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O direito ao ressarcimento do indébito tributário

o princípio da legalidade

O direito ao ressarcimento do indébito tributário: o princípio da legalidade

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1 – O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE:

1.1 – Conceito

O ordenamento jurídico brasileiro é composto por conjunto de normas, dispostas hierarquicamente, onde as normas inferiores buscam validade nas normas superiores, até alcançarem o ápice, a Constituição Federal.

A constituição não só cria o estado e sua organização, os seus poderes, como elenca e garante os direitos fundamentais das pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas.

A origem da palavra princípio, deriva do termo latim (pricipium, principii) que dá a idéia de origem, início, ponto de partida, base.

Para o direito tributário o princípio é uma forma de restrição legal ao poder de tributar, porque só pode ser feita através de lei escrita pelo poder legislativo a criação ou o aumento de tributos.

Portanto, as ordens constitucionais não possuem todas a mesma importância, porque algumas veiculam simples regras ao passo que outras verdadeiros princípios. Portanto existem normas constitucionais que são regras e existem normas constitucionais que são princípios. As normas constitucionais que são princípios são muito mais importantes do que as normas constitucionais que são regras, haja vista que a inobservância de um princípio constitucional é muito mais danoso a ordem jurídica do que o descumprimento de uma regra constitucional. Por isso os princípios constitucionais são os alicerces do edifício jurídico.

Segundo Roque Antônio Carraza (1), o "princípio é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição preeminência nos vastos quadrantes do Direito, e por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam".

Assim sendo, não se pode conceber o princípio jurídico de maneira isolada, até por que o ordenamento jurídico é uno e um conjunto de normas harmônicas onde os princípios é que lhe dão o equilíbrio e a sustentação necessária.

Portanto, faz-se mister que o princípio constitucional exista, não importando que seja implícito ou explicito cabendo ao interprete, discerni-lo no próprio texto normativo.

No entendimento de Celso Antônio Bandeira de Melo (2), "princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome de sistema jurídico positivo".

Os princípios cumpre uma função informadora dentro do Ordenamento Jurídico e assim, as diversas normas devem ser aplicadas em sintonia com ele.

Portanto, a não observância ao princípio acarreta agressão não só a um certo mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos. Recheando-se de ilegalidade, sua inobservância, porque se insurge contra todo o sistema.

Para Ives Gandra da Silva Martins (3), "se o princípio da legalidade limita o poder de tributário, colocando-o sob monopólio da lei escrita, proveniente do legislativo, a criação e majoração dos tributos, faz nascer o direito público subjetivo do cidadão contribuinte – exigir que os entes de governo interfiram na sua área particular de ação, criando ou aumentando tributos, através de lei".

1.2 –Legalidade tributária formal.

No ordenamento jurídico constitucional brasileiro o legislador constituinte estabeleceu no artigo 5º, II da Constituição Federal o princípio da legalidade genérica.

Art. 5º, II da CF/88 – "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

A carta magna de 1988 tratou com mais severidade em seu capítulo I "do sistema tributário nacional", "seção II das limitações do poder de tributar", artigo 150, caput e I, o princípio da legalidade tributária.

Art. 150, caput e I - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

No direito tributário como espécie do direto público está subordinado a separação dos podres em executivo, judiciário e legislativo, que por sua vez agem harmoniosamente entre si. Por outro lado inexiste interpenetração de poder, só de maneira tênue.

Desta maneira, a obrigação tributária está diretamente ligada a representação política como forma de expressão da vontade de seus representados exteriorizando-se através da lei escrita oriunda do poder legislativo.

Asseverando, esse entendimento, Sacha Calmon Navarro Coelho (4), nos ensina que "o princípio da legalidade significa que a tributação deve ser decidida não pelo chefe do governo, mas pelos representantes do povo, livremente eleitos para fazer leis claras".

Sendo assim, o poder executivo através de elaboração das medidas provisórias não pode criar nem aumentar tributos, senão houver ratificação no prazo de 30 (trinta) dias por parte do legislativo, transformando a medida provisória em lei, caso contrário perde sua força de lei e sua eficácia normativa. Haja vista que a medida provisória não é lei, mas tem força de lei, e sem contar que a medida provisória surpreende o contribuinte.

Do mesmo modo o judiciário, onde apesar das lacunas na legislação tributária, ao interpretar ou integrar a legislação, jamais cria ou aumenta tributos, haja vista que o mesmo já está previsto dentro o próprio ordenamento jurídico brasileiro que é uno e indivisível.

Para Paulo de Barros Carvalho (5), o veículo introdutor da regra tributária no ordenamento há de ser sempre a lei (sentido lato), porém o princípio da estrita legalidade diz mais do que isso, estabelecendo a necessidade de que a lei adventícia traga no seu bojo os elementos descritores do fato jurídico e os dados prescritores da relação obrigacional".

Portanto, o princípio da legalidade assegura ao contribuinte que fica desobrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei, que é ato do poder legislativo.

Segundo Aliomar Baleeiro (6), o princípio da legalidade dos tributos, prende-se à própria razão de ser dos parlamentos, desde a penosa, e longa luta das câmaras inglesas para efetividade da aspiração contida na fórmula no taxation without representation, enfim, o direito de os contribuintes consentirem – e só eles – pelo voto de seus representantes eleitos, na decretação ou majoração de tributos".

1.3 –Legalidade tributária material.

O direito tributário brasileiro tem como norma tributária a lei em sentido amplo, isto é, lei formal ou lei material.

Por outro lado, para o princípio da legalidade tributária a lei engloba uma complexidade maior, sendo necessário que a lei contenha elementos essenciais a relação jurídico-tributária.

O disposto no artigo 150, I da Constituição Federal permite a primeira análise perceber que só através de lei é que se pode exigir ou aumentar tributo.

Entretanto, não é suficiente apenas instituir o tributo, sem delimitar de maneira cerrada a hipótese de incidência da obrigação tributária, os sujeitos da relação obrigacional, alíquota, isto é, terá que estabelecer os elementos essenciais para individuação do tributo, haja vista que o princípio da legalidade se perfaz através da formalidade ou ato do poder legislativo e da materialidade ou tipicidade

Segundo, "este princípio, além da exigência de lei formal para instituição ou aumento de tributo (princípio da legalidade), é imprescindível também que esta lei defina todos os elementos que o compõe – quais sejam, sujeitos da relação obrigacional, a descrição da hipótese de incidência, base de cálculo e alíquota" (7).

Corroborando com esse entendimento, Hugo de Brito Machado (8), entende que "o verdadeiro sentido do princípio da legalidade exige que todos os elementos necessários à determinação da relação jurídica tributária, ou mais exatamente, todos os elementos da obrigação tributária principal, residem na lei".

Portanto, para o princípio da legalidade exige-se que os tributos sejam objetos de uma tipologia, haja vista que é preciso limitar o poder de tributar da administração gerando uma certa estabilidade, pois a lei criada pelo legislativo são menos fáceis de serem reformadas ou revogadas, do que os regulamentos do poder executivo, bem como, o conhecimento do tributo e seus vetores de incidência e eficácia.

Para Marco Aurélio Greco(9), o "tipo é fundamentalmente, um modelo de compreensão da realidade, envolve a indicação ou descrição de uma parcela da realidade".

Já Alberto Xavier (10), entende que "se o tipo tributário exprime, assim, uma especificação do conceito de imposto, cada tipo, por se, deve conter todos os elementos que caracterizam aquele mesmo conceito".

Por isso, é importante observar que o princípio da legalidade material está diretamente relacionado com o conteúdo da lei, bem como, a tipicidade "não é só do fato jurígeno-tributário como também do dever jurídico decorrente (sujeitos ativo e passivo, bases de cálculo, alíquotas, fatores outros de qualificação)". (11)

Por último, a legalidade tributária material há de ser cerrada afim de que a administração ou o próprio poder judiciário, não possam integrar ou até mesmo interpretar o tipo tributário de maneira diversa da contida na lei tributária.


2.0 – O DIREITO AO RESSARCIMENTO DO INDÉBITO TRIBUTÁRIO

O Estado, como poder tributante, arrecada seus tributos consoante ao princípio da legalidade; e do outro lado, o contribuinte sempre cumpre com sua obrigação tributária também pelo mesmo princípio.

Ocorre que, pelo princípio da legalidade tributária, sempre que houver o indébito tributário, o estado se apropria indevidamente de determinada parte da propriedade do contribuinte, que cumpriu com sua obrigação indevida porém não terá caráter tributário, haja vista que tal exigência não decorre de lei em sentido restrito.

Portanto, se o Estado, exige indevidamente uma certa quantia de tributo, não em virtude de lei, mais por ato do próprio poder executivo exclusivamente, ou nega-se o ressarcimento do mesmo, agride, o artigo 150, inciso I, da Constituição Federal de 1988.

Art. 150, caput e I - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

Logo, da análise imediata deste artigo, leva ao entendimento claro do dever por parte do estado, poder executivo, de ressarcir pelo indébito tributário o sujeito passivo dessa obrigação, que é o contribuinte.

Conforme nos ensina Alfredo Augusto Becker (12), "o direito tem como correlativo o dever, não pode existir aquele sem este e vice-versa. A pretensão tem como correlativo a obrigação; não pode existir aquela sem esta e vice-versa".

Portanto, "não seria razoável imaginar um princípio da legalidade temporariamente limitado, pelo qual o Estado não pudesse cobrar tributos sem lei mas pudesse, tranqüilamente, após eventual cobrança de tributo ilegal, manter em sua posse os recursos desse tributo" (13).

Assim sendo, seria impossível por parte do Estado reter para si tributo indevidamente pago pelo sujeito passivo da relação tributária, seja, pela exigência em desacordo com a lei ou na sua inexistência, ou, seja, o não ressarcimento do tributo pago indevidamente pelo contribuinte ao Estado.

Por isso, é direito subjetivo do polo passivo, receber aquilo que lhe é por direito, e como contraprestação, é dever do estado devolver a quantia paga indevidamente ao contribuinte da relação jurídico-tributária.

As normas contidas nos artigo 5º da Constituição Federal de 1988, são direitos fundamentais, como não poderia fugir, a regra constitucional, ou melhor, o princípio da legalidade tem sua aplicação imediata prevista no artigo 5º, § 1º do mesmo diploma constitucional de 1988 e como tal, não é passível contrariá-lo nem mesmo por meio de emendas constitucionais, tal previsão está contida no artigo 60º, § 4º da Carta Magna de 1988.

Do mesmo modo, o direito a ressarcimento do indébito tributário, decorrente do princípio da legalidade, tem sua aplicabilidade imediata, haja vista que ambos tem mesmo grau de eficácia.

Por isso, o direito subjetivo ao ressarcimento do que foi pago indevidamente pelo contribuinte é garantia constitucional, e como tal, é dever do Estado, como possuidor ilegítimo do pagamento do tributo, restituir ao mesmo aquilo que lhe foi pago indevidamente. Caso contrário configuraria uma verdadeira agressão ao sistema, isto é, uma inconstitucionalidade por parte do Estado exigir tributo sem lei que o estabeleça.


3.0 – CONCLUSÃO

O ordenamento jurídico brasileiro tem sua base interpretativa nos princípios jurídicos estabelecido na Constituição Federal, tais como: o princípio da isonomia, da igualdade, da legalidade, dentre muitos outros.

Já no direito tributário a sua aplicabilidade assume um caráter de direção para o intérprete do sistema jurídico, que tem a no princípio da estrita legalidade um vetor para sua interpretação.

Assim sendo, não se pode conceber um princípio jurídico de maneira isolada da ordem jurídica, haja vista que o ordenamento jurídico brasileiro é uno e suas normas interagem de forma harmônica, onde os princípios é que lhe dão base e sustentação necessária.

Por isso, os princípios jurídicos possuem uma função informadora dentro do ordenamento jurídico e assim as diversas normas devem ser aplicadas em sintonia com ele, onde a inobservância a um dos princípios acarreta uma agressão a todo sistema jurídico.

O princípio da legalidade tributária contém dois aspectos importantes: a legalidade formal e a legalidade material.

A legalidade tributária formal consiste no ato do poder legislativo em criar ou aumentar tributo através de lei, entendida como ato do poder legislativo.

Para a legalidade tributária material, ou melhor, a tipicidade, não basta apenas a lei ser criada pelo legislativo, faz-se necessário que se estabeleça os sujeitos da relação obrigacional tributária, descrição das hipóteses de incidências, a base de cálculo e a alíquota.

Por isso, o direito ao ressarcimento do indébito tributário, está diretamente ligado a legalidade tributária, e sua aplicabilidade se faz de maneira imediata, haja vista que ambos tem o mesmo grau de eficácia.


NOTAS

  1. CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional tributário. São Paulo, Malheiros 1999, pp. 31 – 32.
  2. MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo. Malheiros Editores, 1996, p. 545.
  3. MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Curso de Direito Tributário, Pará, CEJUP, 1995, p. 141 – 142.
  4. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro, Forense 1999, p. 195
  5. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo, Saraiva, 1999, p. 154.
  6. BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro, Forense, 1995, p. 74.
  7. CONTI, José Maurício. Sistema Constitucional Tributário Interpretado pelos Tribunais. São Paulo, Oliveira Mendes, 1998, p. 86.
  8. MACHADO, Hugo de Brito. Os Princípios da Tributação na Constituição de 1988. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1994, p.28.
  9. GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Fiscal e Interpretação da Lei Tributária. São Paulo, Dialética, 1998, p. 59.
  10. XAVIER, Alberto. Os princípios da Legalidade e da tipicidade da Tributação. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1978, p. 72.
  11. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro, Forense 1999, p. 200.
  12. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo, Lejus, 1998, p. 344.
  13. TROIANELLI, Gabriel Lacerda. Compensação do Indébito Tributário. São Paulo, Dialética, 1998, p.21.

BIBLIOGRAFIA

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro, Forense 1999.

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OLIVEIRA, Juarez de. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. São Paulo, Saraiva, 1996.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LAURINDO, Bruno. O direito ao ressarcimento do indébito tributário: o princípio da legalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 46, 1 out. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1342. Acesso em: 28 mar. 2024.