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Direitos e garantias individuais no processo administrativo disciplinar

Direitos e garantias individuais no processo administrativo disciplinar

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INTRODUÇÃO

O presente estudo, como se verá, não tem o objetivo de analisar o processo administrativo disciplinar e suas peculiaridades, mas os direitos e garantias individuais que interferem, de forma direta, na instrução processual e na aplicação da sanção ao servidor público. Devendo, para tanto, observar-se que é o processo disciplinar que deve ser orientado e interpretado à luz da Constituição Federal de 1988, e não o inverso.

No entanto, antes é importante delimitar o presente trabalho ao processo disciplinar, seja o processo disciplinar sumário (PDS), seja o processo administrativo disciplinar (PAD), no âmbito do Estatuto dos Policiais Militares do Estado da Bahia, introduzido no ordenamento jurídico pela Lei Estadual n. 7.990/2001.

Assim, a Administração Pública tem o dever de apurar condutas incompatíveis praticadas pelos servidores, seja em razão da função ou não. A autoridade responsável tem o dever de instaurar procedimento para apurar a suposta conduta transgressional, sob pena de incorrer este em transgressão disciplinar e crime.

O art. 58 da Lei Estadual n. 7.990/2001 estabelece que a "A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço é obrigada a promover a sua imediata apuração mediante sindicância ou processo disciplinar". A sindicância é procedimento preparatório, não tem o condão de determinar nenhuma sanção disciplinar, apenas podendo resultar em arquivamento ou em instauração de um processo administrativo.

A sindicância serve para se chegar a autoria e a materialidade da infração, e, uma vez arquivada, não pode a autoridade determinar o seu desarquivamento sem que se tenha novas provas.

Apesar de as esferas serem diferentes, para o desarquivamento do inquérito policial é necessário o surgimento de novas provas. Tal prática é pacifica, tanto que o STF editou a súmula n. 524, com a determinação de que "Arquivado o inquérito policial, por despacho do Juiz, a requerimento do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas".

Em ambos se deseja a apuração de autoria e materialidade da infração, sendo que na sindicância apura-se o âmbito administrativo e no inquérito policial a esfera penal, é que para a sindicância ser desarquivada é indispensável o surgimento de uma nova prova substancial [01].

A consequência em sede de processo administrativo deve ser a mesma, isto é, uma vez arquivada a sindicância, a mesma somente poderá ser reaberta quando surgir fato novo, mas não é qualquer fato, e sim aquele que justifique a sua reabertura, trazendo consigo prova substancial da culpa do investigado.

A sindicância não obedece ao sistema acusatório, mas sim ao sistema inquisitorial ou inquisitivo, não sendo necessária a presença de advogado acompanhando o sindicado.

Por sua vez, o processo disciplinar é o meio pelo qual a administração apura e pune os servidores públicos e demais pessoas sujeitas ao regime funcional da Administração Pública. Tal procedimento baseia-se fundamentalmente na supremacia que o Estado mantém sobre todos aqueles que se vinculam a seus serviços ou atividades, definitiva ou transitoriamente, submetendo-se à sua disciplina. É um processo punitivo.

Assim, para a aplicação da sanção de cunho administrativo, necessária a instauração do processo disciplinar para apurar e julgar o servidor acusado de transgressão.

O processo disciplinar sumário (PDS) e processo administrativo disciplinar (PAD) distinguem-se, basicamente, pela sanção a ser aplicada, naquele a sanção ao servidor infrator é de advertência e de detenção de no máximo 30 dias, por sua vez, no PAD, a sanção pode ser, além das aplicáveis ao PDS, a de demissão e a de cassação dos proventos de inatividade.

Dessa maneira, em poucas linhas têm-se os fundamentos e objetivos da sindicância e do processo disciplinar. No entanto, a administração quando da investigação deve ficar atenta a princípios que regem o sistema processual, inclusive o processo administrativo, eis que a autoridade não tem poderes ilimitados, nem pode agir em desconformidade com a lei.

Os princípios são importantes em qualquer sociedade, principalmente aquelas sob a égide do Estado Democrático de Direito. São eles que norteiam e trazem a segurança da sociedade, seja quem for aplicar a lei, seja a quem se destina a sua aplicação.

Mesmo nos governos autoritários e ditatoriais, os princípios são importantes e devem ser seguidos, ainda que materialmente sejam reprováveis.

A Constituição Federal de 1988, carta analítica, trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro diversas normas principiológicas que protegem o indivíduo e regulam a vida em sociedade, sendo que muitas têm cunho processual, seja de natureza penal, civil, administrativa, eleitoral, trabalhista etc.

Os principais princípios e que serão estudados a seguir são: legalidade, presunção de inocência, devido processo legal, contraditório, ampla defesa, razoável duração do processo, proporcionalidade, razoabilidade, igualdade, dignidade da pessoa humana, juiz natural e publicidade.


PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

O princípio da legalidade é encontrado na Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, inciso II, nos seguintes termos: "ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". É encontrado também no inciso XXXIX, do mesmo artigo: "Não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal". Por fim, o princípio da legalidade ainda está explicito no art. 37, caput, da CF: "A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência".

Para aplicação da lei, deve-se atentar, obrigatoriamente, para a análise dos critérios e distinções da legalidade formal e da legalidade material, que está inserido num modelo garantista, de proteção do acusado a um processo com julgamento justo e imparcial, sem qualquer arbitrariedade e antecipação de sanção pelo Estado.

A legalidade formal diz respeito a obediência aos procedimentos previstos na Constituição Federal para a elaboração de determinada norma. Assim, é cediço que somente lei pode trazer no seu bojo conduta tipica, e a lei para entrar em vigor, necessariamente, precisa passar por etapas que vai da iniciativa e discussão do projeto até a sua publicação e vigência. Faltando qualquer uma das etapas, a lei padece de vício, sofrendo inconstitucionalidade formal.

A legalidade material, por seu turno, é a obediência a Constituição Federal, não aos aspectos formais, mas ao conteúdo da norma maior, respeitando-se suas proibições e imposições para a garantia e consecução dos direitos fundamentais [02].

O princípio da legalidade impõe ao servidor a estrita atuação conforme determina a lei, em ambos os aspectos, formal e material, conferindo as pessoas garantias contra as ingerências arbitrárias do Estado, bem como a necessária observância dos princípios constitucionais e processuais.

Pelo seguinte postulado, perfeitamente cabível no âmbito do processo disciplinar, não haverá transgressão nem sanção sem lei anterior, escrita, estrita e certa.

Por anterioridade da lei, entende-se que não pode o servidor responder a processo disciplinar sem que tenha uma lei dispondo sobre determinada conduta e cominando determinada sanção, devendo a lei estar em pleno vigor no momento da prática da conduta transgressional. Determina ainda que a lei não pode retroagir para prejudicar o acusado, mas, apenas para beneficiá-lo.

A lei deve ser escrita, ou seja, somente lei pode conferir a tipicidade em determinada conduta, devendo a lei passar pelas seguintes etapas: iniciativa da lei, discussão, votação, aprovação, sanção, publicação e vigência. Sendo essas etapas distribuídas pelos Poderes Legislativo e Executivo.

A lei, como dito, deve ser estrita, o que impediria o uso da analogia in malam partem para criar tipo incriminador, fundamentar ou agravar sanção disciplinar. No entanto, é possível a analogia para favorecer o acusado, a chamada analogia in bonam partem.

Por fim, a lei certa (princípio da taxatividade) significa que o conteúdo da norma deve ser claro, não deixando margens a dúvidas.

Assim, não pode o administrador, através de decreto, portaria ou outro instrumento normativo, criar normas com conteúdo incriminador, desde que exista prévia autorização legal. Isto é, uma lei que remeta para a autoridade que a discipline ou a regulamente.


PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

O princípio do devido processo legal tem sua origem na Carta Magna inglesa no ano de 1215, no entanto, foi nos Estados Unidos da América com a cláusula due process of law que o referido princípio ganhou novos contornos e influenciou outras constituições.

No Brasil, o princípio do devido processo legal foi consagrado na Constituição Federal no art 5º, inciso LVI, que dispõe que: "Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".

Por devido processo legal entende-se que o cidadão está protegido contra arbitrariedade do Estado, proibindo a este exercer o seu direito de punir sem que seja através de um processo legítimo, nesse caso o processo disciplinar. Devendo ser concedido ao acusado o direito de opor resistência, de produzir provas e de tentar influenciar o convencimento da comissão processante e da autoridade julgadora.

A moderna doutrina vem identificando dois aspectos distintos do devido processo legal, o material e o formal. Pelo devido processo legal em sentido material ou substancial entende-se como a garantia do particular contra qualquer atividade estatal que viole a direito fundamental; por sua vez, pelo devido processo legal formal, ou em sentido processual, tem como conteúdo certas garantias às partes tanto no trâmite do processo quanto no que diz respeito à sua relação com o Poder Judiciário [03].

Dessa forma, é nítida a importância desse princípio que, sem dúvidas, dá origem a outros princípios e garantias fundamentais. Assim, o devido processo legal pressupõe a igualdade, o contraditório, a ampla defesa, a razoabilidade, a proporcionalidade, a proibição das provas ilícitas, o juiz natural e o duplo grau de jurisdição.

O duplo grau de jurisdição assegura o direito de interpor recurso a aquele que teve decisão desfavorável. Devendo a decisão ser reapreciada. O princípio do duplo grau não é contemplado de forma explícita na Constituição Federal, mas decorre do princípio constitucional do devido processo legal. Existe, todavia, previsão no ordenamento jurídico em normas de natureza infraconstitucionais, como se verifica no art. 94, do Estatuto dos Policiais Militares da Bahia, em que assegura ao policial militar o direito de requerer, representar, pedir reconsideração e recorrer, dirigindo o seu pedido, por escrito, à autoridade competente.

Preclui, em trinta dias, a contar da publicação, ou da ciência, pelo policial militar interessado, do ato, decisão ou omissão, para apresentar pedido de reconsideração ou interpor recurso. O pedido de reconsideração será dirigido à autoridade que houver expedido o ato ou proferido a primeira decisão, não podendo ser renovado. O recurso, por sua vez, caberá nas hipóteses de indeferimento ou não apreciação do pedido de reconsideração, sendo competente para apreciar o recurso a autoridade hierarquicamente superior à que tiver expedido o ato ou proferido a decisão.

Importante destacar, o recurso poderá ser recebido com efeito suspensivo, a juízo da autoridade competente, em despacho fundamentado. Significa, portanto, que a decisão deverá aguardar o julgamento do recurso para ser executada. Entende-se que, existindo fundado receio de dano e reversibilidade da decisão, se trata de um direito subjetivo do recorrente, e não uma faculdade da autoridade.

Por fim, a administração deverá rever seus atos a qualquer tempo, independente de provocação da parte, quando eivados de ilegalidade.


PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

O princípio do contraditório, que é corolário do princípio do devido processo legal, garante a plena igualdade de oportunidades processuais, garantindo sempre a defesa se manifestar após a manifestação da acusação.

O contraditório tem respaldo na Constituição Federal, art. 5º, inciso LV, que estabelece que: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". Por seu turno, o Estatuto dos Policiais Militares, em seu art. 71, determina que "A instrução respeitará o princípio do contraditório, assegurando-se ao acusado ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes".

Com efeito, o contraditório é fundamental para a defesa do acusado, garantido a este a "paridade de armas" com a acusação. É por este princípio que, por exemplo, determina que as testemunhas arroladas pela defesa serão as últimas a serem inquiridas, bem como confere o direito da defesa de praticar o último ato do processo, antes da decisão, com a manifestação através da defesa final ou alegações finais.

É comum processos serem declarados nulos por não ter a comissão processante atentando-se para esse princípio, alterando a ordem da oitiva das testemunhas, ouvindo-se primeiro as de defesa, ou até mesmo em ordem aleatória. O processo disciplinar deve ter início necessariamente com a citação do acusado para audiência de qualificação e interrogatório, após deve ser tomado os depoimentos da testemunhas de acusação, ou seja, aquelas chamadas pela comissão, em seguida, e somente após o depoimento da última testemunha, é que se dará início a oitiva das testemunhas arroladas pela defesa do acusado.

Entretanto, caso surja uma nova testemunha não arrolada pela defesa, e sendo a testemunha imprescindível para a solução do feito, não haverá prejuízo para a sua oitiva, desde que a defesa seja intimada para, se quiser, trazer nova testemunha. E aqui é importante destacar, caso a defesa não seja intimada o processo disciplinar será nulo, por violação ao princípio do contraditório.

Outro aspecto importante a ser observado é que a defesa será sempre a última a perguntar as testemunhas quando da sua oitiva.

Outra consequência do contraditório, que se combina com o princípio do duplo grau de jurisdição, é o direito da defesa em ser intimada da solução do feito disciplinar. Parece se tratar de algo simples, e até é, mas que não é observado nos processos apurados e decididos na Polícia Militar da Bahia. O que vem acontecendo é que a solução é publicada em Boletim, seja o Boletim Geral Ostensivo, seja o Boletim Geral Reservado, sem que o defensor técnico seja intimado. A defesa não tem acesso ao boletim.

Destarte, a defesa deve ser intimada de todos os atos do processo, mormente a decisão da autoridade julgadora, pois é daí que surge a necessidade de requerer reconsideração e/ou interpor recurso, sob pena de violação aos princípios do contraditório e do duplo grau de jurisdição.


PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA

É comum a confusão entre os princípios do contraditório e da ampla defesa, muitos entendem como um único princípio. Pelo contrário, a ampla defesa e o contraditório são importantes princípios que se complementam, que são originados no princípio do devido processo legal, mas que não se confundem.

Tal como o princípio do contraditório, o que ajuda na confusão mencionada, é que os dois princípios são tratados nas mesmas normas, seja na Constituição Federal, art. 5º, inciso LV, seja no Estatuto dos Policiais Militares, em seu art. 71, ambos já acima transcritos.

Assim, por ampla defesa entende-se que o acusado, seja em processo penal ou administrativo, tem a garantia de uma defesa técnica e da autodefesa.

O defensor exerce a defesa técnica, pois pressupõe conhecimento técnico e específico, exigindo-se a capacidade postulatória.

Por sua vez, a autodefesa é exercida pelo próprio servidor acusado durante a instrução processual, que, por exemplo, pode decidir não responder as perguntas no interrogatório, tendo este ao direito ao silêncio e não auto-incriminação, regra constitucional prevista no art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal.

A garantia do direito ao silêncio e da não auto-incriminação, juntamente com a garantia da intimidade, privacidade, dignidade e presunção de inocência, todas de índole constitucional, autoriza ao acusado a recusar-se a participar de qualquer ato do processo, inclusive de reconhecimento, acareação etc., sobretudo pelo enorme constrangimento a que é submetido. Não pode a autoridade que apura, nem a que julga, estabelecer qualquer interpretação em desfavor do investigado por ter este recusado a participar de qualquer ato processual.

Nesse diapasão, importante trazer o enunciado da súmula vinculante n. 5, editada pelo Supremo Tribunal Federal em 16.05.2008, que dispõe que "A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição".

Inicialmente, da simples leitura da súmula, tem-se a falsa percepção de que os feitos disciplinares poderão ser conduzidos por comissão processante sem a presença de advogado e de defesa técnica. Perspectiva errada, pois inquestionável a imprescindibilidade de defesa técnica, o que significa que a defesa deverá ser elaborada por profissional com conhecimento jurídico suficiente para produzir provas e contraprovas, utilizando todos os meios e recursos inerentes ao contraditório e a ampla defesa.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso LV, quando trata dos princípios do contraditório e da ampla defesa, de fato, não determina a obrigatoriedade de advogado em processos judiciais e/ou administrativos, restringe-se, tão-somente, a assegurar aos acusados em geral o direito de defender-se. Registre-se que, para a postulação em processos judiciais, o Estatuto da Advocacia (Lei n. 8.906/1994) prevê a advocacia como atividade privativa, o que não acontece nos processos administrativos.

Dessa maneira, não pretendeu a Suprema Corte validar processos disciplinares sem defesa, mas que a defesa técnica nesses processos não é exclusividade de advogado, podendo ser feita por qualquer pessoa com conhecimento técnico, inclusive o próprio acusado.

A edição da súmula vinculante n. 5, precipuamente, visou conferir validade a lei que trata dos processos administrativos disciplinares no âmbito da administração pública federal, a qual não obriga a defesa técnica por advogado.

A Constituição do Estado da Bahia, em seu art. 4º, inciso VIII, aduz que "toda pessoa tem direito a advogado para defender-se em processo judicial ou administrativo, cabendo ao Estado propiciar assistência gratuita aos necessitados, na forma da lei". Por esta norma, o acusado tem direito a acompanhamento de advogado na sua defesa em processo administrativo.

Nos processos disciplinares apurados no âmbito da Polícia Militar do Estado da Bahia, o acusado por infração administrativa, necessariamente, deverá ter defesa técnica por advogado, conforme se verifica no art. 74, da Lei Estadual n. 7.990/2001 (Estatuto dos Policiais Militares da Bahia), que dispõe que "a defesa do acusado será promovida por advogado por ele constituído ou por defensor público ou dativo". Trata-se, portanto, de norma específica, de plena validade e eficácia e de aplicabilidade imediata, integral e direta, devendo ser respeitada por todos.

É cediço que súmula não revoga lei, mas as interpreta. Assim, os mais desavisados podem vir a entender que a referida súmula revogou a lei estadual (Constituição do Estado da Bahia e Estatuto dos Policiais Militares da Bahia), desobrigando a comissão processante, ou até mesmo o encarregado em processo disciplinar sumário, de instruir o feito investigatório com a presença de advogado, entendimento este equivocado e ilegal.

Portanto, a súmula vinculante n. 5 do STF não se aplica aos processos disciplinares no âmbito da Polícia Militar da Bahia, pois a Constituição do Estado da Bahia e o Estatuto dos Policiais Militares da Bahia tornam obrigatória a presença de advogado na elaboração de defesa do acusado em processo administrativo.

Dessa forma, a ausência de advogado na instrução é causa de nulidade absoluta do processo administrativo, pois viola o princípio da ampla defesa, além de ofender o Estatuto dos Policiais Militares. Oportuno mencionar que, a falta de intimação do advogado e do acusado para a pratica de determinado ato, também gera a nulidade do processo. Em qualquer dos casos, o responsável pela nulidade deve ser responsabilizado.


PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Pelo princípio da presunção de inocência, esboçado no art. 5º, inciso LVII, da CF/88, "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", o qual se entende que toda pessoa é considerada inocente, e assim deve ser tratada, até que se tenha uma decisão irrecorrível que o declare culpado.

A natureza jurídica desse princípio é uma garantia individual, repercutindo diretamente no processo em favor do acusado, seja processo de natureza civil, criminal ou administrativa, dentre outros.

O professor Paulo Rangel em sua obra afirma que:

A visão correta que se deve dar à regra constitucional do art. 5º, LVII, refere-se ao ônus da prova. Pensamos que, à luz do sistema acusatório, bem como do princípio da ampla defesa, inseridos no texto constitucional, não é o réu que tem que provar sua inocência, mas sim o Estado-administração (Ministério Público) que tem que provar a sua culpa [04].

O referido autor entende que a norma contida no inciso LVII, do art. 5º, da Magna Carta não pode ser entendida como princípio da presunção de inocência, mas sim como regra constitucional que inverte o ônus da prova para o Ministério Público.

Todavia, essa visão do autor não é completa. O art. 156 do Código de Processo Penal aduz que a prova da alegação incumbirá a quem a fizer, assim, provar a culpabilidade do réu é ônus do órgão acusador, no caso de alegação por parte da defesa de qualquer causa excludente da ilicitude, de culpabilidade ou extinção da punibilidade, pela inteligência do artigo acima mencionado, deveria caber ao acusado provar tais alegações, porém, como uma das consequências do princípio da presunção de inocência é que cabe ao acusador provar a culpa do réu. É a acusação que deverá demonstrar, no processo, que não há causas que excluam ou isentem o réu da pena ou o servidor da sanção disciplinar.

Assim, entende-se que não há inversão do ônus da prova para o Ministério Público ou comissão processante, mas, que cabe a estes provar que o acusado cometeu o delito ou transgressão a que lhe foi imputado, em todos os termos.

O que parece é que o princípio, ora em comento, significa que o réu não poderá ser considerado culpado antes do trânsito em julgado, devendo ser considerado e tratado como se inocente fosse. Esse significado é iuris tantum, pois caberá prova em contrário.

Dito isto, é preciso observar que as consequências do princípio da presunção de inocência são: aplicação do in dubio pro reo, acolhido pelo Código de Processo Penal no art. 386, inciso VI, o qual assegura que na dúvida, em favor do réu; somente decisão irrecorrível pode declarar a culpabilidade do acusado, depois de provada durante a instrução processual, e só assim poderá ser tratado como culpado; a prova da culpa do acusado é do Ministério Público ou querelante, no caso de processo crime, e da comissão processante, no caso de processo administrativo; a de estar obrigado o julgador a verificar detidamente a necessidade da restrição antecipada ao jus libertatis do acusado, fundamentando sua decisão; e, a revogação (ou não recepção) do art. 393, inciso II, do Código de Processo Penal, que mandava lançar o nome do réu no rol dos culpados.

Roberto Delmanto Júnior [05] acrescenta ainda que o princípio da presunção de inocência, abrange, além da questão do ônus da prova, mas, como também, a inadmissibilidade de qualquer tratamento preconceituoso em função da condição de acusado, direito a sua imagem, ao silêncio, sem que se considere culpado, local condigno em sala de audiências ou no plenário do Júri, ao não uso de algemas, salvo em casos excepcionais, e, por fim, à cautelaridade e excepcionalidade da prisão provisória.

Alberto Binder, em sua obra Introdução ao Direito Processual Penal, sobre o princípio de presunção de inocência escreve:

1. Que somente a sentença tem essa faculdade.

2. Que no momento da sentença existem somente duas possibilidades: culpado ou inocente. Não existe uma terceira possibilidade.

3. Que a ‘culpabilidade’ deve ser juridicamente provada.

4. Que essa construção implica a aquisição de um grau de certeza.

5. Que o acusado não tem que provar sua inocência.

6. Que o acusado não pode ser tratado como um culpado.

7. Que não podem existir mitos de culpa, isto é, partes da culpa que não necessitam ser provadas [06].

Por fim, o mesmo autor conclui que:

Definitivamente, o acusado chega ao processo isento de culpa e somente pela sentença poderá ser declarado culpado; entre os dois extremos – prazo que constitui, justamente, o processo – deverá ser tratado como um cidadão livre submetido a esse processo porque existem suspeitas a seu respeito, porém, em nenhum momento sua culpabilidade poderá ser antecipada. Uma afirmação deste tipo leva-nos à questão da prisão preventiva, que comumente é utilizada como pena.

Este é o programa constitucional, porém, a realidade de nosso processo penal está muito longe de cumprir com o mesmo. Ao contrário, a realidade mostra-nos que existe uma presunção de culpabilidade e que aqueles que são submetidos a processo são tratados como culpados; em muitas ocasiões, por falhas do procedimento, a sociedade ‘deve deixar sair’, apesar de ‘já’ terem sido ‘condenados’ pela denúncia ou pelos meios de comunicação de massa.

Os fenômenos dos ‘presos sem condenação’ – em prisão preventiva; da utilização do processo como método de controle social; das restrições à defesa – especialmente a defesa pública; da enorme quantidade de presunções que existe no processo penal; da utilização do conceito de ‘ônus da prova’ contra o acusado; do maltrato durante a prisão preventiva; do modo como os detidos ‘passeiam’ pelos corredores dos tribunais etc., são sinais evidentes de que o princípio de inocência é um programa a ser realizado, um trabalho pendente [07].

Para dar efetividade ao princípio aqui comentado, é necessário ter em mente que se trata de uma garantia constitucional que ultrapassa os limites do processo penal, permeando todos os procedimentos que visem à aplicação de sanção, seja qual for a sua natureza, inclusive o processo disciplinar.

Como já maciçamente dito, no processo disciplinar, além de outros princípios, deve ser observado o princípio constitucional da presunção de inocência, que autoriza a absolvição do acusado quando não houver provas seguras ou de elementos que possam demonstrar violação ao regulamento disciplinar.

Com fundamento nos dispositivos constitucionais, fica evidenciado que o princípio da presunção de inocência é aplicável perfeitamente ao Direito Administrativo. A ampla defesa e o contraditório pressupõem o respeito ao princípio do devido processo legal, no qual se encontra inserido o princípio da inocência, princípios estes que o processo administrativo deve observar, já que a Constituição o igualou ao processo judicial.

O referido princípio insere-se perfeitamente no âmbito administrativo militar. Neste diapasão, importante trazer à lição de Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, a seguir transcrita:

Na dúvida, quando da realização de um julgamento administrativo onde o conjunto probatório é deficiente, não se aplica o princípio in dubio pro administração, mas o princípio in dubio pro reo, previsto na Constituição Federal e na Convenção Americana de Direitos Humanos, que foi subscrita pelo Brasil.

A ausência de provas seguras ou de elementos que possam demonstrar que o acusado tenha violado o disposto no regulamento disciplinar leva à sua absolvição com fundamento no princípio da inocência, afastando-se o entendimento segundo o qual no direito administrativo militar vige o princípio in dubio pro administração, que foi revogado a partir de 5 de outubro de 1988.

A autoridade administrativa militar (federal ou estadual) deve atuar com imparcialidade nos processos sujeitos aos seus julgamentos, e quando esta verificar que o conjunto probatório estampado é deficiente deve entender pela absolvição do militar. A precariedade do conjunto probatório deve levar à absolvição do acusado para se evitar que este passe por humilhações e constrangimentos de difícil reparação, que poderão deixar suas marcas mesmo quando superados, podendo refletir nos serviços prestados pelo militar à população, que é consumidor final do produto de segurança pública e segurança nacional [08].

Dessa forma, importante esclarecer que a Constituição Federal garante a todos os acusados, seja em processo criminal, seja em processo administrativo, o direito de serem considerados inocentes, até que uma decisão irrecorrível lhe diga culpado, portanto, perfeitamente, aplicável o princípio da presunção de inocência no processo administrativo disciplinar.

As principais consequências da aplicação do princípio da presunção de inocência no processo disciplinar são: a de atribuir inexoravelmente a obrigação de colheita da prova pela comissão processante, o que significa dizer que o acusado não precisa provar que é inocente, e sim a comissão que tem que provar que o servidor é culpado, e não por meros indícios e suposições, mas por provas cabais da sua culpa; na dúvida a interpretação será sempre em favor do acusado; somente decisão irrecorrível pode declarar a culpabilidade do acusado, depois de provada durante a instrução processual, e só assim poderá ser tratado como culpado.


PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Esboçado no art. 1º, inciso III e art. 5º, inciso III, ambos da CF/88. Por esse princípio, entende-se que o acusado tem o direito de ser julgado conforme a lei, de forma justa, podendo, para se ter um julgamento justo, provar, contraprovar, alegar e defender-se de forma ampla, em processo público. Deve haver uma igualdade de tratamento entre as partes da relação processual. Pela lição de Luís Gustavo Grandinetti [09], o princípio da dignidade é uma garantia de que o acusado, no processo penal ou processo administrativo, não fosse um mero espectador do seu próprio julgamento, não permitindo, desta forma, que o sistema processual seja inquisitivo.

O professor Luis Recaséns Siches [10] declara que foi no Cristianismo que a ideia da dignidade da pessoa humana adquiriu maior relevo, convertendo-se como princípio básico em todas as legislações dos países ocidentais. Segundo o autor, o valor deste princípio é que embasa o respeito do direito à vida e do direito à liberdade.

Sobre o direito à vida, deve-se entender que a pessoa humana deve ter garantido pelo Estado a sua integridade física, vida e saúde, não podendo outro atentar injustamente contra aquele; o Estado, ainda, tem que cooperar na defesa do homem contra os perigos da natureza e situações prejudiciais; direito à solidariedade social.

Já sobre direito à liberdade, entendida esta como a liberdade jurídica, compreende-se duas classes de defesa, são elas a defesa do indivíduo contra o Estado, e a defesa da pessoa contra ataques de outros indivíduos. Eis alguns aspectos da liberdade jurídica: liberdade em ser dono do próprio destino; liberdade de consciência, de pensamento, de opinião e de expressão; inviolabilidade da vida privada, da família, do domicílio e da correspondência.

Santo Agostinho, em A Cidade de Deus, Livro XII, Capítulo 20, afirma o seguinte:

A liberdade é concebida aqui não como uma disposição humana íntima, mas como um caráter da existência humana no mundo... o homem é livre porque ele é um começo e, assim, foi criado depois que o universo passara a existir: (Initium) ut esset, creatus es hommo, ante quem nemo fuit. No nascimento de cada homem esse começo inicial é reafirmado, pois em cada caso vem a um mundo já existente alguma coisa nova que continuará a existir depois da morte de cada indivíduo. Porque é um começo, o homem pode começar; ser humano e ser livre são uma única e mesma coisa. Deus criou o homem para introduzir no mundo a faculdade de começar: a liberdade [11].

À luz do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, o STF editou a súmula vinculante n. 11, publicada em 22.08.2008, que dispõe sobre o uso de algemas. O inteiro teor da súmula é o seguinte: "Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado".

A edição da súmula pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal deu-se, em muito, por conta da "espetacularização" nas prisões feitas pela Polícia Federal de pessoas da alta classe e de autoridades, e que, sem nenhuma necessidade, faziam o uso indiscriminado de algemas. Assim, em que pese a sua motivação, que também é legítima, a edição da súmula é de fundamental importância, principalmente, para o preso pobre, que muitas vezes entra em julgamento no plenário do júri algemado, o que o estigmatiza como um criminoso de alta periculosidade, mesmo sem ter sido ainda julgado.

Vê-se, portanto, que, o uso de algemas é a exceção no ordenamento jurídico, devendo restringir-se, tão-somente, nos casos de resistência do conduzido e de fundado receio de fuga, ou ainda de perigo à integridade física própria ou alheia.

Em qualquer dos casos, o uso de algemas deverá ser justificado por escrito pela autoridade executante, sob pena deste ser responsabilizado disciplinar, civil e penalmente. Outra consequência para o uso indevido das algemas diz respeito à nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere. Assim, o julgamento perante o Tribunal do Júri por acusado assistindo a sessão o tempo todo com algemas é caso de nulidade do julgamento, desde que este seja condenatório.

Ademais, o uso de algemas de forma indevida gera no conduzido um profundo abalo psíquico, o que acarreta no dano moral a ser reparado pelo Estado, na medida em que este tem responsabilidade civil objetiva pelos atos praticados por seus agentes, no exercício de suas funções. Afirmar que a responsabilidade é objetiva, é garantir ao lesado que terá indenização independente de culpa do agente, basta que fique comprovada a conduta lesiva, qual seja, o uso da algema, o dano e o nexo de causalidade.


PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE

O princípio da proporcionalidade e da razoabilidade é encontrado, de forma implícita, na Constituição Federal nos art. 1º (instituição do Estado Democrático de Direito), art. 5º, incisos II e LVI (princípio da isonomia, legalidade, devido processo legal) e art. 37 (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência).

A Lei n. 9.784/1999, que trata dos processos administrativos no âmbito federal, também incluiu, em seu art. 2º, a eficiência no rol dos princípios norteadores da Administração Pública, juntamente com os princípios da legalidade, da finalidade, da motivação, da razoabilidade, da proporcionalidade, da moralidade, da ampla defesa, do contraditório, da segurança jurídica e do interesse público.

A estes princípios deve se submeter a autoridade julgadora, sobretudo ao da razoabilidade e da proporcionalidade, cumpre, no entanto, esclarecer que, nesse trabalho será adotada a tese da identidade destes princípios, seguindo, inclusive, orientação do Supremo Tribunal Federal.

O professor Dirley da Cunha Júnior, em seu Curso de Direito Constitucional, explica que para a consecução e realização do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade ampla, necessária a tríplice exigência da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

Por adequação (ou utilidade) as medidas adotadas pelo administrador devem se apresentar aptas para atingir os fins almejados. A necessidade (ou exigibilidade) impõe que o poder público adote, entre os atos e meios adequados, aqueles que menos sacrifícios ou limitações causem aos direitos fundamentais, o que evitaria o excesso da Administração. Por fim, a proporcionalidade em sentido estrito determina certo equilíbrio entre o motivo que ensejou a atuação do poder público e a providência por ele adotada na consecução dos fins visados.

Por ventura, caso falte ao ato qualquer um desses requisitos, o ato não será razoável, nem proporcional. Portanto, o ato será inconstitucional.

Segundo ensina o professor Dirley, o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade "consubstancia, em essência, uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das idéias de justiça, eqüidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins" [12].

Assim, o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade visa a proteção dos direitos dos cidadãos contra o arbítrio do Estado, restringindo o exercício do poder, almejando verificar se os atos do detentor do poder estão impregnados com o valor da justiça. O Poder Público deverá agir sempre com adequação e de forma proporcional aos objetivos que pretende atingir. Portanto, é o ajuste dos meios aos fins colimados.

O Supremo Tribunal Federal reconhece a utilização do princípio da proporcionalidade, conforme se despreende no julgamento da ADIN’s 855-2-PR, 1.158-AM, 2.019-MS, 2.667-DF, 247-RJ e 2.623-ES [13].

Sempre oportuna é a lição do mestre Hely Lopes Meirelles:

O poder é confiado ao administrador público para ser usado em beneficio da coletividade administrada, mas usado nos justos limites que o bem estar social exigir. A utilização desproporcional do poder, o emprego arbitrário da força, a violência contra o administrado, constituem formas abusivas de uso do poder estadual, não toleradas pelo direito e nulificadoreas dos atos que as encerram.

O uso do poder é licito; o abuso, sempre ilícito. Daí porque todo ato abusivo é nulo, por excesso ou desvio de poder.

(...)

Entre nós, o abuso do poder tem merecido sistemático repúdio da doutrina e da jurisprudência, e para seu combate o constituinte armou-nos com o remédio heróico do mandado de segurança, cabível contra o ato de qualquer autoridade (CF, art. 5°, LXIX, e Lei 1.533/51), e assegurou a toda pessoa o direito de representação contra abusos de autoridade, complementando esse sistema de proteção contra os excessos de poder com a Lei 4.898, de 9.12.65, que pune criminalmente esses mesmos abusos de autoridade [14].

Dessa forma, sob pena de ofensa a Constituição Federal, o ato deve atender três requisitos básicos, a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito, caso falte no ato qualquer um desses requisitos, o ato não será razoável, nem proporcional. A sanção disciplinar é ato administrativo expedido por autoridade julgadora, e como todos os atos, deve ser razoável e proporcional.


PRINCÍPIO DA IGUALDADE

O princípio da igualdade ou isonomia, encontrado no art. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988, dispõe que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade".

A Administração não pode estabelecer privilégios, ou discriminações, em nenhuma circunstância, devendo conferir tratamento equitativo a todos os membros da comunidade, pelo menos em regra, pois, evidenciada a desigualdade entre os indivíduos, sejam estas físicas, jurídicas ou formais, deverão as condições desiguais ser consideradas, para que se possa haver igualdade [15].

Sobre o princípio da igualdade, observem-se as sábias palavras do jurista baiano Ruy Barbosa, na obra Oração aos Moços:

A igualdade e a desigualdade são ambas direitos, conforme as hipóteses. A igualdade quando se trata de direito fundamental. As desigualdades, quando no terreno dos direitos adquiridos. Fundamentais são os direitos do homem por ser homem, independente de qualquer ato aquisitivo. São da essência da criatura. Tais os direitos à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade. Adquiridos são os direitos que cada homem tenha, em virtude de ato aquisitivo: o trabalho, a herança, a compra, a doação, o achado, e outros que a lei tenha por geradores ou fontes de direito. À luz dos direitos fundamentais, todos são iguais. À luz dos direitos adquiridos, são todos desiguais. Mas, num e no outro caso, o tratamento da lei é igual para todos os cidadãos nas mesmas condições. A Constituição veda à lei estabelecer desigualdades entre os homens, por serem homens. É idêntica a concessão de cada um à sociedade de todos. Ou, por outras palavras, é universal a igualdade nos cortes à onipotência individual, para constituir os direitos fundamentais. Nos direitos adquiridos, é a mesma para todos, mas mesmas condições, a lei que os disciplina [16].

Ainda sobre o princípio da igualdade observe-se a lição de Eduardo Luiz Santos Cabette:

É interessante notar que o princípio da igualdade não tem o condão de impedir diferenciações, desde que não sejam injustificadas ou arbitrárias. Assim é que se verificam esforços do legislador, inclusive constitucional, em proporcionar uma paridade de armas às partes no decorrer do processo, especialmente considerando as disparidades econômico-financeiras. A igualdade estabelecida não é aquela meramente aritmética, mas sim uma igualdade relativa capaz de proporcionar um equilíbrio real e não meramente formal da relação processual. O que muitas vezes aparenta ser uma quebra da isonomia no processo é, na verdade, aquilo que empresta eficácia ao princípio da igualdade real e proporcional, impondo um tratamento desigual aos desiguais e igual aos iguais [17].

A isonomia processual, como derivação do princípio da igualdade, determina que as partes devem ter as mesmas armas, a fim de que, tratadas de forma paritária, tenham idênticas chances de reconhecimento do direito material instrumentalizado no processo.

Como dito, o princípio da igualdade, ou isonomia, não tem caráter absoluto e genérico. Haverá momentos, autorizados por lei, que será permitido o tratamento desigual entre as pessoas, contudo, serão restritas as situações que envolvam distinção fática entre os sujeitos, e não às distinções de direito.

As partes no processo estarão sempre em situações de desequilíbrio, assim, impõe-se um tratamento desigual como meio para se chegar à igualdade, devendo estabelecer instrumentos, a fim de atingir-se à finalidade de consecução do bem comum, com a pacificação social e a segurança jurídica.

Quando tratado no princípio do devido processo legal, viu-se que este importante princípio é corolário de tantos outros, inclusive do princípio da igualdade, que deve ser observado tanto na elaboração da lei, como na sua aplicação.

O processo, seja qual for sua natureza, existe para garantir a igualdade entre os homens.

No âmbito do processo administrativo disciplinar, a autoridade julgadora, quando da solução do feito, não pode tratar iguais de forma desigual, nem tampouco tratar desiguais de forma igual. Por exemplo, não pode um servidor acusado de ter praticado a conduta X, ser punido com detenção, e outro servidor, também acusado de praticar a conduta X, sofrer a pena capital de demissão. Não precisa que as decisões sejam no mesmo processo, pois a constante nesse caso são os indivíduos e suas condutas, e não o processo.


PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL

A imparcialidade do juiz é pressuposto básico da validade da relação processual. Verifica-se que o juiz imparcial constitui-se em uma garantia para a acusação e a defesa de um julgamento justo pelo Estado, detentor do monopólio da jurisdição, que deve proceder imparcialmente na solução dos litígios que lhe são apresentados.

Por força desse princípio, exsurge outros, o princípio do juiz competente ou do juiz natural, segundo o qual "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente" (art. 5º, inciso LIII, da CF/88), e, a vedação da instituição de juízo ou Tribunal de Exceção (art. 5º, inciso XXXVII, da CF/88). Além do que, o art. 5º, inciso XXXVIII, da Constituição Federal, estabelece a competência do júri popular para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

Conforme esposado, somente quem pode dizer se houve crime ou não é a autoridade judiciária, ou seja, o Juiz, salvo nos crimes dolosos contra a vida de civil, que em regra cabe ao júri popular composto por 07 (sete) jurados. Assim, não pode o Comandante-Geral, no caso das Polícias Militares, demitir um policial por prática de crime, sem que tenha uma sentença penal condenatória transitada em julgado anterior, sob pena de ofensa ao princípio do juiz natural e a usurpação de jurisdição e competência pela autoridade policial.

Veja-se o texto abaixo:

Observa-se, desde logo, que em passo algum a Constituição se refere a "juiz natural". Apontam-se, porém, como consagração do princípio o disposto no artigo 5º, LIII e XXXVII: "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente"; "não haverá juízo ou tribunal de exceção".

[...]

Longo também nos apresenta a sistematização de Felipe Bacellar Filho, que identifica, no princípio do juiz natural, a existência de cinco significados, não excludentes.

O primeiro, no plano da fonte, institui a reserva absoluta da lei para a fixação da competência do juízo. A dúvida, aqui, diz respeito aos regimentos internos dos tribunais, que distribuem competências entre seus órgãos, bem como a atos administrativos, como os que distribuem os feitos entre dois juízes, conforme sejam de número par ou impar. Haveria inconstitucionalidade, nessas disposições, que visam a resolver graves problemas enfrentados pelos tribunais?

O segundo diz respeito ao plano da referência temporal. Ninguém será processado ou julgado por órgão instituído após a ocorrência do fato. Repete-se, aqui, a dúvida sobre as normas de direito temporal, que têm eficácia imediata, sobretudo quando criam ou extinguem órgãos judiciários.

O terceiro diz respeito ao plano da imparcialidade, com o afastamento do juiz impedido ou suspeito e imunidade do órgão judicante a ordens ou instruções hierárquicas, enquanto no exercício da jurisdição.

O quarto diz respeito à abrangência funcional, que visa a garantir ao jurisdicionado a determinabilidade de qual órgão irá decidir o fato levado a juízo.

O quinto diz com a garantia de ordem taxativa de competência, que assegura a pré-constituição dos órgãos e agentes, excluindo qualquer alternativa deferida à discricionariedade de quem quer que seja. Eventual modificação de competência deve estar prevista em leis anteriores ao fato.

O que se constata, de uma leitura crítica desse quíntuplo conteúdo, é que o princípio do juiz natural, entendido em termos absolutos, pode inviabilizar o exercício da jurisdição; relativizado, perde sua força como princípio [18].

Dir-se-á, talvez, que não há violação ao princípio do juiz natural, pois o que a autoridade julga é a transgressão disciplinar, não o crime, sendo o resultado naquele a demissão dos quadros da Corporação, quando neste será a prisão, e que se trata de responsabilidades distintas.

As premissas estão corretas. Contudo, ainda assim, há violação ao primado do juiz natural, pois crime só pode ser processado e julgado por autoridade judiciária, ou seja, o Juiz, salvo nos casos de crimes dolosos contra a vida, que caberá ao Júri popular.

Assim, não pode o servidor ser demitido por crime, sem que tenha sido julgado e condenado na Justiça Criminal, após uma instrução processual respeitando todos os princípios atinentes, sejam de índole constitucional, sejam processuais.

A norma de natureza administrativa que inclui no seu rol crime como causa de sanção disciplinar terá eficácia, apenas, a partir de evento certo e determinado, qual seja, condenação no Juízo penal por crime. Antes disso, não pode nenhum servidor ser punido administrativamente.

Ademais, pelo princípio do juiz natural, o julgador não pode ser impedido, nem suspeito. Todo homem tem direito a um julgamento justo e imparcial, é o que preconiza o princípio do juiz natural. Moacyr Pitta Lima Filho, juiz de Direito, defende que:

Para Chiovenda a jurisdição "é a função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva".

O processo, por sua vez, é o instrumento através do qual o Estado exerce a jurisdição, sendo fundamental, sobretudo em um Estado Democrático de Direito, que esse processo seja cercado de garantias aos indivíduos e limites ao Estado, em especial no sistema penal.

O conjunto de limites, impostos ao Estado, no exercício da jurisdição, é essencial, ante sua absoluta e evidente supremacia em relação aos indivíduos.

"A correção que exerce sobre os seus súditos não é um fim em si mesma, mas meio para que se consiga, o quanto possível, a paz e a justiça social".

O princípio do juiz natural apresenta, portanto, esse duplo conteúdo, garantia-limite, tendo como destinatários respectivamente os acusados e o Estado, como enfatiza o Ministro Celso de Mello:

"Isso significa que o postulado do Juiz Natural deriva de cláusula constitucional tipicamente bifronte, pois, dirigindo-se a dois destinatários distintos, ora representa um direito do réu (eficácia positiva constitucional), ora traduz uma imposição ao Estado (eficácia negativa dessa mesma prerrogativa constitucional)".

Ada Pellegrini destaca a importância do princípio do juiz natural, ressaltando seu caráter transindividualista:

"A imparcialidade do juiz, mais do que simples atributo da função jurisdicional, é vista hodiernamente como seu caráter essencial, sendo o princípio do juiz natural erigido em núcleo essencial do exercício da função. Mais do que direito subjetivo da parte e para além do conteúdo individualista dos direitos processuais, o princípio do juiz natural é garantia a própria jurisdição, seu elemento essencial, sua qualificação substancial. Sem o juiz natural, não há função jurisdicional possível" [19].

Sobre o princípio do juiz natural, Julio Fabbrini Mirabete, na obra Código de Processo Penal Interpretado, adverte que:

Como corolário do princípio da legalidade do processo penal, existe o princípio do juiz natural, como dispõe a Constituição Federal, já que "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente" e, por via de conseqüência, que "não haverá juízo ou tribunal de exceção" (art. 5º, LIII e XXXVII) (cf. MARQUES, José Frederico. O processo penal na atualidade, processo penal e constituição federal. São Paulo: Acadêmica. P. 13-21). Na prática, exige-se a capacidade especial relativa ao exercício jurisdicional, ou seja, não ser suspeito nem estar impedido pra o processo (itens 252.1 a 255.1). Deve ser, em síntese, imparcial. Exige-se, por fim, a capacidade objetiva, que é a competência para o processo. A Constituição Federal brasileira de 1988, ao dispor em seu art. 5º, inciso XXXVII, que não haverá juízo ou tribunal de exceção, consagrou o princípio do juiz natural [...] [20].

O princípio do juiz natural é perfeitamente aplicável no âmbito da administração pública, em especial nos processos disciplinares.

No âmbito do processo administrativo federal, a Lei n. 9.784/1999, tal como no direito processual, prevê expressamente as figuras típicas de impedimento e suspeição da autoridade julgadora, ou seja, aquela autoridade que decidirá sobre os fatos apurados, devendo agir com total imparcialidade e impregnado de senso de Justiça.

Em verdade, são duas novas hipóteses de incapacidade do agente público para a prática do ato administrativo, situações que prejudicarão o ato no seu elemento de validade "capacidade". O servidor público impedido ou suspeito é, nos termos abaixo, incompetente para a prática do ato administrativo.

Reza o art. 18 da citada lei que é impedido de atuar em processo administrativo o servidor ou autoridade que: I – tenha interesse direto ou indireto na matéria; II – tenha participado ou venha a participar como perito, testemunha ou representante, ou se tais situações ocorrem quanto ao cônjuge, companheiro ou parente e afins até o terceiro grau; III – esteja litigando judicial ou administrativamente com o interessado ou respectivo cônjuge ou companheiro.

Por sua vez, o art. 20, do mesmo diploma, ao cuidar da suspeição, estabelece que pode ser arguida a suspeição de autoridade ou servidor que tenha amizade íntima ou inimizade notória com algum dos interessados ou com os respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau.

A diferença entre os institutos do impedimento e da suspeição basicamente consiste que no primeiro há presunção absoluta de incapacidade para a prática do ato, o servidor fica absolutamente impedido de atuar no processo; na suspeição gera uma presunção relativa de incapacidade, restando o vício sanado se o interessado não alegá-la no momento oportuno [21].


PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

Pelo princípio da publicidade, esboçado no art. 37, da Constituição Federal, "A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência".

O art. 93, inciso IX, também da Constituição assegura que "Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação".

A publicidade dos atos processuais é a regra, inclusive no âmbito do processo disciplinar.

Pode, no entanto, nos termos do art. 5º, inciso LX, da Constituição do Brasil, a publicidade ser restringida quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem. Todavia, a restrição a publicidade é aquela externa, relativa ao público em geral, proibindo que terceiros venham a ter conhecimento do processo e de suas peculiaridades, como é o caso dos processos nas varas de família, que tramitam em segredo de justiça.

Por sua vez, a publicidade interna, que diz respeito às partes do processo, não pode sofrer qualquer restrição, pois é com a publicidade dos atos que se materializará o contraditório e a ampla defesa, conferindo as partes a paridade de armas, e a consecução do princípio da igualdade.

Não haverá violação ao princípio da publicidade, se assim exigir o ato processual, a não cientificação de uma das partes da sua realização, desde que a posteriori seja a parte intimada da sua realização, podendo produzir contraprova a fim de convencer o julgador da sua tese. Por exemplo, na interceptação telefônica na fase processual, pois caso a parte tenha ciência, prejudicará a colheita da prova.

Destarte, ao se conferir publicidade aos atos processuais, um dos pilares do Estado Democrático de Direito, tem-se como importante fundamento a possibilidade de controle sobre o processo, tanto pelas partes, como pela sociedade. Por isso, qualquer ato que restrinja a publicidade do processo, sem que seja exceção a regra geral, é atentado ao Estado Democrático de Direito e ao princípio da publicidade.


PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

A Constituição Federal, art. 5º, inciso LXVIII, determina que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação" [22]. O art. 4º, inciso XVIII, da Constituição da Bahia, corroborando com o texto da Magna Carta, dispõe que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação" [23].

Entretanto, não houve qualquer inovação, pois esse direito fundamental já estava expressamente assegurado nos arts. 7.5 e 8.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos [24], recepcionados pelo art. 5º, § 2º, da Constituição Federal.

O objetivo primordial da norma inserida é tornar o processo mais célere, portanto mais eficaz.

Pela simples análise, observa-se que a norma tem como destinatários o legislador, para que este crie normas que visem assegurar a duração razoável do processo, e aos aplicadores do direito, sejam os juízes, no âmbito do processo judicial, sejam os servidores públicos de modo geral, na esfera do processo administrativo.

Sobre duração razoável do processo é oportuno trazer a lição do mestre Aury Lopes Júnior. Para o autor, quando o processo supera o limite da duração razoável, o Estado se apossa ilegalmente do tempo do acusado, pois o processo é uma pena em si mesmo.

Quando o processo se prolonga além do tempo necessário [25] (duração razoável), se converte na principal violação das garantias que o acusado possui.

A primeira garantia que cai por terra é a da jurisdicionalidade insculpida na máxima latina do nulla poena, nulla culpa sine iudicio. Isso porque o processo se transforma em pena prévia a sentença, através da estigmatização, da angústia prolongada, da restrição de bens e, em muitos casos, através de verdadeiras penas privativas de liberdade aplicadas antecipadamente (prisões cautelares). É o que Carnelutti define como a misure di soffrenza spirituale ou di umiliazione. O mais grave é que o custo da pena-processo não é meramente econômico, mas o social e psicológico.

A presunção de inocência é outro princípio que é violado, pois a demora e o prolongamento excessivo do processo penal vai, paulatinamente, sepultando a credibilidade em torno da versão do acusado. Existe uma relação inversa e proporcional entre a estigmatização e a presunção de inocência, na medida em que o tempo implementa aquela e enfraquece esta.

O direito de defesa e o próprio contraditório, também são afetados, na medida em que a prolongação excessiva do processo gera graves dificuldades para o exercício eficaz da resistência processual, bem como implica um sobre-custo financeiro para o acusado, não apenas com os gastos em honorários advocatícios, mas também pelo empobrecimento gerado pela estigmatização social. [26]

Dessa maneira, na medida em que o processo penal e/ou administrativo se prolonga indevidamente, há ofensa aos direitos fundamentais, tais como, da jurisdicionalidade, da presunção de inocência, da ampla defesa e do contradiório.

No processo penal não há previsão legal para a conclusão, em que pese a doutrina e a jurisprudência terem firmado o entendimento que esse prazo é de 81 dias. O processo disciplinar, por seu turno, pelo menos no âmbito da PMBA, tem prazos fixados em lei, o PDS deve ser concluído no prazo máximo de 45 dias, e o PAD é de 120 dias, observado o despacho da autoridade competente para a sua prorrogação, nos termos do art. 61, § 2º, e o art. 63, § 4º, ambos do Estatuto dos Policiais Militares.

Mas o que se fazer quando a duração do processo extrapola o razoável? O professor Aury Lopes levanta três possíveis soluções, sendo elas de natueza compensatória, processual e sancionatória.

A solução compensatória poderá ser de natureza civil ou penal. Na esfera civil, a solução é a indenização dos danos materiais e/ou morais sofridos com a demora do processo. Por sua vez, a compensação penal poderá ser através da atenuação da pena, com aplicação da atenuante inominada do art. 66, do Código Penal, ou ainda a concessão de perdão judicial, nos casos em que a lei admite, no âmbito do processo admininistrativo seria possível, por exemplo, a aplicação de atenuante, conforme autoriza o art. 53, do Estatuto dos Policiais Militares da Bahia.

A solução processual, que não se confunde com a anterior na modalidade penal, tem na extinção do processo a solução mais adequada, na medida em que reconhecida a ilegitimidade do poder punitivo pela desídia do Estado em julgar o caso. Outras soluções processuais são a possibilidade de suspensão da execução ou dispensabilidade da pena, indulto e comutação.

A solução sancionatória diz respeito a punição do servidor responsável pela dilação indevida do processo que ultrapassou a sua duração razoável, nisso incluam-se juízes, promotores, procuradores etc. A Emenda Constitucional n. 45 deu nova redação ao art. 93, inciso II, alínea "e", da CF, que passou a prever a possibilidade de uma sanção administrativa para o juiz que der causa a demora, impedindo-o de ser promovido. Interessante seria se o legislador estadual assim também disciplinasse quanto aos encarregados e presidentes de processos disciplinares, ficando estes impedidos de promoção até que entregue, obviamente concluído, o processo disciplinar sob sua responsabilidade, e desde que já se tenha ultrapassado o prazo de conclusão previsto em lei.


CONCLUSÃO

O presidente do processo disciplinar e a autoridade julgadora, por imposição legal, devem observar preceitos éticos e cumprir e fazer cumprir as leis, os regulamentos, as instruções e as ordens das autoridades competentes, nos termos do art. 39, inciso IV, da Lei Estadual n. 7.990/2001 (Estatuto dos Policiais Militares).

Os direitos e garantias individuais, materializados pelos princípios constitucionais aqui abordados, devem ser seguidos e observados por todos, inclusive pelas autoridades, sob pena de ser responsabilizado civil, penal e administrativamente.

O acusado, enquanto não sobrevier qualquer condenação, é apenas acusado, e não pode ser tratado de forma diferente, muito menos de forma discriminatória. A defesa pode e deve utilizar todos os instrumentos e ferramentas, porém, não pode exceder para não configurar abuso, e, portanto, agir à margem da legalidade.

O advogado é indispensável à administração da justiça, constituindo sua atividade em serviço público com relevante função social, devendo trabalhar na defesa do acusado respeitando a lei e a ética profissional.

Sobre o exercício da advocacia, o ministro Álvaro Moutinho Ribeiro da Costa, presidente do Supremo Tribunal Federal no período de 1963 a 1966, escreveu em histórico acórdão, só uma luz nesta sombra, nesta treva, brilha intensa no seio dos autos. É sua voz da defesa, a palavra candente do advogado, a sua lógica, a sua dedicação, o seu cabedal de estudo, de análise e de dialética. Onde for ausente a sua palavra, não haverá justiça, nem lei, nem liberdade, nem honra, nem vida.


Notas

  1. Os Tribunais são unânimes no entendimento da impossibilidade de reabertura de inquérito sem que tenha surgido uma nova prova substancial. Observe-se algumas decisões:
  2. STJ: "Arquivado o Inquérito ou as peças de informações a requerimento do órgão do Ministério Público, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas" (RSTJ 67/17).

    TJSP: "Constrangimento ilegal. Caracterização. Arquivamento de anterior inquérito policial, em relação ao acusado, por insuficiência probatória. Instauração de ação penal contra ele sem nenhuma nova prova fosse acrescida. Ilegalidade. Súmula n. 524 do Supremo Tribunal Federal. Nulidade da sentença. Revisão deferida. Voto vencido". (JTJ 194/292).

    TJSP: "Arquivado o inquérito, sob a inspiração do non datur actio nisi constet de corpore delicti, a denúncia oferecida sem base em novas provas é de ser rejeitada, por descumprimento do disposto na Súmula 524 do STF". (RT 564/328).

  3. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Vol. I. Niterói: Impetus, 2008, p. 98-99.
  4. BONFIM, Edílson M. apud SCHMITT, Ricardo Augusto (org). Princípios Penais Constitucionais. Salvador: JusPodivm, p. 22.
  5. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 7. ed. Rio de Janeiro-RJ: Lumen Juris, 2003, p. 27-31.
  6. DELMANTO JÚNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 67-68.
  7. BINDER, Alberto M. Introdução ao Direito Processual Penal. Tradução de Fernando Zani. Rio de Janeiro-RJ: Lumen Juris, 2003, p. 87.
  8. BINDER, Alberto M. Introdução ao Direito Processual Penal. Tradução de Fernando Zani. Rio de Janeiro-RJ: Lumen Juris, 2003, p. 90-91.
  9. ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Direito Administrativo Militar. Rio de Janeiro-RJ: Lúmen Júris, 2003.
  10. CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de. O processo penal em face da Constituição. Rio de Janeiro-RJ: Forense, 1998, p. 12.
  11. SICHES, Luis Recaséns. apud DELMANTO JÚNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 55-56.
  12. ARENDT, Hannah. apud DELMANTO JÚNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 55-56.
  13. CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Ed. JusPodivm, 2008, p. 220.
  14. EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI ESTADUAL QUE CONCEDE GRATIFICAÇÃO DE FERIAS (1/3 DA REMUNERAÇÃO) A SERVIDORES INATIVOS - VANTAGEM PECUNIARIA IRRAZOÁVEL E DESTITUÍDA DE CAUSA - LIMINAR DEFERIDA. - A norma legal, que concede a servidor inativo gratificação de férias correspondente a um terço (1/3) do valor da remuneração mensal, ofende o critério da razoabilidade que atua, enquanto projeção concretizadora da claúsula do "substantive due process of law", como insuperável limitação ao poder normativo do Estado. Incide o legislador comum em desvio ético-juridico, quando concede a agentes estatais determinada vantagem pecuniária cuja razão de ser se revela absolutamente destituída de causa. (ADIN 1.158-8 AM, relator Ministro Sepúlveda Pertence, Acórdão DJ 26.05.1995) (grifos nossos).
  15. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros editores, 2000, p. 102-104.
  16. TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. São Paulo: RT, 2004, 140-142.
  17. BARBOSA, Ruy. apud TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. São Paulo: RT, 2004, 141-142.
  18. CABETTE, Eduardo Luiz Santos. O Processo Penal e a Defesa dos Direitos e Garantias Individuais. Campinas: Peritas, 2002, p. 27.
  19. Sobre o princípio do juiz natural. In: http://www.tex.pro.br/wwwroot/curso/processoeconstituicao/sobreoprincipiodojuiznatural.htm, extraído em 22.05.2009
  20. FILHO, Moacyr Pitta Lima. Princípio do Juiz Natural. In: Princípios Penais Constitucionais – Direito e Processo Penal à Luz da Constituição Federal. Organizado por Ricardo Augusto Schmitt, Salvador: JusPodivm, 2007, p. 488.
  21. MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 2001, p. 632.
  22. As decisões sobre o tema convergem no sentido de que são nulos todos os atos praticados por autoridade impedida e suspeita. Veja-se: TACRSP: "Deve ser considerado suspeito o juiz que, ainda que inconscientemente, faz colocações apriorísticas nos autos com relação às partes que, à evidência, denotam a falta de serenidade para decidir a causa, comprometendo a majestade da justiça, que deve presidir sempre qualquer julgamento" (RT 581/341); TJMS: "O impedimento que essencialmente envolve e gera a presunção juris et de jure de suspeição do juiz não acarreta apenas sua incompetência, coarctando-lhe jurisdição, mas tolhe o seu poder jurisdicional por inteiro, sendo, pois nulos não só os atos decisórios como, também, os interlocutórios e probatórios praticados" (RT 555/415); TJSP: "Está impedido de funcionar no processo o juiz que figurou como testemunha no inquérito, dado o conflito psicológico entre a função de referir e narrar e a função de valorizar o que foi contado. O juiz-testemunha estará sujeito a dar uma dimensão maior ao que pessoalmente sabe, fugindo assim de uma apreciação desvinculada e neutra das provas e dos fatos probandos" (RT 439/329).
  23. Inserido na Constituição Federal de 1988 pela Emenda Constitucional n. 45, de 08 de dezembro de 2004.
  24. Inserido na Constituição do Estado da Bahia pela Emenda Constitucional n. 11, de 28 de junho de 2005.
  25. O Brasil aderiu a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969) através do Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992.
  26. Sobre o tempo, o professor Aury Lopes trabalha com o conceito de EINSTEIN e a Teoria da Relatividade, assim "opera-se uma ruptura completa dessa racionalidade, com o tempo sendo visto como algo relativo, variável conforme a posição e o deslocamento do observador, pois ao lado do tempo objetivo está o tempo subjetivo [...] O tempo é relativo a posição e velocidade do observador, mas também a determinados estados mentais do sujeito, como exterioriza EINSTEIN na clássica explicação que deu sobre Relatividade à sua empregada: quando um homem se senta ao lado de uma moça bonita, durante uma hora, tem a impressão de que passou apenas um minuto. Deixe-o sentar-se sobre um fogão quente durante um minuto somente – e esse minuto lhe parecerá mais comprido que uma hora. – Isso é relatividade. [...] No que se refere ao Direito Penal, o tempo é fundante de sua estrutura, na medida em que tanto cria como mata o direito (prescrição), podendo sintetizar-se essa relação na constatação de que a pena é tempo e o tempo é pena. Pune-se através de quantidade de tempo e permite-se que o tempo substitua a pena. No primeiro caso, é o tempo do castigo, no segundo, o tempo do perdão e da prescrição. Como identificou MESSUTI, os muros da prisão não marcam apenas a ruptura no espaço, senão também uma ruptura do tempo. O tempo, mais que o espaço, é o verdadeiro significante da pena. [...] O processo não escapa do tempo, pois ele está arraigado na sua própria concepção, enquanto concatenação de atos que se desenvolvem, duram e são realizados numa determinada temporalidade. O tempo é elemento constitutivo inafastável do nascimento, desenvolvimento e conclusão do processo, mas também na gravidade com que serão aplicadas as penas processuais, potencializadas pela (de)mora jurisdicional injustificada. Interessa-nos agora, abordar o choque entre o tempo absoluto do direito e o tempo subjetivo do réu, especialmente no que e refere ao direito de ser julgado num prazo razoável e a (de)mora judicial enquanto grave conseqüência da inobservância desse direito fundamental. (LOPES JÚNIOR, Aury. O tempo como pena processual: em busca do direito de ser julgado em um prazo razoável. Site Âmbito Jurídico, Porto Alegre-RS. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=458>. Acesso em: 10 fev. 2007).
  27. LOPES JÚNIOR, Aury. O tempo como pena processual: em busca do direito de ser julgado em um prazo razoável. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=458>. Acesso em: 10 fev. 2007.

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FERNANDES, Fabiano Samartin. Direitos e garantias individuais no processo administrativo disciplinar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2299, 17 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13692. Acesso em: 29 mar. 2024.