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A denúncia espontânea nos tributos sujeitos ao lançamento por homologação

A denúncia espontânea nos tributos sujeitos ao lançamento por homologação

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1. A NOVA TENDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nos mais recentes julgados do Superior Tribunal de Justiça há uma tendência errônea de entender que o benefício da denúncia espontânea, prevista no artigo 138 do CTN, é inadmissível quando se refere aos tributos sujeitos ao lançamento por homologação.

Por este entendimento, no caso de tributos sujeitos ao lançamento por homologação, quando o contribuinte presta as declarações econômicas e fiscais da pessoa jurídica ao fisco, há o auto lançamento que, por sua vez, constitui o crédito tributário.

Assim, declarado e constituído o crédito tributário, o seu pagamento fora do prazo, ainda que integral, não enseja o benefício do artigo 138 do CTN pois, por este entendimento, estaria descaracterizada a espontaneidade da denúncia.

Veja-se a decisão do STJ, da lavra do Ministro Luiz Fux que, por sua vez, teve como referência a decisão prolatada no AgRg no EREsp nº 636.064/SC da relatoria do Ministro Castro Meira, aduzindo que:

"A denúncia espontânea é inadmissível nos tributos sujeitos ao lançamento por homologação quando o contribuinte declara a dívida, efetua o pagamento a destempo, à vista ou parceladamente."

Segundo este equivocado entendimento, quando o contribuinte declara a quantia que entende ser a devida ao fisco, ele está confessando o débito e, com isso, seria desnecessário qualquer procedimento administrativo para lançar e constituir o referido crédito.

Em resumo, as declarações econômicas e fiscais da pessoa jurídica, feitas através de DCTF ou GEFIP são, ao total arrepio da lei, "elevadas" a categoria de ato administrativo, capaz de constituir o crédito tributário em favor do fisco e, consequentemente, passam a ser consideradas, também, como um procedimento administrativo, capaz de inibir o benefício previsto no artigo 138 do CTN.

Evidente, entretanto, que tal tese não pode prosperar. Simplesmente porque, encontra-se na contra mão do que dispõe o CTN a respeito da matéria.

Senão, veja-se.


2. OS COMANDOS DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

Dispõe o artigo 138 do Código Tributário Nacional:

"A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa quando o montante do tributo dependa de apuração.

Parágrafo Único - Não se considera espontânea denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionada com a infração."

Pela simples leitura da determinação legal acima transcrita, perfunctória que seja, pode-se perceber que, a única motivação LEGAL para o afastamento da denúncia espontânea é a possibilidade de ocorrência de algum procedimento administrativo fiscal antes do pagamento do tributo em atraso.

Ora, como o procedimento administrativo, obviamente, é sempre um ato que só pode ser realizado pela administração pública, não há como elevar as declarações feitas pelo contribuinte ao fisco, à categoria de ato privado da administração para a constituição dos créditos tributários. Muito menos, considerá-las como início de procedimento administrativo fiscal, capaz de inibir o benefício previsto no artigo 138 do CTN.

A rigor, tal pretensão, em verdade, configura verdadeiro absurdo jurídico.

Sim pois, tais declarações simplesmente espelham aquilo que está nos livros contábeis dos contribuintes que, a qualquer momento, podem ser fiscalizados pelo fisco.

Além disso, como se sabe, para constituir e cobrar tributos devidos, primeiro há que ser realizado o lançamento que, repita-se, É UM ATO PRIVATIVO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA.

Mesmo nos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, caso ele seja declarado e não pago ou recolhido a menor, o CTN determina, nos seus artigos 147 e 148, que a autoridade fiscal proceda ao lançamento de ofício para poder cobrá-los do contribuinte.

Além disso, os comandos dos artigos 3º e 142 do Código Tributário Nacional são claros quanto à impossibilidade da constituição do crédito tributário, ser realizada por pessoa estranhas ao Poder Público.

"Artigo 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitui sanção de ato ilícito, instituída em lei e COBRADA MEDIANTE ATIVIDADE ADMINISTRATIVA PLENAMENTE VINCULADA." (destacou-se)

"Artigo 142. COMPETE PRIVATIVAMENTE À AUTORIDADE ADMINISTRATIVA CONSTITUIR O CRÉDITO TRIBUTÁRIO PELO LANÇAMENTO, ASSIM ENTENDIDO O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível." (destacou-se)

Como se vê, não se pode imaginar que, o simples fato de informar ao fisco o valor do tributo a ser pago, tenha características de ato administrativo fiscal capaz de, por si só, inibir o benefício previsto no artigo 138 do CTN.

Os estudiosos do Direito Tributário são uníssonos quanto à certeza de que a constituição do crédito tributário e a sua cobrança, só podem se dar por ato administrativo de autoridade que detenha competência para tanto.

Neste sentido, ensinam os mestres:

HUGO DE BRITO MACHADO

"O lançamento por homologação também é conhecido como autolançamento. Mas como o Código diz ser a atividade de lançamento privativa da autoridade administrativa, evidentemente não se pode cogitar de um lançamento feito por sujeito passivo. Embora faça ele todo o trabalho material, o lançamento, no caso, só se opera por homologação". (Curso de Direito Tributário, 12ª edição, Malheiros, São Paulo, 1997, p. 124)."

MISABEL ABREU MACHADO DERZI

"O lançamento de ofício é ato sempre necessário para dotar de exigibilidade o direito de crédito que lhe preexiste e iniciar o procedimento de formação do título, imprescindível a execução judicial, mesmo se o procedimento originariamente previsto para o lançamento for homologatório". (Direito Tributário Brasileiro, 11ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 1999, p. 788).

ALBERTO XAVIER

"Neste tipo de situações tributárias o lançamento não é, pois, o impropriamente chamado ‘autolançamento’, mas a determinação eventual da dívida tributária praticada pela Administração financeira no exercício dos seus poderes de fiscalização. (...) O pagamento efetuado pelo contribuinte não é condicional: o que pode ocorrer é que, num controle ‘a posteriori’, ele seja reconhecido como (...) insuficiente (caso em que há lugar a um lançamento de ofício). (...) Não há lançamento no ‘autolançamento’ pretensamente efetuado pelo contribuinte, como pressuposto do pagamento, pois não existe um ato administrativo." (Do Lançamento no Direito Tributário Brasileiro, 3ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 2005, p.85 a 91).

Resta claro, portanto, que procedimento administrativo é ato privativo da autoridade fiscalizadora e que não pode ser delegado.

Além disso, não há no CTN previsão legal para que a Fazenda Pública cobre tributos supostamente lançados por meio de atos de terceiros, que não estejam investidos da competência de proceder à apuração do crédito tributário.

Ou mesmo para considerar tais declarações, como início de procedimento administrativo para apuração de créditos tributários devidos pelo contribuinte.

Na realidade, o fundamento central desta equivocada teoria está no fato de se considerar que as declarações prestadas ao fisco pelo contribuinte são confissões de dívidas e que, por isso, trazem conseqüências na esfera tributária.

Contudo, mesmo assim, é importante salientar que, nos termos do inciso I, do artigo 212 do Código Civil, a confissão tem natureza jurídica de prova.

Logo, a declaração prestada pelo contribuinte só pode servir como prova contra ele a ser utilizada pela fiscalização na apuração dos tributos devidos e nunca como ato administrativo vinculado e obrigatório da autoridade competente.

Esta tese, portanto, confunde a prova, que é um fato jurídico, com o lançamento, que é um ato jurídico e, por conta disso, conclui erradamente que, o fato do contribuinte informar a existência de uma obrigação tributária é igual ao ato administrativo de constituição do crédito tributário.

E ai, partindo-se desta premissa equivocada, chega-se a falsa conclusão de que o fato de dar ciência ao fisco sobre tributo escriturado, também é igual ao ato administrativo de início uma fiscalização, capaz de inibir o benefício concedido pelo artigo 138 do CTN.

Como se vê, esta é uma interpretação dos fatos que vem em sentido contrário ao que determina a legislação tributária vigente no país.

Isto porque, na verdade, a denúncia espontânea de que trata o artigo 138 do CTN, não diz respeito à obrigação acessória, como a de prestar declarações ao fisco, mas sim à obrigação principal que é a de pagar o tributo devido.

O contribuinte denuncia espontaneamente a falta do pagamento e não a ocorrência do fato gerador, pois este, como fato jurídico inerente a sua atividade, deve estar escriturado nos livros contábeis, à disposição da fiscalização.

O erro cometido pelo contribuinte e reparado antes de um procedimento administrativo de fiscalização é a falta do pagamento devido em relação ao tributo apurado.

O verdadeiro intuito da norma determinada pelo artigo 138 do CTN é o de estimular o contribuinte ao adimplemento da obrigação tributária em atraso antes do início de uma fiscalização.

Do contrário, fica a absurda certeza de que, é mais vantajoso sonegar a informação sobre os tributos apurados, para poder pagá-los em atraso com o benefício do artigo 138 do CTN.

Isto porque, seguindo a absurda tese, cumprindo-se a obrigação acessória de informar ao fisco o que está escriturado em seus livros contábeis, nunca se fará jus ao benefício da denúncia espontânea, o que, no mínimo, não parece lógico, muito menos proveitoso para alguém.

Assim, o benefício que era pra atingir os honestos com dificuldade, acaba por penalizá-los ainda mais, como de costume no país.

Neste sentido, foi o entendimento da Desembargadora Federal Maria Helena Cisne, da Sexta Turma do TRF da 2ª Região que, no julgamento da Apelação Cível nº 2001.51.01.006090-1, realizado em 14/12/2004, argumentou, sabiamente, o seguinte:

"Senhor Presidente, em relação a esse entendimento de que no lançamento por homologação não caberia a denúncia espontânea, a sensação que tenho é que ele é injusto e ofende o espírito da Lei. Por que isso? Vejam: Se o contribuinte jogou no livro, poderia ser fiscalizado a qualquer hora e verificado que ele não pagou. Se ele fez o autolançamento, tinha, com certeza, a intenção de pagar. E não pagou, por algum motivo. Difere da situação daquele que sabe que tem que pagar e esconde. Desse que esconde, que não faz o lançamento, que não pagou o tributo, aceita-se a denúncia espontânea. Mas daquele que fez o lançamento no livro, fez tudo direito - quer dizer, poderia, a qualquer hora, ser fiscalizado e se provar que ele não pagou, - verifica-se um erro e faz um lançamento espontâneo. Penso que, de alguma forma, o espírito da lei, não foi atingido. Penso que o que a lei quer, de alguma forma, como Vossa Excelência falou, seria o pagamento do tributo. O Estado quer que o tributo seja pago. (...) Qual é o espírito da Lei, que nos termos do art. 138 do CTN, permite a denúncia espontânea? Qual é o fundamento dele? É receber o tributo. Por isso, vejo que a situação dos outros é mais grave do que a daquele que faz o lançamento. Vou pedir vênia a Vossa Excelência e vou divergir no sentido do cabimento da denúncia espontânea, em casos de tributo por homologação. Porque, realmente, vejo que não atinge o espírito da lei, no meu entender.(...)".

Por isso deve-se reverter esse pensamento, a fim de que se mantenha o entendimento mais antigo sobre a matéria, onde a coerência com o Código Tributário Nacional privilegia o bom direito e a segurança jurídica.

Ademais, neste caso, a falta de harmonia das novas decisões com os dispositivos do CTN sobre a modalidade de lançamento tributário fez criar uma espécie não prevista em lei, o autolançamento.

Neste sentido foi o brilhante acórdão da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, proferido no Recurso Especial nº 629.429-PR, da relatoria da Ministra Eliana Calmon, proferido em 3 de junho de 2004, assim ementado.

"TRIBUTÁRIO – TRIBUTO LANÇADO POR HOMOLOGAÇÃO- DÉBITO EM ATRASO – RECOLHIMENTO DO PRINCIPAL COM CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA ANTES DE QUALQUER PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO – DENÚNCIA ESPONTÂNEA – ART. 138 DO CTN – MULTA MORATÓRIA INDEVIDA.

1. Configura-se denúncia espontânea o recolhimento de tributo acrescido o valor principal de correção monetária e juros de mora antes de qualquer procedimento administrativo. Multa moratória indevida.

2. Prevalência da jurisprudência majoritária da Corte, apesar de recentes decisões da Primeira Turma em sentido contrário.

3. Recurso Especial improvido." (STJ- SEGUNDA TURMA, RECURSO ESPECIAL Nº 629.426/PR, Relatora Ministra ELIANA CALMON, Publicado no DJU em 23/08/2004, p. 222).

Certo é que, não se pode considerar a entrega da declaração de rendimentos feita pelo contribuinte como um lançamento ou um procedimento administrativo fiscal. Estes são atos exclusivos da administração pública, só por ela podem ser praticados e, portanto, não podem ser delegados.

Quando o Judiciário convalida ações do Poder Executivo que são realizadas sem fundamento legal, ao invés de oferecer soluções pacíficas aos conflitos, acaba por permitir o surgimento de situações esdrúxulas e desrespeitosas ao direito dos contribuintes.

Pelo ordenamento tributário vigente no país, só a existência de um procedimento administrativo regular, iniciado por autoridade competente, é capaz de inibir a espontaneidade do pagamento em atraso de qualquer tributo.


3. CONCLUSÃO

De tudo acima exposto, tem-se certo que essas decisões baseiam-se em fundamentos que são contrários ao ordenamento tributário vigente no país e não coadunam com a jurisprudência majoritária dos Tribunais pátrios, no sentido de que, configura-se denúncia espontânea o pagamento do tributo antes de qualquer procedimento administrativo, mesmo tratando-se de tributo sujeito ao lançamento por homologação.

Esse equívoco vem impedindo os contribuintes de utilizarem de um direito líquido e certo, no sentido de verem reconhecida a ilegalidade da cobrança da multa de mora no pagamento dos tributos em atraso, com fundamento do artigo 138 do CTN, bem como, o reconhecimento do direito ao ressarcimento imediato dos valores pagos indevidamente sob esse título.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

D'ANGELO, João Donato. A denúncia espontânea nos tributos sujeitos ao lançamento por homologação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2266, 14 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13494. Acesso em: 28 mar. 2024.