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Prisão preventiva: garantia da ordem pública e credibilidade da Justiça

Prisão preventiva: garantia da ordem pública e credibilidade da Justiça

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A credibilidade da Justiça é mais uma das muitas interpretações conferidas pelos magistrados criminais à expressão "garantia da ordem pública", fundamento mais utilizado para decretação da prisão preventiva.

"A credibilidade da Justiça é argumento válido para decretação da prisão preventiva fundada na garantia da ordem pública?"

Essa é uma indagação que não encontra resposta uníssona, sem titubeio, nem mesmo na mais alta instância da Justiça brasileira, o Supremo Tribunal Federal (STF).

A necessidade de se resguardar a credibilidade da Justiça [01], cuja imagem pode ser seriamente abalada em razão da prática de um crime grave, de grande repercussão na sociedade ou mesmo em razão da prática reiterada de crimes por determinado agente, tem ensejado a decretação da prisão preventiva com fundamento na garantia da ordem pública.

Por esse motivo é que se pode afirmar que a gravidade concreta do fato delituoso, associada à sua repercussão, pode gerar um clima de impunidade no meio social, comprometendo, assim, a credibilidade que as pessoas depositam nos órgãos imbuídos das atividades da Justiça (Poder Judiciário e Ministério Público) e da segurança pública (Polícias Militar, Civil e Federal).

Essa – a credibilidade da justiça – é mais uma das muitas interpretações conferidas pelos magistrados criminais à expressão "garantia da ordem pública" [02], fundamento caracterizador do periculum libertatis mais utilizado para decretação da prisão preventiva, custódia processual essa a qual encontra previsão nos arts. 311 a 316 do Código de Processo Penal.

Agora, o presente trabalho, sem a mínima pretensão de esgotar o estudo sobre a matéria, cinge-se exclusivamente à análise da credibilidade da justiça utilizada como argumento para decretação da prisão preventiva fundada na garantia da ordem pública.

Exemplo notório de credibilidade da Justiça utilizada como argumento para a prolação de decreto prisional é o do casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, acusados da morte da criança Isabella de Oliveira Nardoni, filha do primeiro e enteada da segunda. Com efeito, na decisão receptora da denúncia oferecida em face do casal [03], o juiz Maurício Fossen decretou a prisão preventiva com fundamento na garantia da ordem pública, valendo-se, dentre outros argumentos, da "credibilidade da justiça". Veja-se trecho da decisão:

"Na visão deste julgador, a prisão processual dos acusados se mostra necessária para garantia da ordem pública, objetivando acautelar a credibilidade da Justiça em razão da gravidade e intensidade do dolo com que o crime descrito na denúncia foi praticado e a repercussão que o delito causou no meio social, uma vez que a prisão preventiva não tem como único e exclusivo objetivo prevenir a prática de novos crimes por parte dos agentes, como exaustivamente tem sido ressaltado pela doutrina pátria, já que evitar a reiteração criminosa constitui apenas um dos aspectos desta espécie de custódia cautelar" [04].

(GRIFO NOSSO)

Irresignado com a decisão do magistrado criminal, o casal impetrou habeas corpus (HC) no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), Sodalício o qual, por sua vez, manteve o decreto prisional do juiz a quo, ressalvando, contudo, que a credibilidade da justiça, por si só, não é argumento idôneo para decretação da custódia cautelar, todavia – segundo o TJSP – quando aliada a outros fatores (como o "clamor público", no caso), a credibilidade da justiça pode servir como base para decretação da segregação processual. Confira-se trecho pertinente do aresto:

"Claro que não justificam a prisão preventiva o singelo clamor público ou a perspectiva de serem preservadas a credibilidade e a respeitabilidade do Poder Judiciário. Se o primeiro não vem elencado no artigo 312 do Código de Processo Penal, a segunda, que ali também não se faz referida, não pode ser argumento para privação do bem maior que é a liberdade do ser humano. Tanto que já se disse por aqui, anteriormente, que qualquer decisão que se profira não pode vir fundada em simples e falíveis suspeitas, em desconfianças ou deduções cerebrinas, ditadas pela gravidade e clamor decorrentes de um crime.

Mas, se um e outro, isto é, se clamor público e necessidade da preservação da respeitabilidade de atuação jurisdicional se aliarem à certeza quanto à existência do fato criminoso e a veementes indícios de autoria, claro que todos esses pressupostos somados haverão de servir de bom, seguro e irrecusável fundamento para a excepcionalização da regra constitucional que presumindo a inocência do agente não condenado, não tolera a prisão antecipada do acusado" [05].

(GRIFO NOSSO)

Novamente inconformados, os réus Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá impetraram habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça (STJ), protocolado sob o nº 110.175/SP e distribuído para a Quinta Turma, com o Ministro Napoleão Maia Filho na função de relator. Contudo, a Quinta Turma da Corte Superior manteve a decisão do TJSP, sustentando, também, que a credibilidade da justiça, de per si, isoladamente, é argumento precário, mas, por outro lado, pode ser perfeitamente utilizada quando agregada a outros fatores. Veja-se fragmento da ementa:

"O clamor público ou a necessidade de resguardar a credibilidade da Justiça, como bem lembrou o ilustre representante do Parquet Federal, não são motivos, por si sós, aptos à decretação da prisão preventiva sob o pálio da garantia da ordem pública; todavia, se esses fundamentos estiverem aliados à gravidade concreta do delito, perceptível pela forma como foi conduzido e realizado, então estará mais do que satisfeita a exigência legal" [06].

Por fim, nova insatisfação do casal Nardoni, agora com a decisão prolatada pelo STJ em sede do habeas corpus de nº 110.178/SP, motivou a impetração de novo HC, agora no Supremo Tribunal Federal (STF), protocolado sob o nº 95.344/SP [07]. No entanto, o writ foi indeferido liminarmente em 05.08.2008 (sem apreciação do mérito), pela relatora, Ministra Ellen Gracie, sob o fundamento de que não havia razão para o afastamento da Súmula 691 do STF [08].

Feita essa breve digressão, é possível constatar que, no caso citado, a restrição da liberdade de locomoção do casal Nardoni foi decretada pelo magistrado de primeiro grau e sustentada tanto pelo TJSP quanto pelo STJ visando, notadamente, resguardar a confiança da população no Estado enquanto detentor da pretensão punitiva, em vista do clamor público e da repercussão gerados pelo caso no meio social.

O mérito das razões de direito lançadas primitivamente pelo magistrado de primeira instância e posteriormente sustentadas pelo TJSP e pelo STJ não foram sequer apreciadas pelo STF quando da análise do HC 95.344/SP. No entanto, mesmo que o caso fosse para exame do mérito, a se levar em consideração sua jurisprudência mais recente sobre o tema, é certo que a Suprema Corte brasileira encontraria sérias dificuldades no julgamento do HC 95.344/SP, tendo em vista que, sempre que se depara com esse argumento (credibilidade da justiça), o STF tem proferido decisões contraditórias, ora decidindo pela aceitação de tal interpretação dada à "garantia da ordem pública", ora decidindo em sentido contrário, tudo a depender da análise do caso concreto.

No julgamento do antológico habeas corpus 80.717/SP, cujo paciente era o ex-juiz trabalhista Nicolau dos Santos Neto [09], o Tribunal Pleno do STF firmou o entendimento de que o grave abalo à respeitabilidade da Justiça é argumento válido para o encarceramento cautelar com o objetivo de se tutelar a ordem pública. Dessa forma, decidiu o Pretório Excelso no sentido de que "a necessidade de se resguardar a ordem pública revela-se em conseqüência dos graves prejuízos causados à credibilidade das instituições públicas" [10].

O caso Nicolau dos Santos Neto, por ter sido julgado pelo Tribunal Pleno (e não por qualquer das Turmas), e, também, pelo substancioso voto dos Ministros Sepúlveda Pertence (relator vencido) e Ellen Gracie (relatora para o acórdão), é considerado um divisor de águas para o estudo da prisão preventiva decretada com fundamento na garantia da ordem pública.

O julgado acima mencionado (HC 80.717/SP) abriu um precedente importantíssimo no qual, num outro caso de notoriedade similar, a Primeira Turma da mesma Corte se amparou para a prolação de decisão sustentando que a credibilidade da justiça constitui interpretação idônea dada à expressão "garantia da ordem pública": trata-se da Questão de Ordem suscitada no habeas corpus (HC-QO) 85.298/SP, em que figurava como paciente o chinês Law Kin Chong, apontado pela mídia nacional como sendo o maior contrabandista do país. Fazendo expressa menção ao já citado e ora transcrito HC 80.717/SP, assim decidiu o colegiado (trecho da ementa):

"O plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 80.717, fixou a tese de que o sério agravo à credibilidade das instituições públicas pode servir de fundamento idôneo para fins de decretação de prisão cautelar, considerando, sobretudo, a repercussão do caso concreto na ordem pública (…) Questão de ordem que se resolve no sentido do indeferimento da liminar" [11].

(GRIFO NOSSO)

Na mesma esteira dos julgados supracitados, há ainda os precedentes dos habeas corpus 92.148/PR [12], 89.090/GO [13] e 88.476/DF [14], todos da Suprema Corte.

Não obstante os arestos mencionados, o fato é que, como já antecipado, o STF tem dado mostras de que o tema em debate não é pacífico. Tanto é assim que, à revelia dos julgados acima colacionados, há decisões da mesma Suprema Corte, em casos igualmente emblemáticos, no sentido de que a expressão "credibilidade da justiça" atenta contra a legalidade quando utilizada como argumento para decretação da prisão preventiva para garantia da ordem pública.

Exemplo dessa afirmativa é o que restou decidido no HC 80.719/SP, cujo paciente era o jornalista paulistano Antonio Marcos Pimenta Neves [15]. No julgamento do caso citado, a Segunda Turma, seguindo o voto do relator, Ministro Celso de Mello, decidiu nos seguintes termos:

"Não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de justificação do ato excepcional de privação cautelar da liberdade individual, a alegação de que o réu, por dispor de privilegiada condição econômico-financeira, deveria ser mantido na prisão, em nome da credibilidade das instituições e da preservação da ordem pública" [16].

Na mesma linha do caso Pimenta Neves, a mesma Segunda Turma decidiu em dois casos mais recentes, igualmente emblemáticos e de repercussão similar na mídia nacional, quais sejam, o do Juiz Federal João Carlos da Rocha Mattos [17] e o do ex-banqueiro paulistano Edemar Cid Ferreira [18]. No HC impetrado pelo magistrado federal, a Segunda Turma, acompanhando o voto do relator Ministro Eros Grau, asseverou que "o Supremo Tribunal Federal vem decidindo no sentido de que esse fundamento [garantia da ordem pública] é inidôneo quando vinculado à invocação da credibilidade da justiça e da gravidade do crime" [19].

Já no caso do ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira (Agravo Regimental no habeas corpus 89.025/SP, também relatado pelo Ministro Eros Grau), a Segunda Turma também decidiu no sentido de que a credibilidade das instituições não é fundamentação que possa servir de lastro para a prolação de um decreto prisional. Veja-se:

"2. Credibilidade do Poder Judiciário e respeitabilidade das instituições públicas não justificam a prisão preventiva para garantia da ordem pública. Precedentes. 3. Ausência de base empírica para a prisão cautelar visando à efetividade da aplicação da lei penal. 4. Concessão de liminar para cassar o decreto de prisão preventiva" [20].

(GRIFO NOSSO)

Em outro julgado (HC 82.832/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes), o Tribunal Pleno revogou o decreto prisional e deferiu a ordem de soltura, amparando-se, para tanto, no entendimento de que "o clamor público e a credibilidade das instituições, por si sós, não autorizam a custódia" [21]. Na mesma esteira, os habeas corpus 91.018/GO [22], 93.315/BA [23] e 86.853/PR [24].

Como se vê, o tema em referência é espinhoso e de difícil solução, mormente porque se a doutrina processualista e os TJs, TRFs e o STJ não têm posição firmada sobre o tema, menos ainda o tem o STF, a quem, na lição de Rui Barbosa, incumbe a prerrogativa (ou ônus?) de falar – e errar – por último [25].

Diante dessa controvérsia, em que há inúmeros precedentes jurisprudenciais da Suprema Corte que possam servir como base para argumentação de ambos os lados da moeda – admissibilidade ou não da credibilidade da Justiça para prolação de decreto prisional –, compete ao intérprete da lei adotar qual deles lhe pareça mais justo ou conveniente.

Segundo entendemos, a credibilidade da Justiça deve ser considerada como uma das interpretações mais fiéis conferidas à "abstrata" expressão "garantia da ordem pública".

Antes, contudo, é importante levar em consideração o fato de que a prisão preventiva decretada para garantia da ordem pública (para credibilidade da justiça ou qualquer que seja a interpretação), foge à característica da "instrumentalidade hipotética" inerente a toda e qualquer custódia cautelar, por uma razão elementar: essa modalidade de prisão, adotada com o fundamento apontado, traduz-se mais numa medida de defesa social amplamente aceita pela doutrina e jurisprudência pátrias, do que numa prisão de natureza tipicamente cautelar, posto que não visa "instrumentalizar" o processo penal, mas sim "acautelar o meio social", abalado pela prática de um delito grave e de grande repercussão. Nesse sentido, curial a transcrição das lições magistrais de Marcelo Ferreira de Souza:

"A garantia da ordem pública retira o caráter instrumental da prisão preventiva, típico das medidas cautelares. No entanto, a despeito da dissociação da prisão preventiva como garantia da ordem pública das medidas cautelares e da conclusão de que sua finalidade exorbita a esfera processual, alcançando diretamente os efeitos do direito material, é incontroverso que a inadmissibilidade da medida gera reflexos significativos na segurança pública" [26].

Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, citado por Marcelo Ferreira de Souza, preleciona que:

"Não se pode imaginar uma sociedade sem a prisão preventiva, instrumento inafastável de defesa social. O que se deve exigir, somente, é a fundamentação clara, democrática, que aponte as razões da necessidade da prisão, afastando-se qualquer automatismo" [27].

Na mesma senda, já decidiu a Segunda Turma do STF, no habeas corpus 93.972/MS, sob a relatoria da Ministra Ellen Gracie, no sentido de que "à ordem pública relacionam-se normalmente todas as finalidades da prisão processual que constituem formas de privação da liberdade adotadas como medidas de defesa social" [28].

Mais recentemente, o Ministro Carlos Britto, oficiando como relator no HC 94.979/TO, asseverou que "não há como refugar a aplicabilidade do conceito de ordem pública se a concreta situação dos autos evidencia a necessidade de acautelamento do meio social" [29].

Dessa forma, resta claro que a prisão preventiva, decretada para garantia da ordem pública, não visa acautelar o processo, mas sim o próprio meio social, sendo certo que, a partir dessas considerações, é possível se chegar à clara conclusão de que é plenamente válida a prisão preventiva decretada para garantia da ordem pública em razão da premente necessidade de se assegurar a credibilidade da população nas instituições diretamente envolvidas nas atividades de segurança e na repressão da criminalidade (Poder Judiciário, Ministério Público e Polícias Federal, Civil e Militar).

É certo que a prática de uma infração penal gravíssima, de particular repercussão no meio social, corrói um dos pilares de sustentação do Estado Democrático de Direito, qual seja, a credibilidade das instituições estatais e a força de implementação dos objetivos do Poder Público.

Ora, se por ordem pública deve-se entender como sendo "a paz e a tranqüilidade social, que deve existir no seio da comunidade, com todas as pessoas vivendo em perfeita harmonia, sem que haja qualquer comportamento divorciado do modus vivendi em sociedade" [30], é claro que a prática de um crime grave quebra esse espírito de paz, incumbindo ao Judiciário, assim, o dever de trazer de volta essa harmonia. Caso esse crime seja grave a ponto de chegar ao extremo de comprometer a confiança que as pessoas depositam nas instituições públicas, fomentando, assim, o descrédito no império da lei e no poder estatal, é dever do Estado-Juiz decretar a prisão para garantia da ordem pública, de forma a restabelecer a confiança, credibilidade e respeito das pessoas nas instituições legitimamente constituídas.

Na mesma linha do posicionamento que adotamos, Julio Fabbrini Mirabete, com a maestria que lhe é peculiar – num conceito há muito já consagrado e recorrentemente citado por outros processualistas e pela jurisprudência pátria – sustenta que "o conceito de ordem pública não se limita a prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas também a acautelar o meio social e a própria credibilidade da justiça em face da gravidade do crime e de sua repercussão" [31].

Guilherme de Souza Nucci, cerrando fileiras na mesma posição defendida por Mirabete, entende que "a afetação da ordem pública constitui importante ponto para a própria credibilidade do Judiciário" [32].

Contudo, segundo cremos, como bem decidiu o TJSP e o STJ no caso Nardoni, é razoável entender que a credibilidade da justiça, de per si, isoladamente, dissociada de qualquer outro fator concreto (como, p. ex., o clamor público, a repercussão social do crime, a gravidade concreta do fato delituoso ou mesmo a periculosidade concreta do agente), revela-se temerária como argumentação para a prisão preventiva.

Dessa forma, é razoável exigir-se que a credibilidade da justiça deva vir sempre associada de qualquer dos argumentos ora citados (melhor se fossem todos cumulativamente), mormente porque, como já antecipado, é a gravidade concreta do fato criminoso, ligada à sua repercussão social, que pode gerar o nefasto clima de impunidade e comprometer a credibilidade que as pessoas depositam nos órgãos imbuídos das atividades da Justiça e da segurança pública.

Além disso – e na mesma linha do entendimento de que comungamos –, sensato o posicionamento recentemente adotado pela Segunda Turma do STF segundo o qual "a garantia da ordem pública se revela, ainda, na necessidade de se assegurar a credibilidade das instituições públicas quanto à visibilidade e transparência de políticas públicas de persecução criminal" [33].

Por fim, corroborando o entendimento que ora defendemos, assim decidiu o Tribunal Pleno da Suprema Corte brasileira, num julgado bem recente e de clareza singular: "a não decretação da prisão pode representar indesejável sensação de impunidade, que incentiva o cometimento de crimes e abala a credibilidade do Poder Judiciário" [34].

Enquanto não temos a pacificação da questão referente à prisão preventiva decretada para garantia da ordem pública, fundada na credibilidade da Justiça, é certo que o encargo de se pronunciar por derradeiro acerca do tema em referência tem cabido ao Supremo Tribunal Federal, que ora decide num sentido (admissibilidade da credibilidade da Justiça), ora noutro (rejeição do fundamento), quer seja para acertar quer seja para errar por último. A propósito, lapidares são as lições de Rui Barbosa, o grande mestre do Direito brasileiro de todos os tempos, invocado por um ícone da comunidade jurídica contemporânea, o ex-ministro da Justiça e do STF Paulo Brossard. Assim preconizava o "Águia de Haia":

"Em todas as organizações políticas ou judiciais sempre há uma autoridade extrema para errar em último lugar. O Supremo Tribunal Federal, não sendo infalível, pode errar, mas a alguém deve ficar o direito de errar por último, de decidir por último, de dizer alguma coisa que deva ser considerada como erro ou como verdade. Isto é humano" [35].

Enfim, não obstante toda a controvérsia que gira em torno da questão e com a devida vênia às opiniões em contrário (a maioria, reconheça-se), entendemos que a credibilidade da Justiça é uma das interpretações que merecem acolhida pelo meio doutrinário e jurisprudencial, mormente por se coadunar com o objetivo da prisão preventiva decretada para garantia da ordem pública, que é acautelar o meio social e dissipar o eventual sentimento de impunidade que possa ter surgido com a prática de determinado crime grave ou por determinada pessoa influente na sociedade, mantendo-se, assim, a confiança que as pessoas depositam na Justiça.

No entanto, em que pese toda essa discussão, é ao STF a quem incumbe a prerrogativa (ou seria ônus?) de se pronunciar por último sobre essa questão tormentosa, pacificando de vez, assim, as discussões geradas em torno da que persiste em não querer calar: a credibilidade da Justiça é argumento válido para decretação da prisão preventiva fundada na garantia da ordem pública?


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BARBOSA, Rui. Obras completas. XLI, 1914, III, p. 259, apud Ministro Paulo Brossard, em seu voto no MS 21.443/DF, rel. Min. Octávio Gallotti, Tribunal Pleno, j. 22.04.1992, DJ 21.08.1992.

CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de. Processo penal e Constituição: princípios constitucionais do processo penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 162, apud SOUZA, Marcelo Ferreira de. Segurança pública e prisão preventiva no Estado Democrático de Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 154.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 590.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 377.

PACHECO, Denílson Feitosa. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 4. ed. rev. amp. e atual. com a Emenda Constitucional da "Reforma do Judiciário". Niterói: Impetus, 2006, p. 679.

SOUZA, Marcelo Ferreira de. Segurança pública e prisão preventiva no Estado Democrático de Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 160.


Notas

  1. Nota explicativa: melhor seria "credibilidade das instituições públicas", por ser mais abrangente, uma vez que envolveria não só a Justiça em si (Poder Judiciário e Ministério Público), mas também todos os demais órgãos envolvidos na segurança pública e na repressão da criminalidade (Polícias Federal, Civil e Militar). No entanto, nos ateremos à expressão "credibilidade da Justiça" por ser ela a mais utilizada pelo Supremo Tribunal Federal.
  2. Nota explicativa: em dois breves e singelos artigos publicados anteriormente aqui no Jus Navigandi, afirmamos que a ausência de uma definição legal da expressão "garantia da ordem pública" (fundamento caracterizador do periculum libertatis para decretação da prisão preventiva) permitiu que os juízes de primeiro grau construíssem uma série de argumentos com a finalidade de suprir as lacunas deixadas pelo legislador, permitindo, assim, o surgimento de basicamente sete interpretações dadas a referida expressão abstrata ("ordem pública"), quais sejam: 1) reiteração da prática criminosa; 2) periculosidade do agente; 3) gravidade do delito; 4) caráter hediondo do crime; 5) repercussão social do fato; 6) credibilidade da justiça; e, finalmente, 7) clamor social, público ou popular. Em nossos artigos aqui publicados, logramos discorrer sobre a reiteração da prática criminosa (jus.com.br/revista/texto/12841">http://jus.com.br/revista/texto/12841) e sobre a periculosidade do agente (jus.com.br/revista/texto/13082">http://jus.com.br/revista/texto/13082).
  3. Nota explicativa: Alexandre Alves Nardoni encontram-se sendo processado pela prática, em tese, dos crimes descritos no artigo 121, § 2º, incisos III, IV e V c.c. o § 4º (parte final), e artigo 13, § 2º, alínea "a" (c/ relação à asfixia), e artigo 347, parágrafo único, todos c.c. o artigo 61, inciso II, alínea "e" (segunda figura) e 29, do Código Penal. Já Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá se vê processada em razão da prática, em tese, dos crimes descritos nos artigos 121, § 2º, incisos III, IV e V c.c. o § 4º (parte final), e artigo 347, parágrafo único, ambos c.c. o artigo 29, do Código Penal. Com efeito, consta da denúncia que no dia 29 de março de 2008, por volta das 23h49, na Rua Santa Leocádia, nº 138, apto. 62, Vila Izolina Mazzei, na cidade e Comarca de São Paulo/SP, Alexandre Alves Nardoni e Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, agindo com unidade de propósito, valendo-se de meio cruel, utilizando-se de recurso que impossibilitou a defesa da ofendida e objetivando garantir a ocultação de delitos anteriormente cometidos, causaram em Isabella de Oliveira Nardoni, mediante ação de agente contundente e asfixia mecânica, os ferimentos que foram a causa eficiente de sua morte. Consta, ainda, que alguns minutos antes e também logo após o cometimento do delito acima descrito, os denunciados inovaram artificiosamente o estado do lugar e dos objetos com a finalidade de induzir em erro juiz e perito produzindo, assim, efeito em processo penal não iniciado.
  4. Processo nº 274/08, em trâmite no 2º Tribunal do Júri de São Paulo/SP – Fórum Regional I de Santana – Juiz de Direito Maurício Fossen, decreto prisional prolatado em 07.05.2008.
  5. TJSP, HC 1.222.269.3/9, rel. Des. Canguçu de Almeida, Quarta Câmara de Direito Criminal, j. 13.06.2008, DJ 22.08.2008.
  6. STJ, HC 110.175/SP, rel. Min. Napoleão Maia Filho, Quinta Turma, j. 09.09.2005, DJ 06.10.2008.
  7. STF, HC 95.344/SP, rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma – liminar indeferida em 05.08.2008 (DJ 08.08.2008), sob o fundamento de que a decisão questionada encontrava-se devidamente fundamentada, não ensejando, assim, o afastamento do enunciado da Súmula 691 do STF, que dispõe que "não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar".
  8. Súmula 691/STF. Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar.
  9. Nota explicativa: Nicolau dos Santos Neto, ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região (TRT-2) – São Paulo, é acusado de desviar R$ 169,5 milhões destinados à construção da sede do órgão que presidia. O magistrado trabalhista teve sua prisão decretada em abril de 2000, mas logrou fugir antes mesmo de ser preso, tendo se entregado à Polícia Federal, no Rio Grande do Sul, em 10 de dezembro do mesmo ano. Em junho de 2002, foi condenado a oito anos de prisão pela 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo por evasão de divisas e lavagem de dinheiro em concurso material (art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/1986 e no art. 1º, c.c. o § 1º, incisos I e II, da Lei nº 9.613/1998, na forma do art. 69 do Código Penal), além de tráfico de influência (art. 336, do Código Penal). O juiz aposentado, no entanto, foi absolvido do crime de peculato (art. 312, do Código Penal), referente justamente ao desvio das verbas direcionadas à construção da sede do TRT-2.
  10. STF, HC 80.717/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, rel. para o Acórdão, Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, maioria (7x4), j. 13.01.2001, DJ 05.03.2004.
  11. STF, HC-QO 85.298/SP, rel. Min. Marco Aurélio, rel. para o Acórdão, Min. Carlos Britto, Primeira Turma, j. 29.03.2005, DJ 04.11.2005.
  12. STF, HC 92.148/PR, rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, j. 10.06.2008, DJ 22.08.2008.
  13. STF, HC 89.090/GO, rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, j. 21.11.2006, DJ 05.10.2007.
  14. STF, HC 88.476/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, j. 17.10.2006, DJ 06.11.2006.
  15. Nota explicativa: Antônio Marcos Pimenta Neves é jornalista, ex-analista da área de Economia e Finanças e ex-diretor de redação do jornal "O Estado de São Paulo". Ganhou notoriedade no cenário nacional em razão da morte de sua namorada, a também jornalista Sandra Gomide. Segundo consta da denúncia, no dia 20 de agosto de 2000, por volta das 14h50, na Rua Perdizes, nº 11 (Haras Setti), Recreio Residencial Ibiúna, em Ibiúna/SP, o jornalista, agindo com animus necandi, por motivo torpe e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, efetuou dois disparos de arma de fogo contra a ofendida Sandra Florentino Gomide, produzindo-lhe as lesões corporais as quais, por sua natureza e sede, provocaram a morte desta, incidindo, assim, nas penas do art. 121, § 2º, incisos I e IV, do Código Penal. O jornalista foi condenado pelo crime de homicídio qualificado em maio de 2006. Inicialmente, a pena foi fixada em 19 anos e dois meses. Tendo o réu recorrido, o Tribunal de Justiça de São Paulo reduziu a pena para 18 anos de prisão sob o fundamento de que o acusado confessou o crime, mas, por outro lado, na mesma decisão, decretou a prisão do recorrente Pimenta Neves. No entanto, o jornalista conseguiu um salvo-conduto em habeas corpus preventivo no STJ para o fim de aguardar o trânsito em julgado da sentença condenatória em liberdade. Em setembro, a Sexta Turma do STJ, ao analisar o Recurso interposto contra a decisão que condenou o jornalista, decidiu que o mesmo deve cumprir pena de 15 (quinze) anos de prisão. No entanto, há recurso interposto no STF questionando esta decisão do STJ.
  16. STF, HC 80.719/SP, rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, j. 26.06.2001, DJ 28.09.2001.
  17. Nota explicativa: João Carlos da Rocha Mattos, ex-juiz federal, acusado de participar de um esquema de venda de decisões judiciais que veio à tona com a "Operação Anaconda" deflagrada pela Polícia Federal em 30 de outubro de 2003, foi condenado a 22 anos de prisão por corrupção passiva (art. 317, CP), formação de quadrilha (art. 288, CP), falsidade ideológica (art. 299, CP), peculato (art. 312, CP), prevaricação (art. 319, CP), supressão de documentos públicos (art. 305, CP), denunciação caluniosa (art. 339, CP) e, finalmente, lavagem de dinheiro (art. 1º, incisos VI e VII, da Lei nº 9.613/1998).
  18. Nota explicativa: Edemar Cid Ferreira, banqueiro proprietário do Banco Santos – que sofreu intervenção do Banco Central em 12.11.2004 – foi condenado a 21 anos de prisão pelos crimes previstos: 1) nos artigos 4º, 20 e 22 da Lei nº 7.492/1986 (crimes contra o Sistema Financeiro); 2) no art. 1º, incisos VI e VII, da Lei nº 9.613/1998 (lavagem de dinheiro), c.c. o § 4º, da mesma Lei; e 3) no art. 288 do Código Penal (formação de quadrilha). O banqueiro aguarda em liberdade o julgamento de recursos interpostos por irresignação contra a sentença contra si prolatada.
  19. STF, HC 86.175/SP, rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, j. 19.09.2006, DJ 10.11.2006.
  20. STF, HC-AgR  89.025/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, rel. para o Acórdão, Min. Eros Grau, Segunda Turma, j. 22.08.2006, DJ 09.11.2007.
  21. STF, HC 82.832/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 01.07.03, DJ 05.09.2003.
  22. STF, HC 91.018/GO, rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, j. 02.10.2007, DJ 01.02.2008.
  23. STF, HC 93.315/BA, rel. Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, j. 27.05.2008, DJ 27.06.2008.
  24. STF, HC 86.853/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, j. 06.06.2006, DJ 25.08.2006.
  25. Rui Barbosa, "Obras completas", XLI, p. 259, apud Ministro Sepúlveda Pertence, em seu voto no MS nº 21.443/DF.
  26. SOUZA, Marcelo Ferreira de. Segurança pública e prisão preventiva no Estado Democrático de Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 160.
  27. CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de. Processo penal e Constituição: princípios constitucionais do processo penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 162, apud SOUZA, Marcelo Ferreira de. Op. cit., p. 154.
  28. STF, HC 93.972/MS, rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, j. 20.05.2008, DJ 13.06.2008.
  29. STF, HC 94.979/TO, rel. Min. Carlos Britto, Primeira Turma, j. 09.09.2008, DJ 03.04.2009.
  30. PACHECO, Denílson Feitosa. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 4. ed. rev. amp. e atual. com a Emenda Constitucional da "Reforma do Judiciário". Niterói: Impetus, 2006, p. 679.
  31. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 377.
  32. NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 590.
  33. STF, HC 97.449/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, j. 09.06.2009, DJ 26.06.2009.
  34. STF, HC 83.868/AM, rel. Min. Marco Aurélio, rel. p/ Acórdão Min. Ellen Gracie, j. 05.03.2009, DJ 17.04.2009.
  35. Rui Barbosa, "Obras completas", XLI, p. 259, apud Ministro Sepúlveda Pertence, em seu voto no MS nº 21.443/DF.

Autor

  • Alexs Gonçalves Coelho

    Mestre em prestação jurisdicional e direitos humanos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT), em parceria com a Escola Superior da Magistratura Tocantinense - ESMAT (2020). Especialista (pós-graduação lato sensu) em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas (2018). Especialista (pós-graduação lato sensu) em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio (2017). Especialista (pós-graduação lato sensu) em Criminologia pela Escola Superior da Magistratura Tocantinense - ESMAT (2014). Especialista (pós-graduação lato sensu) em Direito Público pela Uniderp/Anhanguera (2011). Graduado em Direito pelo Centro Universitário UnirG, Gurupi/TO (2008). Escrivão Judicial - Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (2010-atualidade). Assessor Jurídico de Desembargador - Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (2013-atualidade). Membro da Equipe Especial Disciplinar da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Tocantins - EED/CGJUS/TO (2014/2015). Assistente de Gabinete de Desembargador - Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (2012/2013). Assessor Jurídico de 1ª Instância - Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (2009/2010). Assistente de Gabinete de Promotor - Ministério Público do Estado do Tocantins (2006/2007).

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COELHO, Alexs Gonçalves. Prisão preventiva: garantia da ordem pública e credibilidade da Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2234, 13 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13318. Acesso em: 28 mar. 2024.