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Sujeitos que falam e o sujeito do qual se fala.

Considerações sobre um caso exemplar de segredo de justiça e atuação profissional psicológica em processo judicial

Sujeitos que falam e o sujeito do qual se fala. Considerações sobre um caso exemplar de segredo de justiça e atuação profissional psicológica em processo judicial

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1. Exposição

A doutrina jurídica tradicional encontra-se repleta de categorias, classificações, bem como inúmeros termos que pretendem definir a natureza dos institutos – o que não é exatamente um conceito.

Um conceito, por sua vez, interessa quando oriundo de uma operação filosófica [01]; de modo que se a ciência jurídica existe, sua conceituação parte da postura clássica da relação entre sujeito e objeto, com ou sem uma base primeira e/ou uma teleologia que justifique o transcurso de sua existência. Há uma filosofia do direito, uma lógica jurídica, uma filosofia e uma crítica da ciência. Ou seja: muitas maneiras de sondar o que é o Direito. O Direito não é um fenômeno porque nem sempre a constatação de uma realidade fenomenológica encontra relação de causa e efeito que importe na sua inserção normativa. Diz-se comumente que o Direito é uma Ciência positiva. Seu objeto parece ser a norma, em sentido amplo. Até princípios inscritos, mas não conceituados em lei, são normas, não importando a hierarquia hermenêutica.

O modo mais simples é dizer sobre ser o direito um conjunto de normas e condutas, alicerçado na forma de organização de um Estado e aceito de modo hegemônico pelos sujeitos detentores de obrigações, em sentido amplo. Estes sujeitos são como que recompensados, no que já foi preceituado como pacto, por algum grau de ordenamento em sua liberdade de agir, de modo assegurado pela força de agentes múltiplos – que nunca se confundem com os sujeitos.

O direito é imposto e posto (o que muitas vezes serve ao conceito de direito "positivo") pelo Estado. Através da força. Um Estado forte é um Estado garantido por sua força bélica, efetiva ou potencial. Quando se diz, por exemplo, de um "estado paralelo" em comunidades pobres de metrópoles, pelo crime "organizado", estamos diante da constatação de que um estado de coisas encontra-se presente, de fato, não de direito. Por outro lado não é difícil encontrar a definição de um critério epistemológico positivista como aquele sobre o qual se diz baseado em fatos.

Mesmo sem adentrar a distinção persistente entre Direito Natural e Direito Positivo, constata-se que ou o fato gera a norma ou por esta está descrito e previsto, com garantias a um sujeito e a forma processual de reconhecimento e execução do direito. Há assim um sujeito que é detentor de um direito e um sujeito que comparece na descrição processual como parte. E aqui, não raro, quem fala por ele, na forma e orientação legais, é um profissional conhecido como advogado, essencial para a Justiça, que tem na etimologia uma voz pelo outro, de cunho assistencial.


2. O tema.

Em 1994 o Código de Processo Civil brasileiro sofreu uma importante modificação, precisamente naquela parte estritamente direcionada à constituição da prova pericial: pela primeira vez na processualística nacional a norma se inclinou para aquilo que já prefigurava o Estatuto da Criança e do Adolescente, ou seja, uma equipe multidisciplinar capaz de abarcar, dentre outros técnicos e auxiliares do Juiz, assistentes sociais e psicólogos. Surgiu o sujeito processual em um salto da objetividade restrita para a subjetividade implícita. Década e meia após e os operadores não se deram em conta da amplitude destas modificações. O mesmo se poderia constatar entre médicos, psicólogos, assistentes sociais, bem como inúmeros profissionais que, mesmo eventualmente já atuantes em processos judiciais, não atentaram para a sutileza daquelas mudanças ocorridas.

O texto pretende esboçar as mudanças e o modo de atuação destes partícipes processuais, tradutores do discurso subjetivo da parte envolvida na busca de seu direito, a partir de um caso concreto, amplamente divulgado na mídia. O que, evidentemente, não se confunde com a idéia de promoção de justiça – social, filosófica, política; tão-somente a atividade estatal.


3. O campo conceitual

O sujeito processual aqui tratado é aquele em demanda judicial ou em processo extrajudicial que não atinge o campo do Direito Penal. O senso comum e o imaginário popular têm na figura do advogado o arquetípico defensor de um réu acusado de crime. Ao contrário de uma demanda de natureza cível, o processo penal conta com um membro do Ministério Público que age em nome da força do Estado. Em processo civil há sempre dois advogados e pessoas representadas por eles.

É encantador, proficiente e determinante o apoio na descrição de conceito formulada por Félix Guattari e Gilles Delleuze ("O que é a Filosofia?", Editora 34, São Paulo, 1990), quando, mesmo reconhecendo um estado pré-filosófico nos conceitos (que pode aqui ser equiparado ao senso popular estereotipado – e ainda deste modo não desprovido de razão), vai ao entrelaçamento dos campos conceituais, pela imanência imprescindível, chegando às pontes e teias que se intercalam, sem necessariamente fechar-se em verdades conceituais, factuais ou deterministas.

Em direito penal o sujeito é uma vítima; outro sujeito é o agente processado na condição de réu. A vítima aqui, sem receio de uma hipérbole gratuita, é quase uma prova material. Não há reparação e, portanto, responsabilidade civil. Se a vítima sobrevive ou tem sua vida regular e cidadã interrompida, procede-se a uma indenização civil.

Enquanto o sujeito processual penal decorre da descrição do tipo, da conduta e seu enquadramento, o sujeito processual civil tem uma demanda. Demanda esta que se dirige ao Estado, representado pelo Juiz; o demandado, apenas apontado como tal, dirige sua pretensão de defesa total ou parcial ao mesmo representante do Estado. É uma forma de intermediação, não um processo punitivo penal - este exigível por lei e sem a possibilidade de transação, discricionariedade no agir ou alguma faculdade, por princípio.

O caráter público direcionado ao direito penal não é exatamente a formação do Estado e da Cidadania, mas a conformação da presença da força: o direito penal institucionaliza, como nos EUA, a pena de morte. Sob os auspícios do interesse público. Em nome do público. Nada mais contrário ao ideal de cidadania como aprimoramento do projeto humano clássico.

Por outro lado, a tendência em delimitar o campo do direito civil ao patrimônio privado, em sentido amplo, é hoje uma falácia após as conquistas libertárias consolidadas no Século XX. Mesmo com a atuação precípua do Ministério Público em questões familiares e/ou envolvendo menores, guarda, como é o caso analisado, impera no Direito Processual, acima de qualquer dúvida, como exceção, o chamado "segredo de justiça" – instituto hoje em processo de banalização, a serviço de interesses políticos, na maioria das vezes; inúmeras posturas do Judiciário ao utilizar o instituto em tela têm sido taxadas como cerceamento à liberdade de imprensa, o que, evidentemente, não é pertinente ao Direito de Família, em sentido estrito.

3.1 O aspecto histórico

Conceitualmente é mais sincero reconhecer que a separação entre Estado e Sociedade sempre foi didática, por mínimo. Basta lembrar que nos primeiros anos da Revolução Francesa do fim do Século XVIII, nunca o público obteve tanta oferta de execuções e julgamentos em praça, bem como nunca a fronteira entre a vida pública e privada foi tão frágil. Dentro do que se convencionou chamar de "as pessoas comuns do povo", nunca, antes de 1792, ofertou-se tempo para a contemplação da identidade, pois as obrigações da família e do trabalho absorviam qualquer possibilidade de inovar. Somente o risco de uma ruptura com as raízes, o risco revolucionário, com as expectativas de fracasso maiores que as de êxito, poderia abrir um "tempo" para a novidade, na vida miserável das massas.

Em 1792, com a guerra entre Estados Nacionais Europeus e a Revolução Francesa, tudo se inverte. Nem mesmo a família aristocrática rural, vivendo num pacto eivado de posturas feudais, escapa desta inversão. Na França revolucionária há a ameaça da guerra externa e as traições internas entre revolucionários, partidários de esquerda e de direita, forçam os cidadãos a uma constante vigília para a manutenção da unidade nacional.

A família francesa antiga, aristocrática e pequeno-burguesa, algo dispersa em prazeres e uma garantia de hegemonia social na elite das decisões, torna-se presa fácil da enormidade burocrática nacionalista implantada pela República. Volta-se para o estreitamento dos valores de fraternidade e solidariedade familiares, comum nos períodos de incerteza; quem adere aos ideais republicanos, cedendo patrimônio, tem seus certificados de revolucionário autêntico, e escapa da prisão e da guilhotina, resultado da fúria revolucionária movida pela barbárie das massas.

Neste ambiente político-revolucionário comparece pela primeira vez a dignidade humana no direito positivo, com as garantias individuais e os direitos universais do homem, a partir do pressuposto de que todos são iguais perante a lei. A honra, no mundo iluminista, é um bem tão importante como a vida: viver sem honra é o equivalente a morrer. Mas a valorização da honra – bem como sua determinação de implemento ou violação - depende de um estreitamento, uma vigilância e uma transparência de condutas. Passa-se a vigiar o mínimo de conduta cívica e social, o salário mínimo, o preço máximo, e aparecem, pela primeira vez, os tribunais de família, na França, em agosto de 1790, não mais no sentido de controle patrimonial dos laços públicos, mas como administração da honra familiar.

O modelo não-intervencionista deste estado pretensamente liberal apenas se reveste, até hoje, do discurso socioeconômico. Neste ponto o feminismo talvez tenha sido o advento mais transformador do estado de coisas no mundo ocidental. No movimento feminista o discurso aponta as contradições e apropriações ilegítimas do poder; na prática, o mercado apropriou-se da aparente lucrativa força de trabalho da mulher e o feminismo se deu, como fato e direito.

Mas, paradoxalmente, o estado revolucionário francês não se mostra intervencionista a ponto de instituir, de vez, um tribunal civil de família. O primeiro momento foi o da arbitragem, com a escolha de dois árbitros para cada representação e um terceiro para o desempate. Sem direito a recurso para o tribunal de justiça estatal. Somente em 1803, o Código Civil francês institui o pátrio poder, incluindo a possibilidade de correição pelo pai de problemas gerados no seio familiar, com o Código Penal abrindo o arbítrio de castigo corporal para a mulher e a internação de loucos e imbecis declarados por sentença. Ao menos a intervenção na vida privada estava regulamentada, e o indivíduo possuía, ainda que em tese, um regime jurídico ao qual pudesse recorrer em sua defesa. O olhar do bairro e a calúnia estavam sepultados, pondo fim a um longo período de interseção dos limites entre a vida pública e a vida privada.

Pela primeira vez na história o casamento deixou de ser privado e/ou religioso para se constituir em verdadeiro contrato civil. O divórcio, conseqüentemente, também passou a ser objeto de intervenção estatal. Pela lógica constitucional revolucionária, se o casamento era declaração civil de vontades, podia e devia ser rescindido por motivos vários, incluindo a incompatibilidade de gênios, após quatro meses de casados (observado um período de seis meses para tentativa de reconciliação). Abandono mútuo por dois anos, insanidade, condenação criminosa, sevícias graves e a emigração eram causas de divórcio direto e imediato. Homens e mulheres pediam o divórcio em igualdade de condições e as despesas, custeadas pelo Estado, deixava a prestação jurisdicional ao alcance de todos. A Igreja estava definitivamente afastada dos assuntos legais de família. As estatísticas de então mostram que as cidades acorreram ao divórcio em massa, enquanto o campo se manteve em conduta conservadora: em Toulouse, centro urbano de porte médio, registrou-se 347 divórcios na cidade, contra quatro na área rural, nos anos de 1792-1803, com dois terços deles sendo encaminhados pelas mulheres. É o verdadeiro espelho do mundo que se anuncia moderno em sua essência e dinâmico em suas vertentes públicas e privadas.

3.2 – O contexto científico

Acredita-se que a lei é capaz de organizar os laços sociais, de modo civilizado, ainda que diariamente possamos constatar o ensejo da violência, por conta da precariedade do sistema jurídico em garantir as premissas de solidez e segurança desse laço.

"A violência perdura, de fato, no discurso e práticas jurídicas. Em vastas regiões do planeta, milhões de seres humanos se encontram em situação de miséria e abandono, denunciando que o direito não atinge a todos, permanecendo, desta forma, como um instrumento de castas ou grupos privilegiados, que ressignificam os ritos da horda, mantendo ativa a remissão à força onipotente do tirano arcaico. Na realidade, a despeito dos progressos normativos, os direitos fundamentais, garantidos constitucionalmente, são constantemente denegados". (PHILIPPI, Jeanine Nicolazzi – "Por que obedecer?... Repensando a Posição do sujeito no laço social". Palestra proferida no Encontro Brasileiro de Direito e Psicanálise em outubro de 1994, em Curitiba, Paraná. Texto inédito, mimeo. p.6 – acervo particular de Fernanda Otoni de Barros)

A História nos mostra como as multidões silenciadas, desarticuladas e acomodadas em seu lar, tornam-se enfurecidas, inconseqüentes, retornando ao tempo da barbárie.

"A história ensina que, no momento em que forças morais, esqueleto de uma sociedade, perdem a capacidade de ação, a dissolução final é obra dessas multidões inconscientes e brutais, justamente chamadas de bárbaras. (...) Quando o edifício de uma civilização está podre, as multidões apressam a destruição. É esse o seu papel. Por um instante, a força cega do número transforma-se na única filosofia da história." (LE BON, Gustave - A Psicologia das Multidões - Mem Martins, Portugal, Publicações Europa América, 1982, p.15)

Mas as multidões não suportam por muito tempo a anarquia em que se instalam, provocada pela ausência de uma crença que os organize. A demanda pela nova organização parte da própria multidão. A Revolução Francesa pareceu dissipar sua fúria quando as multidões anárquicas depositaram na nova crença, "Liberdade, Igualdade e Fraternidade", um lema, a esperança de retificação da antiga ordem falida.

O discurso jurídico no ocidente é o discurso do Poder por excelência e o Direito é reconhecido como a ciência mais antiga da História da humanidade, para reger e fazer marchar o gênero humano.

"O Direito, para além das falácias retóricas que sustentam sua legitimidade ao nível do imaginário social, engendra canais de sujeição polimorfa. No caminho aberto pela emergência cada vez menos contida de uma realidade que afronta o discurso da ordem, o direito revela-se no próprio processo de sua auto-mitificação mediante o qual é veiculada uma prática específica de obediência reiterada a uma instância imaginária que garante aos sujeitos uma boa tirania. A Lei, enquanto conceito que remete ao lugar inacessível no qual o poder se encarna, converte-se, assim, no topos privilegiado de justificação do poder imanente, que no passado era reportado aos deuses e soberanos."(PHILIPPI, ob. cit., p. 7).

Gustave Le Bon escreveu em 1855 sobre "Psychologie des foules" (Psicologia das multidões). Em 1921, Sigmund Freud retomou a questão, no que é considerado um clássico dentro da Psicologia Social: "Massenpsychologie und Ich Analyse" (Psicologia das Massas e análise do eu.). Hans Kelsen, por sua vez, em 1922, lança um artigo, "Der Begriff des Staates und die Sozialpsychologie. Mit Besonderer Berucksichtigung von Freuds Theorie der Masse" (O conceito de Estado e a Psicologia Social). Neste artigo, Kelsen parece acreditar que não poderia entender a formação do Estado e do Direito se não compreendesse a organização mental das massas e a formação do laço social.

Em Kelsen encontraremos uma definição de laço social: "Relación singular que reside en el hecho que un individuo convierte a otro en objeto de su deseo, de su voluntad y de su demanda." (KELSEN, Hans - El concepto de Estado y la psicologia social, Con especial referencia a la teoría de las masas de Freud. In: Conjetural, número 13, Buenos Aires, Distribuidora: Catalogos, agosto de 1987, p.80)

Le Bon não se pergunta sobre a razão de os indivíduos se reunirem. Deixa ao acaso a resposta e passa à descrição do fenômeno. Freud por sua vez, vai se interrogar o porquê da reunião dos indivíduos: "Se os homens em uma massa estão ligados formando uma unidade, deve haver algo que os liga entre si e este meio de conexão poderia ser justamente o que caracteriza a massa." (FREUD, Sigmund – Obras Completas, Psicologia das Massas e Análise do Eu - Vol.XVIII. Rio de Janeiro, Imago, 1974).

Daí logo se interessa em aplicar um conceito fundamental da psicanálise, a libido, na elucidação da psicologia das massas, e designa o laço dos indivíduos numa unidade social - massa - como um laço afetivo, um caso de libido.

"Em primeiro lugar, para que uma massa conserve sua consistência, é necessário que seja mantida por alguma força, e que força poderemos atribuir a esta ação se não a Eros que une tudo o que existe neste mundo?. Segundo, se um indivíduo abandona a sua individualidade, renuncia ao que tem de particular e permite que seus outros membros o influenciem por sugestão, isso nos dá a impressão de que o faz por sentir necessidade de estar em harmonia com eles, de preferência a estar em oposição a eles, de maneira que, afinal de contas, talvez o faça por amor a eles/pelo amor deles ("ihnem zu Leibe").(FREUD, ob. cit. p.117/118).

Chegamos ao pai, aquele que pode falar em nome da lei. As civilizações seguem seu governo, caem obedientes aos ditames que vêm deste lugar. Chegamos facilmente ao Édipo, tempo onde o indivíduo faz sua inauguração no campo social, reconhecendo um terceiro que lhe impõe o poder da lei.Assim perguntaríamos se, quando Le Bon descreve o comportamento das multidões como o dos selvagens ou das crianças, haveria neste tipo de associação alguma possibilidade de tangência com o que Freud denominou como comportamento da horda diante do pai primevo e o édipo experimentado na infância. Kelsen conclui disto que há dentre os membros dos grupos a consciência de uma ordem que rege suas relações, a existência de um corpo de normas.

Para Freud, a massa estável, ou ainda, organizada (Concepção de Mc. Dougall, "The Group mind", Cambridge, 1920), traria aquelas características do indivíduo que foram perdidas por ocasião da reunião em uma massa efêmera, não-organizada. Kelsen se pergunta: "Si el Estado fuera una massa psicológica siguiendo la teoría de Le Bon y de Freud, los individuos que forman parte de un Estado deberían estar identificados entre sí. Pero el mecanismo psíquico de la identificación presupone que un indivíduo perciba una comunidad con aquel con quien se identifica. No es posible identificarse con un desconocido, ni con algo que nunca se percebió, ni con una cantidad indeterminada de individuos." (KELSEN, ob. cit., p.90).

Conclui, por sua vez, que a característica da massa psicológica não pode aplicar-se ao Estado – impertinente, portanto, uma caracterização psicológica do Estado.

O Estado seria então a personificação do ideal de cada um de seus membros, lugar onde se pode falar em nome da lei. Kelsen distingue Direito e Estado, no final de seu artigo: "El Estado trancende el derecho, meta jurídico, que no es otra cosa en realidad que la personificacion objetivada, que la unidad convertida en real del derecho, corresponde muy exactamente al Dios trancendiendo la natureza" (KELSEN, ob. cit., p.103). Kelsen conclui que o Estado estaria para Deus assim como o Direito estaria para a Natureza. Um seria o lugar do ideal e o outro a materialização desse ideal em um corpo factível.

Neste sentido, explica Freud, "...quando o indivíduo em crescimento descobre que está destinado a ser criança para sempre, que nunca poderá passar sem a proteção contra estranhos poderes superiores, empresta a esses poderes as características pertencentes à figura do pai: cria seus próprios Deuses a quem teme e a quem, não obstante, confia sua própria proteção. Seu anseio por um pai constitui um motivo idêntico à sua necessidade de proteção contra as conseqüências de sua debilidade humana."(FREUD, Sigmund - O Futuro de uma Ilusão – Obras Completas. Vol. XXI. Rio de Janeiro, Imago, 1974, p.36).

Mesmo que o desamparo seja sempre reescrito na vida cotidiana, esse lugar restaurador funciona como o ideal, portanto será sempre um lugar pressuposto, ficcional. Lugar anônimo e transcendente. Diante do real do desamparo qualquer imagem que se coloque lá onde nada há, ganha força e poder, e o indivíduo cai submisso aos seus ditames, por crer que poderá encontrar nesse lugar uma possibilidade de ser amparado, livre do mal.


4. Um caso exemplar: a voz de um "desamparado".

Sob o título "Caso Sean: A guerra na mídia expõe publicamente vísceras de uma criança", um texto de 18 de junho de 2009, publicado na Rede Mundial de Computadores [02] e escrito por Fabio Panunzzio [03], resume este caso exemplar:

"Tenho acompanhado esparsamente o caso do garoto Sean Goldman.(...) Alvo de uma contenda entre o pai americano e o padrasto brasileiro, Sean (...) nasceu em Red Bank, Nova Jersey, fruto do casamento do americano David Goldman com a brasileira Bruna Carneiro Ribeiro. Quando ele tinha quatro anos de idade a mãe, já decidida a encerrar o casamento, veio com o garoto para o Brasil e jamais permitiu que ele retornasse. Bruna nunca tentou obter sua tutela na justiça americana. Comunicou a separação ao marido quando já estava em solo brasileiro. E se casou com o respeitabilíssimo advogado Paulo Lins e Silva, filho de uma família aristocrática do Rio de Janeiro.

A contenda judicial se arrasta desde então. Mas foi um infortúnio que selou a sorte de Sean e o colocou no centro de uma arena em que uma guerra judicial transcorre em meio a várias batalhas de mídia. A mãe dele morreu no parto do segundo filho. Sean ficou aos cuidados do padrasto. (...) O caso está nas mãos da Justiça Federal. Já percorreu todas as instâncias (...) quero falar sobre uma das peças, que me chegou por e-mail, enviada pela assessoria de imprensa do escritório que representa a família Lins e Silva no caso. Trata-se de algo que a justiça brasileira não permitiu no curso do processo: a manifestação de vontade da criança.

Os Lins e Silva contrataram uma psicóloga para entrevistar Sean. A sessão foi gravada e (...) anexada ao processo, mas não tem valor na disputa judicial. Serve, basicamente, para municiar a imprensa -- daí sua divulgação. A entrevista, feita pela psicóloga (...) aconteceu no dia 15 passado, no setor de psiquiatria da Santa Casa de Misericórdia. Logo no começo Sean é advertido de que a consulta será gravada. Ele sabe que o vídeo será exibido a quem vai decidir a questão. (...) Sean é instado a desenhar sua família. É por meio desse desenho que ele passa a descrever seus laços afetivos. (...) Estimulado a falar sobre sua origem, passa a descrever memórias esparsas de um mundo do qual pouco se lembra. De Nova Jersey, apenas o frio. E logo aparece a primeira afirmação categórica. "Eu quero ficar no Brasil", exclama o garoto. "Porque aqui eu tenho minha família que eu gosto, que é meu pai, minha irmã"... "Como é que você imagina se você fosse para lá, para os Estados Unidos?", indaga Dra. (...). "Deve ser muito ruim. Eu não vou gostar", responde o menino.

De repente a criança, que não consegue se lembrar de nada, diz que David, tratado pela psicóloga apenas como ´´pai biológico´´, mudou muito. "Ele agora tá fingindo que ele tá muito sofrido, ele tá fingindo, dá pra perceber", diz Sean. Fico me perguntando de onde partem impressões com esse nível de assertividade. De que referencial elas lhe foram trazidas? É inevitável supor que as imagens que compõem a figura paterna lhe chegam pelas fontes que têm acesso a ele -- a família brasileira.

Sean diz que o pai está fingindo. A figura que aparece é quase draconiana para uma criança compelida a conviver com um estranho. "Ele estragou meu final de semana, eu tinha uma viagem marcada pro Beach Park e ele estragou meu final de semana falando que ía vim aqui me visitar (...) e acabou que ele não apareceu". (...)

O garoto deixa claro que não quer ter nenhum contato com o "pai biológico". Reitera e reafirma isso o tempo todo. Fala para a câmera. E ameaça: "se for pra lá eu vou começar a quebrar tudo, eu não vou gostar". Sean quer ficar com as idas ao shopping, os fins-de-semana num haras, o deleite de pertencer a uma aristocrática e acolhedora família. Não há espaço para David no psiquismo do garoto.

Nem poderia haver. Pelo que contou à terapeuta, eles jamais teve um momento privado com o pai. "Sempre que ele vem fazer uma visita, tem alguém presente", afirma na entrevista. Visitas que sempre ocorreram no condomínio onde ele mora. (...) A verdade é que, desde que Sean foi abduzido dos Estados Unidos pela mãe, David nunca teve nenhuma chance com o próprio filho.

(...) Como se vê, quanto mais tempo passar, mais arredio o menino Sean vai ficar à imagem do pai. E mesmo que fique no Brasil, no futuro distante, quando ele tiver discernimento suficiente para entender o que aconteceu nos seus primeiros anos de vida, o que será que vai pensar do amor ao mesmo tempo generoso e obsessivo do padrasto que o privou conviver com o "pai biológico"?

O que está em questão nesse caso não é apenas o lugar onde Sean vai reconstruir sua vida. É a possibilidade dessa criança se tornar um adulto feliz em meio a uma adversidade dessa dimensão. Contribuiria muito para isso se a família brasileira tirasse a lide dos jornais e oferecesse a ele o que toda criança inocente tem direito quando é alvo de uma disputa mesquinha como essa, o segredo de justiça."

Talvez encontremos concordância com as conclusões de Kelsen sobre ser o direito a materialidade do discurso do Outro, do Estado, este lugar onde nenhuma palavra é suficiente para significá-lo, mas que talvez por isso mesmo, está na posição de poder falar em nome da lei.

A legalidade do sentido do texto do direito se dá por intermédio de uma montagem ficcional que opera "como se" o discurso fosse falado (autorizado) por alguém. Neste argumento Kelsen encontra a possibilidade de encontrar o conceito de Estado nesta categoria de uma idéia, ideologia mesmo: sendo representação, estaria no lugar do ideal do eu; portanto podendo falar em nome de um pai.

Deste modo, ao se afastar das justificativas teológicas e metafísicas, a fundamentação positivista do direito acaba por reeditar uma autoridade imaginária que garante, em última instância, a validade das normas jurídicas, da lei, conclamando os sujeitos à obediência devida em nome deste lugar Outro. Em 1995, a Psicóloga do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Fernanda Otoni de Barros, em seu "A Representação da Paternidade no Campo Jurídico e a Constituição do Laço Social¨ - Projeto de Mestrado em Psicologia Social pela UFMG – já enunciava esta problemática nestes termos e nesta base conceitual.

Assim como o jornalista, apesar de não-especializado, expõe o cerne da abordagem: o segredo de justiça. É uma condição imposta pelo Código de Processo Civil em questões familiares, inclusive. Uma consulta à Rede Mundial de Computadores não nos pode revelar o andamento processual do caso Sean. Sequer as partes envolvidas. Mas detemos e transcrevemos com fontes uma peça processual de natureza técnica e, com algum interesse e facilidade, pode-se obter nomes e currículos de todos os citados.

No caso específico, a psicóloga entrevistadora está na condição de assistente técnico da parte (no caso, o padrasto que, apenas de fato, detém a guarda de Sean; atua, presumidamente, em nome do garoto). A profissional, no caso, sequer pode ser considerada suspeita, impedida ou inabilitada. Uma mostra do trabalho que Paulo Lins e Silva publicou, sobre direito, família, filhos e separação, em seu sítio na Rede, como sua opinião:

"Certo é que estamos sofrendo um processo de mudanças sobre o conceito da família. Não podemos dizer processo evolutivo, mas uma necessária mudança de ótica sob o significado do que corresponde a família da forma que a sociedade hoje se comporta. Estamos nesse momento quebrando normas sociais impostas por tradições culturais originalmente criadas pelo Estado e pela Igreja. Uma série de fatos históricos contribuiu para tal, como a revolução feminista, com a quebra da ideologia patriarcal. A própria necessidade da mulher em buscar atividades fora do lar contribuiu para a quebra do patriarcalismo, que vislumbrava o homem como força dominante e controladora do lar (seguindo a tradição romana do patrimonium)." [04]

"O mais incrível de tudo é que esse anteprojeto distante 30 anos de sua fase embrional e que já recebeu mais de 300 emendas somente no Senado, ou seja mais de 10% de seus artigos, não trata das novidades que envolvem a família do Século XXI como os da biomédica, envolvendo os exames de DNA, as locações de útero, as inseminações artificiais, as fertilizações "in vitro", as adoções de ovos, os bancos de sêmen e óvulos, os clones humanos, as guardas compartilhadas, os ressarcimentos dos danos morais e materiais entre cônjuges, das influências da era da informática na estrutura da família, nada absolutamente nada. O que estamos vendo é o atendimento ao capricho e a vaidade de pouquíssimos interessados nessa aprovação contra a repulsa e o afastamento dos grandes e verdadeiros civilistas vivos na contribuição desse anteprojeto de grande risco social. Possivelmente esses interessados serão os únicos doutrinadores e interpretes que irão editar os comentários dessas normas velhas e ultrapassadas que nos querem impor e cujo benefício cultural para o povo será nulo e dispendioso, pois teremos de adquirir essas obras e nos afastar de nossa verdadeira história e tradição já vivenciada por quase um século de grande experiência. Ao invés de crescer e evoluir, no Direito de Família, continuaremos no 3º ou quem sabe no 4º Mundo!" [05]

"(...)Um bom ou excelente acordo tem que ser equânime ou seja em equilibrado, justamente para evitar que o separando fique escravizado ao Poder Judiciário, necessitando todos os anos ou meses, buscar a assistência de um advogado para exercitar um direito seu que não está sendo obedecido pela outra parte.(...) O mesmo ocorre em relação aos filhos, principalmente quando são de tenra idade. Alguns exigem pernoite em fase de amamentação, regime de visitação estilo "guarda compartilhada", ou mesmo um critério onde ficam a maior parte dos dias e finais de semana com os filhos, sem observar um critério justo e equilibrado em relação aos menores.(...) O resultado é sempre o mesmo. (...) pois prejudicam a criação dos filhos menores e mais ainda, essa insistência com vantagens unilaterais, obtidas originariamente num sentido de vindita, passam a trazer uma indisposição com os próprios filhos, já traumatizados com a separação e já aos poucos, quando vão crescendo, sentem o estreitamento de suas fronteiras de vida pessoal, com a própria natural liberdade que necessitam e começam a lamentavelmente a querer evitar aquele contato exagerado com o pai ou com a mãe, vindo igualmente a trazer motivos para uma revisão de critérios no futuro. O mais triste é quando essas crianças se transformam em armas dos próprios pais, uns contra os outros." [06]

Ora: sequer podemos, dado ao segredo de justiça, aferir em qual condição a psicóloga atuou no caso. Mas inclinamo-nos a admitir a possibilidade de ter sido na qualidade de assistente técnico da parte em prova pericial. É lícito, moral e legal, a distribuição à imprensa, por parte da assessoria de imprensa do escritório que representa a família Lins e Silva no caso, da íntegra da peça processual? [07]

O segredo de justiça é uma exceção no direito brasileiro. Em tese, todos os processos são públicos; apenas em alguns casos a divulgação dos detalhes é proibida. Qualquer pessoa pode se dirigir aos tribunais e ler cópias de casos que lhe interessam. As exceções começam quando os casos envolvem a dignidade, a honra e a intimidade das pessoas. O artigo 155 do Código do Processo Civil determina que processos de casamento, filiação, divórcio e guarda de menores sejam resolvidos sob sigilo total. Só têm acesso aos detalhes do caso as pessoas envolvidas, o juiz, os advogados dos dois lados e o Ministério Público. Mais ninguém, sem atuação processual determinada, pode ver, ler ou copiar qualquer documento. O artigo 5º da Constituição Federal também trata do sigilo como fundamental para defesa da intimidade.

O Superior Tribunal de Justiça, julgando o Processo de RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA de número 199300201484, decidiu, por unanimidade, em Ementa: LIBERDADE DE IMPRENSA. SEGREDO DE JUSTIÇA. SE, DE UM LADO, A CONSTITUIÇÃO ASSEGURA A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO, CERTO É QUE, DE OUTRO, HÁ LIMITAÇÕES, COMO SE EXTRAI NO PARAGRAFO 1o. DO ART. 220, QUE DETERMINA SEJA OBSERVADO O CONTIDO NO INCISO X DO ART. 5., MOSTRANDO-SE CONSENTÂNEO O SEGREDO DE JUSTIÇA DISCIPLINADO NA LEI PROCESSUAL COM A INVIOLABILIDADE ALI GARANTIDA. RECURSO ORDINÁRIO A QUE SE NEGOU PROVIMENTO. (DIÁRIO DA JUSTIÇA - DATA: 08/05/1995 PG:12383 - RDR VOL.:00002 PG:00190).

E como fica a situação da Psicóloga que teve sua atuação difundida? A parte processual que a contratou tem o direito de divulgar seu trabalho, seu método de atuação e sua conduta? O Código de Ética da profissão de Psicólogo, vigente desde agosto de 2005, prescreve uma quantidade considerável de ponderações a respeito do exercício; dentre elas se destaca, para o caso:

Art. 8º - Para realizar atendimento não eventual de criança, adolescente ou interdito, o psicólogo deverá obter autorização de ao menos um de seus responsáveis, observadas as determinações da legislação vigente;

§1° - No caso de não se apresentar um responsável legal, o atendimento deverá ser efetuado e comunicado às autoridades competentes;

§2° - O psicólogo responsabilizar-se-á pelos encaminhamentos que se fizerem necessários para garantir a proteção integral do atendido.

Evidente, pelo descrito, que a sessão de entrevista foi na presença de autoridades competentes, sendo a profissional não-responsável pela divulgação da transcrição na imprensa. Não é por acaso que o repertório de jurisprudência da Justiça Federal tenha pouco a revelar sobre o tema: questões de família normalmente são dirimidas na Justiça Comum Estadual. O caso de Sean Goldman só foi até a Justiça Comum Federal por razões técnicas: o Estado Brasileiro ser signatário de um protocolo internacional que, em tese, dá ao pai biológico do garoto o direito de retornar com ele ao país de origem. Sobre isto - e mais especificamente o segredo de justiça - Paulo Lins e Silva fez publicar, no jornal "O Globo", em cinco de março de 2009, uma longa carta [08] ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, de onde de destaca:

"Hoje sou RÉU DE UM PROCESSO MOVIDO CONTRA A UNIÃO ONDE SE PLEITEIA O RETORNO DE SEAN E VISITAÇÃO EM FAVOR DE UM NORTE-AMERICANO!!!!! Mesmo que o pedido tenha sido feito perante o Juízo de Família e mesmo que o pedido de retorno se repete, cujo mérito já foi julgado pelo STJ!!! A União pleiteia um direito em favor PARTICULAR de UM AMERICANO CONTRA UM BRASILEIRO que vem sendo massacrado pela imprensa, que não dorme com calma, que se vê obrigado a requerer à Justiça liminares para que o assunto não seja mais divulgado mesmo que esteja protegido pelo segredo de Justiça.

Meu país não pode agir contra um VERDADEIRO PAI BRASILEIRO, A PONTO DE INTERCEDER NUM ASSUNTO COMPLETAMENTE PARTICULAR. A QUE PONTOS CHEGAMOS???? ESTAMOS ENTÃO SUJEITOS AO INTERESSE ESTRANGEIRO ACIMA, INCLUSIVE DE DECISÕES DOS NOSSOS TRIBUNAIS?"

Mesmo iniciando uma meia-dúzia de laudas sob o alerta de que não se dirige ao Conselho Nacional como advogado, coloca-se no lugar de "verdadeiro pai brasileiro", misturando emblematicamente todo o exposto na parte anterior do presente texto. Vai às raias da xenofobia, cita outra Psicóloga (Maria Helena Bartolo) que, em suas (dele, Lins e Silva) palavras, "sempre foi categórica em afirmar que Sean, por falta de iniciativa do pai biológico, perdeu a referência de seu passado americano, por não mais praticar a língua e por ter vindo muito novo para o Brasil".


Conclusões.

Uma leitura atenta das duas extensas notas finais pode revelar muito do esboçado. Há, inegavelmente, um Estado, um Outro, falando de Si, quando invoca no imbróglio jurídico a Sua postura frente a Outro Estado. Há dois pais, duas nacionalidades e um fato inequívoco: um garoto retirado de um Estado bélico e poderoso, de cultura de mídia, extremamente conservador em posturas mais afeitas ao poder de fato (leia-se capacidade socioeconômica) e de orientação jurídica completamente diversa do Brasil. Resta, no caso brasileiro, a inequívoca compreensão de que questões processuais que envolvem menores devem correr sobre segredo de justiça, sem que isto ao menos possa resvalar o direito de liberdade de imprensa.

Ocorre – um tanto paradoxalmente – que os EUA detêm, na figura dos advogados privados, uma aura de poder, perspicácia, recursos financeiros e, como dizer, muito carinho para com a publicidade. No caso do padrasto de Sean, nota-se que, guardadas as diferenças culturais e antropológicas, sua atuação não difere muito daquela trama de significantes oriundas de "um norte-americano" – seja ele pai, advogado, Outros.

E os outros, minúsculos, sequer são respeitados em suas atuações: psicólogos e/ou serventuários efetivos ou eventuais da Justiça, magistrados, membros de Conselhos, etc. Estes últimos recebem ao final da Carta de um aparentemente indignado demandante (em nome de Outro, um garoto que sequer possui voz, no sentido efetivo ou significativo) o seguinte "alerta":

"Com muito medo e no sentido de evitar que os direitos e interesses de um filho sejam efetivamente e grosseiramente violados, é que um pai sócio afetivo – que não fugiu de sua responsabilidade de sustentar um criança pela maior parte de sua vida única e exclusivamente por AMOR – clama à este Conselho para que analise e proteja os direitos de uma criança brasileira que já sofreu o bastante, e que hoje vive angustiada e sofrendo um jogo político internacional nefasto e inconseqüente – cujos interesses políticos estrangeiros parecem estar acima da nossa lei, e se não bastasse, acima do interesse maior de uma criança brasileira, ÚNICA VITIMA, que virá a sofrer sérias conseqüências emocionais, caso não haja intervenção deste órgão."

Perguntar-se-ia quem mais cabe intervir na questão, já que até a Advocacia-Geral da União, por requisição da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, atua no sentido de fazer valer um compromisso do Estado Brasileiro.

Se o Estado Brasileiro é conceitualmente algo diverso do Estado Norte-Americano em suas características de intervenção ou não no domínio privado, onde fica, por exemplo, o "bem-estar" de um menor, exposto no tempo e no espaço incomensuráveis das texturas sociais? Como conciliar o segredo de justiça, a atuação profissional, o interesse privado e a exposição na mídia?

Com toda certeza a questão não é simples e há muitos "pais" para um único filho. Este é um problema que não pode se resumir aos institutos jurídicos e às regras éticas processuais ou profissionais. É um problema conceitual sobre a gênese do próprio Estado. Há um desdobramento do lugar último em uma seqüência de atos e fatos que beira o completo caos na diversidade antagônica e paradoxal das posturas.

Aplacada a sede da mídia sobre o drama de Sean, mesmo lembrando da lição de Andy Warhol sobre os quinze minutos de fama no pós-moderno ocidental, cumpre considerar que sua voz foi ouvida dentro de regras - e ecoou, de forma indubitavelmente desastrosa, em no mínimo milhares de páginas da Rede Mundial de Computadores. Sequer se cogitou de considerações técnicas acerca do segredo de justiça, sobre a "apropriação" do trabalho da assistente técnica e, no futuro, quando puder o sujeito processual – em sentido amplo e impróprio tecnicamente – Sean reler sua história por estas palavras, o tempo, sempre relativo e inacessível em sua plenitude contextual, não poderá redimi-lo em sua consciência, passados ou não os quinze minutos virtuais na Aldeia Global.


Notas

  1. Lei nº 4.119, de 27/08/1962. Dispõe sobre os cursos de formação em Psicologia e regulamenta a profissão de psicólogo. Capítulo I - Dos cursos - Art. 1º A formação em Psicologia far-se-á nas Faculdades de Filosofia, em cursos de bacharelado, licenciatura e psicologia. Redação original, sem revogação expressa.
  2. http://pannunzio.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=325:caso-sean-a-guerra-na-midia-expoe-publicamente-as-visceras-de-uma-crianca&catid=1:ultimas-noticias
  3. Fábio Pannunzio é jornalista e escritor brasileiro. Graduou-se em Comunicação Social pela faculdade Cásper Líbero, de São Paulo, e inicou sua carreira em 1981, na Rádio Jovem Pan. Migrou para a televisão em 1984 e trabalhou nas principais redes abertas do país. Autor de várias reportagens investigativas, foi ele quem descobriu a rota de fuga do empresário PC Farias no Cone Sul, e localizou o paradeiro da fraudadora da Previdência Social Jorgina de Freitas na Costa Rica.Pannunzio foi o primeiro repórter de TV brasileiro a ser admitido pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia em seus acampamentos, em plena selva colombiana. A experiência forneceu matéria-prima para o livro A Última Trincheira, lançado pela Editora Record em 2001.
  4. Conceituação Moderna da Família 1/4/2002- http://www.paulolinsesilva.com.br/ - menu "Matérias"
  5. O ANTEPROJETO DO NOVO CÓDIGO CIVIL - UM RETROCESSO PARA A FAMÍLIA BRASILEIRA. 29/1/2002 - http://www.paulolinsesilva.com.br/ - menu "Matérias"
  6. NAS SEPARAÇÕES NÃO EXISTEM VITORIOSOS OU VENCIDOS. 23/1/2002 - idem
  7. Saiba o que o menino Sean Goldman diz sobre o caso Sean Extraído de: Consultor Jurídico - 17 de Junho de 2009 O menino Sean Goldman, de nove anos, cuja guarda é disputada pelo pai biológico, o americano David Goldman, e pelo padrasto brasileiro, João Paulo Lins e Silva, foi ouvido nessa segunda-feira (15/6) no Setor de Psiquiatria da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. A responsável por entrevistar o garoto, a pedido da família brasileira, foi a professora TC, especialista em terapia familiar. O depoimento de Sean foi transcrito por um tabelião público e entregue em juízo para fazer parte dos autos. A entrevista foi acompanhada também pelo desembargador Siro Darlan, do Tribunal de Justiça do Rio, e por membros da família brasileira. No depoimento, Sean diz que quer ficar no Brasil, quando a especialista pergunta se ele quer falar sobre essa história de ficar no Brasil ou ir para os Estados Unidos. O menino, que tem apenas nove anos, diz que quer respeito, que se sente desrespeitado pelo pai David Goldman e que este finge sofrimento. Vale lembrar que o menino mora no país com sua família brasileira há mais de quatro anos e que esta não tem muita afinidade com David. Em entrevista ao programa Good morning, America, da rede ABC, David Goldman disse que Sean está sendo treinado para esquecer o pai. Segundo David, a informação veio de análise feita pela Justiça brasileira. Sean nasceu nos Estados Unidos e morou naquele país até 2004, quando, aos quatro anos, foi trazido ao Brasil pela mãe, Bruna Bianchi. No Brasil, Bruna obteve a guarda de Sean, pediu o divórcio e casou-se novamente com o advogado João Paulo Lins e Silva. No ano passado, ela morreu de complicações no parto da segunda filha. Lins e Silva, então, passou a ser o tutor de Sean e a travar na Justiça, juntamente com a família de Bruna, uma disputa pela guarda do menino. O caso começou na Justiça Estadual do Rio e depois passou para a competência Federal. Leia o depoimento de Sean
  8. Entrevista com SRG 15.06.2009

    Local: Santa Casa da Misericórdia Ambulatório Psiquiátrico Jorge Alberto Rio de Janeiro. Professora: T.C

    T.C Então Sean, nós estamos vendo que estamos sendo filmados, não é? Porque vai ser importante tudo isso que a gente disser aqui. Eu trabalho lá na PUC atendendo famílias e crianças nas famílias e lá também grava as sessões pra depois a gente entender melhor o que aconteceu, não perder nada da sessão. Por isso que eles estão gravando.

    Sean Goldman Mas eles escutam?

    TC Eles escutam. Ah...eles escutam aqui, isso aqui é um microfone e aí do lado de lá eles estão nos vendo, nós não tamo(sic) vendo eles e esse microfone passa o som pra lá. Lá na universidade quando estou atendendo as famílias com os aluno eu às vezes levo as famílias lá atrás do espelho pra ver quem tá observando, explico porque que a gente tá gravando porque aí depois que eu faço isso, todo mundo se desliga do microfone, da câmera, já ficou sabendo o que que é, tá? Então, meu nome é T.C, eu sou uma especialista em atendimento de famílias. Família com criança, família com bebê, família com adolescente, família com adulto saindo de casa, famílias em geral que me procuram elas tem alguns problemas, por isso que elas procuram. Minha profissão é psicóloga, terapeuta de família. Então, as pessoas por que procuram psicólogo? Porque eles tão(sic) com alguns probleminhas que sozinhas às vezes elas não conseguem resolver. Tá? Então, nesse nosso encontro, nessa nossa sessão, eu queria que você me pudesse falar naturalmente, com toda a liberdade tudo que está passando pela sua cabecinha. O importante aqui hoje é a gente saber como é que você pensa, o que é que você sente, o que que você quer. Eu sei que você tá vivendo um momento de probleminhas, um momento difícil na sua família e eu queria que você começasse Sean, me falando sobre a sua família. Qual é a sua família, como ela é formada, como ela é constituída, a sua família?

    SG Humm, não entendi a pergunta.

    TC Não? É assim, às vezes eu peço para as pessoas desenharem a família.

    SG Ah, tá!

    TC Você prefere desenhar a sua família ou me falar?

    SG acenou com a cabeça positivamente)

    TC Então tá bem, você vai desenhar pra mim a sua família e depois nós vamos falar do seu desenho. Você prefere com lápis colorido ou lápis preto?

    SG Colorido.

    TC Colorido. Então pronto, desenha pra mim sua família. Todos os membros da sua família, inclusive você.

    SG Não tem cor de pele?

    TC Cor de pele? Qual que você acha que é cor de pele?

    SG A mais parecida é o vermelha

    TC Tá bem. Ah, desculpe

    SG Não. Vou fazer o rosto assim branco com o contorno preto.

    TC Você pode fazer do jeito que você quiser, mas depois você vai me falar sobre essas pessoas todas, tá bem?

    (Pausa de 58 segundos)

    SG Eu não sou dos melhores

    TC Desenhistas? Mas não tem importância, o desenho a gente tá usando Sean, só como uma maneira da gente conversar, da gente se comunicar. Você não precisa ser um desenhista, tá? É só pra gente falar um pouco nesse início sobre a sua família.

    (Pausa de 15 segundos)

    SG Hum, fiz coisa errada aqui

    TC Ah, não tem importância. Depois você me explica o que que você fez de errado

    SRG Ah, dá para fazer como uma boca

    TC Tá bem.

    (Pausa de 40 segundos)

    TC Uhum

    (Pausa de 90 segundos)

    SG Dá pra fingir assim como se fosse uma boca?

    TC Tá bem, tá legal, depois você me explica. Acaba de desenhar pra gente conversar um pouquinho sobre o desenho. Tá bem?

    SG Uhum.

    TC A gente tem várias coisinhas pra conversar. Aí depois do desenho a gente vai conversar. Vai botar cabelo em todo mundo?

    (Pausa de 40 segundos)

    SG Hum, esqueci

    TC E quem são essas pessoas? Fala pra mim

    SG Mas eu ainda não terminei

    TC Ah, então termina. (Pausa de 15 segundos) Tem que botar todos os membros da tua família

    SRG Então vou precisar de outra...(mostra a folha de papel)

    TC Será? Não, acho que vai caber, tem essa parte de cima. Bom, vamos tentar botar todo mundo na mesma folha. (Pausa de 19 segundos) Tá faltando alguém?SG: Tá faltando os outros dois avós

    TC Tá bem. Então vamos lá

    SG E a minha irmã

    TC Então, vamos lá

    SRG Vou colocar a minha irmã aqui

    TC Tá bem

    SG Ainda é um bebezinho

    TC Um bebezinho? Quantos meses ela tem?

    SG Nove

    TC Como é que ela se chama?

    SG Chiara

    (Pausa de 12 segundos)

    TC E quem tá faltando ainda?

    SG Meus dois avós, os outros

    TC: Então vamos colocar os outros avós.

    (Pausa de 49 segundos)

    SG: Isso daqui ficou muito ruim

    TC: Ué, por que?

    SG: Cadê a mão?

    TC: Ah, mas tudo bem. Você não precisa ser um desenhista, eu só quero que você me fale da sua família.

    (Pausa de 20 segundos)

    SG Entrou mais alguém

    TC: Devem ter entrado, né? Mas nós já sabemos que eles estão lá olhando a gente mesmo. Não tamo(sic) nem ligando pra isso, né?

    (Pausa de 23 segundos)

    TC Hum, agora a família tá completa?

    SG: Tá

    TC Então vamos identificar pra mim os personagens da família? Quem são as pessoas?

    SG Ainda falta um tio, mas tudo bem

    TC Tá, então vamos deixar. Eu já sei que tem tio, você pode falar dele mas no papel não vai caber. Vamos falar dessas pessoas, identifica cada pessoa pra mim. Quem são?

    SG O vô da parte da mãe

    TC Como é que é?

    SG Raimundo

    TC Raimundo. Coloca então Raimundo. Raimundo é o vô por parte da mãe. Essa é quem?

    SG Silvana

    TC: Silvana?

    SG: A vó da parte da mãe

    TC Tá, então coloca o nome da Silvana

    SG Esse é meu pai

    TC Esse é teu pai. Então escreve, o pai. Pai, como é que ele chama?

    SG João Paulo

    TC João Paulo, tá.

    SG Eu não consigo escrever Chiara aqui ... então ...

    TC Pode fazer iniciais

    SG Então vou colocar um C

    TC Um C, Chiara. Tua irmã de nove meses?

    SG Uhum

    TC Aqui. Hum, esse é você?

    SG Esse é ...

    TC Esse você falou que são os avós outros, né?

    SG Ahan

    TC São os?

    SG Os avós ...

    TC Avós paternos, né?

    SG Ana Lucia

    TC Ana Lucia. Então coloca. Ana Lucia, e o avô?

    SG Paulo

    TC Paulo? Paulo. Aqui, como é que é isso aqui? O teu pai tá com a mão atrás do teu ombro. É isso? Assim?

    SG É, assim.

    TC Assim?

    SG É

    TC Amigos? Legal. Que nome você daria para esse desenho?

    SG Minha família

    TC De família. É, minha família, tá bom. Então coloca o título. Sempre que eu peço para fazer um desenho, eu peço pra dar um nome para o desenho, colocar um título no desenho.

    (Pausa de 90 segundos)

    SG Dá pra ouvir

    TC É. Eles estão falando alto né? Vamos prestar atenção lá não. Vamos prestar atenção aqui né? Hum, ainda botou um acento. Muito bem! Caprichando né?

    (Pausa de 10 segundos)

    SG Esse ficou ruim

    TC Não, ficou legal. Ficou legal, bem legal. Então? Eu queria que você falasse um pouquinho pra mim, né Sean, de como é que é a tua convivência com essa família, vidinha, o seu dia a dia , não só com a família, que que você faz, onde você vai, o colégio.

    SG Segunda feira tem basquete

    TC Basquete. Você gosta de jogar basquete?

    SRG Gosto

    TC Só segundas o basquete?

    SRG Segunda e quarta

    TC Hum

    SG Basquete segunda e quarta. Que eu vou pra pro, eu acordo, às vezes faço o dever

    TC Que colégio você estuda?

    SG Escola Parque

    TC Escola Parque. Bonito lá né?

    SG Ahan. Eu acordo, às vezes faço dever, ééé, almoço e vou para a escola. Aí na escola eu estudo

    TC Tem muitos amigos?

    SG Tenho

    TC Qual amigo você gosta mais na escola?

    SG Ih, tem tantos

    TC Tantos! Nossa! Muitos que você gosta

    SRG É

    TC Em geral você faz o que com teus amigos? Além de encontrar no colégio, você sai com os amigos, faz programa em algum lugar?

    SRG Às vezes

    TC É? Que tipo de coisa você faz?

    SG Às vezes eu...a gente, a gente que resolve

    TC Na hora vocês resolvem. E com as pessoas dessa família? Que que você costuma fazer, além dessa convivência em casa? Você sai com esses avós?

    SG Eu saio

    TC Sai? O que que você faz?

    SG A gente resolve na hora também.

    TC Resolve na hora também. E com a tua irmãzinha. Como é que é? Você ajuda a cuidar, o que que você faz com a sua irmãzinha?

    SG É. Eu fico com ela

    TC Você fica com ela e o que que você faz? Brinca com ela?

    SG Brinco

    TC De que que você brinca com ela?

    SG Ah, das coisas que ela gosta

    TC É? Em geral ela gosta de que?

    SG Ah, eu faço umas brincadeiras nela que eu saio, assim, como se eu estivesse correndo atrás dela e a babá corre de mim, aí ela fica rindo

    TC Ahan, que legal

    http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1356686/saiba-o-que-o-menino-sean-goldman-diz-sobre-o-caso-sean

    Em 22 de agosto de 2009: Resultados aproximadamente 2.710 páginas em português sobre Sean T.C Psicóloga

  9. Ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

Mesmo que já tenha me formado há mais de 10 anos na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica, escrevo essas linhas não como advogado militante mas como pai de duas amadas crianças, e viúvo aos 35 anos de idade. Tal razão justifica a maneira menos formal que minhas razões são apresentadas emocionadas já que não poderia funcionar como advogado sem emoção nem parte só com a razão.

Convivi e fui oficialmente casado com Bruna Bianchi Carneiro Ribeiro Lins e Silva por 4 anos e meio.

Bruna estudou Comunicação na PUC-Rio. Após se formar foi fazer seus cursos de pós-graduação e mestrado em Moda, exatamente em Milão, Itália. No fim do seu curso final, após uma longa temporada de 4 anos, conheceu um norte-americano de nome David George Goldman, que estava hospedado do mesmo edifício onde Bruna morava, e que ali se encontrava como modelo. Logo apos alguns meses de contato, começaram a namorar, no estilo namoro por distância, já que o norte-americano morava nos Estados Unidos da América, e não tinha disponibilidade nem era mais convidado para desfilar com tanta intensidade por conta da sua idade.

namoro durou alguns meses. Durante este período Bruna viajou aos Estados Unidos e com seu namorado americano viajaram para o Canadá.

Dois meses depois de seu retorno para Milão, Bruna descobriu que estava grávida do namorado norte-americano, o que teria acontecido durante a viagem ao Canadá. Bruna anunciou o fato ao namorado e à família. Por mais que o contato entre os namorados eram raros diante da distancia, e com a vontade de ser mãe se aflorando, resolveu Bruna abdicar da Europa e se mudou para New Jersey, nos Estados Unidos, com o objetivo de dar ao filho a chance de ter uma família.

Bruna, infelizmente, não poderia imaginar o sofrimento que estava por vir.

Passo aqui a relatar fatos muito pessoais que só um marido ou pessoas muito próximas poderiam de fato saber.

namoro que funcionara à distancia, até então, se tornou uma tragédia. O namorado, que viria a se tornar marido por conta da gravidez não mais tocava em sua mulher. Durante todo o período de gravidez, inclusive na lua-de-mel, que acontecera tardiamente, e com Bruna grávida, não houve qualquer relação intima entre o casal.

Durante os últimos 3 anos de vida em comum, Bruna dormia em quarto separado de seu ex-marido. Vivia angustiada, em profunda depressão, chorando diariamente. As brigas eram comuns e assistidas pelo pequeno Sean, nascido em 2000 nos EUA mas registrado no Consulado Brasileiro e no 1o Registro Civil de Pessoas Naturais do Rio de Janeiro. Importante destacar que tal registro no Consulado Brasileiro ocorreu três meses após o nascimento de Sean, tornando-o cidadão brasileiro como todos nós, com todos os direitos e deveres de um cidadão nato, que quando completar a maioridade poderá optar por ser brasileiro ou americano. Até então permanecerá com ambas as nacionalidades, sem que uma se sobreponha a outra ou que ele seja mais brasileiro do que americano, e vice-versa.

David, nesta altura, e por conta da idade, não mais conseguia emprego e raramente conseguia algum dinheiro. Ficava em casa praticamente o dia todo, se preocupando em construir e consertar a casa. Bruna trabalhava o dia todo dando aulas de italiano em escolas primárias e era quem abastecia a casa com a alimentação e os custos gerais. Não obstante, e sabendo da situação, a família de Bruna auxiliava enviando dinheiro para que a família pudesse ter uma vida digna.

Até o seguro de saúde era pago por Bruna, já que seu ex-marido não auferia qualquer renda. Viviam num mundo de aparências, onde para alguns a vida era ótima, mas dentro de casa tudo era um inferno.

A situação chegou ao máximo no momento em que Sean, com quase completos 4 anos de idade, chamou sua avó materna, muito triste, para narrar que sua mãe não gostava dele porque ficava o dia todo fora de casa, e que quem gostava dele era seu pai, porque era ele quem o cuidava. Pediu para guardar o segredo. Perguntado quem teria dito tamanha barbaridade para uma criança, Sean respondeu que tinha sido David.

Estarrecida, a avó materna contou à filha o triste episódio. Bruna, que já se encontrava no Brasil com Sean, por conta de férias, decidiu terminar o casamento, que de fato já não existia há mais de 4 anos. Era infeliz, depressiva, tinha um marido vagabundo, que não desejava como mulher desde a gravidez, e se via obrigada a trabalhar o dia todo para exclusivamente sustentar a casa.

Decidiu não mais retornar aos EUA e terminar seu infeliz casamento.

Ligou para seu ex-marido, disse que estava infeliz, que não queria mais retornar, ofereceu-lhe passagem para vir imediatamente ao Brasil para conversarem e resolverem suas vidas. Nada aconteceu. O americano recusou as passagens, a estadia, e disse que no Brasil não pisaria.

Bruna, não restando outra alternativa, procurou informações com um advogado especializado para saber sobre sua situação. Imediatamente, e ainda durante o prazo autorizado pelo americano para Bruna aqui ficar em conjunto com seu filho, requereu perante a Justiça Brasileira a guarda provisória de Sean, que foi prontamente concedida.

americano, por sua vez, não mais se interessou em conversar com Bruna amigavelmente. Procurou um escritório de São Paulo e através dos mesmos ingressou, meses apos a vinda de Bruna, com uma ação alegando sequestro internacional!! Como se a mãe pudesse pedir resgate ou estar em lugar não sabido. O teórico resgate viria sim, mas de uma forma inversa, como será narrado em breve.

Neste processo perante a Vara de Família da Comarca do Rio de Janeiro, o americano devidamente contestou o pedido. Perdeu em 1a Instância e recorreu ao Tribunal Estadual. Novamente foi infeliz. Tentou um recurso ao STJ, onde não foi aceito e não mais recorreu, fazendo com que o processo transitasse em julgado.

No processo em curso perante a Vara Federal, onde é autor o americano, este mesmo perdeu em 1a Instância, em 2a Instância e novamente o fato se repetiu perante o Superior Tribunal de Justiça, onde se entendeu que antes de qualquer lei prevalece o maior interesse do menor, e neste caso, era que ficasse no Brasil e com sua mãe.

Neste momento é importante abrir um espaço.

Reencontrei Bruna por uma amiga comum dos tempos de faculdade, logo apos o seu retorno dos EUA. Nesta época eu me encontrava separado do meu primeiro casamento.

Tivemos histórias semelhantes, não fomos felizes nos nossos casamentos por alguns motivos muito parecidos, e talvez pela experiência de vida entendíamos muito bem um ao outro.

Em menos de 6 meses após nosso reencontro já estávamos morando juntos. E nunca imaginei o quanto poderia ser feliz como fui ao lado de Bruna.

Por alguma razão que pode ser explicada, a vida nos colocou ao lado por três vezes, sem que nas duas primeiras pudéssemos ficar juntos de fato. A última tivemos a certeza que éramos feitos para ficar juntos para sempre.

Bruna me dizia a todo tempo que eu era o "marido que ela escolheu". Namorávamos o tempo todo e nunca houve um momento de tristeza.

Sean tinha uma participação mais do que especial em nossas vidas. Desde nosso primeiro contato fizemos de forma que ele aceitasse a situação. Foi ele quem trouxe o primeiro presente de Dia dos Namorados para mim, espontaneamente. Meu relacionamento com Bruna nunca ficaria acima ou seria comparado ao relacionamento entre mãe e filho, por isso administrávamos da melhor forma possível pensando no bem-estar de Sean.

Nosso envolvimento como família era tão grande e tão natural que Sean passou a me chamar de PAI. Foi desejo dele, particular, e com muito orgulho e carinho recebi esse presente. Nossa relação, independentemente da nomenclatura, funcionava como pai e filho: sempre participei de todas as reuniões de pais na escola, fazíamos juntos os deveres de casa, colocava para dormir, atos comuns entre pais e filhos.

E fazia por amor. Sean é o filho que não tive do meu primeiro casamento. Nossa relação sempre foi muito forte, de conversa, de carinho, de ensino, de orientação, apoio e proteção.

Desde o primeiro dia que ficamos juntos e optamos em constituir uma família, se tornou minha exclusiva obrigação custear minha família. Me tornei responsável pelo pagamento dos custos de empregada, alimentação, moradia, estudo e lazer. Viajávamos sempre. Sean pôde conhecer a Europa do meu lado, e se encantar por Paris e a EuroDisney.

Tivemos por longos 4 anos e meio a melhor família do mundo, onde tudo era carinho, afago, respeito. Nunca houve uma briga, um choro, um momento de tristeza.

Bruna, que também registrara seu casamento norte-americano no Brasil, requereu o divórcio perante a Justiça Brasileira, ato em de acordo com a legislação. O americano foi formalmente citado por um Oficial de Justiça em Brasília. Bruna se divorciou e permitiu que finalmente pudéssemos nos casar oficialmente. Nosso casamento ocorreu no dia 1 de setembro de 2007.

Na ocasião, assinaram a certidão de casamento a Bruna, eu, as testemunhas, como manda a lei, e, num ato puro de espontaneidade, Sean também pediu para assinar, fato que muito nos comoveu, e que está na certidão do cartório bem como comprovada pelas fotos da ocasião. Sean, ali, atestava e aprovava nossa união.

Quatro meses após o casamento, Bruna novamente engravidou. Eu gostaria muito que tivesse sido antes, mas ela questionava, dizendo que dessa vez gostaria de estar grávida após casar formalmente, para não acharem que ela só casava quando engravidava.

Bruna teve uma gravidez perfeita, sem qualquer problema aparente. Sean acompanhou o crescimento da barriga da mãe diariamente. Ficamos muito felizes com a notícia de ser uma menina.

Com todo o seu talento, Bruna se tornou empresaria da moda infanto-juvenil e abriu um negocio de muito sucesso, uma loja para meninas chamada BISI. O sonho de ter uma menina se concretizava e ela dizia que faria as roupas pensando na filha. Em 4 anos montamos quatro lojas nos melhores pontos do Rio de Janeiro.

Programada para nascer dia 21 de agosto de 2008, Chiara resolveu nascer no dia. O parto aparentemente ocorreu sem problemas. Infelizmente ocorreram complicações e falhas que não merecem destaque neste momento.

Minha amada Bruna, minha vida, e mãe dos meus filhos, faleceu na madrugada do dia 22 de agosto, horas apos dar à luz a nossa filha Chiara. Me deixou com os dois maiores presentes da vida: Sean e Chiara. Bruna faleceu com 34 anos.

Sean – CIDADÃO BRASILEIRO – encontra-se no Brasil desde junho de 2004. Encontra-se no Brasil mais tempo do que viveu fora, sem levar em conta o tempo quando é muito bebê e ainda não tem tanta referência.

Sean encontra-se sob meus cuidados desde meados de janeiro de 2005, numa relação de pai e filho. Fala, hoje, muito pouco de inglês, e reconhece sua família – seu apoio e núcleo familiar – em mim como seu pai afetivo e sua irmã, maior referência biológica da mãe.

Durante todos esses anos, o norte-americano não nos procurou um dia sequer. No primeiro ano de permanência no Brasil, ligou para Sean raras vezes, talvez duas, em datas como aniversário e Natal. Nos últimos dois aniversários, Sean não recebeu nenhum telefonema, sendo que em 2007 e 2008 não recebemos qualquer contato por telefone.

Se limitava nos primeiros dois anos a enviar emails para a conta de minha mulher, em inglês, para uma criança que ainda nem estava alfabetizada em português. Recebemos umas duas vezes alguns presentes, enviados pela avó paterna, com simples carta assinada pela avó, exclusivamente.

Durante todo o tempo o americano diz ter estado no Brasil 4 ou 5 vezes. Em nenhuma dessas ocasiões nos procurou, formalmente ou informalmente. Nunca requereu visita através da Justiça, apesar de ter contestado o pedido de guarda, de ter tomado a iniciativa judicial no Brasil. De fato soubemos da presença dele por conta de nossos advogados, que com ele estiveram no dia de julgamento.

Soubemos também que ele esteve presente nos tribunais procurando fazer lobby com alguns desembargadores. Repito: em nenhum momento ao menos ligou para nossa casa avisando que aqui se encontrava. Preferiu visitar os julgadores a Sean.

Logo apos o falecimento da minha amada mulher, tomei a iniciativa judicial requerendo a guarda provisória de Sean, com quem já cuidava e mantinha relacionamento de pai – filho há mais de 4 anos. Recebi a guarda provisória após concordância do Ministério Público Estadual a meu favor.

Infelizmente não pude imaginar o que estava por vir. Logo apos a missa de sétimo dia de Bruna, recebi a notícia de que o americano se encontrava no Brasil, e que teria feito contato através dos advogados.

Minha pergunta: TERIA ELE APARECIDO SE BRUNA NÃO TIVESSE MORRIDO???

Pelo histórico é lógico que não.

Mesmo sem ter feito um contato visual nos últimos 4 anos e meio, resolveu procurar o filho biológico. O pedido foi feito através do Juízo de família, que, por experiência e acompanhando o entendimento do Ministério Público negou a visita, temporariamente, tendo em vista o momento de dor da família e sua ausência depois de tantos anos. Entendeu que tal visita deveria ocorrer apos estudos sociais e psicológicos, tudo em prol do interesse de Sean.

Após essa decisão judicial, nossa vida se tornou um inferno.

Tal americano contratou, através de seus advogados, uma assessoria de imprensa, apesar do processo todo correr em segredo de Justiça. Começou a divulgar uma versão mentirosa à imprensa brasileira, como se a vida nos EUA tivesse sido um conto de fadas. Divulgou que teria vindo inúmeras vezes ao Brasil e que a "família teria impedido o acesso". Chamou a Bruna de bígama, de adultera, de sequestradora de criança – mesmo apos sucessivos julgamentos – e sem que a própria Bruna pudesse ao menos se defender.

Divulgou uma carta na internet onde acusava a Justiça brasileira de corrupta, que teríamos pago todos os julgadores, e que nossos tribunais não mereciam crédito.

Tremendo absurdo!

Não é só isso. No retorno aos EUA procurou a imprensa de seu país. Divulgou a matéria toda, deu entrevista contando sua versão mentirosa dos fatos. Divulgou meu nome e de minha família, me chamando de sequestrador de criança.

Criou um site na internet onde divulga sua versão, existindo um link para onde as pessoas têm acesso ao meu email e do meu pai e que a partir dali podem me escrever me caluniando. Recebi centenas de emails, me mandando queimar no inferno, que sou bandido. Juntamente com o link, apresentou uma série de emails da Embaixada Brasileira, dos tribunais, do Poder Executivo, fazendo pressão através da opinião pública americana para que tomassem providências políticas contra mim e contra minha família, tendo como pretexto o retorno de Sean aos EUA, após 4 anos e meio sem nada fazer.

SE NÃO BASTASSE, O AMERICANO PEDE EM SEU SITE DOAÇÕES FINANCEIRAS ONDE SE ACEITA TODOS OS CARTÕES DE CRÉDITO!!!

Se não bastasse criou produtos com o rosto de Sean ainda aos 2 anos de idade que serve para estampar canecas, aventais de cozinha, camisetas de todos os modelos com dizeres que o Brasil não cumpre a lei, que Sean quer voltar ao pais dele etc, fatos completamente absurdos e apelativos que servem como ganha-pão para sustentar o americano que não tem emprego.

Importante mencionar que ele diz nunca ligar porque supostamente a família não aceitaria ligações a cobrar. Como pode então querer sustentar uma criança que pouco se lembra de seu passado americano, se nem dinheiro tem para ligar para seu filho biológico?

Alem disso, entrou no Orkut, comunidade da internet comum entre os jovens brasileiros, e na comunidade criada por crianças que apreciam a loja de minha mulher, começou a divulgar vídeos e fotos acusando a Bruna de sequestradora, enviando tais documentos para CRIANÇAS brasileiras, sem medir as consequências ou avaliar a gravidade de seu ato!

Repare que se estivesse realmente sofrendo ou interessado não teria começado a gritar 4 anos e meio depois. Teria feito na semana seguinte da vinda de Bruna ao Brasil!!!

americano aparenta cheio de boas intenções. Porém não divulga à imprensa brasileira, nem à do seu país, nem muito menos no seu site, que ACUSOU MEUS SOGROS DE CONIVENTES COM UM SUPOSTO SEQUESTRO INTERNACIONAL, EM AÇÃO MOVIDA NOS ESTADOS UNIDOS, E QUE LÁ REALIZOU UM ACORDO PERANTE O JUÍZO ONDE RETIROU A RECLAMAÇÃO PELA LINDA CIFRA DE US$150.000,00 (CENTO E CINQUENTA MIL DÓLARES)!!! Tudo devidamente homologado perante um Juiz americano!

Repito: teria aparecido o sujeito se Bruna não tivesse morrido??? NUNCA!!! Veio porque sentiu cheiro de dinheiro, tendo em vista a eventual herança que poderá Sean receber.

É importante destacar que durante todos esses 4 anos e meio o americano não nos enviou UM CENTAVO SEQUER. Todo o custo de Sean foi bancado por mim e por Bruna. Não tomamos a iniciativa de cobrar alimentos, não há qualquer ação deste tipo. Como também não há qualquer ação visando e requerendo visitar Sean. Então porque depois de 4 anos e meio??? Só porque a Bruna morreu? Não ficou satisfeito com o acordo?

americano também não diz que mora numa casa que foi comprada com dinheiro da Bruna. Vive em teto que não é só dele gratuitamente. Não conta que falsificou a assinatura de Bruna em vários cheques da conta corrente para ter acesso ao dinheiro por ela deixado quando retornou ao Brasil. Nada disso divulga.

Muito pelo contrário, faz cara de triste, de pai biológico prejudicado. Infelizmente sua atuação comoveu o governo americano, que começou a pressionar o Autoridade Central Brasileira. Motivada por razões que desconheço, a Secretaria de Direitos Humanos do MEU PAÍS forçou a União, através da Advocacia Geral da União, que é sustentada pelo nossos impostos, que tomasse uma iniciativa judicial.

Hoje sou RÉU DE UM PROCESSO MOVIDO CONTRA A UNIÃO ONDE SE PLEITEIA O RETORNO DE SEAN E VISITAÇÃO EM FAVOR DE UM NORTE-AMERICANO!!!!! Mesmo que o pedido tenha sido feito perante o Juízo de Família e mesmo que o pedido de retorno se repete, cujo mérito já foi julgado pelo STJ!!! A União pleiteia um direito em favor PARTICULAR de UM AMERICANO CONTRA UM BRASILEIRO que vem sendo massacrado pela imprensa, que não dorme com calma, que se vê obrigado a requerer à Justiça liminares para que o assunto não seja mais divulgado mesmo que esteja protegido pelo segredo de Justiça.

Meu país não pode agir contra um VERDADEIRO PAI BRASILEIRO, A PONTO DE INTERCEDER NUM ASSUNTO COMPLETAMENTE PARTICULAR. A QUE PONTOS CHEGAMOS???? ESTAMOS ENTÃO SUJEITOS AO INTERESSE ESTRANGEIRO ACIMA, INCLUSIVE DE DECISÕES DOS NOSSOS TRIBUNAIS?

TERIA EU O MESMO TRATAMENTO SE O FATO OCORRESSE NOS EUA?

Me sinto completamente desamparado. O americano, neste momento, deve estar criando artimanhas políticas para prejudicar minha família, pessoa esta que não deveria receber qualquer crédito por ter sido completamente ausente. Fazer o filho é bom, mas se responsabilizar pelo cuidado e educação requer mais do que dedicação, e meu amor por Sean não se diferencia do amor que sinto pela pequena Chiara.

A Bruna era muito querida. Quando faleceu tivemos uma página de jornal com o anúncio de sua missa. Em seu enterro, que não fora divulgado na imprensa, tivemos do nosso lado mais de mil amigos. Bruna sempre acreditou no Brasil e aqui fez sua verdadeira família. Nesta situação nossos tribunais entenderam que o bem para o Sean era permanecer aqui. Sean hoje tem uma irmã biológica, e a União, pressionada ou não, parece querer esquecer a decisão de nossa máxima Corte e, por conta do falecimento da Bruna, pleitear com base em sequestro, o retorno de Sean aos EUA, depois de estar ele mais tempo no Brasil. Esquecem que Sean é BRASILEIRO!!! QUE MESMO QUE NÃO TENHA NASCIDO NESTA TERRA QUERIDA, AMA SEU BRASIL COMO POUCOS.

Não por nossa culpa perdeu o vínculo com os EUA. Não por nosso descuido, não por nossa ausência. Não podemos agora nos tornar réus, acusados de sermos sequestradores, de irmos de encontro aos interesses de um norte-americano. Onde chegamos????? O quanto Sean é mais americano do que brasileiro?? Ou será que é melhor ser americano?? Até quando pressões políticas servirão de pretexto para a AGU tomar iniciativa em favor de interesses particulares de um gringo contra uma LEGÍTIMA FAMÍLIA BRASILEIRA???

Sean, desde o falecimento da mãe, recebe acompanhamento psicológico para auxiliá-lo no momento difícil. A psicóloga Maria Helena Bartolo sempre foi categórica em afirmar que Sean, por falta de iniciativa do pai biológico, perdeu a referência de seu passado americano, por não mais praticar a língua e por ter vindo muito novo para o Brasil. Sean chegou apos recém-completar 4 anos. Se levarmos em conta que a criança tem pouca ou nenhuma lembrança de seus primeiro anos de vida, é claro entender que Sean não consiga se lembrar de fatos e pessoas – mesmo que parentes – dos EUA.

Segundo a psicóloga, sua lembrança formal é da mãe ao meu lado, num lar feliz e agradável. Sean viveu ao meu lado praticamente 60% de sua vida, visto que completará em maio 9 anos de idade, mais tempo do que nos EUA. Quando questionado sobre sua vida nos EUA, se lembra de pequenos detalhes, incluindo discussões e brigas que ocorriam com frequência por causa de um casamento falido.

É importante reforçar que eu, como pai sócio afetivo, só tenho interesse no bem-estar do meu filho Sean, nada mais do que isso. É massacrante ver sua imagem inocente em canecas vendidas pela internet onde a receita não se sabe para onde vai. A figura de Sean é exposta inconsequentente ao mundo, sem que meçam o mal que isso pode trazer a uma criança em desenvolvimento. O segredo de Justiça é desrespeitado diariamente, tendo em vista as fotos e colocações jogadas na mídia sem qualquer critério, com o único fim de gerar polêmica e vender jornal.

Qual o objetivo de todos esses ataques contra sua família brasileira? Nunca houve intenção de impedir o contato e o convívio saudável. Tanto que na primeira oportunidade ocorrida recentemente, eu, como guardião, ofereci a visita já ocorrida. A psicóloga de Sean pode testemunhar o fato, e narrou que Sean se mostrou curioso, mas, após algumas horas, desconfortável. Repete em suas sessões que quer ter uma vida normal, sem aflições ou riscos de ser levado do Brasil sem que seja ouvido, que quer ficar com seu pai afetivo que tanto ama e ao lado de sua irmã, maior referência de sua falecida mãe. Obviamente que não se nega nem demonstra interesse em não manter contato com o pai biológico, mas que seja de forma equilibrada e saudável.

Porém, existe um real temor da família, por conta de pressões políticas norte-americanas, via Consulado, para que o interesse do menor seja colocado em segundo plano. Pouco importa se o pai biológico ficou ausente por 5 anos. Pouco importa se Sean tem uma irmã biológica. Pouco importa se ele aqui é amado e quer permanecer no local onde considera como casa, onde frequenta a escola. Pouco importa que é BRASILEIRO. Estamos efetivamente correndo o risco de ver nossa lei máxima que respeita, antes de tudo, o maior interesse do menor, ser violada, rasgada, jogada por terra por interesses políticos norte-americanos. Querem usar este menino como exemplo. Exemplo de quê? Não basta ter se tornado órfão aos 8 anos, e agora, ficar na iminência de ser retirado de sua casa, de seu lar, do convívio com quem reconhece e quem o cuida há 5 anos, do convívio diário com sua irmã que tanto ama, se seus avós, tios e amigos?? Onde fica o maior interesse do menor??? Ou se trata do maior interesse dos EUA, do Embaixador Americano, de Hillary Clinton?

Nem ao menos sabemos se a versão contada fora do Brasil é verdadeira. Os fatos são inúmeros e aqui temos milhões de papéis que provam, infelizmente, o caráter do pai biológico que nunca teve emprego fixo e foi sustentado por minha mulher durante os anos de casamento. Se utilizando da falta do segredo de Justiça nos EUA se vende como um coitado, quando na verdade o único verdadeiramente penalizado nessa historia é Sean, que está no risco de perder tudo aquilo que realmente o faz se sentir seguro. Sean nem ao menos fala inglês com segurança ou fluência como tentam apresentar!!!

Com muito medo e no sentido de evitar que os direitos e interesses de um filho sejam efetivamente e grosseiramente violados, é que um pai sócio afetivo – que não fugiu de sua responsabilidade de sustentar um criança pela maior parte de sua vida única e exclusivamente por AMOR – clama à este Conselho para que analise e proteja os direitos de uma criança brasileira que já sofreu o bastante, e que hoje vive angustiada e sofrendo um jogo político internacional nefasto e inconsequente – cujos interesses políticos estrangeiros parecem estar acima da nossa lei, e se não bastasse, acima do interesse maior de uma criança brasileira, ÚNICA VITIMA, que virá a sofrer sérias consequências emocionais, caso não haja intervenção deste órgão.

Rio de Janeiro, 05 de março de 2009

João Paulo Lins e Silva – OAB/RJ 94728


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Marconi Alvim. Sujeitos que falam e o sujeito do qual se fala. Considerações sobre um caso exemplar de segredo de justiça e atuação profissional psicológica em processo judicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2337, 24 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13895. Acesso em: 29 mar. 2024.