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A superação do princípio da unicidade da sentença e a nova modalidade de julgamento antecipado da lide

A superação do princípio da unicidade da sentença e a nova modalidade de julgamento antecipado da lide

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Sumário: Introdução. 1. O sistema processual brasileiro. 1.1. Provimentos judiciais na sistemática do código de processo civil de 1.973. 1.1.1. Sentenças. 1.1.2. Decisões interlocutórias. 1.2. A antecipação de tutela. 2. O julgamento antecipado parcial da lide. 2.1. O § 6º do art. 273 do código de processo civil. 2.2. A decisão definitiva face a incontrovérsia do pedido. 2.2.1. Hipóteses de Cabimento. 2.3. A quebra do princípio da unicidade da sentença. Conclusão.


INTRODUÇÃO

A Lei Federal n. 10.444, de 07 de maio de 2002, dentre outras modificações no Código de Processo Civil, acrescentou ao art. 273 o § 6º, possibilitando ao magistrado antecipar a tutela de mérito quando um ou mais dos pedidos cumulados mostrar-se incontroverso. O acréscimo foi com o propósito de minimizar os prejuízos sofridos pelo autor com a demora da prestação jurisdicional, seja pelo acúmulo de demandas, seja pela defesa meramente protelatória do réu.

Acrescentado o referido dispositivo e diante das discussões já presentes na doutrina, surgiu um novo questionamento: é possível, através da antecipação de tutela de mérito, ser prolatada uma sentença definitiva, sem que isto implique o término do procedimento em primeira instância? É justamente esta questão que se pretende responder no presente estudo. Para tanto, utilizar-se-á na abordagem o método dedutivo, através do qual será feita uma análise comparativa dos possíveis provimentos judiciais previstos pelo sistema processual brasileiro, com a finalidade de demonstrar a plausibilidade técnica de uma sentença parcial de mérito mediante a utilização dos mecanismos processuais existentes.

Assim, no primeiro capítulo, iniciar-se-á fazendo uma análise do sistema processual brasileiro e sua origem romana. Também será tratado do surgimento da relação jurídica e do conceito de processo, como um instrumento tendente à atuação da lei. Uma vez estabelecidas estas premissas, serão abordados os atos judiciais praticados pelo Estado-Juiz para a outorga da tutela jurisdicional, definidos no art. 162 do Código de Processo Civil como sentenças, decisões interlocutórias e despachos, adentrando, desde já, na discussão acerca da viabilidade da sentença parcial e definitiva no nosso ordenamento jurídico. Além disso, discorrer-se-á a respeito do instituto da antecipação de tutela, que possibilita o adiantamento dos efeitos da futura sentença de procedência, e que foi implantado no direito processual brasileiro ainda no ano de 1994, como mecanismo de combate à lentidão do processo.

Por sua vez, o segundo capítulo versará sobre o julgamento antecipado parcial da lide, a sua previsão no direito estrangeiro, e as passagens em que o próprio código de processo civil admite sua existência, ainda que não se forma expressa. Na seqüência, será aludido o § 6º do art. 273 do Código de Processo Civil, como técnica de resolução parcial do mérito da causa, a partir de uma decisão fundada em cognição exauriente e juízo de certeza. Admitido o julgamento antecipado parcial do lide em face da incontrovérsia do pedido, mostrar-se-ão as hipóteses em que se fará possível a aplicação do dispositivo comentado, quais sejam: quando houver o reconhecimento jurídico do pedido, transação, renúncia, revelia, contestação genérica, confissão ou ainda, quando for desnecessária a dilação probatória com relação a um dos pedidos, ou parte destes, observando-se, em todos os casos, a cumulação de pedidos, se existente.

Ao final, demonstrar-se-á a quebra do princípio da unidade e unicidade da sentença, sedimentada pela inserção do § 6º ao art. 273 do Código de Processo Civil, com o que se terá a pretensão da parte autora (ou do réu em situações específicas) satisfeita em diferentes momentos, através de sentenças sucessivas. Esta cisão do julgamento do mérito da causa possibilitará o tratamento diferenciado aos direitos evidentes, concretizando o direito fundamental a uma efetiva tutela jurisdicional.


1 O Sistema Processual Brasileiro

Na busca da identidade do sistema processual brasileiro é necessário ter em vista a classificação doutrinária dos sistemas contemporâneos, definidos em grandes famílias jurídicas, agrupadas de acordo com os elementos em comum que as identificam. Nesse sentido, René David descreveu os três grandes grupos de sistemas jurídicos: a) a família romano-germânica, da qual faz parte o direito brasileiro; b) o sistema socialista; c) e o sistema ligado a common-law. Estas grandes famílias sofrem recíprocas e profundas influências, a partir da intensificação das relações sociais, econômicas e culturais da população, o que justifica a existência de traços fundamentais que unem o direito processual civil brasileiro à sua origem romana e, ao mesmo tempo, distingue-o por força de influência não-romanas (SILVA, 2006).

Com efeito, o direito romano, em sua formação, era marcado por duas características basilares. A primeira, diz respeito à confusão do direito com o misticismo religioso. A revelação do direito era segredo dos pontífices, a quem cabia o julgamento das lides de natureza privada. Já a segunda particularidade refere-se ao fato de que a intervenção de um terceiro imparcial no litígio só se fazia possível depois que o cidadão que se julgasse com direito já o tivesse exercido privadamente, de forma que ao magistrado cabia ratificar o exercício privado do direito. [01] Nota-se, portanto, uma inversão, que no dizer de Silva, "[...] nada mais é do que a expressão particular de um fenômeno de índole geral que tem marcado, como uma espécie de princípio superior, imanente ao fenômeno jurídico processual, toda a evolução do direito, até nossos dias" (2006, p. 13).

Contudo, as raízes romanas do nosso direito processual civil não são ligadas a este direito clássico, mas sim ao direito romano tardio, dominado pelos imperadores cristãos do Oriente no período em que o cristianismo se consolidou como religião universal da Europa. Este novo direito valia-se das categorias e instituições próprias do direito romano clássico, porém, dava-lhes outro sentido, tomando por base os princípios romano-cristãos, principalmente a idéia de moderação e clemência [02] (SILVA, 2006).

Esta nova concepção trouxe mudanças significativas nas instituições processuais, introduzindo novas categorias que encontravam albergo nos ideais cristãos, como a idéia de que o devedor encontrava-se em situação de inferioridade. Com isso se observa que a seriedade com que eram tratados os devedores no direito romano primitivo mudou de tal forma que este demandado passou a ser protegido contra as investidas privadas dos titulares de direito.

O processo de conhecimento surge, pois, como o pilar de sustentação do sistema, sendo que o direito do autor só pode ser exercido depois de exaustivamente provado sua existência, prevalecendo o princípio da precedência da cognição sobre a execução.

Assim, a partir do conflito de interesses entre titulares de um direito tutelado pelo Estado, surge a relação jurídica. Uma vez afastada a defesa privada, que era levada a efeito pelo próprio ofendido e que nem sempre resultava na vitória do real titular do direito, já que prevalecia o interesse do mais forte, o titular deste direito passou a exigir do Estado, através da instituição criada para este fim – o Poder Judiciário – a satisfação da pretensão resistida. E, desta relação surgida entre aquele que exige a proteção estatal, afirmando ser titular de um direito, e o próprio Estado, constituiu-se a então relação processual. Portanto, pode-se concluir que a relação processual civil é a relação jurídica de Direito Público formada entre o pretenso titular do direito reclamado e o Estado, posteriormente completada com a convocação do demandado (SILVA, 1998, p. 14).

Nesta seara, observa-se que ao titular do direito interessa que este conflito de interesses, qualificado por uma pretensão resistida, seja solvido pelo Estado. A composição da lide ocorrerá, então, pela incidência da lei reguladora da espécie de conflito, norma geral e abstrata, ao caso concreto. Para tanto, o Estado utiliza-se do processo, definido como uma série de atos coordenados, tendentes à atuação da lei, e que objetiva a composição da lide. Ao ente estatal cumpre, portanto, assegurar a ordem jurídica, compondo as lides ocorrentes por meio da atuação da lei. Trata-se da função jurisdicional do Estado, exercida caso a caso pelos órgãos jurisdicionais (SANTOS, 1998).

Do exposto verifica-se que a idéia de processo está intimamente ligada à atividade desenvolvida perante os tribunais para a obtenção da tutela jurídica estatal, com o fito de reconhecer e realizar a ordem jurídica e os direitos individuais por ela estabelecidos e protegidos. O processo judicial faz-se necessário, desse modo, para que os titulares de direitos ou de outros interesses legalmente protegidos pelo ordenamento jurídico estatal obtenham a realização do seu próprio direito, já que vedada a reação instantânea, em regime de autotutela, em face da formação do Estado e, conseqüentemente, do monopólio da jurisdição (SILVA, 1998).

Segundo Rocha (1996), processo é, então, uma série de operações praticadas pelos órgãos judiciários e pelas partes, imprescindíveis à concretização do direito ao caso concreto. E este instrumento da jurisdição apresenta como características fundamentais a complexidade, a dimensão temporal, a interdependência entre seus atos e a progressividade. Ampliando, é uma atividade complexa porque se compõe de mais de um ato; o que, por conseguinte, implica no seu desenvolvimento no transcorrer tempo; outrossim, essa sucessão de atos é interdependente, ou seja, o ato antecedente é pressuposto do conseqüente, pelo que se evidencia a progressividade em busca do resultado final. O processo é, pois, uma seqüência de atos preordenados à produção de um determinado resultado, com o que se cumprirá a função jurisdicional.

1.1 PROVIMENTOS JUDICIAIS NA SISTEMÁTICA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973

Integrante da relação processual como representante do Estado e condutor do processo, cabe ao juiz a outorga da tutela jurisdicional. Para tanto, pratica atos de diversa natureza, ordenando a marcha procedimental e a solução das questões incidentes, até o pronunciamento definitivo sobre a lide posta (WAMBIER, 2002, p. 169-70). Segundo Chiovenda (2000, p. 35) estes atos dividem-se em atividades de tomada de material de cognição, especialmente provas e atos administrativos, e provimentos. Estes, são atos decisórios, classificados pelo legislador brasileiro em sentenças, decisões interlocutórias e despachos, sendo que da própria redação do art. 162 do Código de Processo Civil pode-se extrair os respectivos conceitos.

De acordo com Wambier (2002, p. 173), a natureza do ato proferido pelo juiz é definida unicamente pelo seu conteúdo. Portanto, não é o momento em que o ato é praticado, nem tampouco o efeito que produz que definirá o tipo de provimento utilizado. [03]

Os despachos, ou despachos de mero expediente, como costumeiramente chamados, caracterizam-se por não possuírem conteúdo relevantemente decisório. São atos de impulso e encaminhamento do processo, que não envolvem o direito discutido, nem os interesses dos litigantes, razão pela qual são irrecorríveis. Por conseguinte, caso haja controvérsia entre as partes em relação à prática ou realização de algum ato, o provimento não será mais um mero despacho [04], mas sim uma decisão interlocutória passível de ser atacada por meio de recurso [05] (WAMBIER, 2002, p. 172; SILVA, 1998, p. 202).

Partindo de tal afirmação, chega-se ao segundo ato praticado pelo magistrado, elencado no § 2º do art. 162 do Código de Processo Civil e denominado de decisão interlocutória. O citado provimento é definido como o "[...] ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente" (BRASIL, 2006, p. 623). Assim, é um ato provido de conteúdo decisório, e que consiste num pronunciamento jurisdicional tendente a solver um impasse momentâneo que impede o normal prosseguimento do processo (WAMBIER, 2002, p. 171).

Por fim, consiste a sentença, de acordo com a alteração trazida pela Lei n. 11.232/05 [06], em todo "[...] o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei" (BRASIL, 2006, p. 622). Tem-se assim que a sentença, julgando ou não o mérito do causa, é o ato que extingue o procedimento em primeira instância, seja com ou sem resolução de mérito (WAMBIER, 2006, p. 31).

De todo expendido observa-se que tanto as sentenças quanto as decisões interlocutórias e os despachos possuem um ponto em comum de convergência: o conteúdo decisório do ato, que é praticamente irrelevante no despacho, e basilar na sentença. Portanto, todos os provimentos jurisdicionais têm esta característica que proporciona à relação processual um desenvolvimento regular, com o intuito de findar a atuação no primeiro grau de jurisdição, que se dará com a sentença (ARAGÃO, 1976, p. 51).

1.1.1 Sentenças

O Código de Processo Civil de 1939 separava em duas categorias os provimentos finais, de acordo com a análise ou não do mérito da causa. Considerava-se sentença definitiva, contra a qual cabia o recurso de apelação, quando decidida as questões meritórias. Por outro lado, tratava-se de sentença terminativa, comportando o extinto recurso de agravo de petição as decisões que colocam fim à relação processual sem adentrar na análise do mérito. Já o Código de Processo Civil de 1973 assumiu uma postura pragmática e conceituou sentença simplesmente como o ato que encerra o processo, com ou sem resolução de mérito, tornando-se sempre apelável (ARAGÃO, 1976, p. 43; MITIDIERO, 2004, p. 168).

Outrossim, ainda que não haja a distinção legal quanto aos tipos de provimento final, doutrinariamente ainda se observa a classificação das sentenças em definitivas e terminativas. Silva definiu sentença como sendo o ato jurisdicional por excelência, através do qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa, de tal forma que se terá uma sentença terminativa, na hipótese em que a relação processual for extinta sem decisão acerca do mérito da causa, ou então, uma sentença definitiva, quando o mérito for analisado (SILVA, 1998, p. 200).

Todavia, a definição de sentença estabelecida pelo Código de Processo Civil demonstrou-se equivocada, na medida em que este ato encerra o procedimento em primeiro grau de jurisdição, se que isto importe em extinção do processo. Aliás, o equívoco mostra-se evidente nas hipóteses de ações executivas lato sensu [07], já que, a sentença, ao invés de findar o processo, dá início a uma nova fase processual, direcionada à atuação executiva do direito declarado. Além disso, com a reforma realizada pela Lei n. 11.232/05 o princípio da autonomia entre processo de conhecimento e executivo foi praticamente eliminado do direito processual civil brasileiro, na medida em que, havendo condenação ao pagamento de quantia certa, a teor do disposto no art. 475-J do Código de Processo Civil, o seu cumprimento depende apenas do requerimento do credor, com o que se dará início às atividades executivas no mesmo processo. Desta forma, o fato de não haver recurso contra a sentença apenas implicará na extinção da fase cognitiva do processo [08] (MITIDIERO, 2004; WAMBIER, 2006).

Por tais razões, a definição de sentença contida no art. 162, § 1º do Código de Processo Civil foi alterada também pela Lei n. 11.232/05, de tal forma que a sentença passou a ser identificada tão somente pelo seu conteúdo, que vem disposto nos art. 267 e 269 do Código de Processo Civil. A referida alteração acabou de vez com a concepção errônea de que a sentença extingue o processo [09] (WAMBIER, 2006).

Não obstante a recente inovação, Silva (2002, p. 20) ao debater acerca das decisões interlocutórias e sentenças liminares já havia concluído que sentença é o provimento que se pronuncia sobre o direito, pondo fim ao procedimento, ou então, encerrando a controvérsia a respeito de uma das ações cumuladas, prosseguindo-se o feito para tratamento da porção da lide não apreciada pela sentença parcial. Outrossim, citando Chiovenda, para o qual sentença definitiva é a que se pronuncia sobre a demanda judicial, enfatizou que o contrário desta sentença definitiva não será sentença provisória, mas sim sentença parcial. Portanto, toda vez em que o magistrado se manifestar sobre o mérito da causa, seja acolhendo ou rejeitando o pedido, estará proferindo uma sentença parcial, embora sem encerrar inteiramente o procedimento [10].

Desta forma, pode-se dizer que existe a possibilidade de ser prolatada uma sentença definitiva sem que isto implique o término do procedimento em primeiro grau, o que, aliás, é trazido por Chiovenda: "[...] se a prestação principal do juiz pode satisfazer-se em vários momentos, como na hipótese de cumulação de ações, toda sentença que se pronuncia sobre uma das demandas, ou sobre parte da demanda, é definitiva, conquanto parcial" (2000, p. 279), de modo que se vislumbra a superação do princípio da unidade e unicidade do julgamento, um dogma do direito positivo [11].

Cumpre destacar, outrossim, que esta sentença denominada parcial produz coisa julgada e somente se distingue da sentença definitiva por não encerrar inteiramente o procedimento em primeiro grau de jurisdição. Tanto na sentença definitiva, quanto na parcial, o juiz profere uma decisão sobre o mérito da causa, de tal forma que o ponto decidido não mais poderá ser discutido pelos litigantes e nem o juiz poderá sobre ele emitir novo julgamento, já que todo e qualquer provimento definido como sentença é definitivo (SILVA, 2002, p. 21).

De todo expendido, verifica-se que em nosso ordenamento jurídico a noção de sentença definitiva se coaduna com a idéia de sentença parcial, desde que compreendido que a sentença não é o ato que extingue o processo, mas sim, o provimento jurisdicional pelo qual o juiz diz o direito [12], pondo fim ao procedimento ou, ao menos, encerrando a controvérsia a respeito de um dos pedidos cumulados (DALL’ALBA, 2005, p. 366).

1.1.2 Decisões Interlocutórias

Partindo-se da concepção de que o processo é uma série temporal de atos entre si conjugados, visando um objetivo comum, é natural que no curso desta relação processual surjam inúmeras questões que demandem a resolução imediata pelo magistrado. Tais pronunciamentos não representam o encerramento do processo ou do procedimento em primeiro grau de jurisdição, mas apenas possibilitam o desenvolvimento regular do processo, impulsionando-o até o seu término, com a sentença. Tratam-se, pois, de decisões interlocutórias, que resolvem questões incidentes e, por isso, são dotadas de cunho decisório, o que implica conseqüentemente na possibilidade de serem atacadas por meio de recurso (SILVA, 1998; WAMBIER, 2002).

Para Aragão (1976, p. 48-9) decisão interlocutória nada mais é do que um despacho, sendo inócua a classificação dos atos jurisdicionais trazida pelo Código Processual Civil em vigor. Esclarece o jurista que se os pronunciamentos fossem divididos apenas em sentenças e despachos lograria melhor êxito já que, tomando por base o julgamento da lide, sentença é o ato que põe termo ao procedimento, enquanto os despachos são todos os demais provimentos que têm por escopo encaminhar o processo para a sentença. Outrossim, estes despachos variam somente de intensidade, sendo que em alguns casos o magistrado soluciona incidentes que poderiam ou não impedir a regular marcha do processo, tratando-se das então chamadas decisões interlocutórias; em outras situações, apenas impulsiona o feito, o que seriam os despachos de mero expediente.

Todavia, conforme justifica Mitidiero (2004, p. 171-2), da análise do sistema adotado pelo Código de Processo Civil é imprescindível a diferenciação entre despachos e decisões interlocutórias. A interlocutoriedade pressupõe a necessidade de um passo adiante, seguindo-se o curso do processo após a sua prolação.

A esse respeito, Silva, analisando a obra de Freitas, destaca que decisão interlocutória era tida como a sentença que apenas decidia questão relativa à ordem processual, de modo que era chamada sentença interlocutória. Ainda, subdividia-se em simples, quando estava limitada ao ponto sobre o qual era proferida; ou então, mista, caso prejudicasse a questão principal. Com efeito, a partir desta afirmação verifica-se que o conceito estava intimamente ligado ao fato desta decisão preceder a sentença definitiva, desimportando a natureza da matéria (SILVA, 2002, p. 4).

Impende ressaltar, outrossim, que o conceito de decisão interlocutória vai além do esboçado no Código de Processo de Civil em vigor, que a descreve como "[...] o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente" (BRASIL, 2006, p. 622). A definição está atrelada a um princípio basilar do direito processual civil, o princípio da oralidade. Isso se explica fundamentalmente pelo fato de que, sendo impossível concentrar-se numa única audiência o inteiro tratamento da demanda, a freqüência com que as questões incidentes aparecem, num dado sistema processual, só tendem a aumentar, já que escassa a comunicação verbal. Portanto, este aumento ocorre na mesma proporção em que o sistema se afasta da oralidade e da concentração dos atos, tornando-se ordinário (SILVA, 2002, p. 3).

As decisões interlocutórias vêm a solver, desse modo, as divergências momentâneas que impedem o regular andamento do feito, variando de acordo com as peculiaridades do litígio, do procedimento e da fase procedimental (WAMBIER, 2002).

1.2 A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

A inserção do instituto da antecipação de tutela no direito processual brasileiro foi sugerida por Silva durante o 1º Congresso Nacional do Direito Processual Civil, realizado em Porto Alegre/RS, em julho de 1983. Entretanto, a inovação somente foi implantada em nosso ordenamento jurídico através da reforma processual trazida pela Lei n. 8.952, de 13 de dezembro de 1994. Antes disso, já integrava ordenamentos jurídicos de vários países europeus, como Itália, França, e Portugal, com o fim precípuo de desencorajar os litigantes que buscavam procrastinar o processo (CARNEIRO, 2002).

Com efeito, pode-se afirmar que a sua introdução no ordenamento vigente serviu não só para evitar o abuso do direito de defesa, mas também e principalmente, para impedir que a demora na prestação jurisdicional, decorrente do alongamento do processo no tempo, ocasionasse o perecimento das pretensões do autor. A morosidade processual sempre implicou em prejuízos tanto na esfera patrimonial como na de direitos personalíssimos, de tal forma que o combate à demasiada duração do processo tornou-se uma necessidade, ou melhor, como afirmou Baptista (2003, p. 245), "[...] o empenho pela adequação do processo à sua função instrumental de realização do Direito" (CARNEIRO, 2002).

Sendo assim, com o fito de tornar a prestação jurisdicional efetiva, satisfazendo de imediato os interesses do demandante, o legislador deu nova redação ao art. 273 do Código de Processual Civil de 1973, criando o instituto denominado antecipação da tutela, que nos dizeres de Passos é a possibilidade de "[...] obter-se decisão de mérito provisoriamente exeqüível, mesmo antes de cumpridos todos os trâmites do procedimento que a ensejara em condições normais" (1998, p. 9).

O instrumento é, portanto, uma forma de antecipar os efeitos da futura sentença de procedência. E antecipar os efeitos da tutela, como bem explica Zavascki (1997, p. 82-5), é adiantar no tempo as eficácias potencialmente contidas na sentença de mérito. O que é antecipado é tão só o efeito, seja executivo ou mandamental, da futura sentença que acolher a pretensão inicial, assim entendido como aquele que tem aptidão para produzir efeito no plano real, de modo que não se trata de julgamento antecipado da lide [13]. Na tutela antecipada o mérito do pedido é apreciado pelo juiz, mas na forma de uma decisão interlocutória, passível de modificação ou de revogação e que apresenta, ainda, como elementos caracterizadores a sumariedade, a urgência e a satisfatividade fática (SALVADOR, 1995).

O primeiro caractere refere-se ao nível vertical de cognição [14]: "[...] a tutela provisória é formada à base de cognição sumária, no que diz respeito à profundidade. Enquanto na tutela definitiva se busca juízo de certeza, aqui a tutela jurisdicional é conferida à base de juízos de verossimilhança" (ZAVASCKI, 1997, p. 30). E esta cognição sumária, por ser superficial, é sempre provisória, passível de revisão, razão pela qual não produz coisa julgada material (CUNHA, 2004, p. 10).

Outrossim, justifica-se esta decisão fundamentada em um juízo de probabilidade na urgência da medida, que objetiva não só dar efetividade ao processo, como também salvaguardar os interesses da parte autora, evitando-se com isso, um prejuízo com a demora ou até mesmo, o perecimento o bem visado na demanda (PASSOS, 1998).

Uma vez concedida a antecipação de tutela com base em uma cognição superficial, em razão da urgência da medida, corolário lógico será a necessidade deste provimento ser reversível e revogável, considerando-se, principalmente, que no decorrer do processo a situação fática pode sofrer alterações e os motivos que ensejaram a concessão da medida podem não mais subsistirem. Sendo assim, admitindo-se a antecipação do que será irreversível [15], estar-se-á transformando em definitiva uma decisão que dessa natureza não se pode revestir, sob pena de comprometer quase que por inteiro o próprio instituto da antecipação de tutela, já que se tornaria inútil o prosseguimento do próprio processo. E frente a esta preocupação, o legislador estabeleceu no § 2º do art. 273 do Código Processual Civil que "[...] não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado" (BRASIL, 2006, p. 634), do que se conclui que tanto para a concessão quanto para a execução da medida antecipatória deve-se atentar para a segurança jurídica da parte oposta, de modo que seja garantida a possibilidade de reversão ao status quo (PASSOS, 1998, p. 44; ZAVASCKI, 1997, p. 97-8).

E partindo-se da idéia de que a decisão deve ser passível de reversão, o que se tem é a faculdade do provimento que antecipar os efeitos da tutela poder ser modificado ou revogado a qualquer tempo, desde que o juiz fundamente seu ato, consoante dispõe o § 4º do art. 273. Assim, caso desapareçam os pressupostos da manutenção da medida concedida, poderá o magistrado, proferindo outra decisão, alterar o provimento inicial, com o que é ratificada a característica provisória da medida (WAMBIER, 2002, p. 336).

Destaca-se, outrossim, que para a concessão da tutela antecipada é imprescindível o requerimento da parte, entendendo como tal àquela que postula a tutela definitiva, podendo ser autor, reconvinte, opoente, substituto processual, ou ainda, o réu nos casos de ação dúplice, sendo vedado ao magistrado conceder de ofício. Outrossim, o requerimento poderá ser feito na própria exordial ou no curso do processo, inclusive perante os Tribunais, caso em que o pedido será dirigido ao relator (ZAVASKI, 1997).

Além do requerimento da parte, são pressupostos concorrentes para o deferimento da medida a prova inequívoca e a verossimilhança do direito alegado. Carneiro (2002, p. 21) citando Alvim, conceitua prova inequívoca como aquela que apresenta um alto grau de convencimento, ou seja, cuja autenticidade é provável. Ainda, Watanabe (apud Carneiro, 2002, p. 22) acrescenta que prova inequívoca é diferente de fumus boni iuris do processo cautelar: "O juízo fundado em prova inequívoca, [...] que não apresenta dubiedade, é seguramente mais intenso que o juízo assentado em simples ‘fumaça’, que somente permite a visualização de mera silhueta ou contorno sombreado de um direito. Já o "[...] juízo de verossimilhança repousa na forte convicção de que tanto as ‘quaestiones facti’ como às ‘quaestiones iuris’ induzem a que o autor, requerente da AT, merecerá prestação jurisdicional em seu favor" (CARNEIRO, 2002, p. 26) [grifo do autor].

Portanto, para que seja possível o deferimento da medida antecipatória, é necessário que "[...] existam condições para uma possível decisão de mérito no processo em que ela é postulada, [...] ou já exista decisão de mérito, à qual se deseja acrescentar o benefício da antecipação, para que se torne, de logo, provisoriamente exeqüível" (PASSOS, 1998, p. 26).

Banda outra, são pressupostos alternativos, que se agrega, aos concorrentes acima expostos, o receio de dano irreparável ou de difícil reparação, previsto no inciso I do art. 273 do Código de Processo Civil, e o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, inciso II do referido dispositivo legal. O primeiro pressuposto consiste no risco concreto, iminente e lesivo de ocorrer para o autor danos que serão eliminados se antecipada a tutela de mérito. O risco é objetivo e independente do comportamento do ré (PASSOS, 1998, p. 32; ZAVASCKI, 1997, p. 76-7).

Já o abuso de direito de defesa é a demonstração que o réu utiliza indevidamente o processo, na tentativa de alongá-lo no tempo. Neste caso, a antecipação de tutela é desvinculada dos requisitos da urgência e do dano, e ligada tão-somente à idéia de que a aparência do bom direito exsurge das afirmações do autor, aliada à desvalia evidente e à falta de consistência na defesa apresentada pelo demandado. Por fim, manifesto propósito protelatório por parte do réu corresponde a sua atuação infundada, que vai além do abuso de direito, revelando-se, por exemplo, na provocação de incidentes manifestamente improcedentes e na injustificada resistência ao regular andamento do processo. A conduta do demandado é temerária, passível de condenação por litigância de má-fé (CARNEIRO, 2002, p. 33-4; PASSOS, 1998, p. 33-4).

E a soma de todos estes requisitos: o pedido da parte interessada, a prova inequívoca da verossimilhança da alegação e o fundado receio de dano ou abuso de direito da parte contrária, conduzem à antecipação dos efeitos da tutela, permitindo-se, assim, a fruição, ainda que parcial, do bem da vida reclamado pelo autor da demanda, o que se pode chamar de satisfatividade fática (ZAVASCKI, 1997, p. 97).

Não obstante a complexidade da medida antecipatória, a reforma processual ocasionada pela Lei n. 10.444, de 07 de maio de 2002, veio a aperfeiçoar este instituto, ao alterar a redação do § 3º do art. 273, e acrescentar os §§ 6º e 7º. A primeira modificação fez um ajuste terminológico ao dispositivo, substituindo a expressão execução pelo termo efetivação, reforçando a idéia de que a medida antecipatória se opera no mesmo processo em que é proferida, por provimentos mandamentais ou executivos, podendo o magistrado, inclusive, valer-se das dispositivos referentes à tutela específica das obrigações de fazer, não fazer, de forma que é prescindível o processo executivo [16] (DIDIER JR., 2002, p. 712-3; WAMBIER, 2005, p. 165).

Outrossim, a reforma processual ora analisada atendeu ao clamor da doutrina pela fungibilidade das medidas de urgência, trazendo economia e racionalidade ao processo. Que as medidas cautelares e as medidas antecipatórias da tutela são diversas não há dúvidas. Enquanto na decisão que toma por base o art. 273 do Código de Processo Civil o juiz antecipa, de forma total ou parcial, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, na medida cautelar é concedida uma providência destinada a conservar uma situação fática até o provimento final, sendo que a referida providência não corresponde àquela que será outorgada pela decisão final. Entretanto, com a inclusão do § 7º não mais se mostra necessária a instauração de um processo para obtenção de um provimento acautelatório, é possível agora a concessão de medidas cautelares no bojo de processos de conhecimento, incidentalmente [17] (DIDIER JR., 2002, p. 721-3; WAMBIER, 2002, p. 330-1; ZAWASCKI, 1997, p. 46).

Todavia, a maior alteração trazida pela Lei n. 10.444/02 não se restringiu ao aperfeiçoamento do instituto, mas implicou na criação de uma nova técnica que permite ao magistrado antecipar a tutela pretendida na inicial em razão da incontrovérsia parcial do objeto do processo. Trata-se da inserção § 6º ao art. 273 do Código de Processo Civil, com o seguinte teor: "[...] a tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso" (BRASIL, 2006, p. 634), que será objeto de estudo no próximo capítulo.


2 O JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL DA LIDE

O reconhecimento jurídico de um pedido pode ocorrer de forma total ou parcial, sendo que, a conseqüência direta da primeira hipótese é a extinção do processo, com a resolução do mérito da causa. Por outro lado, se este reconhecimento se der apenas de forma parcial, como pressuposto ter-se-á a existência de um pedido suscetível de fracionamento, de modo que, a exigência de um único julgamento para este pedido mostra-se desnecessária, frente a possibilidade de satisfação da pretensão em diferentes momentos. Outrossim, o mesmo acontece nas demandas em que entre os pedidos cumulados não há qualquer vínculo, ou seja, um pedido não é prejudicial do outro ou dos outros. Nestes casos, se um dos pedidos apresentados pelo autor, ou parcela destes, puder ser apreciado sem a necessidade de dilação probatória, consoante as previsões do art. 330 do Código de Processo Civil [18], não há justificativa para que esta apreciação não seja feita de imediato, apenas porque é imprescindível a instrução dos demais pedidos. Ora, se parcela do direito pleiteado pela parte autora se mostra incontroverso, ou seja, não mais subsiste o litígio, inexiste razão para procrastinar sua resolução (JORGE, 2003, p. 68-70).

Neste sentido, aliás, cumpre observar o Código de Processo Civil Italiano que prevê em seu art. 277, inciso II, a possibilidade da decisão de um colegiado limitar-se apenas a algumas demandas, caso não seja necessário ulterior instrução [19]. O que ocorre na espécie pode ser resumido nas palavras de Luiso (apud DALL’ALBA, 2005, p. 366): "A sentença exaure de maneira completa o pedido de tutela relativo a uma demanda, e no que diz respeito a essa sentença é definitiva, porque a sentença sucessiva, relativa a uma demanda diversa, não absorve a anterior sentença [..]" [20].

Muito embora o Código de Processo Civil vigente não contemple de forma expressa a possibilidade de um julgamento antecipado parcial da lide, já restou demonstrado que não há óbice à sua aplicação. Pelo contrário, como destaca Mitidiero (2004, p. 170), em algumas passagens o próprio código afirma a existência de sentenças sucessivas em um mesmo processo, como ocorre na ação de prestação de contas, em que, primeiramente, se reconhece o dever de prestar contas, o que não extingue a demanda, mas sim, dá início à prestação de contas propriamente dita. De igual modo ocorre nas ações de demarcação e divisão, onde a sentença que declara procedente o pedido demarcatório, ou então, divisório, ordena o prosseguimento do feito (SILVA, 2002, p. 15-6).

Outrossim, freqüentemente o juiz profere uma decisão parcial com fundamento nos incisos do art. 269 [21] do Código de Processo Civil. Nestes casos, o ato do magistrado tem o conteúdo de sentença, na medida em que resolve o mérito da causa, todavia, não extingue necessariamente o processo [22], que prosseguirá seja para a realização de atos executivos, na hipótese de tratar-se de uma ação executiva lato sensu, ou para o julgamento dos demais pedidos (WAMBIER, 2006, p. 60).

A mesma solução observa-se, também, da aplicação do art. 273, § 6º do Código Processual Civil, inserido no nosso ordenamento jurídico, conforme já citado, através da Lei n. 10.444, de 07 de maio de 2002, instituto que faculta ao juiz decidir antecipadamente a parcela da lide que se mostra incontroversa, ou seja, quando inexistir oposição ao(s) ponto(s) suscitado(s) pelo demandante, e cuja análise dar-se-á em momento oportuno.

Assim, tem-se que "[...] a resolução do mérito ou decisão acerca do pedido formulado pela parte autora poderá constar de um provimento final ou antecipatório". (CUNHA, 2004, p. 7). Na primeira situação, ao resolver o mérito, o magistrado encerra ao mesmo tempo, o procedimento em primeira instância, ao passo que no segundo caso, resolve-se parte do mérito, porém, sem extinguir o procedimento adotado na primeira instância jurisdicional, prosseguindo-se a demanda para a realização dos demais atos destinados à solução dos outros pedidos não examinados, o que reforça a idéia de que não é o momento em que a decisão é proferida que tipificará o provimento, mas sim, o seu conteúdo.

Destarte, sempre que possível, poderá o magistrado resolver parcialmente o mérito da causa, decidindo definitivamente um ou mais pedidos, da demanda, ou parcelas destes, que estão prontos para serem julgados, com o que estará tratando de forma diferenciada os direitos evidentes, evitando que o autor espere mais do que o necessário para a concretização do seu direito (MARINONI, 1997, p. 107).

2.1 O § 6º DO ART. 273 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Como já expendido, o Estado, detentor do monopólio da jurisdição, procura dirimir os conflitos em que há interesse resistido, ou seja, quando os pontos suscitados pela parte autora em sua petição inicial forem contestados pela parte adversa, de modo que a demanda passa a ter um ponto controvertido que deverá ser solvido na sentença. Desse modo, enquanto houver resistência da parte demandada, mantém-se a necessidade de se obter uma prestação jurisdicional. Banda outra, uma vez cessada a resistência, corolário lógico é a extinção do processo, com a prolação de uma sentença (CUNHA, 2002; DIDIER JR., 2002, p. 718).

Partindo-se destas premissas, Marinoni (2003, p. 130) sustentou por longo período que se um direito, ou parcela deste, mostrar-se incontroverso no curso de um processo em que é imprescindível a instrução probatória para investigar a existência do outro direito, é necessário que este processo seja dotado de uma técnica que, atuando internamente, possibilite a realização imediata deste direito incontroverso [23]. Outrossim, justificava sua reclamação no fato de considerar injusto obrigar o demandante a esperar a realização de um direito não mais resistido, tendo em vista que, uma vez assegurado o direito de acesso à justiça, corolário será que a tutela jurisdicional pretendida seja concedida em um prazo razoável [24].

Neste contexto, foi editada a Lei Federal n. 10.444/02 que, dentre outras inovações, acrescentou o § 6º ao art. 273 do Código de Processo Civil, conferindo-lhe a seguinte redação: "A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso" (BRASIL, 2006, p. 634). Ora, "[...] se o tempo já é um ônus demasiadamente pesado para o processo, ele só se justifica diante da controvérsia" (DORIA, 2003, p. 82). Onde não mais existir questão controvertida, a demanda se reduz à mera aplicação do direito. Segundo Didier Jr. (2002, p. 716-7), foi a melhor alteração legislativa ocasionada pela reforma processual [25], desde que aplicada de acordo com a sua finalidade, qual seja, fracionar a causa, de modo a possibilitar a resolução parcial do mérito quando um pedido, ou parcela deste, mostrar-se incontroverso.

Ao discorrer sobre o tema, Doria (2003, p. 83-4) traça um paralelo afirmando que o instituto analisado trouxe para o processo de conhecimento o que já era possível no processo executivo: a satisfação da parte do crédito não impugnada. Dispõe o § 2º do art. 739 do Código de Processo Civil que prosseguirá a execução em relação à parte que não foi objeto de embargos, haja vista que sobre ela não persiste mais discussão. Inclusive, pode-se verificar a aplicação deste dispositivo na decisão da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, onde foi determinada a expedição de precatório tão somente em relação à quantia incontroversa da execução:

EXECUÇÃO DE SENTENÇA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. VALORES INCONTROVERSOS. LEVANTAMENTO. POSSIBILIDADE. Cabível a expedição de precatório, mesmo após a novel redação, dada pela EC n.º 30/00 ao §1º do art. 100 da CR/88, em relação à parte incontroversa do montante da execução, porquanto deve ser a mesma considerada como correspondente à sentença transitada em julgado. (TRF4, AG 2006.04.00.027263-4, Terceira Turma, Relator Vânia Hack de Almeida, publicado em 11/10/2006) (DORIA, 2003, p. 83).

Consoante se verifica, o preceptivo legal avança um pouco mais em relação à tutela antecipada até então conhecida, haja vista que, embora seja anterior à decisão que extinguirá o procedimento cognitivo em primeiro grau de jurisdição [26], não se trata de tutela fundada em cognição sumária ou em razão de verossimilhança. A cognição é exauriente, visto que a lide foi analisada em toda sua profundidade, não carecendo a matéria de maior elucidação. Haverá a entrega definitiva da pretensão do autor por prestação jurisdicional de mérito específico e limitado, depois de e quando superado o contraditório da fase postulatória (BOLDRINI NETO, 2004, p. 1; JORGE, 2003, p. 69).

E como não se trata de provimento antecipatório, a ele não se aplicam os requisitos da antecipação de tutela, prevista no art. 273 caput, e incisos, do Código de Processo Civil: prova inequívoca, verossimilhança das alegações, fundado receio de dano [27], abuso de direito de defesa e manifesto propósito protelatório. Também não se mostra necessário observar o perigo da irreversibilidade [28], já que não se trata de tutela de urgência, e o requerimento da parte. "Os únicos requisitos para a sua aplicação são: a) a incontrovérsia de um pedido formulado, ou de parcela dele; b) a desnecessidade de realização de prova em audiência para determinado pedido, ou de parcela dele" (JORGE, 2003, p. 73).

Além disso, tendo em vista que o regime de formação da coisa julgada está intimamente ligado com a natureza da cognição a respeito das questões postas à apreciação do magistrado (em uma análise sob o aspecto vertical, já exposto), a decisão proferida, já que lastrada em cognição exauriente, estará apta a ser imunizada com o manto da coisa julgada material [29] (DIDIER JR., 2002, p. 718-9).

Muito embora o legislador não tenha acolhido expressamente a hipótese de julgamento antecipado parcial da lide, a técnica é perfeitamente aplicável, tanto que já foi e continua sendo utilizada pelos magistrados gaúchos, atentos à necessidade de alcançar aos que se socorrem do Poder Judiciário uma resposta célere e efetiva, como se verifica da análise das seguintes decisões:

Apelação Cível. Embargos do Devedor. Execução de título judicial. Preliminar. Obstáculo Judicial a inviabilizar à parte o acesso aos autos no decurso do prazo recursal. Reconhecimento da justa causa que implica a restituição integral do prazo, ainda mais porque, no caso concreto, o lapso temporal fixado pelo juiz implicou a redução do prazo para interposição da apelação de quinze para cinco dias. Mérito. Não correspondência entre os valores cobrados pelo embargado e o título executivo. Hipótese de excesso, não de nulidade da execução, a ser dirimido nos próprios embargos. Possibilidade, ademais, de resolução parcial do mérito, nos termos do art. 273, § 6º, DO CPC, relativamente ao contrato de crédito fico, pois já nos autos elementos suficientes para a apuração do valor devido. Cabível a incidência de correção monetária, ainda que não tenha constado no título executivo, por aplicação analógica da súmula n. 254 do STF. Multa reduzida ao percentual contratado. Preliminar rejeitada. Recurso provido. Unânime. (Apelação Cível n 70010713543, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Luiz Pozza, Julgado em 09/06/2005) (RIO GRANDE DO SUL, 2006).

Ação de indenização por danos materiais e morais. Processual Civil. A não quantificação do pedido, relativamente aos danos morais, não implica a inépcia da inicial, presumindo-se que o autor deixou sua fixação ao arbítrio judicial. Pedidos cumulados. Possibilidade de ser proferida sentença parcial, em caráter definitivo, atacável via apelação, relativamente ao pedido que não demanda dilação probatória. Lições da Doutrina Nacional e Estrangeira e da Jurisprudência. Direito da parte à duração razoável do processo e aos meios de assegurarem. Julgamento imediato do pedido de indenização por danos materiais, com instrução do pedido de danos morais. Pedido apreciado parcialmente procedente. (Processo n 001/1.05.2267650-6, 5ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central, Comarca de Porto Alegre, Juiz Prolator: Pedro Luiz Pozza, 14 de março de 2006) (MULTIJURIS, 2006, p. 57).

Em ambas as decisões proferidas pelo Juiz de Direito Pozza, no primeiro caso, acompanhado por seus pares e, no segundo, de forma singular, vislumbra-se a correlação com a melhor doutrina. As soluções encontradas, não apenas adaptam-se à letra do Código Processual Civil, como também apresentam a melhor solução prática, na medida em que resolvem definitivamente, em cognição plena, o pedido incontroverso. Corolário lógico, prestam uma tutela jurisdicional rápida e efetiva [30] (DALL’ALBA, 2005, p. 368).

Desse modo, tem-se que, se a decisão tomou por base o reconhecimento parcial do pedido, ou então, na hipótese de cumulação de ações, o reconhecimento integral de uma das demandas, este provimento judicial concessivo de efeitos fáticos, não obstante interlocutório de mérito, não será provisional, mas sim, satisfativo e definitivo, sendo vedado, por conseguinte, ao magistrado modificar o conteúdo decisório, quando prolatar a decisão subseqüente. "Nesse caso, estamos diante, na realidade, não de tutela antecipada, mas de verdadeiro julgamento antecipado e fracionado da lide, com execução imediata da decisão em sua parte incontroversa [...]" (FIGUEIRA JUNIOR apud CUNHA, 2004, p. 16).

Nesta seara, tendo em vista que não haverá encerramento de toda a atividade jurisdicional em primeira instância, já que restará a parcela do mérito não decidida, surge o questionamento quanto ao recurso cabível contra esta decisão. Neste ponto, os doutrinadores dividem opiniões entre o cabimento de agravo de instrumento, apelação, ou então, de uma nova modalidade a ser implementada no sistema recursal brasileiro: a apelação por instrumento (JORGE, 2003, p. 79).

Didier Jr. (2002, p. 719), embora defenda que ocorre na espécie um verdadeiro julgamento antecipado parcial da lide, entende que o recurso cabível será o de agravo, de instrumento ou retido. Além disso, compreende que é possível, inclusive, que a resolução parcial do mérito seja feita por relator, em grau de recurso, quando então caberá o agravo interno, dirigido ao colegiado. Também Cunha (2004, p. 13-4) defende que a sentença que julga antecipadamente o mérito, através da aplicação do § 6º do art. 273 do Código de Processo Civil, desafia o agravo, mas tão-somente na forma retida. Acrescenta o jurista que esta decisão, por não encerrar o procedimento como um todo, tem os contornos de uma decisão interlocutória, e que, não sendo a inconformidade da parte submetida desde logo ao conhecimento do Tribunal, será iniciada a execução do julgado, de modo que não terá qualquer utilidade a insurgência interposta na forma retida.

Já Paulo Afonso de Souza Sant’Anna (2.008, p. 442) sustenta que as questões de mérito devem ser reexaminadas por meio de apelação, ainda que resolvidas no curso processo. Dessa forma, a solução que se apresenta é a apelação por instrumento, utilizada por analogia do art. 525 do Código de Processo Civil.

Neste diapasão, necessário que se diga que não há violação ao princípio da taxatividade recursal, na medida em que os recursos existentes são apelação e agravo. Não há dois agravos, mas sim, duas formas de interposição, ou seja, por instrumento e retido. Logo, não há necessidade de alteração legislativa para interposição de recurso de apelação por instrumento, mas tão somente utilização analógica da forma já prevista para o recurso de agravo.

Dessa forma, garantir-se-á o prazo de 15 dias para interposição do recurso e a possibilidade de embargos infringentes, assim como a existência de revisor no julgamento e a faculdade de sustentação oral pelo procurador do recorrente. Preserva-se, assim, o princípio da igualdade, já que a mesma decisão (de mérito) não pode ter tratamento recursal diverso apenas em razão do momento procedimental em que foi proferida.

Banda outra, não havendo recurso, ou esgotado todos os recursos possíveis, sobrevirá o trânsito em julgado da decisão, com o que poderá ser executada definitivamente. Tem-se, pois, uma nova espécie de título executivo judicial. Entretanto, como ressalta Didier Jr. (2002, p. 721) pode restar alguma dificuldade operacional de executar tal decisão, já que o processo terá seu curso normal quanto ao restante do mérito não analisado. Nesse caso, sugere o jurista que deve ser extraída uma "carta de decisão", a ser autuada em apartado, como nos casos de execução provisória, observando-se, contudo, o rito do cumprimento de sentença, hoje disposto no art. 475-J do Código de Processo Civil.

2.2 A DECISÃO DEFINITIVA FACE A INCONTROVÉRSIA DO PEDIDO

Prescreve o dispositivo em comento que é possível julgamento antecipado parcial, ou então, como denomina Didier Jr., a resolução parcial do mérito, quando houver incontrovérsia de um pedido ou de parcela dele. Ressalta-se, porém, que a incontrovérsia aqui examinada difere daquela prevista no inciso III do art. 334 do Código de Processo Civil [31], que diz respeito apenas aos fatos e tem por efeito a dispensa de dilação probatória. Aqui, a incontrovérsia diz respeito ao objeto do processo (DIDIER JR., 2002, p. 718).

A redação do dispositivo justifica-se em razão de que nem sempre sobre os fatos incontroversos incidem as conseqüências jurídicas pretendidas pela parte autora. Mesmo não havendo controvérsia acerca da situação fática, poderá o pedido, por ausência de fundamento legal, não estar apto a gerar um decreto de procedência, o que impossibilita a antecipação pretendida. Por outro lado, se além de incontroverso o fato, sobre ele repousar regra de direito material que autorize um decreto de procedência, estará autorizado o julgamento parcial e antecipado (VAZ, 2006, p. 130-1).

Além disso, para que seja possível a aplicação deste instituto, é imprescindível que o pedido, quando único, possa ser cindido, ou então, que os pedidos cumulados admitam satisfação em diferentes momentos. Não se mostrando viável a fruição do bem da vida, objeto da pretensão, em momentos diversos, resta desautorizada a cisão ou decomposição da demanda (VAZ, 2006, p. 131).

Voltando à análise da incontrovérsia parcial da procedência da ação e capaz de autorizar o julgamento antecipado, impende destacar que a situação pode surgir nos casos em que há autocomposição em relação a parcela do pedido, como ocorre no reconhecimento jurídico do pedido, na transação e na renúncia ao direito, todos de forma parcial, e respectivamente previstos nos incisos I, III e V, do art. 269 do Código de Processo Civil. De igual modo, é possível solver parcialmente o mérito da causa na hipótese do julgamento antecipado do art. 330 do Código de Processo Civil: a) quando ocorrer a revelia, contestação genérica ou confissão total e puder ser decidida de logo parte do mérito; b) quando um dos pedidos já puder se julgado, ainda que haja controvérsia fática, em razão da desnecessidade de dilação probatória (DIDIER JR., 2002, p. 718) [32].

Passa-se, então, a análise pormenorizada das situações em que se fará possível a aplicação do dispositivo comentado.

2.2.1 Hipóteses de cabimento

A demanda, à evidência, é a conjugação de três elementos: a) as partes, que são as pessoas que propõem a demanda e aquela contra quem esta demanda é proposta; b) a causa de pedir, que é o conjunto dos fatos constitutivos que podem vir a caracterizar o direito de que a parte autora se julga titular; e, c) o pedido, que constitui a pretensão formulada pela parte autora. Outrossim, os pedidos podem ser classificados em unitários, quando na petição inicial houver um único objeto almejado pelo demandante, decomponível ou não; e, cumulados, quando na exordial constar mais de um pedido (CUNHA, 2004, p. 4-5).

Tratando-se exclusivamente dos pedidos cumulados, vislumbram-se duas situações: cumulação própria e cumulação imprópria. A primeira, diz respeito à hipótese de mais de um pedido, sendo que o primeiro é somado aos demais. O que ocorre é a reunião de duas ou mais pretensões que poderiam ter ensejado processos autônomos. Ainda, poderá ser a cumulação própria subdividida em duas espécies diversas: simples e sucessiva. Será simples quando cada um dos pedidos formulados puder ser atendido de forma isolada. Já a sucessiva é aquela em que há vinculação entre os pedidos, de tal forma que somente poderão ser acolhidos os posteriores em caso de acolhimento dos pedidos imediatamente anteriores (ASSIS, 2002; TJÄDER, 1998, p. 34).

Banda outra, a cumulação imprópria verifica-se quando o autor formula mais de um pedido, sabendo que nem todos serão atendidos. Por sua vez, divide-se em alternativa, quando pela natureza da obrigação o devedor puder cumpri-la de mais de uma forma; e, eventual, ou subsidiária, quando os pedidos são formulados em seqüência para que, na hipótese de não atendimento do primeiro, seja acolhido o próximo. Em ambos os casos, "[...] os pedidos não se acrescentam uns aos outros, mas não são opções que substituem uma pela outra, operando a exclusão da substituída, o que não ocorre nas cumulações próprias" (TJÄDER, 1998, p. 36-8).

Observando-se as classificações supra infere-se que o § 6º do art. 273 do Código de Processo Civil aplica-se tão somente aos casos de cumulação própria, não alcançando as hipóteses de cumulação imprópria, já que para a cisão processual é imprescindível que os pedidos possam ser analisados de forma individual [33]. Caso se trate de pretensão única, o pedido deverá ser passível de decomposição, com o que poderá o juiz conceder apenas parte dele (CUNHA, 2004, p. 5-8).

Com efeito, partindo-se de tais concepções, tem-se que, uma vez interposta e recebida a ação, com pedido único ou cumulado, é a parte demandada citada para respondê-la, quando deverá rebater os pontos com os quais discorda e que serão objeto de análise pelo magistrado para então serem destrinchados e decididos por ocasião da sentença (CUNHA, 2004, p. 5).

Todavia, mesmo diante da citação válida, poderá o demandado não contestar a ação, quedando-se inerte, com o que incidirá o disposto no art. 319 do Código de Processo Civil, isto é, será o réu reputado revel e os fatos alegados pela parte autora presumir-se-ão verdadeiros. Ressalta-se, por oportuno, que a revelia não induzirá este efeito, consoante expressamente elencado no art. 320 do mesmo diploma legal, caso um dos litisconsortes passivos contestar a ação; o direito posto em análise for indisponível; ou, a inicial não trouxer documento indispensável à propositura da demanda. Sendo assim, somente nas hipóteses em que se verificar os efeitos da revelia em relação a parte da demanda, é que este direito (ou parcela deste) poderá ser julgado imediatamente (MARINONI, 2003).

Outrossim, situação similar ocorre quando o réu comparece em juízo e, contudo, não apresenta contestação. Ora, se o réu vem a juízo e não contesta a ação, assume uma posição que, a princípio, pode ser definida como ativa. Bem se sabe, um dos princípios que orienta o processo civil moderno é o que impõe aos litigantes um dever de colaboração com o juízo. Nesta seara, a parte que opta por não contestar, não só despreza este princípio, mas também coloca em risco a validade do princípio que diz caber ao réu manifestar-se precisamente sobre os fatos levantados pelo autor [34]. Desse modo, à semelhança do que ocorre na hipótese de revelia propriamente dita, deve o juiz conceder a tutela (MARINONI, 2003).

Por outro lado, poderá o réu contestar a demanda. Neste caso, deverá o demandado manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na exordial, sob pena de presumirem-se verdadeiros os fatos não impugnados [35]. Se o réu não contestar alguns dos fatos constitutivos de um direito alegado pelo autor, é inegável que estes fatos devem ser tidos como verdadeiros. Por conseguinte, não tendo o réu se desincumbido do ônus da impugnação específica dos fatos e o juiz entenda que dos fatos narrados decorre o direito pretendido, tal direito pode e deve ser realizado desde logo, inexistindo razão para aguardar-se a instrução probatória para o julgamento em conjunto com os outros pedidos, ainda controversos (CUNHA, 2004, p. 5; MARINONI, 2003).

Além destas situações já expostas, cabe o julgamento antecipado do mérito no caso de contestação genérica, a qual é equiparada por grande parte da doutrina à não-contestação para fins de aplicação deste instituto. Isso se dá pelo fato de que a regra contida no art. 302 do Código de Processo Civil determina que ao réu cabe manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial, o que afasta em definitivo a possibilidade de contestação genérica. E a inobservância da proibição de contestação por negação geral obviamente deve ser sancionada com a presunção de veracidade dos fatos afirmados pela parte autora [36] (MARINONI, 2003).

Poderá ocorrer também que a parte confesse como verdadeiros um ou mais fatos que lhes são desfavoráveis. A confissão, por evidente, diz respeito somente aos fatos, razão pela qual o juiz não fica adstrito a julgar contra o confesso, haja vista que nem sempre a um fato incontroverso decorrem os efeitos jurídicos pretensos, como já exarado (FORNACIARI JUNIOR apud MARINONI, 2003).

Por fim, terá aplicação o preceptivo legal quando houver o reconhecimento jurídico do pedido. Neste caso, o reconhecimento é do direito, o que impede o juiz de julgar propriamente o mérito do processo, visto que o processo deverá ser encerrado com resolução de mérito exclusivamente em virtude da admissão pelo réu, ainda que parcial, que ao autor assiste razão [37] (MARINONI, 2003).

Sem embargo, pode-se afirmar que, em havendo incontrovérsia ou confissão, ou ainda, dispensada a dilação probatória, o magistrado estará habilitado a proferir pronunciamento definitivo acerca da lide (ou parcela desta) posta a seu crivo, em decisão baseada em cognição exauriente, isto é, a decisão foi examinada em toda sua profundidade. (CUNHA, 2004; DORIA, 2003).

2.3 A QUEBRA DO PRINCÍPIO DA UNICIDADE DA SENTENÇA

A idéia de julgamento de todo o mérito da demanda em um único momento parte da premissa de que a instrução e o julgamento são concomitantes, com o que se observa que o julgador teve contato direto com as partes e testemunhas. Entretanto, como já afirmado, este princípio basilar do processo civil moldado por Chiovenda, o princípio da oralidade, esvaziou-se tanto na Itália como no Brasil. Isto ocorreu principalmente pela falta de estrutura do Poder Judiciário que, para dar conta das inúmeras demandas propostas, tornou impossível a concentração dos atos processuais, o que, por sua vez, gerou uma grande dificuldade para a implementação do princípio da identidade física do juiz, reduzindo os benefícios que poderiam ser trazidos pela imediatidade (MARINONI, 2004).

Nesta seara, ainda que o abandono da oralidade seja lamentado, não é crível manter intocado o princípio da unidade e da unicidade do julgamento. Ora, este ideal de julgamento único não pode, pela simples falência da oralidade, agravar a morosidade do processo civil, indo de encontro ao princípio da economia processual, que incentiva a cumulação de demandas. O acentuamento da demora da prestação judicial e o surgimento de demandas que exigem a pronta solução confortam a tese de que há direito fundamental à tutela jurisdicional tempestiva, de modo que, a concessão deste direito não pode ser adiada em virtude de dilações indevidas (MARINONI, 2004, p. 142-3).

Sendo assim, verifica-se que a prática forense demonstrou a necessidade de cisão do julgamento de mérito, e foi a inserção do § 6º ao art. 273 do Código de Processo Civil que sedimentou esta possibilidade de resolução definitiva e fracionada da causa, autorizando o magistrado a proferir uma sentença parcial de mérito, apta a produzir coisa julgada. O legislador pátrio, ao redigir este dispositivo, nada mais fez do que cumprir o seu dever de estruturar técnicas processuais aptas à realização do direito fundamental a uma efetiva tutela jurisdicional [38] (MARINONI, 2004, p. 473; MITIDIERO, 2005, p. 178-9).

Poderiam, ainda, os juristas contrários à cisão processual questionar o porquê de não ter o legislador ousado mais e contemplado expressamente o julgamento antecipado parcial da lide, preferindo acrescer o instituto ao art. 273 do Código de Processo Civil, que alberga a antecipação de tutela. Com efeito, é cediço que a antecipação de tutela e o julgamento antecipado da lide são institutos bem diferentes. Todavia, o que deve ser privilegiado neste caso é a exegese sistemática e teleológica dos dispositivos em comento, não se podendo considerar o caráter topográfico como elemento definitivo para desfigurar o instituto criado. Se assim não fosse, que utilidade teria o § 6º do art. 273 do Código Processual? O próprio caput da referida norma dispõe acerca de uma tutela antecipada atípica, genérica e inominada, sendo suficiente o preenchimento dos seus requisitos para a sua concessão, de modo que, a situação em análise enquadar-se-ia perfeitamente na hipótese de abuso do direito de defesa, prevista do inciso II. E como bem destaca Dinamarco, o que é o princípio da unidade e unicidade do julgamento senão apenas um dogma estabelecido no direito positivo que, inclusive, já foi desmistificado na sua origem, qual seja, o direito italiano (DINAMARCO apud, DORIA, 2003, p. 119; JORGE, 2003, p. 74-5; VAZ, 2006, p. 138).

Em vista do exposto, a outra conclusão não se pode chegar: a tutela jurisdicional pode ser prestada em diferentes momentos, ou seja, a pretensão da parte autora poder ser alcançada por meio de duas ou mais sentenças, por meio da aplicação do preceptivo legal analisado [39]. Por conseguinte, conseqüência inafastável da autorização legal para o julgamento antecipado parcial da lide é a superação do princípio da unidade e unicidade da decisão que resolve o mérito da causa (VAZ, 2006, p. 131).


CONCLUSÃO

Ao final deste estudo, espera-se ter contribuído com argumentos jurídicos que viabilizem a efetivação da garantia constitucional de razoável duração do processo, mediante a utilização dos mecanismos existentes em nosso sistema processual civil, amparados nas seguintes conclusões:

I. O sistema processual civil brasileiro, baseado no direito romano, tem como pilar de sustentação o processo de conhecimento, de modo que a parte autora só pode exercer o seu direito depois de exaustivamente provada a sua existência, predominando o princípio da precedência da cognição sobre a execução;

II. Com o afastamento da defesa privada, levada a efeito pelo próprio ofendido, o Estado trouxe para si a responsabilidade de solver o conflito de interesses entre os titulares de um direito objeto da tutela estatal. Assim, o Estado, detentor do monopólio da jurisdição, juntamente com o pretenso titular do direito reclamado e o réu, formam a relação jurídica de Direito Público;

III. Para compor o litígio, o Estado-Juiz faz uso do processo, assim definido como uma série de atos preordenados à produção de um determinado resultado, qual seja, a solução do litígio;

IV. O magistrado, representante do Estado e condutor do processo, outorga a tutela jurisdicional, através da prática de atos decisórios, classificados de acordo com seu conteúdo, em sentenças, decisões interlocutórias e despachos;

V. Os despachos, costumeiramente chamados de despachos de mero expediente, apresentam como característica basilar a irrelevância decisória, frente a ausência de perspectiva de que causem gravame às partes;

VI. Por sua vez, as sentenças são os provimentos pelos quais o juiz diz o direito, através da aplicação dos arts. 267 e 269 do Código de Processo Civil, encerrando o procedimento em primeiro grau de jurisdição, ou então, pondo fim à controvérsia condizente a um dos pedidos formulados, conforme a redação dada pela Lei n. 11.232/05. A sentença é definitiva quando se pronuncia sobre toda a demanda. Por outro lado, é parcial quando o magistrado se manifestar tão somente quanto a uma das demandas cumuladas, ou parcela desta;

VII. Já as decisões interlocutórias consistem nos atos que tendem a resolver as divergências momentâneas que impedem o regular andamento do feito. São dotadas de cunho decisório e, por conseguinte, atacáveis por meio de recurso;

VIII. A antecipação de tutela foi inserida no ordenamento jurídico vigente com o intuito de tornar a prestação jurisdicional efetiva. A aplicação do art. 273 do Código de Processo Civil possibilita a obtenção de uma decisão de mérito provisoriamente exeqüível, através da antecipação dos efeitos de futura sentença de procedência;

IX. Esta decisão que antecipa os efeitos da tutela é concedida com base em cognição sumária, em um juízo de mera probabilidade, o que a torna reversível e revogável;

X. Como pressupostos concorrentes para o deferimento da medida tem-se a prova inequívoca e a verossimilhança do direito alegado. Já os requisitos alternativos consistem no receio de dano irreparável ou de difícil reparação e o abuso de direito de defesa ou manifesto protelatório do réu;

XI. Por força da Lei n. 10.444, de 07 de maio de 2002, o instituto foi aperfeiçoado para possibilitar a fungibilidade das medidas de urgência. Além disso, a reforma processual, com a inserção do § 6º ao art. 273, criou uma nova técnica que permite ao magistrado antecipar a tutela pretendida na inicial em razão da incontrovérsia parcial do objeto do processo;

XII. O reconhecimento jurídico de um pedido pode se dar de forma total, quando haverá a extinção do processo, ou então, de modo parcial. Neste caso, como pressuposto, ter-se-á a existência de um pedido suscetível de fracionamento, o que torna desnecessário o julgamento do feito num único momento quando um dos pedidos (ou parcela deste) prescindir de instrução;

XIII. O próprio Código de Processo Civil vigente, em algumas passagens, reconhece a possibilidade de serem proferidas sentenças sucessivas em um mesmo processo, como na ação de prestação de contas e divisão;

XIV. A tutela antecipada fundada na técnica da incontrovérsia do pedido, com a aplicação do § 6º do art. 273 do Código de Processo Civil, veio a possibilitar a distribuição mais equânime do ônus do tempo do processo, evitando-se que o autor aguarde pelo desfecho de toda demanda para obter do bem da vida almejado e que não mais se encontra resistido;

XV. Apesar do instituto receber o nome de tutela antecipada, deve ser aplicado de acordo com a sua finalidade, qual seja, fracionar o mérito da causa de modo a possibilitar a resolução parcial da lide quando um pedido, ou parcela deste, mostrar-se incontroverso. Se assim não fosse, bastaria a aplicação do caput do art. 273 do Código de Processo Civil que alcança a hipótese em análise;

XVI. Esta decisão parcial não se funda em convicção de verossimilhança, mas sim, trata de tutela fundada em cognição exauriente, dispensando, portanto, o requisito do perigo da demora imprescindível ao instituto da antecipação de tutela. Por tal razão, não se mostra necessário observar o perigo da irreversibilidade e o requerimento da parte;

XVII. Trata-se de um verdadeiro julgamento antecipado e parcial da lide, que desafia o recurso de apelação e, tão logo transite em julgado, possibilita a execução definitiva;

XVIII. Aplica-se às hipóteses de reconhecimento jurídico do pedido, transação, renúncia, revelia, contestação genérica, confissão, ou quando um dos pedidos prescindir de dilação probatória;

XIX. Em face do acentuamento da demora da prestação jurisdicional, em razão das inúmeras demandas aforadas, o instituto analisado surge como uma alternativa à concretização do direito fundamental a uma efetiva tutela jurisdicional, ao possibilitar que a pretensão da parte autora seja alcançada por meio de duas ou mais sentenças, cada qual ao seu tempo;

XX. Possibilitada a resolução definitiva e fracionada da causa, como conseqüência inafastável ter-se-á a superação do princípio da unidade e unicidade da prestação judicial, que nada mais era do que um dogma de ordem cultural e conservadora estabelecido no direito positivo.


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NOTAS

  1. No direito germânico ocorria situação idêntica, como se extra da análise do instituto da penhora privada, "[...] através da qual quem se dizia credor, por sua própria iniciativa, apossava-se, executivamente, dos bens daquele a quem atribuía a condição de seu devedor. Quem sofria a penhora arbitrária é que deveria, como autor, buscar a proteção jurisdicional, procurando demonstrar a arbitrariedade ou o abuso cometido pelo autor da penhora, de modo que a fase, ou o fenômeno cognitivo, era uma eventualidade que poderia nem mesmo ocorrer, caso aquele que sofrera a execução privada não o provocasse" (LIEBMAN apud SILVA, 2006, p. 13-4).
  2. Um exemplo dessa nova condição é o sentido dado à eqüidade, valor supremo do direito romano. Na concepção clássica, eqüidade condizia com a correta aplicação das normas e princípios do ordenamento vigente. Já no direito romano tardio, a eqüidade significava clemência cristã.
  3. O doutrinador cita como exemplo a decisão do magistrado que determina a citação do réu, o que classifica com despacho de mero expediente, já que não ocorre a preclusão quanto aos requisitos da petição inicial, que poderão ser analisados posteriormente. Todavia, caso seja determinada a emenda da inicial, o juiz estará proferindo uma decisão interlocutória, visto que analisou a exordial e verificou alguma irregularidade que necessita ser sanada. Outrossim, o juiz poderá também indeferir esta petição inicial, o que sem dúvida será uma sentença (WAMBIER, 2002, p. 173).
  4. Chiovenda (2000, p. 37-8), considerando a forma e o conteúdo do ato, somado ao prazo para seu proferimento, eficácia e possibilidade de recurso, distinguiu despachos de mero expediente de decisão interlocutória, classificando o primeiro como o que dispõe simplesmente sobre o andamento do processo, sendo em grande número, já que cada passo adiante nos autos é efeito de um despacho. Banda outra, caracterizou decisão interlocutória como ao ato que decide as questões controversas relacionadas à regularidade e à marcha processual sem, contudo, pôr-lhe fim.
  5. A irrelevância dos despachos, se comparados com as decisões interlocutórias, frente a inexistência da perspectiva de que causem gravame aos litigantes, fez com que se albergasse a regra de que são irrecorríveis, conforme previsão expressa do art. 504 do Código de Processo Civil. Este critério do prejuízo foi o eleito por Aragão (1976) para distinguir os despachos das decisões interlocutórias. Sustenta o jurista que um pronunciamento poderia ser classificado como despacho ou como decisão interlocutória, de acordo com as circunstâncias. Entretanto, este critério de recorribilidade em razão do prejuízo foi revisto diante da proliferação dos agravos, recurso cabível contra decisão interlocutória. O uso excessivo do recurso foi apontado como um dos pontos de estrangulamento do sistema. Frente a este contexto, a reforma processual ocasionada pela Lei n. 11.187 de 19 de outubro de 2005 alterou o regramento do agravo, transformando em regra geral seu manejo na forma retida, deixando para hipóteses excepcionais a sua interposição por instrumento. Com isso, espera o legislador que o número de recurso interposto contra as decisões interlocutórias diminua, desafogando os tribunais Superiores (WAMBIER, 2006).
  6. A referida alteração entrou em vigor recentemente, em 23 de junho de 2006. Até então, sentença era definida como "[...] o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa" (BRASIL, 2006, p. 623).
  7. Denomina-se ação executiva lato sensu aquela em que a execução do direito declarado na sentença é realizado no mesmo processo. A sentença, baseada em uma cognição plena e exauriente, apenas declara o direito e determina a realização de atos materiais tendentes a realizá-lo. Com exemplo, podem-se citar as ações que tem por objetivo o cumprimento de dever de fazer ou não fazer, prevista no art. 461 do Código de Processo Civil e as ações para entrega de coisa, disposta no art. 461-A do mesmo diploma (WAMBIER, 2006).
  8. Convém ressaltar que, embora o procedimento não finde com a sentença, já que, na seqüência serão realizados atos executivos, não é permitido que o próprio magistrado reveja seu julgamento, por força no disposto no art. 475-G do Código Processual Civil (BRASIL, 2006, p. 656).
  9. A possibilidade da sentença extinguir o processo nada mais é do que um efeito processual seu (DINAMARCO apud WAMBIER, 2002, p. 31).
  10. Ilustrando tal possibilidade, o exemplo trazido por Dall’Alba: "Para testar a tese, é só lembrar a ação de prestação de contas, art. 915, parágrafos 1º e 2º, quando, num primeiro momento temos uma sentença que decide sobre o direito de prestar contas e em seguida há uma segunda sentença, que decidirá sobre as contas propriamente. [...] Trata-se de uma hipótese de sentença parcial, porquanto embora a primeira sentença, se positiva, não encerre o procedimento, será apelável" (2005, p. 365).
  11. Sobre este princípio, Marinoni destaca: "Em uma primeira análise, o CPC não permite o fracionamento do julgamento do pedido ou de um dos pedidos cumulados. É que sua originária estrutura é marcada pelo princípio da unidade e da unicidade do julgamento. Esse princípio quer expressar que o mérito não deve ser resolvido pelo juiz em partes, pois seria mais adequado considerar toda a sua extensão quando do julgamento. Como conseqüência lógica, o processo deveria viabilizar somente uma oportunidade – uma sentença – para sua solução" (2004, p. 141) [grifo do autor].
  12. O ato do juiz dizer o direito, nada mais é do que o exercício da jurisdição, assim definida como a função precípua do Estado, que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei, através da substituição da atividade dos particulares pela atividade dos órgãos públicos, estes representados na pessoa de um terceiro imparcial – o magistrado (SILVA, 1998).
  13. "A inserção do instituto da tutela antecipada no Direito Processual revelou a clara distinção entre a tutela e os efeitos da tutela; estes últimos são os únicos capazes de serem objeto de uma antecipação judicial. Com efeito, a proteção ou tutela jurisdicional, na realidade, somente ocorre após o trânsito em julgado da sentença proferida no processo de conhecimento. Antes disso, permite-se a antecipação de um, alguns ou todos os efeitos dessa tutela" (CUNHA, 2004, p. 6) [grifo do autor].
  14. Segundo Leonardo José Carneiro da Cunha (2004, p. 10) "[...] a cognição pode ser considerada nos planos vertical e horizontal. Neste último, a cognição diz respeito à matéria processual, às condições da ação e ao mérito, podendo ser limitada ou ampla. Será limitada, para alcançar-se maior celeridade no processo, quando a lei restringir a causa de pedir ou a amplitude da defesa, limitando a cognição a ser exercida pelo juiz. [...] Já a cognição ampla, no plano horizontal, permite que as partes aleguem qualquer matéria, não restringindo igualmente a análise judicial, tal como sucede, por exemplo, no procedimento comum, seja ele sumário, seja ele ordinário. A cognição vertical, que está relacionada à profundidade da análise judicial, divide-se em cognição sumária e cognição exauriente. Enquanto a sumária constitui aquela cognição superficial, menos aprofundada no âmbito vertical, decorrente de mera probabilidade ou verossimilhança, a cognição exauriente decorre do juízo de certeza, em razão de uma incontrovérsia ou da produção de todas as provas possíveis no processo" [grifo do autor].
  15. "A reversibilidade diz com os efeitos decorrentes do cumprimento da decisão e não com a decisão em si mesma. Esta, a decisão, é sempre reversível, ainda que sejam irreversíveis as conseqüências fáticas decorrentes do seu cumprimento. A reversibilidade jurídica (revogabilidade da decisão) deve sempre corresponder o retorno fático ao status quo ante" (ZAVASCKI, 1997, p. 97) [grifo do autor].
  16. Pertinente acrescentar a colocação feita por Didier Jr., em artigo publicado no ano de 2002, no qual afirmava ser inconcebível que o provimento antecipatório, fundado em cognição sumária, efetivava-se imediatamente, ao passo que a decisão definitiva, sacramentada pela coisa julgada e lastrada em cognição exauriente, exigisse um processo executivo e, ainda, possibilitasse ao réu uma manifestação defensiva – embargos à execução, que sustasse o seu prosseguimento (p. 712). A incongruência de fato existia, tanto que foi objeto de alteração pela lei n. 11.232/05, que eliminou o processo de execução de título judicial, possibilitando a execução do julgado nos próprios autos do processo de conhecimento, mediante simples requerimento da parte interessada, tão logo tenha transitado em julgado a decisão final (DIDIER JR., 2002).
  17. "Não se deve, portanto, indeferir tutela antecipada simplesmente porque a providência preventiva postulada se confundiria com medida cautelar, ou rigorosamente, não se incluiria, de forma direta, no âmbito do mérito da causa. Havendo evidente risco de grave e de difícil reparação, que possa, realmente, comprometer a efetividade da futura prestação jurisdicional. Não cometerá pecado algum o decisório que admitir, na liminar do art. 273 do CPC, providências preventivas que, com mais rigor, deveriam ser tratadas como cautelares. Mesmo porque as exigências para o deferimento da tutela antecipada são maiores do que as da tutela cautelar" (THEODORO JR. apud DIDIER JR., 2002, p. 722).
  18. O permissivo legal aponta três situações em que se mostra possível o julgamento antecipado da lide: a) quando a questão de mérito é unicamente de direito; b) quando a questão meritória é de direito e de fato, contudo, prescinde de produção de prova em audiência; e, c) quando ocorrer a revelia e seus efeitos. Nestes casos, estando o processo suficientemente instruído, pelo princípio da economia processual, o juiz, desde logo, profere sentença examinando a lide posta a sua apreciação (SANTOS, 2004).
  19. "Art 277. Pronuncia sul merito. [1] Il Collegio nel deliberare sul merito deve decidire tutte le domande proposte e le relative eccezioni, definendo il giudizio. [2] Tuttavia il Collegio, anche quando il giudice istruttore gli ha rimesso la causa a norma dell’art. 187 primo comma, può limitar ela decisione ad alcune domande, se riconosce che per esse soltanto non sai necessária un’ulteriore istruzione, e se la loro sollecita definizione è di interesse apprezzabile per la parte che ne ha fatto istanza" (JORGE, 2003, p. 70).
  20. Como exemplo, o doutrinador cita uma determinada ação em que são cumulados dois pedidos, um de resolução do contrato, e outro de ressarcimento dos danos. Nessa situação, baseado no art. 277 do Código de Processo Civil, o juiz pode declarar a resolução do contrato, pedido que se mostra incontroverso, e remeter para instrução o de ressarcimento de danos, de forma que "[...] se qualquer coisa acontecer com a demanda que decide sobre o ressarcimento do dano, tudo isso não poderá nunca neutralizar o que fora decidido na ordem ao diverso direito substancial, que fora objeto da sentença parcial definitiva" (LUISO apud DALL’ALBA, 2005, p. 366-7).
  21. O caput do art. 269 do Código de Processo Civil possuía, até a edição da Lei nº. 11.232, de 22 de dezembro de 2005, a seguinte redação: "Extingue-se o processo com julgamento de mérito: [...]" (BRASIL, 2006, p. 633). Atualmente, com a entrada em vigor da lei supra citada, foi eliminado o verbo "extinguir", assumindo a seguinte redação: "Haverá resolução de mérito: [...]" (BRASIL, 2006, p. 633). A modificação foi "para deixar claro o que, a rigor, já ocorria nas ações executivas lato sensu: a sentença em tais ações proferidas, mesmo que não impugnada, não marca necessariamente a fase derradeira do processo, mas abre espaço para que os atos de satisfação do direito reconhecido na sentença sejam realizados" (WAMBIER, 2006, p. 60) [grifo do autor].
  22. A prolação de uma decisão parcial com a resolução de mérito, baseada em algum dos incisos do art. 269 do Código de Processo Civil, pode ser visualizada quando, por exemplo, "[...] o juiz indefere a petição inicial em relação a um dos autores da ação, em razão da decadência do seu direito, ou quanto há transação em relação a um dos pedidos" (WAMBIER, 2006, p. 60).
  23. Conseqüência da necessidade de instrução é a imposição de uma maior duração do processo, tendo em vista que o Estado-Juiz é um terceiro eqüidistante, que não possui conhecimento dos fatos, e necessita saber quem tem razão, obrigando-se a analisar o fundamento jurídico e as provas produzidas pelas partes (DORIA, 2003, p. 79-80).
  24. Aliás, tanto é verdade sua preocupação que o legislador, através da Emenda Constitucional nº. 45, de 8 de dezembro de 2004, acrescentou o inciso LXXVIII ao art. 5º da Carta Magna, conferindo-lhe a seguinte redação: "[...] a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação" (BRASIL, 2006, p. 15), de tal modo que a rápida solução para o processo é direito fundamental a ser salvaguardado por todos os seus operadores, abreviando-se o tempo e evitando-se, assim, protelações maliciosas e demoras injustificáveis (CARNEIRO, 2002, p. 2).
  25. "Até o advento da Lei 10.444/02, silenciava o Código sobre a viabilidade jurídica de incidência do instituto da tutela antecipada, nas hipóteses em que, após a contestação, um dos pedidos formulados cumulativamente pelo autor se tornasse incontroverso ou parcela de um deles. A doutrina mais lúcida e a jurisprudência não hesitaram em admitir a hipótese em exame, sobretudo por uma questão de lógica e absoluta coerência com o próprio sistema, agora recepcionada no § 6º do art. 273 do CPC" (FIGUEIRA JUNIOR apud DORIA, 2003, p. 82).
  26. "Essa decisão futura (possivelmente uma sentença) nem sequer precisa ser de mérito. Pode o magistrado, por exemplo, não examinar a parte restante do mérito, e nem por isso a resolução restaria prejudicada necessariamente. É que, se não tiver havido recurso da decisão que fracionou o julgamento, haverá coisa julgada, que somente poderá ser desconsiderada via ação rescisória. Frise-se, mas uma vez: são duas (ou mais) decisões de igual porte (a que fracionou e a final), sem qualquer distinção ontológica nem vínculo de subordinação, distinguindo-se tão-só na qualificação jurídica como ato do juiz (sentença ou decisão interlocutória), cuja finalidade é eminentemente prática: revelar o recurso cabível" (JORGE, 2003, p. 72).
  27. "O pressuposto de risco de dano irreparável ou de difícil reparação, previsto no inciso I do art. 273 do CPC, não será exigido. Não se trata efetivamente de tutela de urgência (em sentido estrito), mas sim de tutela de direito evidente. Tanto que o fundamento constitucional desta modalidade de tutela antecipada não é a harmonização de uma colisão de direitos fundamentais, mas, como ensina Zavascki, ‘simplesmente uma ação afirmativa em benefício do princípio constitucional da efetividade’" (VAZ, 2006, p. 135).
  28. A irreversibilidade está relacionada com a provisoriedade, própria dos atos resultantes de cognição sumária, baseados em probabilidade ou verossimilhança, o que não é o presente caso (CUNHA, 2004, p. 10).
  29. "Para que determinado pronunciamento judicial esteja apto a fica imune pela coisa julgada, terá ele de preencher quatro requisitos: a) o provimento há de ser jurisdicional (a coisa julgada é característica exclusiva dessa espécie de ato estatal); b) o provimento há que versar sobre o mérito da causa (objeto litigioso), pouco importa se o mérito tem natureza material (regra) ou processual (rescisória ou embargos à execução, p. ex.), bem como se o provimento é sentença, acórdão ou decisão interlocutória; c) mérito este analisado em cognição exauriente; d) tenha havido a preclusão máxima (coisa julgada formal), seja pelo esgotamento das vias recursais, seja pelo não-uso delas" (DIDIER JR., 2002, p. 718).
  30. Como afirma Oliveira (apud DALL’ALBA, 2005, p 368), "[...] é claro que não basta abrir a porta de entrada do Poder Judiciário, mas prestar jurisdição tanto quanto possível eficiente, efetiva e justa, mediante um processo sem dilações ou formalismos excessivos".
  31. "Art. 334. Não dependem de prova os fatos: [...] III – admitidos, no processo, como incontroversos;" (BRASIL, 2006, p. 641).
  32. Didier Jr. (2002, p. 718) defende que entre estas duas hipóteses há uma diferença procedimental. Refere que mesmo que em ambos os casos seja possível ao magistrado aplicar o dispositivo legal de ofício, como já acentuado, na incontrovérsia por autocomposição é desnecessária a intimação prévia dos contedores para que se possa solver o mérito parcialmente, já que se trata de uma decisão autocomposta. Banda outra, sendo a decisão parcial através do julgamento antecipado, assevera que é imprescindível a prévia intimação das partes para que tomem conhecimento da abreviação da rota procedimental, com a dispensa da produção probatória, como garantia do contraditório. Neste ponto, razão não assiste ao doutrinador, na medida em que, uma vez estando o pedido, ou parcela dele, maduro para julgamento, não há razão para que sejam as partes intimadas de tal situação. Se não soa razoável exigir o prévio requerimento da parte interessada, menos ainda a comunicação da possibilidade, ainda mais que sobre os pontos suscitados pelo autor, já foi possibilitado o contraditório.
  33. "Com efeito, quando se tratar de cumulação simples não existe qualquer problema, exatamente porque entre eles inexiste conexão objetiva, vez que a lei só exige conexão subjetiva (cf. CPC, art. 292). Na cumulação sucessiva um pedido é prejudicial do outro ou outros, de modo que julgada a causa prejudicial em determinada direção o juiz deve rejeitar o pedido ou os pedidos prejudicados. Assim, p. ex., cumulados os pedidos de declaração de paternidade, alimentos e petição de herança se rejeitado primeiro, rejeitados estarão os demais; se acolhido o primeiro, os demais poderão ser acolhidos ou rejeitados. Deste modo, não há como se falar em julgamento parcial na hipótese. Mas, em tese [...], é possível o reconhecimento do pedido prejudicial e o não reconhecimento do pedido atinente à causa prejudicada. Assim, p. ex., se possível o reconhecimento do pedido no exemplo dado, o réu pode reconhecer o pedido de paternidade, mas não o de alimentos, ou reconhecer ambos, mas não reconhecer o pedido de herança. No caso de cumulação alternativa é logicamente impossível o julgamento parcial da causa. É que, no caso, fala-se em cumulação de pedidos por força de expressão, ou seja, faz-se dois ou mais pedidos, mas só um poderá ser tutelado, observando-se a ordem sucessiva posta na inicial. Se o autor pede a ou b, e o réu reconhece o pedido a o caso é de julgamento final. Se reconhece apenas o pedido b é necessário ouvir o autor para dizer se insiste com o pedido a ou concorda com o reconhecimento, caso em que também haverá julgamento final, e assim sucessivamente, se existirem outros pedidos subsidiários." (SOUZA apud DIDIER JR., 2002, 715) [grifo do autor].
  34. Além, importante referir que por força do princípio de eventualidade, todas as defesas do réu devem ser formuladas concomitantemente, ou seja, de uma só vez, como medida de previsão para o caso da primeira defesa oferecida ser rejeitada, hipótese em que será apreciada a subseqüente (SANTOS, 2004).
  35. Nesse sentido, Passos (apud MARINONI, 2003, p. 111) discorreu: "Há, por conseguinte, em face do novo Código, um ônus de impugnação atribuído ao réu, no tocante aos fatos alegados pelo autor, em sua inicial, como igual ônus cabe ao autor quanto aos fatos extintivos e impeditivos postos pelo réu em sua contestação, quando sobre eles tiver que se manifestar (art. 326). O princípio é salutar e sua admissibilidade, em termos mais rigorosos que os vigentes no direito anterior, será arma poderosa contra a chicana e o desnecessário e desmoralizante retardamento dos processos".
  36. Importante ressaltar que o parágrafo único do art. 302 do Código de Processo Civil prescreve que a regra do caput não se aplica ao advogado dativo, ao curador especial, e ao órgão do Ministério Público. Nestes casos, é admitida a contestação genérica.
  37. Conveniente acrescentar a distinção feita por Aragão (apud MARINONI, 2003, p. 125): "[...] a confissão visa a facilitar ao juiz o julgamento da lide, dado que", pela admissão da veracidade dos fatos, diminui a matéria probatória a ser examinada, ao passo que o reconhecimento implica em afastar o julgamento do juiz, uma vez que a parte, admitindo a procedência do pedido do outro litigante, torna desnecessário o próprio pronunciamento judicial".
  38. "Se é injusto obrigar o autor a esperar a realização de um direito evidente, a defesa, como é óbvio, não pode postergar a sua realização. Não admitir a tutela antecipatória, em situações como a aqui imaginada, é desconsiderar o princípio que é injusto obrigar o autor a esperar a realização de um direito evidente, e ainda favorecer o uso de defesas abusivas que, como se sabe, visam apenas a arrancar vantagens econômicas do autor em troca do tempo do processo" (MARINONI, 2002, p. 154) [grifo do autor].
  39. Apesar da redação do dispositivo examinado prever que a tutela jurisdicional será antecipada ao autor da demanda nos casos de incontrovérsia do pedido (ou parcela deste), não se pode olvidar que o seu fim precípuo é a instrumentalidade do processo, minimizando os prejuízos causados pelo decurso do tempo. Nesta seara, vislumbra-se que muitas vezes, não é somente o autor que possui interesse no célere desfecho da demanda, mas também o réu, que arca com o seu alto custo. Desse modo, uma vez estabelecida a relação jurídica, oportunizado o contraditório, e demonstrado desde logo que ao autor não assiste razão quanto à parcela de seu pedido inicial, porque não julgar imediatamente esta porção do mérito? Ora, se de fato ocorreu a mitigação do princípio da unidade e unicidade do julgamento, não há óbice para que seja, também, proferida uma sentença parcial, mas de improcedência. Exemplo de fácil visualização desta situação no dia-a-dia forense é a hipótese em que são formulados dois pedidos pelo autor, todavia, com relação a um deles já se operou a decadência, ao passo que o outro imprescinde de instrução.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASSOL, Mariana Helena. A superação do princípio da unicidade da sentença e a nova modalidade de julgamento antecipado da lide. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2253, 1 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13427. Acesso em: 28 mar. 2024.