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A crise do Poder Judiciário.

Breves reflexões a partir do contraponto entre países centrais e semi-periféricos

A crise do Poder Judiciário. Breves reflexões a partir do contraponto entre países centrais e semi-periféricos

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Somente uma análise da realidade organizacional do direito, através dos tribunais, contribuirá para o entendimento, ainda que breve, das dificuldades sofridas pelos países de modernidade tardia.

1.CONSIDERAÇOES INICIAIS

O presente trabalho tem a intenção de elaborar breves reflexões acerca da crise vivenciada pelo Poder Judiciário, que apresenta realidades distintas entre países centrais e semi-periféricos.

Com efeito, poucas são as obras (para não dizer raras) que se dedicam ao tema, optando os teóricos por realizar uma abordagem mais ampla, em geral, se referindo à crise do Estado.

Destarte, ainda assim, é comum perceber que a literatura dos países semi-periféricos trata a crise estatal vivenciada por esses países de modo semelhante ao que ocorre nas nações mais desenvolvidas, o que constitui grave equívoco.

Partindo desse contexto, a ideia é dividir a abordagem em três momentos, o que se entende fundamental para a compreensão do tema central – o Judiciário frente aos países centrais e semi-periféricos.

Na primeira parte do estudo, trabalhar-se-á a transição paradigmática estatal desde o Estado Liberal, da qual nasce a noção de Estado de Direito, até a crise do Estado-Providência, contexto que os países centrais acreditam estar vivenciando atualmente.

No segundo capítulo, por seu turno, será preciso se dedicar especificamente ao tratamento dispensado ao Poder Judiciário nos países centrais, desde o liberalismo, passando pelo modelo social e chegando ao momento de crise, o que, como asseverado acima, não costuma ser tema de debate na melhor doutrina.

Somente na terceira parte, então, será possível contrastar o que ocorre nos países desenvolvidos, com a realidade do Judiciário nos países semi-periféricos, entendidos nesse trabalho como aquelas nações em estágio de desenvolvimento, como o Brasil e maior parte dos países da América Latina.

É importante registrar que esse último momento proposto no estudo, além de apresentar, em breves linhas, o diferencial entre países semi-periféricos e centrais, assim como analisar o tratamento dispensado especificamente ao Judiciário, também se preocupará com a crise desse poder sob um enfoque direcionado – a magistratura.

Para tanto, se terá como fundamento teórico a obra do Professor Álvaro Filipe Oxley da Rocha [01], autor que, exclusivamente, escreveu acerca da crise do Judiciário nos países semi-periféricos sob o ponto de vista dos magistrados.

Acredita-se, com efeito, que para trabalhar com eficácia a crise jurisdicional, é necessário partir dos tribunais, manifestação latente do Poder Judiciário e que, por consequência, têm os juízes como personagens principais.

Somente uma análise da realidade organizacional do direito, através dos tribunais, contribuirá para o entendimento, ainda que breve, das dificuldades sofridas pelos países de modernidade tardia.

Desse modo, a intenção maior é, uma vez verificada a impossibilidade de nações periféricas serem tratadas de modo igual aos países desenvolvidos, constatar que a crise do Judiciário também não é a mesma e que, somente a partir da elucidação das verdadeiras dificuldades, será possível superá-las.


II. BREVE EVOLUÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NOS PAÍSES CENTRAIS

A ideia central desse capítulo é abordar o Poder Judiciário frente aos países centrais. Para tanto, é preciso considerar que dito poder recebeu tratamento diferenciado nos dois modelos principais de Estado vivenciado pelos países centrais, mais especificamente os europeus, o que será demonstrado a seguir, a partir do contraponto entre judiciário no Estado Liberal e Judiciário no Estado-Providência, ou do Bem-Estar Social.

2.1. O Judiciário no modelo liberal

2.1.1. Considerações sobre o Estado Liberal

O liberalismo teve sua origem na Inglaterra, no Bill of Rigths imposto pelo Parlamento à Coroa, em 1689, e se estendeu à América do Norte, manifestando-se na declaração conjunta de independência assinada pelos estados americanos em 04 de julho de 1776. Mas, além da história política inglesa, seu fundamento está também no Iluminismo francês do século XVIII. As ideias liberais culminaram na Revolução Francesa de 1789 e, consequentemente, na Declaração dos Direitos Fundamentais do Homem, considerada síntese do Estado democrático.

É a partir da consagração desse paradigma que emerge a noção de Estado de Direito, impondo aos liames jurídicos estatais a concreção do ideário liberal no que diz com o princípio da legalidade, divisão de poderes e garantia dos direitos individuais.

No mesmo sentido, ou seja, entendendo o Estado Liberal como o primeiro Estado jurídico, Paulo Bonavides [02] aduz que o liberalismo alcançou sua experimentação história na Revolução Francesa. A burguesia, classe dominada, em princípio e, em seguida, classe dominante, formulou os princípios filosóficos de sua revolta social, generalizando-os como ideais comuns a todos os componentes do corpo da sociedade. Mas, alerta Bonavides, no momento em que se apoderou do controle político, a burguesia já não mais se interessou em manter na prática a universalidade daqueles princípios, como apanágio de todos os homens. Só os sustentava de maneira formal, uma vez que, no plano político, eles se conservavam como princípios constitutivos de uma ideologia de classe. Foi essa contradição, portanto, a mais profunda na dialética do Estado moderno, segundo o autor.

Ainda acerca da burguesia, é preciso esclarecer que esta inaugurou seu poder político como classe e, nesse ponto, as doutrinas contratualistas representaram um importante instrumento teórico para os revolucionários franceses, pois a burguesia reivindicava uma Constituição, exatamente porque o contrato social encontrava sua explicitação na Constituição.

De outro lado, o contratualismo trazia a ideia de indivíduo, tanto em Hobbes, quanto em Locke. O consentimento deveria ser dado pelo indivíduo. Mais especificamente quanto a Locke, deve-se a ele, inegavelmente, a propagação da teoria dos direitos e liberdades políticas, uma das bandeiras do liberalismo.

A respeito das definições referentes ao liberalismo, há um quadro referencial unívoco que caracteriza o movimento liberal: a ideia de limites.

Com efeito, Norberto Bobbio, brilhantemente descreve a imposição de limites trazida pelo Estado Liberal. De acordo com o doutrinador italiano [03], o liberalismo é uma doutrina do Estado limitado tanto com respeito aos seus poderes, quanto às suas funções. A noção corrente que serve para representar o primeiro é Estado de Direito, enquanto o segundo, é o Estado Mínimo.

Diz Bobbio [04] que, na doutrina liberal, Estado de Direito significa não só subordinação dos poderes públicos de qualquer grau às leis gerais do país, limite que é puramente formal, mas também subordinação das leis ao limite material do reconhecimento de alguns direitos fundamentais considerados constitucionalmente e, portanto, em linha de princípio, invioláveis.

A despeito da ideia de limites ao poder estatal, verificada como característica essencial do liberalismo, Roy Macridis, citado por Lenio Streck e Bolzan de Morais [05], remete aos elementos identificadores daquele paradigma estatal, vislumbrando três núcleos principais: moral (valores e direitos básicos atribuídos à natureza do ser humano), político (direitos políticos) e econômico (direitos econômicos – economia de mercado livre e de propriedade - privada).

No núcleo moral, dizem aqueles autores [06], estão localizadas as liberdades pessoais. Homens e mulheres devem, para o modelo liberalista de Estado, viver sob leis gerais e abstratas, previamente conhecidas. O núcleo político, por seu turno, carrega direitos políticos relacionados à representação, tais como o sufrágio, eleições, opção política, e assim por diante. Por fim, o núcleo econômico é representado pelo capitalismo e tem como seus pilares a propriedade privada e a economia de mercado livre de controles estatais [07].

A respeito dessa esfera econômica, como sustenta Celso Ribeiro Bastos [08], se procurou, no liberalismo, suprimir toda interferência do Estado na regulação da economia. A lei da oferta e da procura (lei econômica e não jurídica) se encarregaria de colocar os preços em níveis justos sem deixar de estimular o empresário a produzir cada vez mais e por menores preços. A tímida intervenção do Estado na economia, pois, acabou resultando em um dos maiores acontecimentos históricos do século XIX, a Revolução Industrial.

Tal fato significou uma época de progresso econômico, crescimento populacional, abertura de novos mercados consumidores e novas invenções mecânicas. Entretanto, também foi responsável pelo aumento da miséria entre o proletariado, pelas grandes concentrações de riquezas em mãos de uma minoria, e pelo surgimento de trustes, cartéis e sindicatos.

A Revolução Industrial, portanto, foi uma das causas que levou o liberalismo à decadência. Com o surgimento das máquinas, a necessidade de trabalhadores nas fábricas diminuiu consideravelmente, culminando na disponibilidade de mão-de-obra. Os empresários, consequentemente, passaram a oferecer baixos salários e a utilizar o trabalho de mulheres e crianças.

Através da Revolução Industrial, foi apresentado ao mundo um novo tipo de homem até então desconhecido: o operário de fábrica. O aparecimento das máquinas produziu o desemprego em massa. O trabalho humano passou a ser negociado como mercadoria, sujeito à lei da oferta e da procura, e o operário se viu compelido a aceitar salários ínfimos e a trabalhar mais de quinze horas por dia para ganhar o mínimo necessário à sua subsistência [09].

A partir dessa nova realidade, os trabalhadores perceberam que deveriam reunir-se na busca de melhores condições de trabalho e melhores salários. Foi nessa época que surgiram os primeiros conflitos trabalhistas. Também em razão da Revolução Industrial nasceu o direito de greve, como forma de reivindicação.

O Estado, que até aquele momento, somente assistia a esse cenário histórico, limitando-se a policiar a ordem pública, viu-se, portanto, obrigado a intervir. E assim, em virtude do retorno, por parte do Estado, a atividades que haviam saído da esfera de sua competência no liberalismo, foram sendo alterados os rumos deste modelo.

Comungando do pensamento de Lenio Streck e José Luis Bolzan de Morais [10], pode-se afirmar que os rumos do Estado Liberal se modificaram a partir de meados do século XIX, quando aquele passou a assumir tarefas positivas, prestações públicas, a serem asseguradas ao cidadão como direitos peculiares à cidadania, ou a agir como ator privilegiado do jogo sócio-econômico.

Na medida em que o Estado foi ampliando sua esfera de atuação, começou a desaparecer o Estado Mínimo e, gradativamente, a surgir o Estado Social, em sentido amplo.

Com efeito, é possível vislumbrar a passagem do Estado Liberal (Estado Mínimo) para o Estado Social a partir da tensão entre os núcleos político (democracia representativa, constitucionalismo, sufrágio, Estado de Direito) e econômico (capitalismo, livre mercado, liberdade contratual) porquanto, em meio a todas as mudanças já comentadas, a convivência entre os dois projetos (político e econômico) tornou-se difícil, especialmente porque a democracia e o capital tinham (têm) propostas distintas, sendo a democracia includente e o capital excludente.

Somente através do pacto social seria possível a convivência, em um mesmo espaço, de propostas tão contraditórias, acreditando-se que o ajuste poderia ser feito através de um capitalismo de produção – que necessita de consumidores para sobreviver.

Não é por acaso que o comunismo russo surgiu como solução extremista, diametralmente oposta ao liberalismo [11]. O Estado Liberal, eivado de erros doutrinários, teve que enfrentar as ideias marxistas, as quais, no dizer de Sahid Maluf [12], proliferaram como sementeira lançada em terreno fértil.

2.1.2. O Poder Judiciário no liberalismo

Como visto alhures, é no Estado Liberal que emerge a noção de Estado de Direito, o qual tem em seu cerne a lei. Sendo assim, é justamente no liberalismo que Poder Judiciário encontra a consolidação do modelo judicial moderno [13].

No Estado de Direito são abandonadas as concepções anteriores, nas quais os cidadãos eram vinculados a uma autoridade divina ou a um único senhor, dotado de poderes absolutos e arbitrários.

Mas, ao contrário do que, em um primeiro momento se possa pensar, havia, nesse paradigma, uma especial relevância do Poder Legislativo sobre os demais. Com efeito, se o objetivo no Estado era garantir a plena liberdade do indivíduo e assegurar seus direitos fundamentais, eram as leis que exerciam papel de maior destaque, pois representavam o modo legítimo de conter o poder estatal.

Nesse sentido que se afirma [14] que a neutralização política do poder judiciário decorre do princípio da legalidade.

Outrossim, os mesmos teóricos afirmam que o Poder Judiciário era retroativo – acionado retroativamente com o objetivo de reconstituir uma realidade normativa plenamente constituída – e reativo – só atua quando solicitado pelas partes ou por outros setores do Estado [15].

Ainda, como o indivíduo adquire papel nuclear no liberalismo, os procedimentos judiciais, por óbvio, também terão a característica de privilegiar as individualidades.

De outro lado, o desenvolvimento da economia capitalista provocou, como já visto, o agravamento das desigualdades sociais, o que gerou grandes debates acerca da necessidade de implantação de um modelo de justiça distributiva. Mas, o Poder Judiciário, alheio a tudo isso, mantinha seu ideal de justiça retributiva, privilegiando soluções minimalistas [16].

Por fim, quando às características mais relevantes do Judiciário no Estado Liberal, vale apresentar a síntese proposta por Boaventura de Sousa Santos e outros, quanto aos limites enfrentados por aquele poder [17]:

a independência dos tribunais se assentava em três dependências férreas. Em primeiro lugar, segundo o princípio da legalidade; em segundo lugar, a dependência da iniciativa, vontade ou capacidade dos cidadãos para utilizarem os tribunais, dado o caráter reativo da intervenção destes; em terceiro lugar, a dependência orçamentária em relação ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo na determinação dos recursos humanos e materiais julgados adequados para o desempenho cabal da função judicial.

Tais são, efetivamente, os "limites" caracterizadores do modelo liberal, conforme visto no capítulo antecedente, os quais são considerados por Álvaro Filipe Oxley da Rocha [18] como redes de dependência que neutralizam politicamente os tribunais.

Vistos assim, os aspectos mais relevantes do Poder Judiciário no Estado Liberal, é preciso conhecer como se portavam os tribunais em outro modelo, sucessor do liberalismo nas nações desenvolvidas – o Estado Social.

2.2. O Judiciário no modelo social

2.2.1 Considerações sobre o Estado Social

O Estado Social é o Estado Contemporâneo [19], uma expressão do Estado moderno que incorpora a função social como uma de suas características fundantes. É a partir da função social que nascem as políticas públicas, outra característica social-estatal.

O Estado Contemporâneo deixa de ser apenas responsável pela paz e segurança e passa a prover, efetivamente, a igualdade. É um Estado de compromisso.

Contudo, é equivocado afirmar que existe uma completa ruptura entre o Estado Liberal e o Estado Social. Na verdade, o Estado Social representa uma das fases do liberalismo, que se mostra como liberalismo clássico ou em sentido estrito (tema do item anterior) e liberalismo social (aqui analisado). Há, com efeito, apenas um "aprimoramento" das concepções liberais clássicas pelas concepções sociais.

Nesse sentido, Manuel García-Pelayo [20] sustenta que, em termos gerais, o Estado Social significa, historicamente, a intenção de adaptar o Estado tradicional (liberal burguês) às condições sociais da civilização industrial e pós-industrial, com seus novos e complexos problemas, mas também com suas grandes possibilidades técnicas, econômicas e organizativas para enfrentá-los.

O Estado Social, para o autor [21], não é nem socialista, nem capitalista, no sentido clássico do conceito. Corresponde, isto sim, a uma etapa do neocapitalismo [22] que se manifesta pela necessidade de resolver problemas irresolúveis dentro da estrutura do Estado Liberal.

A justiça distributiva, ou seja, o Estado distribui bens jurídicos de caráter material, com conteúdo jurídico, é uma das qualificações do Estado Social, segundo García-Pelayo [23], o que indica sua característica substancial. Com efeito, de acordo com o espanhol, objetiva-se, nesse modelo, assegurar a justiça legal formal, e também a material.

Mais especificamente no que tange ao Estado-Providência, tal pode ser identificado, segundo José M. Mayán Santos [24] como o conjunto de atividades realizadas pelos governos para proporcionar à sociedade atual e futuro um conjunto de prestações diferentes e de qualidade, que incluam políticas sanitárias, educacionais, econômicas, etc., com a finalidade de satisfazer plenamente a seus membros, evitando os conflitos em relação à falta de estabilidade e de uma política social apropriada.

Tal faceta é resultado das políticas definidas a partir das grandes guerras e da crise da década de 1930, embora sua formulação constitucional tenha se dado originalmente na segunda década do século XX (México, 1917, e Weimar, 1919) [25].

Uma das características pertinentes a este paradigma é o fato de atuar de modo intermediário entre um Estado totalmente intervencionista e um Estado completamente absenteísta. O compromisso maior do Estado do Bem-Estar Social é justamente a busca da realização do bem-estar social.

Outrossim, o personagem principal nesse modelo é o grupo, que se corporifica diferentemente em cada movimento social [26].

Para Lenio Streck e José Luis Bolzan de Morais [27] o desenvolvimento do Estado do Bem-Estar Social [28] pode ser creditado a duas razões: uma de ordem política, através da luta pelos direitos individuais, políticos e sociais; e outra de natureza econômica, em razão da transformação da sociedade agrária em industrial.

Enquanto nos Estados liberais os direitos individuais tornaram-se o fundamento das estruturas constitucionais, no novo modelo, os direitos individuais foram postos ao lado dos direitos sociais e coletivos, disciplinando as relações entre capital e trabalho, tratando da Previdência Social, da função social da propriedade, dentre outros

Tomando, de outro lado, a caracterização do Estado do Welfare State, pelo ângulo econômico, pode-se afirmar que este modelo constitui uma experiência concreta da total disciplina pública da economia, assumido como modelo de futuros objetivos autoritários da política econômica e, ao mesmo tempo, criando hábitos e métodos dirigistas dificilmente anuláveis [29].

A função social, de outra banda, constitui a finalidade primordial do Estado do Bem-Estar Social.

Como assevera César Pasold [30], a função social do Estado Contemporâneo implica em ações que, por dever para com a sociedade, o Estado execute, respeitando, valorizando e envolvendo o seu sujeito, atendendo ao seu objeto e realizando os seus objetivos, sempre com a prevalência do social e privilegiando os valores fundamentais do ser humano.

Outro ponto a ser destacado, refere-se à noção de igualdade, preconizada pelo Estado do Bem-Estar Social. Com efeito, enquanto no Estado Liberal, almejava-se a liberdade dos cidadãos, o Estado Social traz ínsito em si a ideia de igualdade.

Como assinala Dalmo de Abreu Dallari [31], no final do século XVIII consagrou-se a liberdade como o valor supremo do indivíduo, afirmando-se que se ela fosse amplamente assegurada, todos os valores estariam protegidos, inclusive a igualdade. Porém, a experiência demonstrou que tal regime, na realidade, só assegurava a liberdade para os que participassem do poder econômico, surgindo, assim, uma corrente doutrinária e política manifestando a convicção de que a liberdade como valor supremo era a causa inevitável da desigualdade. Os adeptos dessa linha de pensamento entendiam ser indispensável um sistema que assegurasse a igualdade de todos os indivíduos.

É preciso referir, contudo, que mesmo preconizando a igualdade, o Estado Social acabou limitando-se a seu âmbito formal/procedimental, e não material, como deveria efetivamente ocorrer.

E é assim, portanto, que se chega a uma tentativa de "materialização" do Estado social, sob a roupagem do Estado Democrático de Direito, o qual, na visão de Lenio Streck [32], representa uma ideia consolidada como um dos conceitos políticos fundamentais do mundo moderno.

O Estado Democrático de Direito significa um novo conceito, que tenta conjugar o ideal democrático ao Estado de Direito, sob um conteúdo próprio onde estão presentes as conquistas democráticas, as garantias jurídico-legais e a preocupação social. Tem, esse paradigma, um caráter transformador, pois ao conteúdo da legalidade, busca-se a efetiva concretização da igualdade, não pela generalidade do conceito normativo, mas pela realização, através dele, de intervenções que impliquem diretamente uma alteração na situação da comunidade [33].

Por tal razão, o paradigma formal/procedimental apresenta-se totalmente incompatível com políticas estatais que se destinam a efetivar direitos e garantias, individuais e coletivos, previstos nas Cartas Constitucionais.

No dizer de Lenio Streck [34], enquanto o modelo de direito do Estado Social decorre de uma crítica reformista do paradigma do direito liberal, o modelo de direito do Estado Democrático de Direito ultrapassa ambas as concepções. Nasce, portanto, um Estado engendrado no campo do direito constitucional e da ciência política, uma nova legitimidade, no interior da qual o direito assume a tarefa de transformação, até mesmo em face da crise do modelo de Estado Social, onde as políticas públicas começaram a se tornar escassas, questão que colocava em risco a realização dos direitos sociais fundamentais. A legitimidade, agora, advém da própria Constituição.

Traçando um paralelo entre os três modelos aqui analisados, Lenio Streck [35], sinteticamente, afirma:

se no paradigma liberal o Direito tinha a função meramente ordenadora, estando na legislação o ponto de tensão nas relações entre Estado-Sociedade, no Estado Social sua função passa a ser promovedora, estando apontadas as baterias para o Poder Executivo, pela exata razão da necessidade da realização das políticas do Welfare State. Já no Estado Democrático de Direito, fórmula constitucionalizada nos textos magnos das principais democracias, a função do Direito passa a ser transformadora, onde o pólo de tensão, em determinadas circunstâncias previstas nos textos constitucionais, passa para o Poder Judiciário ou os Tribunais Constitucionais.

O Estado Democrático de Direito, porém, também significa um ideal a ser atingido, de modo que alguns autores, dentre eles Boaventura de Sousa Santos e outros [36], preferem sequer entendê-lo como uma nova faceta da evolução estatal. Tais teóricos, no lugar de Estado Democrático de Direito, referem-se à crise do Estado-Providência, ou seja, consideram que não houve ainda um aprimoramento do Estado Social e que este se encontra efetivamente em crise.

De outro lado, ainda que outros autores consintam na formação do Estado Democrático de Direito, também vislumbram as crises, pelo que se torna inevitável comentá-las, o que será visto no próximo capítulo.

2.2.2. O Poder Judiciário no modelo social

Ao contrário do que ocorreu no modelo liberal, em que o Poder Legislativo predominava sobre os demais, no Estado Providência também um poder adquire papel de destaque: o Executivo.

Como efeito, o Estado assume a gestão da tensão que ele próprio cria, entre justiça social e igualdade formal e, dessa gestão são incumbidos todos os órgãos e poderes do Estado [37].

Ao contrário da predominância de litígios individuais, presentes no primeiro paradigma, nessa fase aparecem também os interesses coletivos e surge a necessidade de os mesmos serem tutelados pelo Judiciário.

Logo, embora tenha se destacado a importância do Executivo, os tribunais, nesse modelo estatal assumem papel diferenciado, pois têm suas funções significativamente ampliadas.

No dizer de Boaventura de Sousa Santos e outros [38], a juridificação do bem-estar social abriu caminho para novos campos de litigação nos domínios laboral, civil, administrativo e da segurança social e, assim, embora nuns países mais do que nos outros, houve o aumento exponencial da procura judiciária, o que resultou nem uma explosão de litigiosidade.

As respostas que foram dadas a esse fenômeno incluíram, basicamente, as seguintes reformas: informalização da justiça; reapetrechamento dos tribunais em recursos humanos e infra-estruturas, incluindo a informatização e a automatização da justiça; criação de tribunais especiais para a pequena litigação de massas, tanto em matéria civil como criminal; proliferação de mecanismos alternativos de resolução de litígios; e reformas processuais várias [39].

Ainda, outra mudança no perfil do Judiciário é verificada pelos autores no que tange à sua postura política. Deixam os tribunais de se imiscuírem e passam a ter de se integrar na sociedade.

A despeito de todas as considerações acerca do Poder Judiciário no Estado-Providência, urge frisar que os países centrais – os quais vivenciaram a passagem do Estado Liberal para o Estado Social e, assim, todas as características apresentadas sobre o poder jurisdicional, aqui elencadas – já vivenciam uma outra realidade, chamada de crise do Estado-Providência. Nessa esteira, pois, o Poder Judiciário merece ser tratado também nesse contexto de crise.


III: A CRISE DO ESTADO-PROVIDÊNCIA E SEUS REFLEXOS NO PODER JUDICIÁRIO: AINDA OS PAÍSES CENTRAIS...

No capítulo inicial o objetivo era apresentar o tratamento dispensado ao Poder Judiciário em dois modelos, vivenciados pelos países centrais – o Liberal e o Social.

Mas, como dito anteriormente, tais nações já estão vivenciando um terceiro estágio na história estatal [40] conhecido por crise do Estado-Providência.

Em razão da crise, destarte, o Judiciário não fica imune, sendo abalado, pois, pelas dificuldades sofridas pelo modelo estatal, embora seja possível vislumbrar, na esteira de alguns teóricos, problemas específicos.

Assim, a ideia nesse capítulo, é trabalhar com a crise, estatal e jurisdicional, em face dos países centrais, o que se considera de fundamental relevo para a verificação, na terceira parte do estudo, da realidade da crise em países semi-periféricos.

3.1. Breves notas sobre a crise

O vocábulo "crise", nos últimos tempos, tem sido utilizado corriqueiramente por inúmeras áreas da ciência no afã de explicar o momento gris que se vivencia.

Mas, é preciso, ainda que muito sucintamente, tentar esclarecer o que, afinal, significa tal expressão, ou, em outras palavras, qual o sentido de "crise" nas ciências sociais.

Para tanto, recorre-se a André-Jean Arnaud [41], sociólogo do direito, que, de pronto, sustenta que a crise representa brusca mudança na evolução de um processo sentida como uma experiência geralmente não prevista e, por isso, perigosa e incerta.

Partindo da breve noção trazida pelo teórico francês, entende-se, pois, que a crise nem sempre terá um aspecto negativo, embora seja, de fato, algo que provoque medo em razão da sensação de incerteza que traz.

Com efeito, é nesse sentido que se manifesta Edgar Morin [42], ao afirmar que a crise pode representar fratura numa continuidade, perturbação num sistema, mas também aumento de possibilidades e, portanto, de incertezas.

Analisando a crise sob um aspecto histórico, verifica-se que o termo teve sua primeira aparição na história da civilização ocidental dentro do domínio dramático. Jean-André Arnaud [43] menciona que para Aristóteles a ideia de crise vem representada por um processo no qual o desenvolvimento de situações conflitantes chega, enfim, a uma catástrofe, a partir da qual pode ocorrer a catarse, a liberação purificadora.

Vista assim, portanto, a crise seria necessária para se atingir um ponto de libertação.

Tal entendimento, de certo modo, aproxima-se do campo da psicologia, que vê a crise como a passagem inevitável dentro do desenvolvimento da identidade dos indivíduos [44].

No que tange à sociologia do direito, Arnaud [45] diz que o conceito de crise desempenha um papel interno numa teoria sociológica do direito.

Quando se considera o direito como um sistema, ou um conjunto de sistemas, de regras e de instituições sociais encarregadas de aplicá-las, pode ocorrer de tempos em tempos que este sistema não consiga mais satisfazer as necessidades de uma sociedade que evolui mais rápido que as regras em si. Ou, pode acontecer que, para não ser ultrapassada tão rapidamente por esta evolução, produza-se continuamente novas regras, que acabam resultado numa sobrecarga, numa inflação normativa, que às vezes pode chegar a autorizar o desconhecimento por parte dos Tribunais.

Seja em um caso ou em outro [46], o fato é que a crise pode ser constatada sempre como um momento que antecede o novo. Toda época crítica é época de transição e, é nesse espírito que se pretende analisar as dificuldades, ou o momento de ruptura vivenciado pelo Estado-Providência dos países centrais e pelo Judiciário não somente daquelas nações, mas também dos países semi-periféricos ( o que será feito no capítulo seguinte).

3.2. A crise do Estado-Providência

Embora pareça que o Estado-Providência tenha nascido para resolver todas as desigualdades sociais, o que se pode constatar é que tal assertiva só ocorre em âmbito formal, porquanto a máquina estatal se mostrou insuficiente para atender a todas as demandas.

Com efeito, em Boaventura de Sousa Santos e outros [47] é possível encontrar algumas causas para dita crise.

Citam os autores que a criação de enormes burocracias que acumularam um peso político próprio, gerando elevados índices de desperdício e insuficiência, assim como a clientelização e normalização dos cidadãos cujas opões de vida ficam sujeitas ao controle e supervisão de agências burocráticas despersonalizadas são fatores que levaram à crise.

Além disso, também mencionam os teóricos outras causas para se considerar deficitário o Estado do Bem-Estar social, tais como as alterações nos sistemas produtivos e na regulação do trabalho tornadas possíveis pelas sucessivas revoluções tecnológicas, a difusão do modelo neoliberal e do seu credo desregulamentador a partir da década de 80, a crescente proeminência das agências financeiras internacionais (Banco Mundial e FMI) e a globalização da economia.

Não obstante a necessidade de mencionar todas as prováveis causas para a crise, uma das que deve ser reprisada é a desregulamentação da economia, que tem sido alvo de inúmeros debates.

Com efeito, desregulamentação da economia, na esteira de Boaventura de Sousa Santos e outros [48], significa o Estado se desvincular da tarefa de regulador da economia, o que representa, assim, uma alteração grave no paradigma social até aqui verificado.

Paradoxalmente, depois de décadas de regulação, a desregulamentação só pode ser levada a cabo mediante uma produção legislativa específica e, por vezes, bastante elaborada, o que, obviamente, acaba gerando uma sobrecarga legislativa adicional [49].

Trabalhando a questão da crise sob outros enfoques, José Luis Bolzan de Morais, na obra "As Crises do Estado e da Constituição e a Transformação Espacial dos Direitos Humanos" [50], vislumbra, didaticamente, cinco grandes crises sofridas pelo Estado Contemporâneo: conceitual, estrutural, constitucional, funcional e política.

A crise conceitual atinge a própria noção de "poder soberano" e se refere às transformações ocorridas por este poder.

A crise estrutural, de outra banda, é composta por problemas fiscais, ideológicos e filosóficos.

No que tange à crise fiscal, o problema parece claro: garantir a todo cidadão a permanência de seu patrimônio (consistente no conjunto de seus direitos) gera custos elevados ao Estado.

No dizer de Pierre Rosanvallon [51], o Estado-Providência está doente e o diagnóstico é simples: as despesas com a saúde pública e com o setor social crescem muito mais depressa que as receitas. Decorre daí, diz o autor, um lancinante problema de financiamento, que se apresenta nos últimos vinte anos, em todos os países industrializados. A única solução para tapar os "buracos" seria aumentar os descontos obrigatórios.

Também Bolzan de Morais [52] concorda com o posicionamento do autor acima, ao afirmar que os problemas de caixa do Welfare State já se faziam presentes desde o final da década de 1960, quando os primeiros sinais de que receitas e despesas estavam em descompasso foram percebidos. Posteriormente, em 1970, o desequilibro econômico é aprofundado porque o aumento da atividade e das demandas em face do Estado, assim como a crise econômica mundial, gerada pela crise do petróleo, implicam um acréscimo ainda maior de despesas públicas, o que redundará no crescimento do déficit público na medida em que o jogo de tensões sociais sugere uma menor incidência tributária ou estratégias de fuga – de que é exemplo a sonegação fiscal.

Outrossim, algumas das situações transitórias que geraram a criação do Estado Social a fim de serem solucionadas – de que é exemplo o desemprego - tornaram-se permanentes, o que obrigou as políticas estatais, consequentemente, a oferecem prestações públicas contínuas e duradouras, gerando uma profunda defasagem na poupança pública [53].

Mas, também estruturalmente o Estado sofre uma crise ideológica que se encontra nas formas de organização e gestão próprias ao Estado do Bem-Estar Social.

Como disserta José Luis Bolzan de Morais [54], a crise ideológica é patrocinada pelo embate entre a democratização do acesso ao espaço público da política, oportunizando que, pela participação alargada, tenha-se um aumento significativo das demandas, e a burocratização das fórmulas para responder a tais pretensões a partir da constituição de um corpo técnico-burocrático a quem incumbe a tarefa de elaborar estratégias de atendimento de demandas.

Trata-se, na verdade, de uma das crises já identificadas por Boaventura de Sousa Santos e outros, referida acima.

A última faceta da crise estrutural sofrida pelo Estado é a crise filosófica, que se assenta dos próprios fundamentos do modelo de Estado Social, exigindo que existam agentes dotados de uma compreensão coletiva, compartilhada e compromissada de ser-estar no mundo, o que infortudamente não se verifica.

Com efeito, no dizer de Bolzan de Morais, o que na prática ocorre é a transformação do indivíduo liberal em cliente da administração, apropriando privadamente a poupança pública ou adotando estratégias clientelistas de distribuição das respostas estatais e dos serviços públicos [55].

Ainda outras três grandes crises são apontadas pelo autor aqui em análise: a crise constitucional - que se preocupa com a efetividade das Constituições e, consequentemente, com a concretização dos direitos fundamentais; a crise funcional – que se refere à predominância de um poder estatal sobre o outro, em cada paradigma estatal; e a crise política – atinente ao abalo sofrido pela democracia representativa em face da complexidade estatal.

Com efeito, enquanto as crises constitucional e funcional são estritamente vinculadas à problemática do Judiciário – razão pela qual serão estudas adiante, em apartado – a crise política, que aqui merecerá algumas linhas, é também identificada como crise de representação, se referindo, em síntese, ao abalo sofrido pela democracia representativa a partir da complexidade atual.

Assevera Bolzan de Morais [56] que o modelo da democracia representativa como alternativa possível em uma sociedade que se complexificou tornou-se um instrumento incapaz de responder adequadamente a todos os anseios, pretensões e intenções, o que conduz a tentativas de esvaziá-la como lugar adequado ao jogo da política, a tentativas de fantochizá-la, tornando-a apenas um estereótipo formal pela ausência de alternativas reais de escolha.

Em relação a esta tentativa de "fantochizar" a democracia, refere o teórico que é possível constatar o desaparecimento de alternativas reais de escolha porque se estabelece um estereótipo de "desdiferenciação" de propostas, de "desidentificação" de candidaturas e assim por diante, ou seja, todos os programas são extremamente parecidos, tornando-se praticamente impossível identificar a diferença [57].

O autor identifica algumas causas da provável crise: número crescente daqueles que conquistaram a inserção no jogo político, o que inviabiliza a tomada de decisões por todos os interessados; dificuldades técnicas trazidas pelo tipo e conteúdo dos temas postos em discussão; e volume quantitativo de questões postas à solução, o que implica uma atividade full time, excludente do cidadão [58].

Sob outro enfoque, Celso Fernandes Campilongo [59] aponta cinco causas da crise de representação. A primeira consiste na perda da centralidade do conflito entre trabalho e capital, determinada pelo progressivo igualamento provocado pelas políticas redistributivas e pela deslocação de poderes do processo produtivo para sedes e bases diversas da tradicional distinção entre propriedade capitalista e trabalho assalariado. E, segundo lugar, de acordo com Campilongo a crise da democracia representativa é causada pela excessiva fragmentação dos interesses sociais porque o que realmente se verifica é que o trabalho das instituições representativas, diante de uma conjuntura crescentemente diferenciada e conflitiva, tende a desnudar-se como verdadeiro labor de representação de interesses particulares.

O terceiro fator gerador da crise representativa, para Celso Campilongo, é relacionado aos fenômenos das agregações transitórias. Diz o autor que em um protesto contra o desmatamento, por exemplo, é comum que transitoriamente estejam unidos grupos políticos ou econômicos opostos, o que gera duas consequências: a) essa aparente homogeneidade das facções antagônicas pode provocar uma perda de identidade associada a um declínio da representativa dos próprios grupos; b) pode abrir espaços para associações capazes de suprir as deficiências das instituições representativas tradicionais.

A perda de centralidade do circuito Governo-Parlamento como itinerário das decisões políticas é considerada por Campilongo como a quarta causa da crise aqui analisada. Segundo o jurista, a "nova conflituosidade", inerente a um Estado regulador do ciclo econômico e uma sociedade fragmentada, é portadora de interesses agregáveis em estruturas políticas mais ágeis e menos burocratizadas, o que faz nascer sistemas paralelos de governo e centros alternativos de decisão, muitas vezes informais e extra-estatais, com um potencial de agregação e representação de interesses maior do que o das instituições tradicionais.

E a última crise apontada por Celso Campilongo refere-se à redução da política econômica à política conjuntural e de manobra monetária, ou seja, a intervenção regulatória do Estado no ciclo econômico deixa de ter caráter totalizante, expressivo de definições estratégicas de conjunto, para reduzir-se cada vez mais à política conjuntural, gestão da despesa pública e manobra monetária.

Não obstante sejam os fatores apontados por Campilongo bem diferenciados em relação à Bolzan de Morais, inclusive apresentando uma tendência pessimista em relação ao modelo do Estado do Bem-Estar Social, ambos concordam com a ineficácia da democracia representativa e apontam suas soluções.

Analisada, assim, a última crise pertinente ao Estado-Providência, resta verificar as crises constitucional e funcional, mais detidamente vinculadas ao Poder Judiciário.

3.3. Os reflexos da crise estatal no Judiciário dos países centrais

3.3.1. Crise constitucional - ou institucional

A ideia de Constituição no Estado Social e, com particular relevo, no Estado Democrático de Direito - que representa um aprimoramento daquela ideia, onde se insere a noção de solidariedade – exerce papel fundamental porquanto é o instrumento que privilegia a concretização de direitos e garantias fundamentais.

Mas, a efetividade das Constituições ainda é problema extremamente discutido posto que sua real substancialidade está longe de ocorrer. O constitucionalismo, no dizer de José Luis Bolzan de Morais [60], apresenta-se ressentido, seja, pela fragilização/fragmentação daquilo que ele mesmo constitui e do qual se sustenta, isto é, o Estado, seja pela tentativa de apontá-lo como um instrumento impeditivo do desenvolvimento econômico, não obstante tenha sido resultado do projeto jurídico-político-liberal-burguês.

De acordo com Bolzan de Morais [61], a grande dificuldade no aprimoramento do projeto constitucional está no prevalecimento da lógica mercantil e na contaminação de todas as esferas da vida social pelos imperativos categóricos do sistema econômico.

Com efeito, obviamente que não é esse o objetivo do Estado Social, mais especialmente do Estado Democrático de Direito. Um Estado onde a economia domina seus próprios fundamentos constitucionais sequer poderia receber tal denominação, muito embora seja de conhecimento notório que é exatamente o prevalecimento do econômico sobre garantias constitucionais aquilo que mais se vislumbra.

Na verdade, a Constituição, como documento jurídico-político, sempre esteve submersa em um jogo de tensões e poderes, o que não pode significar a sua transformação em programa de governo, fragilizando-a como paradigma ético-jurídico da sociedade e do poder [62].

Aliás, Dalmo de Abreu Dallari [63] enfoca que a Constituição é responsável pela reunião de princípios e regras que, no seu conjunto, compõem a ideia de justiça existente na consciência de um povo, sendo tal documento, por tal razão, o padrão objetivo do justo. Mas, adverte o constitucionalista, se a Constituição não for rigorosamente cumprida, ficará praticamente impossível respeitar o ideal de justiça do povo, se não houver a aplicação do chamado "padrão objetivo". É o desrespeito à Carta Constitucional um dos grandes responsáveis pela mudança social ter se transformado em desordem social.

3.3.2. Crise funcional

Tradicionalmente, pode-se afirmar que o poder estatal é dividido, funcionalmente, em três órgãos distintos: Legislativo, Executivo e Judiciário. Tal concepção foi sistematizada pela primeira vez no século XVIII (ano de 1748), na obra "O Espírito das Leis", de Montesquieu que entendia que cada poder deveria funcionar com plena independência e autonomia.

Com Paulo Bonavides [64] verifica-se que a divisão de poderes constituiu técnica fundamental de proteção dos direitos da liberdade e ao genial Montesquieu deve-se a sua mais acabada formulação.

Mas, também o estadista inglês John Locke teve contribuição fundamental na teoria da divisão de poderes, não podendo sendo possível deixar de rememorar seu valor.

Como afirma Paulo Bonavides [65], Locke era bem menos radical que Montesquieu, engendrando essa divisão apenas como "princípio de limitação do poder entre o monarca e a representação popular".

Indo um pouco mais além na história do constitucionalismo, posteriormente a Montesquieu e John Locke, se verificou a possibilidade de uma função intervir nas demais e assim sucessivamente, através do que os norte-americanos chamaram de "checks and balances" – sistema de freios e contrapesos.

Logo, não obstante continuassem a ser independentes entre si, percebeu-se que tal autonomia não poderia ser absoluta como acreditava o teórico francês Montesquieu. Era necessário que um poder interferisse no outro sempre que se fizesse necessário para manutenção do próprio aparato estatal.

Porém, assim como a independência plena entre as funções (ou poderes) do Estado nunca existiu, também o sistema de freios e contrapesos acabou demonstrando não ter sido utilizado de modo completamente equilibrado no transcorrer histórico do Estado moderno, ou seja, dependendo do paradigma estatal dominante, um poder sempre prevaleceu sobre outro, deixando em segundo plano o objetivo de controle recíproco.

No liberalismo, por exemplo, era nítida a presença dominante do Poder Legislativo sobre o Poder Executivo e Judiciário, especialmente porque foi a partir desse paradigma que se introduziu a ideia de Estado de Direito, conforme já analisado anteriormente.

Bluntschli, apud Paulo Bonavides, confirma o pensamento acima exposto [66]:

... "a completa separação de poderes levaria à dissolução da unidade estatal e ao dilaceramento do corpo do Estado", razão por que, à luz da teoria organicista, se deveria aceitar a separação relativa, e nunca separação absoluta de poderes. Mas, ao acolher essa separação relativa, declara Bluntschli, peremptoriamente, a supremacia do Poder Legislativo sobre os demais poderes.

O advento do Estado Social, por outro lado, deslocou a predominância da função legislativa para o Poder Executivo uma vez que impôs a necessidade da prestação de políticas públicas governamentais, ou seja, de ações positivas por parte do Estado.

Por fim, quando o Welfare State aprimorou seus contornos, incorporando a ideia de solidariedade, houve novamente um deslocamento da função estatal protagonista, adquirindo relevância o Poder Judiciário, especialmente porque foi a partir do Estado Democrático de Direito que se passou a exigir um novo olhar sobre os direitos e garantias fundamentais e, consequentemente, sobre a Constituição: uma visão procedimental ou material, ficando para trás (ao menos teoricamente) o eixo procedimental-liberal.

O Poder Judiciário, nessa nova fase, abandona a postura passiva perante a sociedade típica do Estado Liberal e, na perspectiva substancialista, abre-se para uma nova inserção no âmbito das relações dos Poderes de Estado, transcendendo as funções de checks and balances [67] e apresentando-se como fundamental no atual Estado Democrático de Direito, especialmente quando, atuando em função tipicamente legislativa, exerce a jurisdição constitucional.

O aspecto acima analisado representa a primeira causa da crise funcional, ou seja, há uma transformação nas relações entre as próprias funções do Estado e, modernamente, um poder pretende/busca sobreviver à custa do outro, como observa Bolzan de Morais [68].

Um segundo fator, talvez mais preocupante, já que ocorre até mesmo em níveis globais, é a necessidade de atribuir aos órgãos incumbidos das funções estatais outras atribuições públicas, seja em razão da concorrência que recebem de outras agências produtoras de decisões de natureza legislativa, executiva e/ou jurisdicional, seja pela incapacidade sentida em fazer valer aquelas decisões que produzem com a perspectiva de vê-las suportadas no caráter coercitivo que seria próprio às decisões de Estado [69].

Há, nesse contexto, o que José Luis Bolzan de Morais [70] nomeia de "perda referencial" de centralidade e de exclusividade, o que é percebido por um viés externo, no qual se observa além de uma mudança no perfil clássico das funções estatais produzida pela transformação mesma da instituição do Estado – onde a cada dia um setor ocupa o espaço do outro – a sua fragilização nas mais diversas expressões – quando perde a concorrência para outros setores [71] no que tange à capacidade (e muitas vezes a legitimidade) de decidir vinculativamente a respeito da lei e sua execução, bem como resolução de conflitos.

A esse respeito, Bolzan de Morais aponta para um pluralismo de ações e um pluralismo funcional, seja legislativo, executivo ou jurisdicional [72], o que se entende ser causado justamente pela complexidade social e suas também complexas demandas, a serem solucionadas, em sua grande parte, pelos entes estatais.

Antes de se proceder à análise da última crise identificada por José Luis Bolzan de Morais é interessante adicionar às suas ideias, aqui transmitidas, o que pensa sobre a crise de funções estatais o constitucionalista Paulo Bonavides [73]:

Chegamos, de nossa parte, a essa conclusão: a teoria da divisão de poderes foi, em outros tempos, arma necessária da liberdade e afirmação da personalidade humana (séculos XVIII e XIX). Em nossos dias é um princípio decadente na técnica do constitucionalismo. Decadente em virtude das contradições e da incompatibilidade em que se acha perante a dilatação dos fins reconhecidos ao Estado e da posição em que se deve colocar o Estado para proteger eficazmente a liberdade do indivíduo e sua personalidade.

Feitas, assim, as considerações que se acredita relevantes para o entendimento da crise estatal e jurisdicional, é necessário esclarecer que tais crises são peculiares aos países centrais, onde já se teve a experiência dos paradigmas liberal e social. Muito embora em alguns momentos seja possível identificar a problemática sofrida pelos países semi-periféricos com a que será aqui tratada, é preciso saber que as dificuldades sofridas pelos tribunais dos chamados Estados de modernidade tardia [74] são, em regra, de outra ordem, a serem trabalhadas no capítulo seguinte.


IV. O PODER JUDICIÁRIO NOS PAÍSES SEMI-PERIFÉRICOS

Até agora, este ensaio se preocupou com a evolução e crise do Judiciário nos países centrais, em que os paradigmas liberal e social representaram, de fato, uma realidade.

Nesta parte da análise, porém, a ideia é retratar a situação do Poder Judiciário nos países semi-periféricos, partindo da necessidade de demonstrar que grande parte do discurso até aqui verificado não se aplica aos chamados países de modernidade tardia.

Como escreve Mauro Cappelletti [75] ao abordar a temática dos juízes, a responsabilidade judicial constitui conceitos carregados de implicações valorativas, refletindo uma determinada relação do sujeito (e do juiz em particular) com os valores sociais, valores esses que não são os mesmos em todas as sociedades: mudam de tempo para tempo, de lugar para lugar.

4.1. O Poder Judiciário e os países semi-periféricos

De pronto, é preciso discorrer acerca do que se entende por países semi-periféricos, sendo importante a contribuição dos franceses Bertrand Badie e Guy Hermet [76] sobre o tema.

Segundo tais autores [77], os últimos séculos têm sido marcados pela crescente homogeneização dos âmbitos políticos. Em lugar de se reproduzir isoladamente, os modelos de governo circulam e as relações internacionais propiciam a formação de um código comum para todos os autores do sistema internacional. Os resultados mais evidentes disso são a mundialização da palavra "Estado", sua participação como ator fundamental das relações internacionais e a universalização de alguns aspectos da prática estatal.

A isto se agregam as consequências das relações de dependência – econômica, política e militar – cujo efeito é o de construir ao sul os estados chamados "periféricos" [78].

Tais países se estruturam como se sobre eles devessem se estabelecer as relações de dependência que unem os estados hegemônicos. Mas, a dependência proporciona a territorialização dos âmbitos políticos, a construção de um centro de poder e a formação de estruturas burocráticas, embora, por outro lado, contribuam para limitar a soberania do Estado, a constituição de uma sociedade civil diferenciada e estrutura e o estabelecimento de fórmulas de legitimação bastante sólidas. Isso não ocorre com os países periféricos, que apresentam uma cultura que não tem a menor afinidade com a concepção estatal da ordem política aqui vista.

O Estado periférico, pois, se expõe à perda da legitimidade ao mesmo tempo em que se arrisca a fracassar em seus intentos de penetrar nos âmbitos sociais por não ser atendido, nem compreendido.

Ainda, aduzem Badie e Hermet que o Estado periférico, pende entre duas lógicas: uma "dinâmica externa", que sustenta as relações de dependência e submete seu funcionamento às exigências internacionais, e uma "dinâmica interna", cujo objetivo é evitar a perigosa degradação das relações entre governantes e governados.

A possibilidade e conciliação entre as duas dinâmicas é algo custoso, que põe em perigo a introdução nas sociedades periféricas de um modelo estatal importado.

Com efeito, escrevem os autores que quando o modelo estatal se desvincula da história de que provém e se direciona para outras histórias, não encontra nestas, elementos que o definam. Exemplificando, dizem que a construção do Estado está relacionada com uma história marcada pela decadência da sociedade feudal, a crise do poder senhoril e o reforço dos recursos do centro dinástico.

Já as sociedades dependentes vivem uma história que se orienta em sentido contrário, marcada pela debilitação do poder central, debilitada ou deslegitimada quando tem que se despojar da tutela das grandes potências, precária e com escassos recursos, por ter sido resultado de um problema de descolonização.

Tratam-se, pois, de nações órfãs de modelo, ao contrário dos países centrais, como os europeus, que chegam a poder, inclusive, visualizar uma crise de paradigma.

Retomando a ideia de que os países semi-periféricos se caracterizam por "importar" um modelo estatal, é relevante a colocação de Badie e Hermet [79] quando afirmam que essa importação não se deve somente à consequência de um sistema mantido por uma ordem internacional que reproduza uma estrutura de domínio, mas também é o resultado de um elenco de atores, que é o de "construtores de Estado", inclinados a realizar esta importação devido a seu perfil social e a seus interesses.

Quanto à natureza do sistema político nas sociedades periféricas (ou em desenvolvimento), Badie e Hermet [80], tomando por empréstimo a doutrina de Weber, se utilizam do conceito de neopatrimonialismo.

Aduzem que a hipótese de neopatrimonialismo parte da categoria weberiana do patrimonialismo, descrevendo um modo de domínio tradicional, exercido pelo príncipe em virtude de um direito pessoal absoluto. A atuação desta elite consiste em assegurar o monopólio da representação e controlar em seu benefício o processo de modernização econômica.

O estabelecimento desta lógica neopatrimonialista se explica graças à combinação de um duplo efeito das sociedades em desenvolvimento: a valorização excessiva de alguns recursos políticos e a escassa mobilização social.

A valorização excessiva de alguns recursos políticos proporciona a estreita e hegemônica aliança entre o príncipe e a burocracia.

Já a escassa mobilização social indica que a força das resistências comunitárias, ou seja, do comportamento do indivíduo com o grupo a que pertence de maneira natural – a família, o clã, a aldeia ou a tribo – tem como efeito a manutenção de formas tradicionais de autoridade na periferia e uma estrutura muito segmentada da sociedade, o que dificulta a colisão de interesses e de classes [81].

Badie e Hermet [82], por fim, aduzem que o neopatrimonialismo pesa sobre as condições de funcionamento das instâncias político-administrativas. Há um excesso burocrático.

Tal excesso produz um círculo vicioso: desde a perspectiva da modernização, obtém da sociedade os atores que possam empreender uma obra de desenvolvimento econômico, desde o ponto de vista do funcionamento interno da burocracia, provoca a ineficácia e a irracionalidade, ao multiplicar os papeis, a dar a cada um vários titulares ou quando provoca conflitos de competência e atribuição. De outro lado, o aumento incontrolado do número de funcionários, no contexto de uma economia precária, agrava as condições de remuneração dos agentes e, por consequência, provoca um descontentamento latente, e gera corrupção [83].

O que se mostra realmente interessante do cenário descrito acima, é que o mesmo representa os países semi-periféricos sob o ponto de vista de teóricos pertencentes aos países centrais.

A fim de completar a descrição, contudo, vale relatar o que pensa o sociólogo José Eduardo Faria [84], que desenvolve estudo sobre a crise brasileira contemporânea e seus reflexos sobre o Poder Judiciário.

Como aduz o autor [85], desde os anos 70 o Brasil tem sido descrito como uma sociedade industrializada e predominantemente urbana, em cujo âmbito parte do operariado industrial, as classes médias assalariadas e alguns segmentos de trabalhadores rurais, já atingiram um nível mínimo de organização e mobilização na defesa de seus direitos e interesses.

Trata-se, no entanto, de uma sociedade tensa e explosiva, estigmatizada por indicadores sócio-econômicos perversos. Tais indicadores, se por um lado revelam a existência de um dualismo estrutural básico, expresso pelo contraste entre uma pobreza urbana massiva e alguns bolsões de riqueza, por outro são consequência de três grandes crises estruturais.

No plano sócio-econômico, uma crise de hegemonia dos setores dominantes; no plano político, uma crise de legitimação do regime representativo [86]; e, no plano jurídico-institucional, uma crise da própria matriz organizacional do Estado brasileiro, na medida em que este parece ter atingido o limite de sua flexibilidade na imposição de um modelo simultaneamente centralizador e corporativo, cooptador e concessivo, intervencionista e atomizador, quer dos conflitos sociais, quer das próprias contradições econômicas.

Feitas tais considerações, estritamente sob o ponto de vista sociológico, é possível então, enfrentar diretamente a problemática do Poder Judiciário.

Nas sábias palavras de Boaventura de Sousa Santos e outros [87], o nível de desenvolvimento econômico e social afeta o desempenho dos tribunais por duas vias principais. Por um lado, o nível de desenvolvimento condiciona o tipo e o grau de litigiosidade social e, portanto, de litigiosidade judicial. Por outro, embora não se possa estabelecer uma correlação linear entre desenvolvimento econômico e desenvolvimento político, os sistemas políticos nos países menos desenvolvidos ou de desenvolvimento intermédio têm sido, em geral, muito instáveis, com períodos mais ou menos longos de ditadura alternados com períodos mais ou menos curtos de democracia.

De outra feita, é preciso considerar também uma simples questão histórica, que impede que tais países (de modernidade tardia, ou semi-periféricos) tenham acompanhado a evolução estatal ocorrida nos países centrais.

Como bem colocam Boaventura de Sousa Santos e outros [88], enquanto as nações desenvolvidas experimentavam o modelo liberal, muitos países ainda eram colônias (como os africanos) e outros estavam recentemente conquistando sua independências (como os latino-americanos).

A despeito da questão temporal (ou histórica) é fundamental a referência de que, embora, a maioria das Constituições dos países semi-periféricos tragam, em seu bojo a caracterização de Estados do Bem-Estar Social (como é o caso da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988), não é possível afirmar que foi ultrapassado o modelo liberal.

Dito de outro modo, se o Estado-Providência se propõe a ser um Estado que promova tratamento igualitário, melhores condições de trabalho, horas de lazer e descanso, e assim por diante, basta uma breve constatação das desigualdades existentes nos países de modernidade tardia, como o Brasil, para constatar que ainda não se alcançou aquele paradigma.

Nesse sentido, dissertam Boaventura de Sousa Santos e outros [89]:

As sociedades periféricas e semiperiféricas caracterizam-se em geral por chocantes desigualdades sociais que mal são mitigadas pelos direitos sociais econômicos, os quais, ou não existem, ou, se existem, têm uma deficientíssima aplicação. Aliás, os próprios direitos da primeira geração, os direitos cívicos e políticos, têm uma vigência precária, fruto da grande instabilidade política em que têm vivido esses países, preenchida com longos períodos de ditadura.

E são justamente esses períodos de ditadura que fazem com que o tratamento dispensado à independência dos tribunais seja diferenciado em relação aos países centrais, que já experimentaram três momentos bem distintos de democracia.

Se ainda é vivenciado, nos países semi-periféricos, o paradigma estatal liberal (enquanto estrutura de Estado), é preciso recorrer ao papel do Judiciário naquele período, consoante já examinado acima.

De fato, viu-se que no liberalismo o poder político dos tribunais foi neutralizado por certas redes de dependência.

Boaventura de Sousa Santos e outros [90] destacam três dessas redes: o princípio da legalidade que conduz à subsunção lógico-formal confinada à microlitigação; o caráter reativo dos tribunais, que os torna dependentes da procura dos cidadãos; e a dependência orçamental e administrativa em relação ao Poder Executivo e ao Legislativo.

Em nome da independência e imparcialidade, assim, o papel do Poder Judiciário é completamente diminuído na realidade enfrentada pelos países de modernidade tardia que, frise-se, ainda não vivenciaram o modelo de Estado-Providência, já em crise nos países centrais.

Logo, tomando tais elementos como premissa, o presente estudo não escapa à análise da crise vivenciada pelo Poder Judiciário nos países semi-periféricos.

Esta última parte da análise terá como fundamento teórico obra de autoria do Professor Álvaro Filipe Oxley da Rocha, intitulada "Sociologia do Direito. A magistratura no espelho" [91], que se ocupa em fazer uma abordagem sociológica do Poder Judiciário, mais especificamente, da magistratura, sendo uma das poucas literaturas existentes sobre o tema.

A ideia é trabalhar a crise do Judiciário sob um enfoque real ou, melhor dito, que corresponda à realidade dos países semi-periféricos, mais detidamente, ao caso brasileiro. Assim, depois de apresentadas as diversas crise estatais e, consequentemente o problema do Judiciário, não seria científico deixar de abordar a real situação vivenciada pelos países de modernidade tardia, a qual, efetivamente, não condiz com os países centrais, que já estão experimentando um terceiro momento, o da crise do Estado-Providência – Estado esse que sequer foi alcançado em terras brasileiras.

Frise-se, por oportuno, que quando se faz referência à crise do Judiciário, tem-se consciência de que esta, na esteira de Remi Lenoir [92], não se refere apenas aos problemas enfrentados pela magistratura, porquanto existem também outros responsáveis pelas dificuldades a serem aqui enfrentadas, tais como os policiais civis e militares.

No entanto, dado o caráter sintético e monográfico do trabalho e mais, com base nas próprias palavras de Lenoir [93], que justifica o fato de se identificar crise do Judiciário com crise da magistratura em razão da posição de superioridade que esta classe assume perante a sociedade, é que nessa análise será enfocada, privilegiadamente, a crise do Judiciário através dos magistrados, preocupando-se, outrossim, com as "prováveis" causas identificadas pelos próprios magistrados para identificar a crise.

Sob outro prisma, mas também valorizando a necessária abordagem da crise do Poder Judiciário através dos juízes, Boaventura de Sousa Santos [94] se refere à importância dada pela sociologia jurídica àquilo que chamou de "sociologia dos tribunais".

Disserta Santos que o interesse da sociologia pelo processo e pelos tribunais é constituído pela eclosão, na década de 60, da chamada crise da administração da justiça. As lutas sociais aceleraram a transformação do Estado Liberal no Estado-Providência, um Estado ativamente envolvido na gestão dos conflitos e concertações entre classes e grupos sociais, e apostado na minimização possível das desigualdades sociais. Surgiram, assim, novos conflitos e, com isso, uma ampliação do papel do Poder Judiciário.

A consequência dessa explosão de litigiosidade trouxe a discussão de temas polêmicos no âmbito jurisdicional, tais como o acesso à justiça, sua administração e a organização de pessoal, incluindo, por óbvio, os protagonistas desse Poder – os magistrados.

E é com base em todos os argumentos até aqui expendidos, que se justifica a opção desse estudo pela análise do enfoque da crise do Judiciário através dos juízes.

Por oportuno, ainda antes de adentrar na "crise do Judiciário", é mister entender alguns conceitos que estão na base da obra do Professor Álvaro da Rocha – que, conforme ressaltado, será referência na pesquisa em tela –, trazidos pelo teórico francês Pierre Bourdieu.

4.2. As necessárias noções de campo e habitus jurídico

Para entender a crise do Poder Judiciário e, mais detidamente da magistratura em países de modernidade tardia como o Brasil, se faz importante investigar, muito brevemente, as noções de campo e habitus jurídico trazidas pelo autor Pierre Bourdieu.

Com efeito, o campo jurídico, no dizer de Bourdieu [95], é o lugar de concorrência pelo monopólio de dizer o direito, quer dizer, a boa distribuição (nomos) ou a boa ordem, no qual se defrontam agentes investidos de competência ao mesmo tempo social e técnica, que consiste essencialmente na capacidade reconhecida de interpretar (de maneira mais ou menos livre ou autorizada) um corpus de textos que consagram a visão legitima, justa, do mundo social. É com esta condição que se podem dar razões quer da autonomia relativa do Direito, quer do efeito propriamente simbólico de desconhecimento, que resulta da ilusão da sua autonomia absoluta em relação às pressões externas.

Na verdade, verifica-se que o campo, em Bordieu, é um espaço social que é criado na medida em que existem grupos com uma certa relação entre si. Todo campo social é formado por legitimação intelectual e, portanto, não se discute a legitimidade do próprio campo. O discurso do campo sempre será o discurso da visão fechado do campo.

E assim, retomando o campo jurídico, nas palavras de Álvaro da Rocha [96], aquele se estrutura em torno da concorrência pelo monopólio de dizer o direito. De fato, os concorrentes, dentro do campo, se reconhecem por esse monopólio, que estabelece uma relação de competição gerando um desgaste e um atrito dentro do campo, embora nenhum deles coloque em cheque a validade e a existência do campo, visto que da existência desse depende, muitas vezes, a própria sobrevivência do agente.

Os juristas, assim, convivem dentro de um campo e concorrem pelo monopólio de dizer o direito.

Mas, não basta a consciência da noção de campo jurídico. É preciso também conhecer o habitus em Bordieu. Com efeito, o habitus representa a incorporação de um sistema de crenças.

No dizer de Álvaro da Rocha [97], a noção de habitus aponta para uma explicação do comportamento dos agentes em relação ao campo ou de que modo os mesmo assumem as posturas adequadas à manutenção desse, reinterpretando o mundo dentro da lógica que o estrutura.

Mais especificamente no que tange ao conceito de habitus, trazido por Bourdieu [98], o teórico francês afirma que é aquilo que se adquiriu, mas que se encarnou no corpo de forma durável, sob a forma de disposições permanentes.

O habitus é um produto dos condicionamentos, mas introduzindo neles uma transformação: é uma espécie de máquina transformadora, que faz com que nós "reproduzamos" as condições sociais de nossa própria produção, mas de uma maneira relativamente imprevisível, de uma maneira tal que não se pode passar simplesmente e mecanicamente do conhecimento das condições de produção ao conhecimento dos produtos.

Apresentadas assim, as definições de campo jurídico e habitus em Bourdieu, se faz agora relevante analisar os principais elementos que apoiam o habitus judicial e contribuem para o que se pode chamar de "mordomias" do Judiciário.

4.3. Elementos que apoiam o habitus judicial e as "mordomias"

Álvaro da Rocha [99] sustenta que alguns elementos são relevantes no sentido de fundamentar o habitus dentro do campo jurídico: a linguagem jurídica, a retribuição econômica e a oposição entre juízes e outros juristas.

Aqui, entretanto, se trabalhará com apenas um desses elementos, entendido como responsável por aquilo que se chamou de "mordomias" – a retribuição econômica. Os demais serão entendidos como causas para a crise e, assim, objeto de análise a seguir.

Álvaro da Rocha [100] remete à Bourdieu para afirmar que, no que tange aos salários ditos privilegiados da magistratura, é preciso ter presente a noção de "lucros da universalização", no sentido de retribuição buscada pelos agentes do Estado em troca de sua submissão ao interesse coletivo.

A importância dos lucros da universalização, ou das altas remunerações pagas pelo Estado está no "interesse pelo desinteresse". Como sustenta Rocha [101], a posição oficial é a de que, para evitar que apenas pessoas privilegiadas economicamente assumam estes cargos, o que é pouco provável, ou que ocorra o mais provável, ou seja, que venha a ressurgir oficialmente a venalidade dos serviços judiciais, o Estado toma a seu cargo a manutenção destes agentes. Assim, a retribuição prometida a este agentes tem origem e fundamentação no Estado, e tem uma dupla natureza: material e simbólica.

É preciso ainda acrescentar, que, além da retribuição econômica, também as garantias constitucionais conferidas aos magistrados se incluem na categoria de "mordomias" que apoiam o habitus. São a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de vencimentos.

Retomando várias linhas anteriores, verifica-se, ao falar do Judiciário nos países semi-periféricos, que este ainda vivia atrelado a uma rede de dependências que o neutralizavam politicamente.

Pois tais "mordomias" têm justamente a função de torná-los neutros, ou independentes de pressões externas. Mas, obviamente que tal situação não é vista de modo tão tranquilo como possa parecer porquanto, na realidade, diversos juízes, ao exercerem seu oficio, não conseguem se manter desatrelados nos problemas sócio-econômicos que infestam a sociedade. Nesse caso, são compelidos a justificar os problemas sofridos pelo Judiciário, os quais denominam de crises, através de diversas "causas".

4.4. As prováveis causas da crise

Álvaro da Rocha, em sua pesquisa, calcada em diversas entrevistas com magistrados, encontra algumas prováveis causas para a crise, fruto de apontamentos trazidos justamente por aqueles profissionais, que a seguir serão examinadas.

4.4.1. A oposição entre juízes e outros profissionais

O autor retrata a dificuldade que enfrentam os magistrados em se relacionarem com outros membros do campo jurídico, citando o impacto da convivência entre juízes tradicionais e juízes alternativos, juízes e advogados, juízes de carreira e juízes do quinto constitucional, e juízes e representantes do Ministério Público.

O primeiro obstáculo, entre juízes tradicionais e juízes alternativos, reside nos diferentes comportamentos desses dois segmentos em face da lei. Como disserta Álvaro da Rocha [102], o juiz, diante de um texto de lei a ser aplicado, pode ter duas atitudes: uma tradicionalmente conservadora, insensível às novas demandas sociais, e outra atenta às mudanças de seu tempo, agindo politicamente, opinando sobre o conteúdo da lei que aplica e buscando adaptar sua interpretação para produzir decisões que melhor atendam as demandas sociais. Este é o juiz "alternativo", ao passo que aquele é o juiz "tradicional".

Quanto à dificuldade de convivência entre juízes e advogados, esta também se mostra como algo que emperra o desenvolvimento do Poder Judiciário porquanto, como os advogados não recebem remuneração do Estado, não se consideram e não são considerados membros do campo jurídico, o que os leva a viverem em constante terminologia de batalha, conduzindo ao estabelecimento de vencidos e vencedores [103].

Outro importante conflito mencionado pelo autor ocorre entre juízes de carreira e juízes oriundos do Quinto Constitucional (egressos da Ordem dos Advogados do Brasil e membros do Ministério Público). A oposição aparece, nesse caso, através da dificuldade de aceitação dos juízes do Quinto pelos demais. Constantemente são considerados incompetentes juridicamente

Por fim, é preciso destacar a problemática causada entre juízes e membros do Ministério Público. Segundo Rocha [104], através desse embate não há o reforço da legitimidade e estabilização do campo na medida em que o trabalho dos promotores é frequentemente inutilizado pelos juízes.

Obviamente que, todos os entraves de relacionamento aqui comentados vão de encontro ao próprio Poder Judiciário, que é prejudicado pela divergência de esforços.

4.4.2. O papel da mídia

A mídia é vista e aceita pelos magistrados como um agente politicamente importante, especialmente em um contexto de democracia em que, através do debate político, é possível atender ou não aos interesses de uma classe.

O Professor Álvaro da Rocha [105], interessado no papel que a mídia exerce em um contexto de crise do Poder Judiciário, colheu diversas entrevistas acerca do tema, aduzindo que o campo jornalístico transmite à população informações falseadas, superficiais e errôneas, algumas vezes por desconhecimento da lei e da organização interna dos Tribunais, outras porque tem em mente interesses diversos.

Com efeito, salienta o autor [106] que a busca de legitimação do Judiciário por intermédio da mídia conduz, na realidade, apenas à legitimação da mídia como agente político, o que, conforme já apontado, é o principal objetivo desses órgãos.

Ainda, a função institucional judiciária não admite, em razão de sua formação histórica, a popularidade superficial fornecida pela mídia, onde todos os produtos divulgados precisam ser rapidamente compreendidos e aceitos pelo público-alvo, características incompatíveis com o Judiciário [107].

De um modo ou outro, porém, o fato é que atualmente o campo jurídico sabe da influência exercida pelo campo jornalístico na sociedade, o que o leva a uma situação contraditória, não obstante, na maioria das vezes, os juízes acabem se curvando àquilo que alguns denominam de "quarto poder" [108].

Há, na verdade, uma grande dificuldade por parte dos magistrados no entendimento da expressão "democracia".

Acreditam que abrindo espaço para a mídia, ou mesmo deixando que a mesma "invada" o campo, estão sendo democráticos. Indo mais além, crêem que democracia significa todos terem uma opinião e todas as opiniões terem valor [109].

Contudo, na esteira de Álvaro Rocha [110], a democracia pressupõe critérios e tal ideia está presente desde seu conceito clássico, como se percebe em "A Política", de Aristóteles.

Logo, ainda que os juízes aceitem a intervenção da mídia no Judiciário, em nome da democracia, seria preciso retomar conceitos clássicos a fim de não se deixar contaminar por ideias distorcidas e completamente desprovidas de significado teórico.

4.4.3. O nepotismo

No afirmar de Álvaro da Rocha [111], o nepotismo é apontado pelos juízes como uma das principais razões para seu descrédito.

O autor [112] aponta o argumento da maioria dos magistrados, no que tange ao nepotismo, aduzindo que tal se apoia, principalmente, na legalidade, e é senso comum entre os juízes, cujo habitus leva a reputar e aceitar como válido tudo o que passou pelo processo estatal de legalização. Desse modo, os cargos e critérios de preenchimento legais estariam fora de discussão. Os critérios de invalidação são relegados ao plano da moralidade, que devem ser avaliados pelo detentor do cargo em relação àquele que nomeará para ocupá-lo. É preciso verificar o grau de "confiança" e "competência".

Tal avaliação, por óbvio, é dotada de extrema subjetividade, o que gera, assim, o descrédito, posto que salvo as partes envolvidas, jamais se saberá se efetivamente os níveis de competência são satisfatórios.

De outro lado, conclui Álvaro da Rocha [113] que a prática do "nepotismo" reflete uma concepção particular de Estado, que não se coaduna com o modelo ocidental, apoiado numa burocracia fria e automática, em moldes weberianos, que deveria trabalhar de modo neutro e eficiente, não importando quem sejam os ocupantes dos cargos políticos de decisão. O que se percebe, na verdade, é um conflito de lógicas: de um lado, surge a lógica de Estado e, de outro, impõem-se estratégias relacionadas à lógica pessoal de sobrevivência, agregando a elas a lógica da reprodução social.

Quanto a esta "provável" causa das dificuldades sofridas pelo Poder Judiciário, é preciso enfatizar que o maior problema, na realidade, não está localizado no nepotismo e sim, na existência do cargo em comissão.

Embora a legislação pátria (constitucional e infraconstitucional) preveja que o acesso a cargos públicos se dará através de concurso público de provas e títulos, a figura do cargo em comissão surge como uma ótima forma de "burlar" a lei.

Com efeito, é preciso ressaltar que a crítica aqui posta não se refere à existência dos cargos em comissão, uma vez que os mesmos parecem úteis nas diversas esferas do Poder Público. O grande problema, contudo, é o modo como tais cargos se difundiram nas esferas estatais, o que representa gastos vilipendiosos, especialmente porque o que se verifica são excelentes compensações financeiras para essas "funções de confiança".

Logo, ao se falar de nepotismo é preciso considerar que o mal parece estar na proliferação dos cargos em comissão, os quais se tornaram regras, não obstante devessem ser exceção.

4.4.4. A morosidade do Judiciário

Depois de analisadas prováveis causas como o conflito interno entre juízes e demais profissionais, a convivência entre Judiciário e mídia e o nepotismo, não é possível se esquivar de um outro fator que é alvo de inúmeras críticas ao Poder jurisdicional: a morosidade.

De início é preciso ressaltar na esteira de Álvaro da Rocha [114], que os juízes já se acostumaram a "supervalorizar" a problemática da morosidade, atribuindo a maioria das falhas do Poder Judiciário a ela, que, na visão desses profissionais, seria ocasionada por problemas externos ao campo. No entanto, tal é apenas um dos problemas de ordem prática que atinge os magistrados.

O dilema da falta de agilidade jurisdicional decorre de diversos fatores, que se aglutinam em torno da problemática do acesso ao produto da atividade judicial: a intervenção estatal no sentido da justiça e/ou paz social [115].

De acordo com pesquisa elaborada pelo Idesp em 1994, 73,2% da morosidade da justiça se deve ao alto número de recursos, 58,4% ao interesse dos advogados, 53,5% ao interesse das partes, 49,1% à lentidão dos Tribunais, 48,2% ao interesse do Executivo, 43,7% ao comportamento da polícia, 40,7% ao comportamento dos cartórios, 35,6% à lentidão dos juízes e 17,9% à intervenção dos promotores [116].

Mas, além das causas suso referidas, é preciso destacar que o problema da morosidade está estreitamente vinculado ao acesso à justiça, mais especificamente à terceira fase de acesso [117]. Com efeito, aduz Rocha [118] que somente se observará a celeridade na prestação jurisdicional a partir de profundas alterações nas leis do processo e da maior utilização dos Juizados Especiais Cíveis, previstos no artigo 98 da Constituição Federal.

Ainda, é extremamente interessante a colocação final de Rocha [119] acerca do problema da morosidade posto que o mesmo conclui que sempre que se alegar a falta de presteza do Judiciário se estará, ainda que implicitamente, afirmando a importância e necessidade deste.

Todos os problemas aqui referidos – conflito entre juízes e outros profissionais, intervenção da mídia, nepotismo e morosidade – foram apontados pelos próprios magistrados, na tentativa de encontrar "prováveis" causas para as dificuldades encontradas pelo Poder Judiciário.

O fato, contudo, é que se torna extremamente complicado vislumbrar causas infortúnios que não se sabe, sequer, se podem ser chamados de crise. Com efeito, retomando o conceito de crise visto no segundo capítulo, se afirmou que aquela representa uma brusca mudança na evolução de um processo sentida como uma experiência geralmente não prevista e, por isso, perigosa e incerta.

Ora, para existir a crise, portanto, é preciso que exista um modelo a ser superado, o que não ocorre com as nações periféricas e semi-periféricas, como o Brasil. Embora burocrática e legalmente se possa afirmar a presença do modelo liberal, faticamente não é esse o paradigma e não se sabe, ao certo, o que efetivamente é presenciado em países de modernidade tardia.

Há, de fato, uma zona gris, nebulosa, e não se sabe exatamente de que modelo se parte e para que modelo se vai.

Em meio a tais afirmações, pois, é preciso registrar que o momento é de total incerteza e que a intenção não foi apresentar soluções (o que não se considera nada possível) e sim, patologias, plantando dúvidas e inquietações, todas necessárias para semear novas sementes.


V. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao concluir o presente estudo é preciso referir que, em momento algum, se procurou trazer ineditismos, mas levar à reflexão acerca dos problemas enfrentados pelo Poder Judiciário, tanto nos países centrais quanto semi-periféricos.

Com efeito, ainda que com pouca bibliografia existente sobre a temática escolhida para análise, a ideia foi demonstrar que os problemas vivenciados pelos países desenvolvidos, incluindo, obviamente, o Poder Judiciário, não são os mesmos sofridos pelas nações em desenvolvimento.

Enquanto se vislumbraram dificuldades institucionais, funcionais e políticas no Estado-Providência, as quais influenciam diretamente o âmbito jurisdicional dos países centrais, na periferia mundial a realidade é diversa, especialmente porque sequer se sabe exatamente qual modelo é perseguido.

Com efeito, por razões históricas – enquanto os países centrais experimentavam o modelo liberal os países semi-periféricos ainda eram colônias ou estavam apenas conquistando sua independência – ou mesmo fáticas – a realidade, embora exista previsão constitucional que apregoe o Estado-Providência, é que as desigualdades sociais demonstram que a "importação de um modelo" de Estado representou a própria inexistência de um modelo definido – verificou-se que o Poder Judiciário está em crise por razões diversas, se comparado às nações desenvolvidas.

Optou-se por abordar a questão, assim, sob o ponto de vista da organização funcional dos tribunais e, mais especificamente, de seus protagonistas, os juízes. Para tanto, utilizou-se a obra de Álvaro Filipe Oxley da Rocha, autor que trabalha com propriedade a matéria.

Na esteira de Álvaro da Rocha, outrossim, apresentou-se as noções de campo e habitus jurídico, presentes no teórico francês Pierre Bourdieu, as quais se entendeu relevantes para a abordagem não apenas das "prováveis" causas da crise, mas também de dois elementos que apoiam o habitus judicial – a retribuição econômica e as garantias constitucionais conferidas aos juízes.

Constatou-se, pois, que a oposição entre juízes e outros profissionais do campo jurídico, a influência da mídia, o nepotismo e a morosidade são apontados pelos próprios magistrados como causas da crise atribuída ao Poder Judiciário.

Com efeito, todas as situações acima referidas não podem ser ignoradas, ou seja, acredita-se que, de fato, contribuam para os problemas existentes no campo jurídico hodierno.

Mas, a questão é mais complexa. Frise-se que, depois de verificados os paradigmas estatais vivenciados pelos países centrais, torna-se impossível afirmar que os países semi-periféricos vivam, em verdade, um modelo tipicamente liberal.

Embora a estrutura legal dessas nações possa estar intimamente relacionada com o liberalismo, na prática, todas as características daquele paradigma não se aplicam. Um exemplo é a impossibilidade de considerá-los Estados absenteístas ou não-intervetores.

Qual o modelo dos países de modernidade tardia, pois? São nações cuja complexidade não permite fornecer uma resposta. Logo, se não há modelo (ou pelo menos ainda não se consegue vislumbrar algum), torna-se inócuo falar em transição e, portanto, a problemática da crise do Poder Judiciário fica também prejudicada, especialmente considerando-se crise como algo que provoca ruptura.

Não há como atingir o ponto de libertação preconizado por Aristóteles sem que se saiba do que se está libertando.

Assim, retomando o objetivo principal desse estudo, pode-se afirmar que a ideia proposta, no sentido de contrapor o Judiciário de dois grandes blocos – países centrais e semi-periféricos – foi atingida. No entanto, uma vez constatada tal realidade, foram lançadas sementes. Resta, agora, semeá-las. Afinal, com apoio no verso de Mário Quintana, citado alhures, sem antes conhecer a verdade, não adianta adentrar em outro mundo. A alma atônita e perdida nada compreenderá.


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Notas

  1. ROCHA, Álvaro Filipe Oxley da. Sociologia do Direito. A magistratura no espelho. São Leopoldo: Editora da Unisinos, 2002.
  2. BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 42.
  3. BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 6ª ed. São Paulo: Editora Brasiliense. 1994. p. 17.
  4. Idem. p. 18-19.
  5. STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 52.
  6. Idem. p. 53.
  7. Idem. p. 55.
  8. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 69.
  9. MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 120.
  10. Op. Cit. p. 57-58.
  11. Ao lado da Revolução Industrial, uma das causas para a decadência do modelo liberal foi a Revolução Russa. Inspirada no Manifesto Comunista, de Marx e Engels, tal revolução teve por objetivo a inversão fundamental da ordem política, com a destruição da sociedade burguesa, a abolição da propriedade privada, a nacionalização das fontes de produção e a instauração da ditadura do proletariado. (MALUF, Sahid. Op. cit. p. 136).
  12. Op. cit. p. 135.
  13. SANTOS, Boaventura de Sousa; MARQUES, Maria Manuel Leitão; PEDROSO, João. Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais. N° 30. Ano 11. fevereiro de 1996. p. 32.
  14. Idem. Ibidem.
  15. Idem. Ibidem.
  16. Idem. p. 33.
  17. Idem. p. 33-34.
  18. ROCHA, Álvaro Filipe Oxley da. Sociologia do Direito. A magistratura no espelho. São Leopoldo: Editora da Unisinos, 2002. p. 33.
  19. Estado Contemporâneo, com "c" maiúsculo, representa, a partir das lições de José Luis Bolzan de Morais (As Crises do Estado e da Constituição e a Transformação Espacial dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 14), o Estado Social efetivo, imbuído de seu caráter finalístico que é a função social. Ao contrário, Estado contemporâneo, com "c’ minúsculo, representa o Estado dos dias atuais, nem sempre portador das características sociais aqui examinadas, até mesmo porque sofre os reflexos de novas circunstâncias, que serão examinadas adiante, sob o ponto de vista do Poder Judiciário.
  20. GARCÍA-PELAYO, Manuel. Las transformaciones del Estado Contemporâneo. 4ª ed. Madrid: Alianza Editorial, 1996. p. 18.
  21. Idem. p. 19.
  22. Que no contexto do autor espanhol não significa "neoliberal" e sim "neosocialista".
  23. Op. Cit. p. 26-27.
  24. SANTOS, José M. Mayán. El Estado de Bienestar Social, Estratégias para el Siglo XXI. Política, Política Social, Educación, Sanidad, Economia y Justicia. Editorial 9, s.l. p. 15.
  25. STRECK, Lenio; MORAIS, José Luis Bolzan de. Op. cit. p. 71.
  26. MORAIS, José Luis Bolzan. Do direito social aos interesses transindividuais. O Estado e o direito na ordem contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. p. 79.
  27. Op. Cit. p. 71.
  28. O Estado Social em sentido estrito é conhecido como Estado-Providência (nomenclatura utilizada por teóricos franceses), Estado do Bem-Estar Social (utilizada comumente no Brasil) e Welfare State (como preferem os norte-americanos).
  29. STRECK, Lenio; MORAIS, José Luis Bolzan de. Op. cit. p. 65.
  30. PASOLD, César Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. Florianópolis: Ed. do autor, 1984. p. 56 e ss.
  31. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 255-256.
  32. STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. Uma Nova Crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 95.
  33. STRECK, Lenio Luiz.; MORAIS, José Luis Bolzan de. Op. cit. p. 92-93.
  34. Op. Cit. p. 143-144.
  35. Idem. p. 145.
  36. Op. Cit.
  37. SANTOS, Boaventura de Sousa e outros. Op. Cit. p. 34.
  38. Idem. p. 34-35.
  39. Idem. p. 35.
  40. Terceiro estágio para esse trabalho, em que a análise parte do Estado Liberal. Mas, na realidade, é preciso esclarecer que, tecnicamente, os países centrais estariam em um quarto paradigma, porquanto o Estado Moderno nasce com o absolutismo e não com o liberalismo.
  41. ARNAUD, André-Jean. Dicionário enciclopédico de teoria e de sociologia do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 185.
  42. MORIN, Edgar. Para sair do século XX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 317.
  43. Op. Cit. p. 185-186.
  44. Idem. p. 186.
  45. Idem. p. 187.
  46. Na verdade, entende-se que a questão da crise sociológica do direito não se resume apenas a esses dois aspectos. Como se tentará demonstrar ao longo dos dois últimos capítulos existem diversos fatores que contribuem para a verificação de um momento crítico do campo judiciário, tanto em decorrência de problemas estatais, como da própria máquina judiciária (e aqui estão localizados os juízes).
  47. Op. Cit. p. 37.
  48. Idem. Ibidem.
  49. Idem. Ibidem.
  50. MORAIS, José Luis Bolzan de. As Crises do Estado e da Constituição e a Transformação Espacial dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.p. 23 e ss.
  51. ROSANVALLON, Pierre. A crise do Estado-Providência. Brasília: Editora da UNB, 1997. p. 7.
  52. MORAIS, José Luis Bolzan de. As crises do Estado e da Constituição e a Transformação Espacial dos Direitos Humanos. Op. Cit. p. 41.
  53. Idem. p. 42.
  54. MORAIS, José Luis Bolzan de. As crises do Estado e da Constituição e a Transformação Espacial dos Direitos Humanos. Op. Cit. p. 43.
  55. Idem. p. 44.
  56. Idem p. 54.
  57. Idem. p. 55.
  58. Idem. p. 54.
  59. CAMPILONGO, Celso Fernandes. Representação Política. São Paulo: Atlas, 1988. p. 51 e ss.
  60. MORAIS, José Luis Bolzan de. As crises do Estado e da Constituição e a Transformação Espacial dos Direitos Humanos. Op. Cit. p. 48.
  61. Idem. p. 49.
  62. Idem. p. 47.
  63. DALLARI, Dalmo de Abreu. Constituição e Constituinte. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 63/65.
  64. BONAVIDES, Paulo. Op. Cit. p. 44.
  65. Idem. p. 46.
  66. Idem. p. 79-80.
  67. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. Uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 46.
  68. MORAIS, José Luis Bolzan de. As crises do Estado e da Constituição e a Transformação Espacial dos Direitos Humanos. Op. Cit. p. 52.
  69. Idem. p. 51.
  70. Idem. p. 51-52.
  71. Setores semipúblicos, privados, marginais, nacionais, locais, regionais, internacionais, supranacionais, e assim por diante.
  72. Idem. p. 52.
  73. Op. Cit. p. 86.
  74. No dizer de Lenio Streck (Hermenêutica Jurídica e (m) crise. Op. cit. 25), no Brasil, a modernidade é tardia e arcaica. O que houve (há) é um simples simulacro de modernidade. O que se verifica, assim, é um retorno ao Estado (neo)liberal, daí porque entende que a pós-modernidade, nesse país, é vista como a visão neoliberal.
  75. CAPPELLETTI, Mauro. Juízes irresponsáveis? Porto Alegre: SAFE, 1989. p. 16.
  76. BADIE, Bertrand; HERMET, Guy. Política Comparada. México: Fondo de Cultura Econômica, 1993.
  77. Idem. p. 180.
  78. Os autores aqui em análise trabalham mais especificamente com os países periféricos, entendendo inclusive o Brasil como tal. O que se deve ressaltar, assim, é que não há uma uniformidade no conceito do que venha a ser periférico ou semi-periférico, até mesmo porque isso dependeria do ponto de vista e da época vivenciada por quem observa as nações – a classificação seria atrelada a países mais ou menos próximos do centro, entendido como o continente europeu. Os europeus, mais especificamente Badie e Hermet, por exemplo, na época em que escreveram sua obra e no contexto de sua pesquisa, entenderam ser o Brasil um país periférico, o que não altera em nada, a veracidade de sua pesquisa.
  79. Idem. p. 182.
  80. Idem. p. 189.
  81. Idem. p. 190.
  82. Idem. p. 191.
  83. Idem. p. 192.
  84. Op. cit.
  85. Op. cit. p. 12.
  86. E aqui, portanto, grande semelhança com uma das crises inerentes aos países centrais, vista no capítulo anterior.
  87. Op. Cit. p. 42.
  88. Idem. p. 43.
  89. Idem. Ibidem.
  90. Idem. Ibidem.
  91. Op.cit.
  92. LENOIR, Remi. Desordem entre os agentes da ordem. In: Bourdieu, Pierre. A miséria do mundo. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 267.
  93. De acordo com o autor, os juízes são, globalmente, de origem social mais elevada do que os delgados, os diretores de prisão e, ainda mais, os oficiais da polícia militar. (Idem. p. 268).
  94. SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1995. p. 165.
  95. BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Lisboa: Difel, 1989.
  96. Op. Cit. p. 39.
  97. Idem. p. 39-40.
  98. BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Editora Marco Zero Limitada, 1983. p. 105.
  99. Op. Cit. p. 41.
  100. Idem. p. 44.
  101. Idem. Ibidem.
  102. Idem. p. 46-47.
  103. Idem. p. 50.
  104. Idem. p. 55.
  105. Idem. p. 68.
  106. Idem. p. 75.
  107. Idem. Ibidem.
  108. Expressão utilizada por Álvaro da Rocha. Idem. p. 68.
  109. ROCHA, Álvaro Filipe Oxley da. Direito e Jornalismo: uma convivência difícil. In: Revista da AJURIS. v. 31, n. 93. Porto Alegre: AJURIS, 1974. p. 40.
  110. Idem. Ibidem.
  111. Idem. p. 87.
  112. Idem. p. 98.
  113. Idem. p. 138.
  114. Idem. p. 120.
  115. Idem. Ibidem.
  116. Idem. p. 121.
  117. Em conformidade com Álvaro Rocha o acesso à justiça apresenta três fases. Na primeira, a preocupação é com a assistência judiciária aos pobres. Na segunda, se apresentam as mudanças nas regras tradicionais básicas do Direito Processual Civil para a tutela de interesses coletivos e difusos. Finalmente na terceira, a preocupação é com um enfoque de justiça mais efetivo. Idem. p. 127-129.
  118. Idem. p. 131.
  119. Idem. p. 132.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GRANTHAM, Silvia Resmini. A crise do Poder Judiciário. Breves reflexões a partir do contraponto entre países centrais e semi-periféricos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2305, 23 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13725. Acesso em: 10 maio 2024.