vez, a documentação exigida nos processos licitatórios para efeito de habilitação não podem ir além da prevista no art. 27 e ss. da Lei n.º 8.666/93, da constante do inciso XIII da Lei n.º 10.520/02 e parágrafos 1º e 2º do art. 25 do Decreto n.º 5.450/2005.

De fato, reveste-se de ilegalidade a exigência de qualquer documento não previsto na legislação pertinente, conforme entendimento da lavra de Alexandre Cairo [02], com respaldo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (REsp n.º 316.755).

Portanto, se não é permitido que a Administração Pública exija qualquer documento não previsto em lei, ilegal será sua manutenção durante a execução do contrato.


3 – DA FISCALIZAÇÃO:

Como a exigência para manutenção contratual é permanente, caberá ao órgão contratante zelar pela vigilância da regularidade da contratada.

Com a expedição da Instrução Normativa n.º 05/1995 pelo Ministro de Estado da Administração Federal e Reforma do Estado – MARE, foi criado o Sistema de Cadastramento Unificado de Serviços Gerais – SICAF, com a finalidade prevista no art. 34 da Lei n.º 8.666/93, facilitando a consulta da regularidade do contratado.

Em face desta Instrução Normativa que determinou em seu subitem 8.8 a obrigatoriedade da consulta da situação da habilitação do contratado antes de cada pagamento, fixou-se periodicidade mínima para este feito.

Importante salientar que a falta de regularidade do contratado, quando da consulta prévia a cada pagamento, não é fato impeditivo para sobrestar este, como de forma equivocada e arbitrária vêm agindo alguns órgãos da Administração Pública.

Como é cediço, em face do princípio da legalidade que norteia toda atividade da Administração Pública, ao agente público só é permitido fazer o que expressamente é autorizado por lei.

Assim, diante da falta de previsão legal, mesmo constatando que a documentação do contratado esteja vencida, ou até mesmo se se encontrar suspenso ou inativo do SICAF ou de qualquer outro sistema de registro cadastral instituído para os fins do art. 34 da Lei n.º 8.666/93, o pagamento pelos serviços já executados ou de bens já entregues – para o caso de fornecimento de bens – deve ser efetivado, sob pena de se caracterizar enriquecimento ilícito por parte da administração conforme entendimento da Procuradoria da Fazenda Nacional constante do Parecer n.º 201/00.


4. DOS EFEITOS DA IRREGULARIDAE:

Verificada a falta de regularidade de algum dos documentos exigidos para efeito de habilitação, impõe-se o poder-dever da Administração Pública em promover a rescisão unilateral do contrato, com fundamento nos dispositivos legais alhures já mencionado.

Como dito, trata-se de um poder-dever de agir do administrador público e não de uma mera faculdade como ocorre no Direito Privado, cuja omissão do agente "caracteriza abuso de poder, que pode ensejar, até mesmo, responsabilidade civil da Administração" como nos ensina Marcelo Alexandrino & Vicente Paulo [03].

Reitere-se que, para a Administração Pública, o ato a ser praticado se restringe à rescisão contratual, sendo vedada a retenção de qualquer pagamento por serviços já auferidos.

Por oportuno, também não será possível a aplicação de quaisquer das sanções previstas no art. 87, quando a rescisão for embasada exclusivamente no descumprimento do inciso XIII, do art. 55 da comentada lei.

No entanto, esta rescisão não se deve operar de forma automática, até mesmo porque o direito ao contraditório e à ampla defesa deve ser respeitado, pois "a defesa do interessado não é uma faculdade, mas sim um direito subjetivo garantido constitucionalmente", como esclarece Toshio Mukai [04].

Destarte, antes de tudo, a defesa prévia do contratado deve ser assegurada, nos termos do Parágrafo único do art. 78 e § 2º do art. 87 da Lei n.º 8.666/93, respectivamente.


5. DA POSSIBILIDADE DE REGULARIZAÇÃO E MANUTENÇÃO CONTRATUAL:

Se em sede de defesa o contratado regularizar sua situação ou apresentar justificativas plausíveis de impedimento provisório à regularização; conforme o caso, a Administração Pública deverá manter o contrato, fornecendo-lhe e fixando prazo razoável para sua recomposição, mediante a aplicação do princípio da proporcionalidade.

Não obstante o dispositivo legal ser imperativo e obrigar o agente público a efetivar a rescisão contratual, o princípio da proporcionalidade, de que o princípio da razoabilidade é elemento, exige que o ato administrativo que implique em alguma restrição ao administrado seja necessário, adequado e razoável.

No atual Estado democrático de direito, para que o ato administrativo atinja sua eficácia legal, não basta somente atuar segundo a lei. Há de ser proporcional.

Com efeito, não seria justo operar uma rescisão contratual diante da possibilidade de recomposição do contratado.

Marçal Justen Filho [05] traz exemplo assaz pertinente e didático neste sentido:

"Suponha-se que, no curso da execução do contrato, o particular deixa de pagar a contribuição para o INSS. Apesar da gravidade de conduta, afigura-se perfeitamente possível que, identificada a ocorrência, o particular satisfaça a dívida (ou obtenha algum regime equivalente ao da regularidade fiscal). Não haverá cabimento de impor-se, de modo automático, a rescisão contratual. Tem de admitir-se, portanto, que o dispositivo ora examinado relacione-se com a concretização de evento que torne, de modo definitivo e irremediável, incompatível com a ordem jurídica a manutenção da contratação de um certo sujeito."

Outrossim, em vista do Princípio do interesse público e da continuidade dos serviços públicos, cabe ao agente sopesar os fatos, pois a rescisão mecanicista do contrato pode se revelar mais prejudicial do que benéfica para o interesse da coletividade.

Assim, é plenamente possível a manutenção contratual quando se verifica a evidente possibilidade de recomposição das condições de habilitação do contratado, devendo a Administração estabelecer prazo razoável para o feito.

Não sendo justificável a situação de irregularidade ou não havendo regularização dentro do prazo fixado pela contratante ou, ainda, tratando-se de uma situação definitiva e irreversível, deverá ser determinada a rescisão contratual.

No entanto, entendemos que mesmo assim, caso não exista outros fatos que colaborem para rescisão contratual ou que a situação não se demonstre demasiadamente agravante, como exemplo a irregularidade não suprível com o INSS, diante do previsto no art. 195, § 3˚ da CF e art. 71, § 2º da Lei n.º 8.666/93, o contrato deve ser mantido até que a Administração contratante promova novo procedimento licitatório para contratação de empresa substituta.

Com efeito, o rompimento imediato do contrato decorrente exclusivamente da falta de manutenção dos documentos exigidos na habilitação pode se mais maléfica ao contratante do que sua manutenção provisória, principalmente quando se trata de fornecimento de bens ou serviços essenciais ou de prestação continuada.

A conhecida dispensa de licitação utilizada corriqueiramente nestes casos e prevista no art. 24, inciso XI e a assunção do objeto do contrato constante do art. 80, inciso I, ambos da Lei n.º 8.666/93, só devem ser utilizadas quando a manutenção contratual se revelar insustentável e se operar imediatamente após o devido processo legal.


6 – CONCLUSÃO:

Concluímos de todo arrazoado que a falta de manutenção das condições de habilitação durante o contrato implica no poder-dever de a Administração operar a rescisão de forma unilateral, sem a aplicação de qualquer outra sanção administrativa ou suspensão de pagamento por serviços já executados ou bens fornecidos, salvo quando outros fatores sejam colaboradores da rescisão.

Contudo, haverá de ser respeitado o direito do contraditório a ampla defesa, para que o ato administrativo se revista de legalidade.

Se em tese de defesa o contratado regularizar a situação, o contrato deverá ser mantido independentemente dos fatores que ensejaram a irregularidade.

Se os motivos ensejadores da irregularidade forem justificáveis e se demonstrarem passíveis de recomposição, o contrato também deverá ser mantido, devendo – no entanto – a contratante estabelecer prazo razoável para regularização.


BIBLIOGRAFIA:

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo. 5ª ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2004.

CAIRO, Alexandre. Pregão Presencial e Eletrônico. 1ª ed., Belo Horizonte: Fórum, 2007.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 11ª Ed., São Paulo: Dialética, 2005.

LOPES MEIRELLES, Helly. Licitação e Contrato Administrativo. 14ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006.

MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas Licitações e Contratos. 10ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

MUKAI, Toshio. Licitações e Contratos Públicos. 6ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2004.


NOTAS

  1. LOPES MEIRELLES, Helly. Licitação e Contrato Administrativo. 14ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 130.
  2. CAIRO, Alexandre. Pregão Presencial e Eletrônico. 1ª ed., Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 291.
  3. ALEXANDRINO & PAULO, Marcelo & Vicente. Direito Administrativo. 5ª ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2004, p. 121.
  4. MUKAI, Toshio. Licitações e Contratos Públicos. 6ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 185.
  5. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 11ª Ed., São Paulo: Dialética, 2005, p. 495.

Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Ernani Prado. Da rescisão contratual pela falta de manutenção das condições de habilitação nos contratos administrativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2221, 31 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13253. Acesso em: 29 mar. 2024.