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A tutela federal dos direitos humanos no Brasil.

Os pressupostos de admissibilidade da federalização

A tutela federal dos direitos humanos no Brasil. Os pressupostos de admissibilidade da federalização

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Recém criado, o novo dispositivo já recebeu inúmeras críticas, por supostas ofensas ao pacto federativo, ao princípio do juiz natural e por não estabelecer com clareza o seu "modus operandi".

INTRODUÇÃO

A compreensão da dignidade suprema da pessoa humana tem sido, no curso da História, em boa parte, fruto da dor física e do sofrimento moral. A cada grande surto de violência, os homens recuam, horrorizados, à vista da infâmia que se abre claramente diante de seus olhos. O remorso pelas torturas, as mutilações em massa, os massacres coletivos, as chacinas e aviltantes explorações faz nascer nas consciências a exigência de novas regras conducentes a uma vida mais digna para todos [01].

E essas novas regras se apresentam a partir de um reconhecimento oficial dos direitos humanos em textos normativos, a fim de afirmá-los como de observância obrigatória por todos. Nos séculos que nos antecedem, podemos registrar inúmeros documentos que trazem esse teor de positivação de direitos humanos. Entre as que marcaram época, podemos destacar: a Magna Carta, de 1215; a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789; a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948; o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966; o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966; a Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969.

Entretanto, é notório que a mera previsão em normas jurídicas não possui o condão de assegurar o devido respeito a esses direitos. É preciso criar mecanismos que concedam efetividade aos direitos humanos, tanto em nível nacional quanto internacional [02]. A literatura de proteção aos direitos fundamentais do homem é vasta, porém tal constatação não impediu a continuidade de violações aos direitos humanos em nosso país.

Por isso, existem vários órgãos de monitoramento e julgamento, que visam garantir o efetivo respeito aos direitos humanos. Podemos citar as Comissões Especiais da Organização das Nações Unidas, a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos e o Tribunal Penal Internacional, em plano internacional.

No plano nacional, a Constituição da República Federativa do Brasil é, sem dúvida, um dos documentos da história constitucional contemporânea que melhor confere direitos e garantias fundamentais aos cidadãos, como resposta a um regime de exceção e de tolhimento de direitos que durou mais de duas décadas no Brasil.

Na repartição de competências perpetrada pela Carta Magna, coube ao sistema judicial dos Estados Federados a investigação, processo e julgamento da grande maioria das violações aos direitos humanos, excetuando-se apenas os casos dos incisos IV, V, VI, IX e X do art. 109 da CF/88.

Porém, o que tem se constatado no Brasil é que a impunidade tem abalado a credibilidade do sistema judicial, especialmente naqueles casos emblemáticos em que há graves violações aos direitos humanos.

Diante disso, quando promulgada a Emenda Constitucional n. 45/2004, foi incluído no art. 109 da Constituição o inciso V-A e o § 5º, com a seguinte redação: "Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: [...] V-A – as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo; [...] § 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal".

Recém criado, o novo dispositivo já recebeu inúmeras críticas, por supostas ofensas ao pacto federativo, ao princípio do juiz natural e por não estabelecer com clareza o seu modus operandi. Existem, inclusive, ações diretas, pugnando a inconstitucionalidade do dispositivo citado perante o Supremo Tribunal Federal [03].

O instituto do incidente de deslocamento de competência está em plena vigência desde a publicação da Emenda Constitucional n. 45/2004, mas o que se percebe é um desconhecimento generalizado do seu modo de aplicação e dos seus objetivos. Buscar, pois, parâmetros mais claros e precisos para a federalização das graves violações aos direitos humanos é uma das metas desta monografia.

A título ilustrativo, registre-se que o Procurador-Geral da República, quando do ajuizamento do Incidente de Deslocamento de Competência n. 1 perante o STJ, em sua exordial, sequer elencou quais seriam os tratados internacionais que o Brasil teria descumprido. Ora, se o próprio legitimado a atuar desconhece os pressupostos de admissibilidade do instituto, é sinal de que o tema merece ampla reflexão para que seja melhor utililizado em prol dos direitos humanos.


1 A PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO PLANO INTERNACIONAL E NACIONAL

O presente projeto de dissertação visa analisar em profundidade o instituto que foi criado como mais uma tentativa de conferir efetividade aos comandos normativos relativos à repressão e punição de graves violações aos direitos humanos. Visa, pois, diminuir o hiato existente entre normatividade e efetividade. E isso constitui obrigação do Estado.

Com efeito, Cançado Trindade ensina que os Estados que ratificam tratados internacionais de direitos humanos encontram-se obrigados a organizar o seu ordenamento jurídico interno de modo que as supostas vítimas de violações dos direitos nele consagrados disponham de um recurso eficaz perante as instâncias nacionais. Esta obrigação adicional opera como uma salvaguarda contra eventuais denegações de justiça, ou atrasos indevidos ou outras irregularidades processuais na administração da justiça [04].

O Direito Internacional dos Direitos Humanos contribui, decisivamente, ao processo de humanização do Direito Internacional. O tratamento dispensado aos seres humanos pelo poder público não é mais algo estranho ao Direito Internacional. Muito ao contrário, é algo que lhe diz respeito, porque os direitos de que são titulares todos os seres

humanos emanam diretamente do Direito Internacional. Os indivíduos são, efetivamente, sujeitos do direito tanto interno como internacional. E ocupam posição central no âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, sejam ou não vítimas de violações de seus direitos internacionalmente consagrados [05].

A federalização das graves violações aos direitos humanos é, pois, um mecanismo destinado a forçar o sistema judicial brasileiro a funcionar efetivamente.

Registrando, desde logo, que o instituto em comento não irá solucionar em definitivo os problemas das violações aos direitos humanos – pois esta solução advém de inúmeras ações coordenadas – salientamos que, caso bem utilizado, a suscitação do incidente poderá servir como mais um instrumento garantidor de efetiva repressão às violações de direitos humanos e desestimulará condutas ilegais por parte de autoridades envolvidas na investigação, processo e julgamento de ações decorrentes dessas violações.

Por isso, reputamos de suma importância um acurado estudo sobre os pressupostos de admissibilidade do instituto, para que se estabeleçam de forma mais precisa os seus parâmetros e sua forma de aplicação, tendo em vista que se trata de expediente de utilização excepcional, mas necessária em alguns casos concretos. Identificar quais são esses casos, com um elevado grau de segurança jurídica, é o que nós nos propomos a investigar.

Isso porque, o dispositivo constitucional que instituiu o incidente de deslocamento é norma de competência e, como tal, necessita forçosamente pautar-se por critérios objetivos e claros – e não casuais e subjetivos [06]. Caso contrário, o que seria um avanço representará, na realidade, verdadeiro retrocesso, permitindo que, casuisticamente, por circunstâncias transitórias e questionáveis, seja deslocada a competência da Justiça Estadual para a Justiça Federal.

Algumas hipóteses podem inicialmente ser formuladas: não é toda e qualquer violação de direitos humanos que fundamenta o incidente de deslocamento, mas unicamente uma ocorrência grave; ainda, é necessário que tal grave ocorrência implique violação a tratados internacionais de direitos humanos; finalmente, é necessário demonstrar que a Justiça dos Estados membros não pode assegurar cumprimento das obrigações internacionais.

O conceito referencial é o da dignidade essencial da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88). Dessa dignidade essencial derivando o reconhecimento e dever de respeito e proteção a todos os direitos inerentes àquela condição, e que terminam sendo explicitados nos róis de direitos, elencados em tratados e convenções internacionais.

Tendo a modificação no sistema constitucional brasileiro causado imenso impacto no modo como o Judiciário haverá de operacionalizar as efetivas garantias dos direitos humanos fundamentais (notadamente nos aspectos penais constitucionais), exige-se reflexões aprofundadas, de modo a contribuir para um entendimento que melhor realize a finalidade da norma.


2 A FEDERALIZAÇÃO DAS GRAVES VIOLAÇÕES AOS DIREITOS HUMANOS

Este instituto surgiu como um instrumento para garantir a efetividade da observância dos direitos humanos, diante do recrudescimento da violência e da impunidade no passado recente de nosso país. O surgimento de grupos de extermínio, muitas vezes com policiais envolvidos, somados ao sentimento de impunidade, fez aumentar a pressão dos organismos internacionais (Organização das Nações Unidas, Comissão Interamericana de Direitos Humanos) sobre a União, que é a responsável, no plano externo, pelo cumprimento das obrigações decorrentes dos tratados internacionais de direitos humanos [07].

Trata-se, destarte, de um instrumento vocacionado a preservar a responsabilidade internacional do Brasil perante cortes e organismos internacionais e de efetiva proteção dos direitos humanos.

O incidente de deslocamento de competência pode ser entendido como um instituto político-jurídico, de natureza processual penal objetiva, destinado a assegurar a efetividade da prestação jurisdicional em casos de crimes contra os direitos humanos [08]. É instrumento político porque visa resguardar a responsabilidade do Estado perante a comunidade internacional. É jurídico porque se dirige a um Tribunal, visando modificar horizontalmente (de juiz estadual para juiz federal; de Tribunal de Justiça para Tribunal Regional Federal) a competência para processo e julgamento de crimes que envolvam graves violações aos direitos humanos.

Pode, outrossim, ser visto como uma garantia de efetividade da tutela jurisdicional criminal, salvaguardando o jus puniendi estatal e também uma forma de dar vazão à necessidade de razoável duração do processo (CF, art. 5°, LXXVIII e arts 7.5 e 8.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos), contra demoras injustificadas ou propositais de órgãos jurisdicionais estaduais. Para apuração desse prazo razoável, deve-se levar em conta vários fatores, elencados pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos [09]: a maior ou menor complexidade do processo; a maior ou menor diligência dos órgãos do processo; a duração em si da prisão; a duração dessa prisão em relação à natureza do fato e à pena cominada e da pena aplicável em caso de condenação, levando sempre em conta a razoabilidade.

Trata-se, como dito, de um incidente processual de deslocamento de competência em casos estritamente excepcionais. A competência é transferida da Justiça comum estadual para a Justiça Federal.

Até o momento, só se registrou apenas um incidente de deslocamento de competência no Superior Tribunal de Justiça, órgão competente para o processo e julgamento de tal questão. O IDC nº 1/PA, em que se buscava transferir a competência da Justiça Estadual para a Federal na investigação, processo e julgamento do homicídio da irmã Dorothy Stang.

No caso, amplamente divulgado pela mídia, a Sra. Dorothy Stang havia sido brutalmente assassinada em virtude de conflitos agrários na região de Anapu, município do Pará. A freira trabalhava com projetos de desenvolvimento sustentável junto aos trabalhadores rurais.

Havia uma conhecida tensão entre posseiros e fazendeiros, o que culminou com o brutal assassinato da Sra. Dorothy, por se contrapor aos interesses de pessoas de influência econômica na região, inclusive com denúncias de extração ilegal de madeira. Enfim, havia vários interesses em jogo.

A proteção da integridade física da freira já havia sido pedida às autoridades públicas vários meses antes do crime, porém não foi suficiente para evitá-lo. Verificou-se o descaso dos órgãos de segurança pública em coibir tais violações aos direitos humanos, não só da vítima, como também de agricultores e posseiros no município citado.

Assim, aparentemente, havia pressupostos suficientes para o deslocamento de competência. Porém, o Procurador-Geral da República não conseguiu demonstrar o segundo requisito do instituto, qual seja: a garantia de que o Brasil cumpra com as obrigações decorrentes de pactos internacionais, firmados sobre direitos humanos.

No julgamento do IDC, o relator assim se posicionou:

O deslocamento de competência – em que a existência de crime praticado com grave violação dos direitos humanos é pressuposto de admissibilidade do pedido – deve atender ao princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), compreendido na demonstração concreta de risco de descumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil, resultante da inércia, negligência, falta de vontade política ou de condições reais do Estado-membro, por suas instituições, em proceder à devida persecução penal. No caso, não há a cumulatividade de tais requisitos, a justificar que se acolha o incidente [10].

Ficou configurada a inépcia da peça inaugural, pois o PGR não conseguiu demonstrar o risco de descumprimento de tratado internacional firmado pelo Brasil sobre a matéria, e assim, o pedido foi indeferido.

Diante desse caso concreto, resta palpável a necessidade de se estudar mais profundamente o tema para subsidiar os aplicadores do instituto a dele utilizarem da forma correta, isto é, naqueles casos em que, além da grave violação aos direitos humanos, houver risco de descumprimento de tratado internacional sobre direitos humanos firmado pelo Brasil em virtude de falta de vontade ou capacidade dos órgãos jurisdicionais estaduais.

Assim, para que a federalização das graves violações aos direitos humanos possa se legitimar e ganhar maior aceitação perante a comunidade jurídica, faz-se mister afastar a nuvem sombria do subjetivismo que ora paira sobre o instituto.

Críticas não faltam sobre a possibilidade de o Procurador-Geral da República, ao seu bel talante, ajuizar o incidente de deslocamento de competência. E essas críticas ganham ainda maior visibilidade quando se percebe que estamos lidando com questões, em regra, afetas ao Direito Penal, onde vige o princípio de estrita legalidade.

Porém, apesar das críticas, não se pode negar que o dispositivo constitucional possui uma finalidade da mais alta relevância, qual seja o desestímulo da impunidade e das violações aos direitos humanos.

Nessa perspectiva, para Afonso da Silva, a jurisdição constitucional da liberdade consiste na "atividade jurisdicional destinada à tutela das normas constitucionais que consagram os direitos fundamentais da pessoa humana. Seu exercício se dá por meio de um conjunto de instrumentos jurídico-processuais destinados a levar à apreciação dos Tribunais questões que suscitem infrigência dos direitos humanos fundamentais" [11].

Assim, para que a federalização das graves violações aos direitos humanos se consolide como um desses instrumentos jurídico-processuais, é de suma importância que se discuta os parâmetros de sua aplicação. Esta é a hipótese com a qual trabalharemos em nossa pesquisa: dissecar os pressupostos de admissibilidade do incidente de deslocamento de competência de forma a torná-los os mais objetivos possíveis, conferindo maior legitimidade e clareza ao instituto.

Para tanto, pretendemos desenvolver pesquisa empírica, analisando casos de requerimento de IDC feitos ao Procurador-Geral da República. Verificar as discussões e argumentos deduzidos nestes procedimentos é de fundamental importância para identificar o perfil do que se entende por grave violação de direitos humanos, quais são as circunstâncias que envolvem os pedidos, motivos que ensejaram o requerimento e casos mais recorrentes.

Pretendemos ir além da mera discussão superficial sobre competência, superando a bizantina disputa entre Justiça Estadual e Federal. Mas, antes disso, é preciso saber se o instituto em análise é ou não compatível com a Constituição Federal.

2.1. A CONSTITUCIONALIDADE DO IDC

Não há dúvidas de que cabe ao Supremo Tribunal Federal, como guardião máximo da Constituição, dar a última palavra a respeito da constitucionalidade do referido instituto. Porém, em nosso trabalho, defendemos que o IDC é constitucional.

Desde a tramitação da PEC 29/2000 no Congresso Nacional, houve dissidências acerca da inclusão ou não da federalização de crimes contra os direitos humanos.

Posteriormente à promulgação da Emenda Constitucional nº 45, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.486/DF, com pedido de medida cautelar, visando declarar a inconstitucionalidade do dispositivo que instituiu o incidente de deslocamento de competência (IDC), por entender que este ofende o princípio do juiz natural, do devido processo legal e da competência do júri.

É notório que o referido instituto não vai solucionar a questão das violações aos direitos humanos no Brasil, pois isso não se resolve apenas com a feitura de leis. Porém, não cremos que é o caso de declarar sua inconstitucionalidade, pois, se bem utilizado, com critérios e pressupostos definidos, poderá, sim, contribuir para a maior proteção dos direitos humanos e redução da impunidade em nosso país.

Não é o mérito deste trabalho discutir acerca da constitucionalidade ou não do incidente de deslocamento de competência, entretanto, não nos furtaremos a tecer algumas rápidas considerações pelas quais pode o instituto sobreviver sem maiores problemas.

Basta uma interpretação sistemática de nossa Lei Maior para percebermos a compatibilidade do instituto com as disposições constitucionais.

O art. 34, VII, b, da Carta Magna permite à União intervir nos Estados e no Distrito Federal para assegurar a observância dos direitos da pessoa humana, com decretação de intervenção dependendo de provimento, pelo STF, de representação do Procurador-Geral da República (CF, art. 36, III). Há, portanto, uma certa similaridade entre os institutos e este não adveio de emenda constitucional.

Além disso, o art. 144, § 1º, I, da Constituição, estabelece que a Polícia Federal pode apurar infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme. Regulamentando este inciso, foi editada a Lei n.º 10.446/02, que reza o seguinte:

Art. 1º Na forma do inciso I do § 1º do art. 144 da Constituição, quando houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, poderá o Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, sem prejuízo da responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no art. 144 da Constituição Federal, em especial das Polícias Militares e Civis dos Estados, proceder à investigação, dentre outras, das seguintes infrações penais: (...) III – relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte.

Ora, se há possibilidade de a Polícia Federal proceder a investigações nessa seara, certamente poderá ser competente a Justiça Federal para julgar tais delitos.

Quanto à suposta ofensa ao princípio do juiz natural, propugna, com razão, o Dr. Vladimir Aras, que

as corriqueiras exceções e os conflitos entre juízos diversos são defesas processuais tradicionais, que ocorrem no curso de ações penais e cíveis. Tais instrumentos processuais jamais foram contestados ao argumento de que ofendem o princípio do juiz natural (art. 5º, LVIII, CF). Quantas são as exceções de incompetência (em razão da função, material e territorial), de suspeição e de impedimento que alteram o juízo ou afastam juízes antes acreditados como ‘naturais’? Evidentemente, essas ferramentas de processo, como também o IDC, não afetam a segurança jurídica na atividade jurisdicional, pelo simples fato de alterarem o juízo tido como competente [12].

Diante disso, esperamos que a ADI 3468 seja julgada improcedente, confirmando-se a constitucionalidade do IDC, devendo o Supremo Tribunal Federal estabelecer os requisitos e pressupostos para a admissibilidade do incidente e pôr fim à celeuma.

2.2. O INSTITUTO É NECESSÁRIO?

A discussão sobre a federalização das graves violações aos direitos humanos é, antes de mais nada, um debate em torno da efetividade. Para Afonso da Silva, efetividade ou eficácia social, denota uma "conduta acorde com a prevista pela norma, refere-se ao fato de que a norma é realmente obedecida e aplicada" [13].

Para Barroso, quando há interesses e influências que dificultam a concretização de uma norma, deve-se "formular estruturas lógicas e prover mecanismos técnicos aptos a dar efetividade às normas jurídicas" [14].

A inefetividade da repressão às graves violações aos direitos humanos faz surgir um sentimento generalizado de impunidade que acaba por criar um ambiente propício à continuidade delitiva. Beccaria [15] já dizia que a certeza da punição é fator mais importante que a sua gravidade.

Nesse sentido, a teoria garantista de Luigi Ferrajoli se aplica ao nosso estudo uma vez que, para o autor, é adequado o sistema jurídico que "detiver mecanismos de invalidação e de reparações idôneos, de modo geral a assegurar efetividade aos direitos normativamente proclamados" [16] . A teoria garantista, a grosso modo, estuda as relações entre validade e efetividade das normas, buscando aproximar tais elementos. O garantismo seria, pois, uma teoria que se preocupa com aspectos materiais e processuais que devem sempre existir para que o direito seja válido e efetivo.

Por outro lado, a doutrina do Direito Internacional dos direitos humanos também é de suma importância para conferir lastro ao funcionamento do incidente de deslocamento de competência. Isso porque, principalmente após a proclamação da Carta das Nações Unidas, consagrou-se a idéia segundo a qual todo ser humano é titular de direitos em razão de sua dignidade intrínseca. Pelo mero fato de existir, o homem possui uma nomenclatura de direitos. E esses direitos são oponíveis juridicamente a todos os Estados.

Com essa evolução no Direito Internacional a pessoa passou a ser vista sob prisma distinto. Deixou de ser mero objeto da ordem internacional, passou a ter um reconhecimento e proteção internacional no que toca aos seus direitos inatos. O ser humano passou a ser sujeito de Direito Internacional [17].

Essa perspectiva demonstra um novo olhar sobre a relação entre soberania dos Estados e direitos humanos. Eles interagem reciprocamente em uma tensão dialética cuja consideração é indispensável para compreender a complexidade e as contradições intrínsecas do Direito Internacional dos direitos humanos em sua fase atual.

Para Salcedo, essa contradição encontra uma síntese superadora na noção de obrigações positivas que o Direito Internacional dos direitos humanos impõe aos Estados em relação com a promoção e proteção do direitos humanos, de todos os direitos fundamentais de todo ser humano [18].

E essas obrigações positivas se manifestam em diversos planos de ação dos Estados. Entre eles, destacamos a incorporação ao ordenamento jurídico interno de normas de Direito Internacional protetoras de direitos humanos a fim de garantir o seu efetivo cumprimento.

Ao internalizar essas normas, o Estado brasileiro se obriga a cumpri-las perante a comunidade internacional. O descumprimento dessas obrigações pode gerar responsabilização do país perante organismos internacionais.

Essas novas jurisdições internacionais cumprem o desiderato de compelir os países a adequarem sua ordem jurídica interna conforme os preceitos internacionais, e a formularem políticas públicas, quando a letra da lei apenas e tão-somente não se demonstra instrumento hábil a concretizar os direitos humanos [19] e evitar sua violação impune.

Desse modo, a federalização das graves violações aos direitos humanos faz parte dessa sistemática de concretização dos direitos humanos, de efetiva punição dos violadores desses direitos. É mais um recurso interno [20] destinado a garantir o cumprimento de obrigações internacionais relativas a direitos humanos em nosso país.

Aceitar o monitoramento de órgãos internacionais no que toca aos direitos humanos no Brasil não foi fácil. Mas já passamos por esta etapa. Igual dificuldade será a de mudar a mentalidade da comunidade jurídica para que se perceba que o foco não é a disputa de competência e sim efetividade na proteção aos direitos humanos em nosso país. Houve resistência para reconhecer no plano internacional as violações a direitos humanos e a impunidade que aqui ocorrem. Assim também, há dificuldade para o sistema judicial estadual reconhecer essa dificuldade no plano interno.

O IDC, apesar de excepcional, é válido.

E isso está de acordo com a coerência interna que deve ter o ordenamento jurídico, conforme Norberto Bobbio. Com efeito, como o ordenamento jurídico é uma unidade sistemática, "para que se possa falar de uma ordem, é necessário que os entes que a constituem não estejam somente em relacionamento com o todo, mas também num relacionamento de coerência entre si" [21].

Nessa toada, Flávia Piovesan ensina que o incidente de deslocamento de competência "está em absoluta consonância com a sistemática processual vigente (vide o instituto do desaforamento), como também com a sistemática internacional de proteção dos direitos humanos (que admite seja um caso submetido à apreciação de organismos internacionais quando o Estado mostra-se falho ou omisso no dever de proteger os direitos humanos)" [22].

Resta, pois, demonstrada a compatibilidade do instituto da federalização com o ordenamento jurídico brasileiro, a partir da perspectiva de que se trata de um sistema que deve primar pela concretização dos direitos humanos, tanto de forma preventiva quanto repressiva. E esse dever advém não só da ordem interna, mas também de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil.

Ademais, o instituto sub examine está de acordo com a teoria garantista de Luigi Ferrajoli, por se tratar de um mecanismo que visa assegurar a efetividade da prevenção, reparação e punição às violações de direitos humanos. Portanto, precisa-se, então, buscar legitimar socialmente o instituto a partir do estabelecimento de parâmetros mais objetivos para análise dos pressupostos de admissibilidade do instituto do incidente de deslocamento de competência, que são: grave violação de direitos humanos; risco de responsabilização do Brasil perante organismos internacionais pelo descumprimento de tratados internacionais de direitos humanos; inércia injustificada na apuração dos fatos, omissão, leniência, parcialidade, falta de vontade ou falta de capacidade das autoridades responsáveis pela investigação, processo e julgamento dos casos em que houver violação a direitos humanos.

Buscaremos, pois, determinar o conceito de grave violação aos direitos humanos, analisando casos da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Corte Interamericana de Direitos Humanos, do Tribunal Penal Internacional, e relatórios de Comissões especiais da ONU, além da própria jurisprudência brasileira.

Faremos um levantamento dos tratados internacionais relativos a direitos humanos já ratificados pelo Brasil, a fim de determinar quais são as obrigações a que o país se submete e quais são as eventuais responsabilidades pelo descumprimento desses tratados.

Por fim, analisaremos a questão da omissão, leniênia, parcialidade, inércia injustificada, falta de vontade ou falta de capacidade que venha a comprometer o bom andamento da investigação, processo e julgamento dos casos que envolvem violações aos direitos humanos. Faremos isso analisando o princípio da complementaridade utilizado pelo Tribunal Penal Internacional como requisito de admissibilidade nos casos a ele submetidos. Entendemos que este estudo comparativo será de grande valia para determinar quando as autoridades estão envolvidas com o insucesso da punição das violações aos direitos humanos.


3 PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO IDC

Assim, cabe ao Procurador-Geral da República, por determinação constitucional, suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, o incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal, fundamentado em três pressupostos objetivos: 1. um crime em que haja grave violação de direitos humanos; 2. o compromisso do Brasil em honrar tratados internacionais a respeito da matéria, com possibilidade de responsabilização; 3. omissão, leniência, falta de vontade ou de capacidade dos órgãos jurisdicionais estaduais.

O ponto basilar, que realmente vai legitimar e ensejar um possível IDC, são arbitrariedades, cometidas pelos órgãos jurisdicionais, que venham a dilatar o processo no tempo injustificadamente.

Quanto ao leading case acerca da matéria, o bárbaro homicídio da missionária Dorothy Stang, pode-se perceber a omissão das autoridades quanto ao caso. Flávia Piovesan averba que,

de acordo com a Comissão Pastoral da Terra, no período de 1985 a 2003, de um total de 1.003 crimes relativos a conflitos de terra, só 75 foram a julgamento. De um universo de 1.349 pessoas assassinadas, só houve a condenação de 65 pistoleiros e 15 mandantes. E mais: há hoje 13 casos de violência rural submetidos à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), e 6 deles ocorreram no Estado do Pará. Neste quadro marcado pela criminalidade constante e crescente, em que o uso arbitrário e destemido da força é assegurado pela ausência do Estado de Direito, mais que justificável a adoção do instituto da federalização [23].

Parece-nos ser este o único desafio a vislumbrar para a utilização do IDC: o devido preenchimento dos requisitos constitucionais autorizadores do deslocamento, a ser verificado na práxis.

Deve-se, contudo, registrar a excepcionalidade da aplicação do instituto. O recurso ao IDC não pode ser banalizado pois comprometeria a própria atuação dos órgãos federais, pelo crescimento do número de feitos, prejudicando até a eficácia das investigações policiais.

A Justiça Federal só atua em caráter subsidiário, nos casos extremamente excepcionais. O nosso ordenamento jurídico criou algo interessante, que pode ser visto como gradações de intervenção da competência federal na apuração de crimes contra os direitos humanos.

Em regra, os crimes contra em que haja a violação dos direitos humanos são de competência dos Estados federados, com investigação das Polícias estaduais. Se, por exemplo, for verificado que a Polícia Civil Estadual mostra-se ineficaz ou omissa na resolução do delito, a Polícia Federal, independente da instauração de qualquer incidente, por força da Lei n.º 10.446/02, poderá proceder à investigações concorrentemente com a Polícia estadual, de forma autônoma. Nesse sentido já se manifestou o Supremo Tribunal Federal, em voto da lavra do Min. Gilmar Mendes, verbis:

"É bem verdade, por outro lado, que é sobre a União que recai a responsabilidade internacional diante do compromisso que tem o Brasil de combater as violações contra os direitos humanos delimitados nos tratados e convenções dos quais é signatário. O ordenamento jurídico, no entanto, já prevê os mecanismos processuais necessários para os casos – frise-se, excepcionais – nos quais a Justiça Estadual, por motivos vários (insuficiência do aparato persecutório, manipulação política, etc.), não esteja funcionando de forma eficiente. A Lei n° 10.446, de 8 de maio de 2002, por exemplo, prevê a possibilidade de investigação, pelo Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, sem prejuízo dos órgãos de segurança pública estaduais, dos crimes de repercussão interestadual ou internacional que exijam repressão uniforme, como aqueles relativos "à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte" (Art. 1o, inciso III)." [24]

É a intervenção da Polícia Federal na fase investigativa. Em um outro ponto, ainda mais grave, se ficar constatado também a falta de vontade ou omissão dos órgãos jurisdicionais estaduais, aí sim, preenchidos todos os requisitos autorizadores, será o caso de apelar para o incidente de deslocamento de competência. Trata-se, destarte, de situação bastante atípica.

Além disso, não se pode cogitar do incidente simplesmente porque houve alguma espécie de grave violação aos direitos humanos. Não é a ocorrência de infrações penais deste gênero que irá determinar a censura internacional do Estado brasileiro, é, sim, a falta ou insuficiente repressão a essa espécie de violação [25].

Com efeito, não basta a ocorrência de um crime que viole gravemente direitos humanos, para que seja movimentada a máquina judiciária federal, pois este delito pode e deve ser duramente reprimido, com a devida sanção, pelo Judiciário estadual.

Deve-se, outrossim, ressaltar, conforme ensina Maluly [26], a necessidade de aplicação da máxima da proporcionalidade, na aferição, pelo STJ, da necessidade ou não do deslocamento de competência. A regra é a não-intervenção, devendo esta tomar lugar apenas em momentos excepcionalíssimos. Nesse caso, há um conflito entre a autonomia de jurisdição dos Estados membros e a responsabilização internacional da União na repressão de violações aos direitos humanos.

O STF, em julgamento de intervenção federal, tratou bem da questão, sujeitando-a ao princípio da proporcionalidade. Asseverou, em seu voto, o Min. Gilmar Mendes:

a aplicação do princípio da proporcionalidade se dá quando verificada restrição a determinado direito fundamental ou um conflito entre distintos princípios constitucionais de modo a exigir que se estabeleça o peso relativo de cada um dos direitos por meio da aplicação das máximas que integram o mencionado princípio da proporcionalidade [27].

As máximas citadas pelo Ministro são a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Um ato é adequado quando é apto para produzir o resultado desejado. É necessário se for insubstituível por outro menos gravoso e igualmente eficaz. Por último, é proporcional em sentido estrito se estabelece uma relação ponderada entre o grau de restrição e realização dos direitos em conflito.

Submetendo essa sistemática ao tema em comento, vemos que o resultado desejado (adequação) é, conforme a Constituição (art. 109, § 5º), "assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte)". A medida será necessária (insubstituível), se não houver outra forma menos gravosa de solucionar a questão. Como dito, existe, de acordo com a Lei 10.446/02, uma forma menos gravosa de repressão aos crimes contra direitos humanos, pela possibilidade de investigação da Polícia Federal. Somente se essa estratégia não resolver a questão é que se deve seguir para a forma mais extremada de intervenção, que é, no caso, o IDC. Além disso, a proporcionalidade em sentido estrito se verifica na existência da grave violação aos direitos humanos aliada à falta de vontade ou capacidade dos Poderes públicos estaduais.

Portanto, somente na hipótese de comprovada falta dos órgãos jurisdicionais estaduais em desenvolverem corretamente seu mister, que poderá se suscitar o incidente, desde que conjugados todos os pressupostos já declinados.

Desse modo, o cerne de nosso estudo é analisar os três pressupostos do IDC, e, especialmente, verificar como se dá a falta de vontade ou falta de capacidade do Estado-membro em julgar e punir o delito que ofenda gravemente direitos humanos [28].

3.1. GRAVES VIOLAÇÕES AOS DIREITOS HUMANOS

Neste tópico, pretendemos analisar o que se entende por grave violação aos direitos humanos, no plano internacional e no plano interno.

É certo que todo delito, por estar tipificado em norma penal, constitui ofensa a um bem jurídico tido como caro para a sociedade. Isso porque, vigora no Direito Penal o princípio da intervenção mínima. É dizer, só se justifica a criminalização de uma coduta quando for estritamente necessário, quando não houver outra forma de reprimir aquela conduta reprovadora por meios menos gravosos, com, por exemplo, sanções nas esferas cível ou administrativa. Assim, todo crime já traz consigo uma alta carga de reprovabilidade. Mas, nem toda conduta violadora de direitos humanos pode ser considerada grave.

Para adquirir essa conotação, é preciso analisar as circunstâncias e pecualiaridades do caso concreto. Não há uma regra geral, predeterminada. Existem, entretanto, alguns indícios de que uma conduta apresenta grave violação a direitos humanos. Nesse sentido caminha a interpretação do Pretório Excelso brasileiro: "Existem casos específicos em que o crime – tendo em vista a forma como é cometido, a quantidade de sujeitos envolvidos e a repercussão social causada – deixa de ser uma violação apenas à liberdade individual do trabalhador, passando a constituir uma grave ofensa a vários bens e valores constitucionais" [29].

Assim, não é necessário que haja um genocídio para surgir a possibilidade de federalização. Um homicídio já pode ser considerado como grave violação a direitos humanos, e, caso não sejam punidos os criminosos, pode render ensejo à federalização.

Veja-se, por exemplo, o caso Ximenes Lopes x Brasil, em que a República Federativa do Brasil foi condenada perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos por ter permitido que os direitos humanos de um cidadão brasileiro fossem gravemente violados, culminando com sua morte. Veja-se o seguinte excerto da sentença prolatada pela Corte:

No caso do senhor Ximenes Lopes, não há evidências de que ele representasse perigo iminente para ele mesmo ou para terceiros. Tampouco há evidência de que quaisquer tentativas menos restritivas para controlar um possível episodio de violência seu. Assim sendo, o uso de qualquer forma de contenção física neste caso foi ilegal. Uma vez contido, com as mãos amarradas por trás das costas, competia ao Estado o supremo dever de proteger o senhor Damião Ximenes Lopes, devido a sua condição de extrema vulnerabilidade. O uso de força física e o espancamento constituíram uma violação de seu direito a uma acedência humana. Há outras alternativas que podem ser utilizadas antes de fazer uso da força ou decidir o isolamento de um paciente. Os programas de saúde mental deveriam se empenhar em manter um ambiente e uma cultura de cuidado que minimize a utilização de tais métodos. O uso injustificado e excessivo da forca neste caso viola o artigo 5.2 da Convenção Americana e constitui prática desumana e tratamento degradante.

Quando o isolamento ou a contenção são usados como punição, coerção ou por objetivos impróprios, a violação dos direitos humanos é ainda mais grave. Nos casos em que o uso da contenção tenha provocado dor ou sofrimento físico ou mental extremos, sua utilização imprópria para objetivo impróprios, poderá constituir tortura. Jamais é necessário espancar um paciente psiquiátrico ou a ele causar qualquer tipo de dano ou sofrimento. O fato de que o senhor Damião Ximenes Lopes estivesse desarmado e sob a custódia do Estado demonstra que uma ação dessa natureza não seria desproporcional à eventual ameaça que ele possa ter representado. Dada a grande vulnerabilidade de uma pessoa em crise psiquiátrica, cabe às autoridades do Estado em grau maior de responsabilidade na proteção a esses indivíduos. O espancamento do senhor Damião Ximenes Lopes- e sua posterior morte- poderiam ter sido evitados se o Estado tivesse cumprido suas obrigações de proporcionar-lhe uma instituição com funcionários capacitados para assisti-lo em sua deficiência mental.

(...)

O senhor Damião Ximenes Lopes tinha sido internado no ano de 1995 e outra vez no ano de 1998. Nesta última internação, a testemunha encontrou cortes, feridas nos tornozelos e no joelho do senhor Damião, razão pela qual pediu explicação ao funcionário da Casa de Repouso Guararapes, quem lhe disse que os ferimentos eram conseqüência de uma tentativa de fuga. A testemunha acreditou nessa versão.

No dia 4 de outubro de 1999, quando a mãe da testemunha encontrou o senhor Damião Ximenes Lopes ele estava agonizando, e ela pediu socorro ao médico Francisco Ivo de Vasconcelos, porque acreditava que seu filho ia morrer devido às condições em que estava. No entanto, o médico não atendeu seus pedidos. O senhor Damião Ximenes Lopes morreu nesse mesmo dia. Seu cadáver apresentava marcas de tortura; seus punhos estavam dilacerados e totalmente roxos, e suas mãos também estavam perfuradas, com sinais de unhas e uma parte do seu nariz estava machucada. A causa da morte foi dada pelos médicos como "morte natural, parada cardiorespiratória" e nada mais. O corpo do senhor Damião Ximenes Lopes foi então levado para Fortaleza para que fosse realizada uma necropsia, a qual também concluiu que se tratava de "morte indeterminada". A família não acreditou nesse laudo e acredita que houve manipulação e omissão da verdade. A raiz do seu envolvimento com o caso do seu irmão, encontrou muitas pessoas que sofreram maus-tratos ou que tiveram parentes espancados dentro da Casa de Repouso Guararapes, mas as famílias e as vítimas não tinham interesse em denunciar, porque tinham medo de enfrentar a polícia e o hospital."

Trata-se de um caso em que ficaram devidamente comprovadas as graves violações aos direitos humanos e a omissão das autoridades locais em punir os envolvidos com o delito referido, de modo que o Brasil foi condenado a reparações à família da vítima e instado a não repetir tais violações a direitos humanos.

Relatórios das Nações Unidas também podem ser de grande valia para identificar o que se entende por graves violações a direitos humanos. O relatório do expert autônomo da Comissão de Direitos Humanos da ONU sobre a situação no Afeganistão, de 21 de setembro de 2004, assevera que:

A situação dos direitos humanos no Afeganistão envolve uma extensiva gama de questões, incluindo presentes e pretéritas violações cometidas tanto pelo Estado como por atores não-estatais, operando além do alcance da lei como elementos formadores de políticas amplamente divulgadas e disseminadas, e por indivíduos. As violações identificadas constituem graves violações de direitos humanos fundamentais como execuções extrajudiciais, tortura, estupro, prisões e detenções arbitrárias, detenção em condições desumanas, desapropriações ilegais e forçadas de propriedade privada, sumisso e tráfico de crianças, várias formas de abuso contra as mulheres e uma variedade de outras violações cometidas contra elementos mais fracos da sociedade, como minorias, refugiados, mulheres, crianças, pobres e deficientes. [30]

Vê-se, pois, que uma grave violação aos direitos humanos pode advir sob várias formas e ofendendo diversos bens jurídicos. Por isso, faz-se necessário uma acurada análise da situação concreta que legitimidade a utilização do incidente.

3.2. TRATADOS INTERNACIONAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS

Outro pressuposto de admissibilidade para o incidente é a comprovação de que o Brasil está descumprindo obrigações internacionais a respeito da proteção e tutela de direitos humanos. Para isso, é preciso elencar quais são os tratados internacionais sobre direitos humanos já ratificados pela República Federativa do Brasil.

Existem inúmeros tratados internacionais, porém nem todos dizem respeito a direitos humanos. Assim, podemos elencar, sem pretensão de exaustão, os seguintes tratados internacionais sobre direitos humanos que já foram ratificados pelo Brasil e que geram obrigações para o Estado brasileiro: a Declaração Universal dos Direitos do Homem; a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, além dos seguintes tratados: Convenção para a prevenção e repressão do Crime de Genocídio, Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, Convenção sobre os Direitos da Criança, Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José), Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador). [31]

É preciso, pois, verificar caso a caso quais são as obrigações internacionais que o Brasil descumpriu e quais são as sanções para o descumprimento de tais obrigações, constantes no tratados internacionais acima referidos.

3.3. OMISSÃO, LENIÊNCIA, PARCIALIDADE

Para analisar este último pressuposto, tomaremos por base as premissas do Tribunal Penal Internacional, que só age em caso de falta ou omissão da jurisdição local em reprimir os delitos.

O século XX, palco de inúmeros conflitos bélicos, viu também o vertiginoso desenvolvimento da humanidade, em todas as áreas. A evolução do Direito Internacional contribuiu para a percepção de que certos crimes cometidos dentro de um determinado território nacional possuem, às vezes, repercussão no âmbito internacional, além de violarem direitos individuais básicos.

As hostilidades cometidas nas grandes guerras mundiais [32] geraram a necessidade de se criar um sistema efetivo de proteção aos direitos humanos. Essa proteção se iniciou com o surgimento de várias Declarações e Tratados Internacionais, visando proteger os direitos humanos (Declaração Universal dos Direitos do Homem, Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, Convenção Americana de Direitos Humanos, entre outros).

Porém, sabemos que a mera declaração de direitos em um texto não é suficiente se esses direitos não saírem do plano normativo. Faz-se mister a existência de mecanismos de implementação e efetividade desses direitos. Para isso, existem os órgãos de monitoramento, como Comissões da ONU e a Comissão e Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Os esforços em prol da criação de um sistema de monitoramento contínuo da situação dos direitos humanos em escala mundial levou ao surgimento de uma jurisdição penal internacional. No passado recente, foram criados, pelo Conselho de Segurança da ONU, Tribunais ad hoc, como o da Iugoslávia e o de Ruanda. Essa jurisdição visa penalizar as graves violações aos direitos humanos e evitar que outras se repitam.

Desse modo, após vários anos de discussões e estudos acerca da matéria, celebrou-se a Conferência de Roma. Nela, foi adotado o Estatuto do Tribunal Penal Internacional. Após as necessárias ratificações, o TPI entrou em vigor em 1º de julho de 2002.

Do seu Estatuto, podemos retirar várias disposições que contribuem para o nosso estudo. Existem, em um capítulo especial ou esparsos no texto, alguns princípios gerais de direito penal.

Os princípios possuem a pretensão de orientar a interpretação e aplicação da lei, especialmente quando a construção legal mostra-se insuficiente para resolver determinado caso. Eles buscam uma determinada finalidade, um estado ideal de coisas a ser alcançado.

Por isso, mostra-se de suma relevância a consagração de princípios gerais de direito penal pelo Estatuto do Tribunal Penal Internacional, pois eles servem de fundamento para a resolução de casos relativos a Direito Penal no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente porque o Estatuto de Roma foi aprovado pelo Decreto Legislativo n.º 112/2002 e promulgado pelo Presidente da República, através do Decreto n.º 4.388/2002. O Estatuto integra, portanto, a legislação brasileira.

Assim, podemos nos utilizar de princípios consagrados pelo Estatuto de Roma, como o da complementaridade, para, por meio de interpretação analógica, dar subsídios à utilização do incidente de deslocamento de competência no direito brasileiro.

O princípio da complementaridade encontra-se inserido no Estatuto em vários dispositivos, inclusive no preâmbulo: "o Tribunal Penal Internacional, criado pelo presente Estatuto, será complementar às jurisdições penais nacionais".

O TPI, portanto, baseia-se no princípio da complementaridade, segundo o qual o Tribunal não substitui os tribunais nacionais, pelo contrário, só atuará subsidiariamente às cortes nacionais, uma vez que essas possuem prioridade no exercício da jurisdição [33]. Assim leciona Cançado Trindade:

De conformidade com o princípio da complementaridade, invocado no próprio preâmbulo do Estatuto de Roma, o Tribunal Penal Internacional é concebido como complementar das jurisdições penais nacionais; as próprias condições de exercício de sua competência (artigos 12-14) dão primazia às jurisdições nacionais para investigar e julgar os crimes consignados no Estatuto de Roma, estando o "acionamento" do Tribunal Penal Internacional circunscrito a circunstâncias excepcionais [34].

Isso demonstra o intuito de proteger, na medida do possível, as soberanias estatais, sem, contudo, relegar a segundo plano a proteção aos direitos humanos. Trata-se de um equilíbrio difícil de ser alcançado, mas que é possível, sendo feito pelo Tribunal Penal Internacional no exame da admissibilidade dos delitos que lhe são submetidos.

Em sede de admissibilidade, para determinar se um Estado demonstra ou não vontade de agir num determinado caso, o Tribunal, tendo em consideração as garantias de um processo eqüitativo reconhecidas pelo direito internacional, verificará a existência de uma ou mais das seguintes circunstâncias (Estatuto, art. 17.2): a) processo ter sido instaurado ou estar pendente ou a decisão ter sido proferida no Estado com o propósito de subtrair a pessoa em causa à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal; b) ter havido demora injustificada no processamento, a qual, dadas as circunstâncias, se mostra incompatível com a intenção de fazer responder a pessoa em causa perante a justiça; c) o processo não ter sido ou não estar sendo conduzido de maneira independente ou imparcial, e ter estado ou estar sendo conduzido de uma maneira que, dadas as circunstâncias, seja incompatível com a intenção de levar a pessoa em causa perante a justiça. Esses são os critérios que tratam da falta de vontade em punir devidamente.

Existe, ainda, os casos em que há falta de capacidade ou de estrutura para o processo e julgamento dos delitos. Nesse caso, também entrará em ação o Tribunal Penal Internacional. É o caso do art. 18.3:

A fim de determinar se há incapacidade de agir num determinado caso, o Tribunal verificará se o Estado, por colapso total ou substancial da respectiva administração da justiça ou por indisponibilidade desta, não estará em condições de fazer comparecer o acusado, de reunir os meios de prova e depoimentos necessários ou não estará, por outros motivos, em condições de concluir o processo.

Esses pressupostos de admissibilidade (falta de vontade e falta de capacidade) limitam bastante o número de casos submetidos ao TPI, só sendo admitidos aqueles realmente excepcionais, devendo a grande maioria dos casos ater-se às cortes nacionais.

Como conseqüência da complementaridade, o número de casos submetidos à Corte Penal Internacional não deve ser um termômetro de sua eficiência. Pelo contrário, a ausência ou o mínimo de julgamentos no TPI significará o regular funcionamento dos sistemas judiciais nacionais, o que representa um sucesso muito maior, uma vez que o TPI é um órgão complementar, que só atua subsidiariamente.

Desde a sua instalação, em 2002, até hoje, o Tribunal Penal Internacional apenas abriu investigações em quatro países, todos na África: Uganda, Congo, Sudão e África Central [35]. Todos estão ainda em fases inquisitoriais ou instrutórias.

Nesse sentido, a grande maioria dos requerimentos que chegam à Procuradoria Geral da República com pedido de instauração de incidente de deslocamento de competência são arquivados exatamente com base na análise desse pressuposto da complementaridade.

A esse respeito, a título ilustrativo, no PA MPF/PGR nº 1.00.000.002909/2005-60, em que se solicitava o IDC no caso do assassinato de juiz no Estado do Espírito Santo, que ocorrera supostamente a mando de pessoas ligadas ao crime organizado, o PGR ressaltou que:

Não se evidenciou, no presente caso, a inércia injustificada na apuração dos fatos, nem tampouco qualquer descomprometimento da apuração dos acontecimentos descritos, verificando-se como preservada a garantia de que o Brasil cumpra com as obrigações decorrentes de pactos internacionais, firmados sobre direitos humanos.

Ao contrário do que menciona o requerente, o Exmo. Sr. Procurador-Geral de Justiça do Estado do Espírito Santo se mostra empenhado na responsabilização criminal dos autores do homicídio em comento, bem como os outros órgãos responsáveis pela apuração e responsabilização em questão. Ao acompanhar o caso pela mídia, se observa que as providências cabíveis estão sendo tomadas.

O acolhimento do incidente de deslocamento de competência, previsto no artigo 109, § 5º, da CF, somente se justifica se não houver a possibilidade de adoção de outras medidas que possam garantir a repressão às condutas ofensivas aos direitos humanos.

Cumpre salientar que se falar em ''federalização'' – pura e simples – dos chamados ''crimes contra os direitos humanos'' é um grande equívoco, uma vez que, a rigor, o incidente de deslocamento de competência deve dar-se em casos excepcionais. Trata-se de uma jurisdição subsidiária, que deve ser acionada, verbi gratia, apenas naquelas circunstâncias em que os Estados-membros apresentem quadro de leniência na definição dos feitos criminais movidos contra os que violam os direitos humanos ou mesmo tolerem a desmoralização, pela reversão do quadro procedimental, dos que promovem a defesa destes direitos.

Percebe-se, pois, que o cerne da questão – para se aferir a plausibilidade jurídica da invocação do incidente – reside na identificação de omissão, leniência ou parcialidade das autoridades estaduais envolvidas no deslinde do processo em que ocorreu graves violações aos direitos humanos. Se o Ministério Público, o Poder Judiciário e a Polícia Judiciária estaduais estão empenhadas na solução do caso, não há falar-se em incidente de deslocamento de competência. A banalização do instituto seria contraproducente, pois atentaria contra a credibilidade das instituições dos Estados-membros.

Daí, infere-se que o IDC deve se apresentar como último recurso no que toca a mecanismos de proteção dos direitos humanos, servindo como garante contra a impunidade e estímulo aos órgãos estaduais para que sempre estejam focados no desenvolvimento de um trabalho excelente que acabe por inviabilizar qualquer hipótese de se chancelar o deslocamento.


CONCLUSÃO

Este trabalho monográfico pretendeu examinar os pressupostos de admissbilidade do incidente de deslocamento de competência, criado pela Reforma do Poder Judiciário, de modo a, além de defender sua constitucionalidade e harmonia com o sistema jurídico brasileiro, tentar trazer um esboço de sistematização quando de sua análise em casos concretos.

Isso porque as principais críticas em relação ao referido instituto se circunscrevem à suposta subjetividade para sua instauração, que dependeria do exclusivo alvedrio do Procurador Geral da República. Nesse sentido, ressaltamos a existência do Projeto de Lei nº 6.647/06, em tramitação na Câmara dos Deputados, que tem a finalidade de regulamentar o § 5º do art. 109 da Constituição Federal, estabelecendo o procedimento a ser seguido nos casos de federalização das graves violações a direitos humanos.

Analisamos, pois, sem pretensão de exaustão, o que se entende na jurisprudência e na comunidade internacional acerca da expressão "grave violação a direitos humanos"; elencamos os principais tratados internacionais sobre direitos humanos a que o Brasil está obrigado a respeitar e cumprir; e dissertamos sobre a necessidade de se verificar a omissão, leniência e/ou parcialidade das autoridades envolvidas nas investigações de casos que possam interessar ao incidente.

Ressaltamos que este último pressuposto é o nó górdio da federalização, pois é o mais difícil de ser comprovado no caso concreto, o que demonstra a extrema excepcionalidade do instituto. Utilizando o direito comparado, fizemos um paralelo entre o instituto da federalização e o Tribunal Penal Internacional, que funciona com base no princípio da complementaridade, uma espécie jurisdição subsidiária. Princípio esse que pode ser tomado como sustentáculo para a legitimidade do incidente em estudo.

Da nossa análise, podemos inferir que, ainda que de utilização excepcional, o instituto – de feição nitidamente garantista – é necessário pois se apresenta como mais um mecanismo apto a coibir e reprimir violações aos direitos humanos, além de ser estímulo para que as autoridades estaduais ajam com prudência, pois, caso sejam omissas, podem ter o seu "orgulho" ferido, perdendo a competência para investigar, processar e julgar determinados casos que envolvam graves violações a direitos humanos.


REFERÊNCIAS

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Sítios eletrônicos:

Supremo Tribunal Federal: www.stf.jus.br

Superior Tribunal de Justiça: www.stj.jus.br

Tribunal Penal Internacional: www.icc-cpi.int


Notas

  1. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 37.
  2. "Il faut comprendre que les droits de l´homme impliquent la collaboration et la coordination des États et des organisations internationales". B. Boutros-Ghali. Então Secretário-Geral da Nações Unidas. ONU, Communiqué de Presse nº DH/VIE/4. De 14.06.1993, p.10
  3. STF. ADI/3486 e ADI/3493, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito.
  4. TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A interação entre o direito internacional e o direito interno na proteção dos direitos humanos. In: A incorporação das normas internacionais de proteção dos direitos humanos no direito brasileiro. Editor: TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. San José: Instituto Interamericano de Derechos Humanos, 1996. p. 227.
  5. TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Tomo III. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003. p. 434-436.
  6. MALULY, Jorge Assaf. A federalização da competência para julgamento dos crimes praticados contra os direitos humanos. In: Boletim IBCCRIM. n.º 145. Março/2005.
  7. "Art. 21. Compete à União: I - manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais."
  8. ARAS, Vladimir. Federalização dos crimes contra os direitos humanos. <www.jus.com.br>. Acesso em 07/05/07.
  9. FRANCO, Alberto Silva. Prazo razoável e o Estado Democrático de Direito. Boletim IBCCRIM. n. 152. Julho/2005.
  10. STJ. IDC 1/PA. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima. Terceira Seção. DJ. 10.10.05.
  11. SILVA, José Afonso da. Jurisdição constitucional da liberdade. In: Os rumos do Direito Internacional dos direitos humanos: ensaios em homenagem ao professor Antônio Augusto Cançado Trindade. (Coord.) Renato Zerbini Ribeiro Leão. v. 5. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2005. p. 30.
  12. ARAS, Vladimir. Federalização dos crimes contra os direitos humanos. <www.jus.com.br>. Acesso em 07/05/07.
  13. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 66.
  14. BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 84.
  15. BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2003. p.64.
  16. FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 684.
  17. SALCEDO, Juan Antonio Carrillo. Algunas reflexiones sobre la subjetividad internacional del individuo y el proceso de humanización del Derecho Internacional. In: Os rumos do Direito Internacional dos direitos humanos: ensaios em homenagem ao professor Antônio Augusto Cançado Trindade. (Coord.) Renato Zerbini Ribeiro Leão. v.1.Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 2005. p. 279-280.
  18. Ob. cit. p. 284.
  19. ESTIGARA, Adriana. O dever de adotar políticas públicas em decorrência da atuação do Sistema Interamericano de Direitos Humanos: Uma análise a partir dos casos "Maria da Penha" e "Damião Ximenes". In: Direitos humanos: fundamento, proteção e implementação. Flávia Piovesan e Daniela Ikawa (Coords.). Curitiba: Juruá, 2007. p. 441.
  20. RODRÍGUEZ, Emilia Segares. El deber de adoptar disposiciones de derecho interno para hacer efectivos los derechos y libertades consagrados en la Convención Americana sobre derechos humanos. In: Os rumos do Direito Internacional dos direitos humanos: ensaios em homenagem ao professor Antônio Augusto Cançado Trindade. (Coord.) Renato Zerbini Ribeiro Leão. v. 5. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2005. p. 317.
  21. BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Maria Celeste C. J. Santos. Brasília: Editora UnB, 1999. p. 71.
  22. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos Internacionais e Jurisdição Supranacional: a Exigência da Federalização. In: Boletim – Associação Nacional dos Procuradores da República. n. 16. Ago.1999.
  23. PIOVESAN, Flávia. e VIEIRA, Renato Stanziola. Federalização de crimes contra os direitos humanos: o que temer?. Boletim IBCCRIM. n. 150. Maio/2005.
  24. STF. RE nº 39.804. Rel. Min. Joaquim Barbosa. Voto-vista Min. Gilmar Mendes. Informativo nº 451.
  25. MALULY, Jorge Assaf. A federalização da competência para julgamento dos crimes praticados contra os direitos humanos. Boletim IBCCRIM. n.º 145. Março/2005.
  26. MALULY, Jorge Assaf. Ob. cit.
  27. STF, Intervenção Federal 2.737-3/SP, Tribunal Pleno. Relator para o acórdão. Min. Gilmar Mendes.
  28. A determinação do que seja grave violação aos direitos humanos é igualmente importante para aclarar o negrume que paira sobre o instituto de deslocamento de competência, porém esse não é o foco do presente estudo.
  29. STF. RE nº 39.804. Rel. Min. Joaquim Barbosa. Voto-vista Min. Gilmar Mendes. Informativo nº 451.
  30. BASSIOUNI. Report A/59/370. General Assembly. Report of the independent expert of the Comission on Human Rights on the situation of human rights in Afghanistan. Tradução livre.
  31. Esses foram os tratados indicados por BATISTA, Vanessa Oliveira, et al. A Emenda Constitucional nº 45/2004 e a constitucionalização dos tratados internacionais de direitos humanos no Brasil. In: Revista Jurídica. Brasília, v. 10, n. 90. Ed. Esp. p. 01-44, abr./maio, 2008.
  32. "O principal legado do Holocausto para a internacionalização dos direitos humanos constitui na preocupação que gerou no mundo pós-Segunda Guerra, acerca da falta que fazia uma arquitetura internacional de proteção de direitos humanos, com vistas a impedir que atrocidades daquela monta viessem a ocorrer novamente no planeta". MAZZUOLI. Valério de Oliveira. O Tribunal Penal Internacional e as perspectivas para a proteção internacional dos direitos humanos no século XXI. In: AMBOS, Kai. JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. Tribunal Penal Internacional: possibilidades e desafios.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 121.
  33. LIMA, Renata Mantovani de. e BRINA, Marina Martins da Costa. O Tribunal Penal Internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 91.
  34. TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Volume II. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1999. p. 398.
  35. Fonte: www.icc-cpi.int.

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FELIX, Renan Paes. A tutela federal dos direitos humanos no Brasil. Os pressupostos de admissibilidade da federalização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2293, 11 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13646. Acesso em: 28 mar. 2024.