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A aplicação da teoria do adimplemento substancial pela jurisprudência brasileira

A aplicação da teoria do adimplemento substancial pela jurisprudência brasileira

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Vem se admitindo à boa-fé interferir em todo o percurso do vínculo obrigacional, de modo a que se compreenda a obrigação como um processo orgânico.

1 - INTRODUÇÃO

Antes de adentrar no exame da teoria do adimplemento substancial, é necessário expor a principiologia subjacente ao referido instituto, com o intuito de compreendê-lo em toda a sua amplitude e verificar se a jurisprudência nacional o vem caracterizando conforme os princípios de Direito Civil-Constitucional [01], os quais servirão de premissa metodológica adotada neste trabalho [02].

Qualquer estudioso que se esmere no estudo do adimplemento, que traduz a idéia de liberação do devedor perante o credor, através do cumprimento de determinadas prestações inerentes ao processo obrigacional [03], deve necessariamente recorrer ao princípio da boa-fé, pois este norteia todas as fases do referido processo, desde antes da formação do vínculo obrigacional até após sua extinção.

Justamente por possuir função harmonizadora das regras de Direito, notadamente das de Direito das Obrigações, vem se admitindo à boa-fé interferir em todo o percurso do vínculo obrigacional, de modo a que se compreenda a obrigação como um processo orgânico. Nessa linha de raciocínio, CLÓVIS V. DO COUTO E SILVA defende a aplicação do princípio da boa-fé [04]:

"A aplicação do princípio da boa-fé tem, porém, função harmonizadora, conciliando o rigorismo lógico-dedutivo da ciência do direito do século passado com a vida e as exigências éticas atuais, abrindo, por assim dizer, no hortus conclusus do sistema do positivismo jurídico, "janelas para o ético".

Ao tratar do princípio da boa-fé sob o enfoque civil-constitucional, torna-se imprescindível mencionar o princípio da solidariedade social, que também incide em qualquer instituto de Direito Civil. Isto porque o inciso I do artigo 3º da Constituição Federal Brasileira estabelece que a construção de uma sociedade solidária é um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, restando inquestionável que a solidariedade social, encartada no "Título I – Dos Princípios Fundamentais" da Constituição Federal, foi alçada a categoria de princípio constitucional, balizador das regras infra-constitucionais.

Essa idéia de reconhecimento do outro, própria da solidariedade social, está umbilicalmente ligada ao conteúdo do princípio da boa-fé [05], pois este implica em um dever de consideração para com o outro. Confiram-se, a esse respeito, os ensinamentos de CLÓVIS COUTO E SILVA [06], um dos precursores da aplicação do princípio da boa-fé no Direito Brasileiro [07]:

"A seu turno, o dever que promana da concreção do princípio da boa-fé é dever de consideração para com o alter. Mas tais deveres não se manifestam em todas as hipóteses concretas, pois que, em muitos casos, dependem de situações que podem ocorrer, seja no próprio nascimento do dever ou no seu desenvolvimento. A doutrina, contudo, vem encontrando área de acordo na circunstância de que em toda e qualquer vinculação, exceto nas provenientes de atos ilícitos, é possível o surgimento de deveres dessa natureza".

Precisamente por pressupor um dever de consideração para com o alter de uma relação jurídica, é que o princípio da boa-fé objetiva revela um novo conceito de obrigação, já não se esgotando esta em um mero cumprimento da prestação principal pelo devedor, pois existem outras espécies de prestações, correspondentes a uma série de direitos e deveres, provenientes dessa relação recíproca de consideração de credor por devedor e vice-versa.

Em decorrência da relação dialética de cooperação estabelecida entre devedor e credor, a obrigação se dirige inexoravelmente para o adimplemento, o qual, na pioneira tese de CLÓVIS COUTO E SILVA, "polariza" a obrigação em todas as suas fases, razão pela qual o estudo da boa-fé objetiva é de fundamental importância para a perfeita caracterização do instituto do adimplemento substancial, objeto do presente trabalho.


2 - O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ

Inicialmente, cumpre examinar a boa-fé objetiva, chamada de boa-fé obrigacional [08], através da qual se tutela a confiança depositada na celebração de um negócio jurídico.

É precipuamente esse o escopo da boa-fé objetiva: resguardar as expectativas legítimas da outra parte, através do cumprimento de um dever genérico de lealdade e crença, a ser observado na vida de uma relação jurídica (Treu und Glaben).

MAURÍCIO JORGE MOTA [09] define com, clareza ímpar, o conteúdo do princípio da boa-fé objetiva:

"A boa-fé objetiva, que os alemães definem por Treu und Glaben (lealdade e crença), é assim um dever global – dever de agir de acordo com determinados padrões, socialmente recomendados, de correção, lisura e honestidade para não frustrar a confiança da outra parte".

Esta é a nota característica da boa-fé objetiva, um dever positivo de agir com boa-fé, que, portanto, nada tem a ver com a boa-fé subjetiva, em que apenas se exige uma conduta passiva, de desconhecimento por parte de seu detentor da realidade.

No que toca à boa-fé objetiva, a simples ausência de boa-fé já revela a violação à essa vertente da boa-fé, independentemente de se estar de boa-fé ou de má-fé, de se agir sem dolo ou culpa, motivo pelo qual MAURÍCIO MOTA [10] conclui que "nem sempre a atuação não conforme a boa-fé (objetiva) será ilícita, mas quando não ilícita, em princípio continuará sendo geradora de responsabilidade".

Explicitada essa noção inicial da boa-fé objetiva, é preciso aprofundar a sua análise, na medida em que esse instituto determinará a dimensão do processo obrigacional, esclarecendo a extensão do dever global de lealdade e crença, que influencia a caracterização do dever de cumprimento da prestação principal e, por isso mesmo, o próprio conceito de adimplemento.

2.1. O princípio da boa-fé objetiva

Estabelecido que a boa-fé objetiva traduz a noção de dever global de lealdade e crença, é preciso especificar a exata dimensão desse conceito, dada sua fluidez e possibilidade de ser interpretado conforme as percepções subjetivas de cada intérprete.

Explique-se: a boa-fé objetiva, como qualquer princípio [11], é dotada de grande abstração e generalidade, motivo pelo qual necessita de concreção para definição de seu alcance, inclusive em harmonia com outros princípios jurídicos [12].

JUDITH MARTINS-COSTA e GÉRSON LUIZ CARLOS BRANCO [13] assinalam, com propriedade, a necessidade de a boa-fé objetiva ser contextualizada através do diálogo com as regras jurídicas, sob pena de se prestigiar o arbítrio judicial na aplicação indiscriminada do instituto:

"E constitui modelo a boa-fé porque, para a sua correta aplicação, não pode o juiz prescindir da articulação coordenada de outras normas integrantes do ordenamento, compondo-as numa unidade lógica de sentido. É preciso recorrer, exemplificativamente, às regras (...) ou a outros princípios ou diretrizes, expressos ou implícitos no ordenamento, (...) para lograr uma adequada concreção do princípio – adequada porque viabilizadora da inserção, no ordenamento, da nova solução alcançada por via jurisprudencial, e porque afastada do puro simples voluntarismo judicial".

Além do cotejo com outras regras jurídicas, a boa-fé deve ser contextualizada no exame de cada caso concreto, posto que o dever fundamental, que emana do princípio da boa-fé objetiva, se concretiza numa relação jurídica determinada estabelecida com certa pessoa [14], o que é perfeitamente acentuado por CLÓVIS COUTO E SILVA [15], in verbis:

"O dever que se cumpre, ou descumpre, é dever para com uma pessoa determinada. As relações que se estabelecem com essa pessoa são, também, determinadas. A conformidade ou desconformidade do procedimento dos sujeitos da relação com a boa-fé é, por igual, verificável apenas in concreto, examinando-se o fato sobre o qual o princípio incide, e daí induzindo o seu significado".

A despeito da consideração concreta dos contratantes, o que fixará o conteúdo da boa-fé objetiva não é a vontade destas de determiná-lo com maior ou menor intensidade, mas sim o processo obrigacional dirigido ao telos de cada contrato, que indicará a medida certa e determinada de cooperação, apta a atingir o bom fim das obrigações. Nesse sentido, a definição de CLÁUDIA LIMA MARQUES [16] do princípio da boa-fé objetiva é perfeita: "uma atuação refletida, (...) pensando no parceiro contratual, respeitando seus interesses legítimos, seus direitos, respeitando os fins do contrato, agindo com lealdade (...), cooperando para atingir o bom fim das obrigações (...)".

É importante que o juiz, assim, verifique qual espécie de dever global será determinado pela finalidade do contrato, pois cada contrato, como uma operação econômica que se difere no tempo e espaço para ser cumprido, necessita do cumprimento de uma série de deveres, os quais são aferíveis de forma individualizada, embora, também, devam ser visualizados de forma encadeada e dirigida à realização de um preciso objetivo: o adimplemento.

Nesse sentido, CLÓVIS COUTO E SILVA [17] nos dá exemplo esclarecedor, ao tratar da contratação de publicidade entre um comerciante e empresa contratada para colocação de determinado anúncio publicitário. A partir desse específico contrato, ele aduz a possibilidade do sujeito passivo colocar o anúncio publicitário em lugar pouco freqüentado, o que permite dizer que o credor poderá não considerar o adimplemento como satisfatório, apesar da convenção não determinar o local em que seria colocado o anúncio, na medida em que aquele deveria levar em consideração que quem contratara era comerciante e, por conseguinte, o anúncio só poderia ter interesse, se situado em lugar adequado a sua finalidade, ou seja, em lugar de intenso tráfego de pessoas, aumentando, assim, a probabilidade de vendas.

Importa notar que, no exemplo acima referido, a dialética do princípio da boa-fé objetiva com a finalidade negocial tem relação direta com a configuração do adimplemento, na medida em que o publicitário não atentou que o escopo do negócio era a promoção da marca do comerciante, pois não colocou o anúncio publicitário em local de intenso tráfego de pessoas.

Dessa forma, tanto a finalidade negocial [18], como o princípio da boa-fé objetiva [19], serão importantes para a configuração do adimplemento e, conseqüentemente, para se aferir a substancialidade deste, servindo, assim, como instrumentos poderosos de aplicação da teoria do adimplemento substancial pelos juízes.


3 - AS TEORIAS DO ADIMPLEMENTO E DO INADIMPLEMENTO NA RELAÇÃO OBRIGACIONAL COMPLEXA

Na relação obrigacional complexa, existe uma série de direitos e deveres, decorrentes do princípio da boa-fé objetiva, que ultrapassam o dever da prestação principal, havendo verdadeira cooperação entre credor e devedor em direção à finalidade do contrato e, conseguintemente, ao adimplemento.

Essa noção de obrigação como processo dirigido ao adimplemento, extraída da obra de CLÓVIS E COUTO E SILVA, como se verá no tópico a seguir, tem relação direta com a conceituação do adimplemento no Direito Brasileiro.

3.1. O conceito de adimplemento no direito brasileiro: a importância do princípio da separação dos planos

Para se entender o adimplemento no Direito Brasileiro, é preciso, antes, compreender que esse instituto se situa em plano diferente do Direito das Obrigações, o plano dos Direitos Reais, exceto quando não importar transferência de propriedade, como no exemplo da cessão de créditos, como adverte CLÓVIS COUTO E SILVA [20].

Diferentemente de um leigo, que, ao refletir acerca de um contrato com efeitos instantâneos, como a compra e venda de um medicamento na farmácia, intui que o título aquisitivo, o contrato, foi o responsável pela aquisição da propriedade, deve-se entender que o texto do artigo 481 do Código Civil [21] é expresso ao afirmar que, mediante o contrato de compra e venda, uma das partes apenas se obriga a transferir o domínio de certa coisa, enquanto que a outra tão-somente se compromete a pagar o preço ajustado.

Em consonância com o artigo 481 do Código Civil, o caput dos artigos 1267 [22] e 1245 [23], estabelece, respectivamente, que a tradição das coisas móveis e o registro imobiliário são os meios idôneos à aquisição da propriedade, razão pela qual o adimplemento, a satisfação da obrigação, somente se opera no plano dos Direitos Reais.

Portanto, a propriedade não se transfere solo consensu, em ordenamentos jurídicos como o Brasileiro, devendo-se, ainda, investigar a causa de aquisição da propriedade, vez que o Código Civil de 2002 não possibilita sua abstração, que conferiria presunção juris tantum quanto à existência, validade e eficácia do negócio jurídico.

Embora o adimplemento se situe no plano dos Direitos Reais, não se prescinde da causalidade no sistema brasileiro, ao contrário do sistema germânico, no qual há a abstração total da causa do negócio jurídico anterior à aquisição do Direito Real, motivo pelo qual se pode dizer que o princípio da separação de planos é relativa em nosso ordenamento, como afirma CLÓVIS COUTO E SILVA [24]:

"A linha divisória que se estende entre as duas dimensões, traçando a fronteira entre o campo obrigacional e o real, nem sempre implica, entretanto, abstração dos negócios jurídicos de direito das coisas.

Nos casos, ou nos sistemas, em que esses negócios jurídicos não se revelam como abstratos, diz-se que a separação, embora existente, não é absoluta, mas simplesmente relativa.

O que impede que se considere unitariamente a venda – como negócio, a um só tempo, obrigacional e dispositivo, composto de dois momentos, como sugere Larenz – é a circunstância de ambos se situarem em planos diferentes.

Mas, nada impede que a separação seja considerada de modo relativo, ao invés de absoluto, conferindo-se caráter causal ao negócio dispositivo e fazendo-se com que ele dependa do negotium antecedens.

O sistema adotado, no Código Civil Brasileiro, é o da separação relativa; e nele não se encontra a expressão negócio jurídico e, conseqüentemente, a de negócio jurídico de disposição".

A adoção do princípio da separação relativa dos planos, no ordenamento jurídico brasileiro, é mais uma justificativa para se admitir a importância da boa-fé objetiva na configuração do adimplemento, na medida em que, apesar do adimplemento se situar em plano diferente ao do contrato, não se pode abstrair desse negócio jurídico antecedente, o que conduz, necessariamente, à adoção da boa-fé contratual como norte do processo obrigacional, rumo ao adimplemento.

Essa razão é uma justificativa plausível para a admissão de um conceito aberto de adimplemento, que engloba não só a satisfação da prestação principal, mas também o cumprimento dos deveres da boa-fé.

3.2. Requisitos de configuração do adimplemento

Levando-se em consideração que o adimplemento não se resume na satisfação da prestação principal, parece que o tradicional conceito da obrigação perfeita, que seria constituída por um débito, corresponde à prestação principal, e por responsabilidade, que surgiria sempre que descumprido o dever de cumprir essa prestação primária, não corresponde à dogmática atual do Direito das Obrigações.

Em primeiro lugar, a obrigação não se esgota na prestação principal, como visto no decorrer do presente estudo e, em segundo lugar, a responsabilidade patrimonial do devedor nem sempre se configura, quando descumprido o dever atinente à prestação principal.

Isto porque o Direito Contemporâneo e, em particular, nosso ordenamento constitucional é fundado na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, C.F.), razão pela qual a tutela jurisdicional incide não somente sobre os direitos patrimoniais, mas essencialmente, sobre os direitos existenciais, os quais, para serem dignos de tutela, necessitam de deveres correlatos.

Ao descrever as obrigações personalíssimas, cujo descumprimento não admite execução específica em prol do devedor, CLÓVIS COUTO E SILVA [25] ressalta que o conceito de obrigação está, indissociavelmente, ligado ao da pessoa humana e, a partir desse pressuposto, rompe com a noção de obrigação como débito e responsabilidade, na medida em que o inadimplemento de certos deveres jurídicos extra-patrimoniais não acarretam conseqüências econômicas, como, por exemplo, o descumprimento de contratos sem fins lucrativos, cujo conteúdo é extra-patrimonial.

Além de o débito não ter necessário conteúdo patrimonial, é preciso ressaltar que o dever de prestar dele decorrente deve ser cumprido de maneira objetiva, na medida em que o cumprimento deve retratar, exatamente, o programa obrigacional ajustado pelas partes.

Por conseguinte, a figura do credor inflexível, para o qual o Direito das Obrigações foi construído, é de certa forma, minimizada em favor da proteção jurídica da pessoa do devedor e em função do reconhecimento de que o processo obrigacional é marcado por uma relação dialética de cooperação entre o devedor e credor.

Até mesmo em sede de descumprimento, permanece o credor obrigado a um dever geral de cooperação, com vistas à mitigação dos danos decorrentes do agravamento do descumprimento. Nesse sentido, é valiosa à remissão à doutrina da mitigação do dano, oriunda do Direito Inglês ("doutrine of mitigation"), que justifica a contínua relação de cooperação entre devedor e credor, mesmo após a configuração do incumprimento, como adverte VIVIEN LYS PORTO FERREIRA DA SILVA [26]:

"Outrossim, esse dever do credor está fundamentado na Doutrina da mitigação, oriunda do direito inglês ("doutrine of mitigation"), pela qual o credor deve colaborar, apesar da inexecução do contrato, para que não se agrave, pela sua ação ou omissão, o resultado danoso decorrente do incumprimento. Os princípios dessa doutrina proclamam que "o lesado deve tomar todas as providências razoáveis para mitigar o dano, e não pode pretender o ressarcimento de perda que teria podido evitar, mas que não evitou, por injustificada ação ou omissão. Essa doutrina dirigida para a avaliação do ressarcimento cabível atua, também, na avaliação do prejuízo ao contrato resultante do incumprimento, tendo em vista a sua definição como sendo um incumprimento grave para o fim de resolução. Se a gravidade desse incumprimento decorreu da ação ou da omissão concorrente do credor, tal acréscimo não deve ser levado em consideração".

A partir desse panorama de relativização da obrigação, que não se identifica com os direitos potestativos do credor, pode-se inferir que o modo de seu cumprimento, apto a atingir o adimplemento, também, sofre temperamentos, de acordo com os princípios específicos do adimplemento.

Um dos princípios específicos do adimplemento é o princípio da correspondência, que se traduz na identidade entre a prestação idealizada e a prestação efetivamente realizada, pois o adimplemento, como afirmado acima, depende da exata satisfação da prestação devida. O artigo 313 do Código Civil expressa o princípio da correspondência, ao estabelecer que "o credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa".

Por seu turno, o princípio da integralidade significa que o credor não é obrigado a receber em prestações periódicas se assim não se convencionou, mesmo que o objeto da prestação seja divisível, como dispõe o artigo 314 do Código Civil: "ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou".

Contudo, o credor não pode recusar o pagamento por mero capricho, devendo aceitar o pagamento parcial, se não houver justo motivo para recusá-lo, mormente quando o devedor paga e satisfaz quase a totalidade da prestação ajustada. Tal capricho do credor impediria o devedor, que vem envidando todos os esforços para pagar a dívida com lealdade, de percorrer o iter necessário ao adimplemento, exceto se a prestação se tornar inútil.

Por fim, o princípio da concretização se consubstancia na transmudação da obrigação, idealmente ajustada pelas partes, para uma série de atos concretos, tendentes ao cumprimento dos deveres convencionados e daqueles provenientes da boa-fé objetiva.

Em relação às obrigações alternativas, também, é possível visualizar o princípio da concretização, quando se imagina a transformação da obrigação alternativa em obrigação simples, através do exercício do direito de escolha, que individualiza o objeto da obrigação.

Assim como o princípio da correspondência e o princípio da integralidade, o princípio da concretização é inteiramente perpassado pelo princípio da boa-fé objetiva, razão pela qual se verifica que o processo obrigacional, ao se dirigir ao adimplemento, é comandado por tal princípio, o que terá considerável relevância na conceituação do inadimplemento, por ser este o anverso do adimplemento.

3.3. O conceito de inadimplemento

O inadimplemento obrigacional, em concepção bem estreita, pode ser definido como a não realização da prestação principal, o que acarreta a possibilidade da parte prejudicada de requerer a resolução do contrato e de opor a exceção do contrato não cumprido [27].

A partir de raciocínio a contrario sensu, é possível ver como essa noção é falaciosa: sendo certo que o adimplemento atrai e molda a obrigação de forma dinâmica, dado que a existência de deveres anexos, para ambas as partes, vai se revelando segundo a concreta ordem de interesses merecedores de tutela [28], não haverá adimplemento quando a prestação principal for cumprida, mas os mencionados deveres não o forem, porque esses últimos são partes integrantes da obrigação, entendida como um complexo de deveres convencionados e autônomos.

Por conseguinte, pode haver inadimplemento, mesmo com o cumprimento da prestação principal, quando forem descumpridos os deveres autônomos provindos da boa-fé objetiva. Feita essa consideração, é possível compreender que a resolução do contrato, conseqüência principal do inadimplemento, não será legítima em todas as hipóteses de descumprimento da prestação principal, concomitantemente, ao irrestrito cumprimento dos deveres oriundos da boa-fé, pois como esta é um dos elementos componentes da estrutura obrigacional, para se analisar a legitimidade da resolução, é imprescindível que se analise o descumprimento desses deveres.

EDUARDO LUIZ BUSSATTA [29], ao defender que o inadimplemento não se encerra no descumprimento da prestação principal, ilustra esse posicionamento com o exemplo de um mandatário que, mesmo cumprindo os encargos decorrentes do mandato, não presta contas ao mandante da execução do mandato: "ainda que o mandatário cumpra escrupulosamente o encargo que lhe foi passado pelo mandante, será considerado inadimplente caso não preste contas dos valores por ele gastos, tenham sido ou não adiantados pelo mandante".

Em decorrência desse conceito aberto de inadimplemento, abrangendo tanto o descumprimento da prestação principal, quanto o dos deveres impostos pela boa-fé objetiva, existem uma série de modalidades de descumprimento incidentes sobre cada fattispecie, sendo certo que a doutrina se divide na adoção de classificações diferentes, como será visto no próximo tópico.

3.4. Modalidades de inadimplemento

Em primeiro lugar, convém destacar que o Código Civil Brasileiro não especificou as modalidades de inadimplemento, tendo previsto um sistema binário baseado no inadimplemento absoluto e na mora, consagrada no artigo 394 do Código Civil [30] em seu aspecto temporal, espacial e formal, diferindo, assim, o Direito Brasileiro de outros ordenamentos jurídicos, tais como o Português, que relacionam a mora, exclusivamente, ao tempo de cumprimento da obrigação [31].

Tal divisão do inadimplemento obrigacional foi adotada pela doutrina de AGOSTINHO ALVIM, cuja contribuição para a sistematização do Direito das Obrigações persiste até o Código Civil de 2002, como acentua MIGUEL REALE [32].

De fato, AGOSTINHO ALVIM [33] entende que a mora abrange os elementos temporais, espaciais e formais de cumprimento da obrigação em sua clássica obra "Da Inexecução das Obrigações e suas Conseqüências", como se pode ver do trecho abaixo transcrito: "Mora, no conceito dos antigos práticos, é o retardamento culposo no pagar o que se deve, ou no receber o que nos é devido (...). Primeiro, porque só leva em contra o retardamento: dilatio; ao passo que o Código Civil considera em mora o devedor que não paga, ou o credor que não recebe no tempo, lugar e forma convencionados".

Embora o objetivo do presente estudo não seja elaborar um estudo crítico da mora, instituto considerado de difícil abordagem por autores brasileiros clássicos do Direito Civil [34], é preciso analisar, dentre as tipologias próprias da mora ou do inadimplemento parcial, qual a melhor classificação para fins específicos de delimitação do adimplemento substancial.

Com efeito, a classificação do inadimplemento parcial em cumprimento inexato, cumprimento retardado e incumprimento definitivo, a qual será abaixo abordada, possui a vantagem didática de visualizar, gradativamente, as situações intermediárias do inadimplemento absoluto e do adimplemento integral, sem que, para tanto, seja necessário analisar um terceiro instituto, tão intrincado como a mora.

Ora, se o Código Civil tivesse previsto, didática e expressamente, as modalidades de inadimplemento, o juiz teria mais parâmetros para enquadrar cada caso concreto em determinada espécie de inadimplemento, o que contribuiria para a segurança jurídica do sistema obrigacional. O julgador teria a oportunidade de verificar, claramente, a existência de diversas nuances legais, situadas entre o inadimplemento absoluto e o adimplemento integral.

Essa consideração é importante, pois o adimplemento substancial situa-se, justamente, na zona cinzenta e casuística, entre o inadimplemento absoluto e o adimplemento integral, ainda que se considere que o descumprimento dos deveres obrigacionais, relativos aquele instituto, seja insignificante, a ponto de se admitir que o adimplemento se configurou de forma substancial.

Por conseguinte, cumpre adotar a doutrina que atribui caráter temporal à mora, deixando os aspectos espaciais e formais do cumprimento, a cargo de modalidades específicas de inadimplemento. Nesse passo, uma das classificações, a seguir analisada, foi desenvolvida por MICHELE GIORGIANNI e ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO [35], ao apontarem que o inadimplemento pode ser dividido em: (i) cumprimento inexato; (ii) cumprimento retardado e (iii) incumprimento definitivo.

3.4.1. Cumprimento inexato

No cumprimento inexato, há uma disparidade entre a prestação realizada e a prestação idealizada, motivo pelo qual não se faz presente a correspondência entre o dever ser e o ser da obrigação.

Nessa modalidade de inadimplemento, a inexatidão se refere à qualidade ou a quantidade do objeto da obrigação, pressupondo-se, todavia, que tal cumprimento se deu no prazo correto.

Destaque-se que a doutrina costuma elencar sete sub-espécies de cumprimento inexato qualitativo [36] baseados: (a) no modo de cumprimento; (b) local de cumprimento; (c) cumprimento de prestação diversa da devida; (d) realização de prestação de qualidade diversa da contratada; (e) na existência de gravames sobre a coisa devida ou entrega de coisa alheia; (f) no descumprimento dos deveres autônomos decorrentes da boa-fé e (g) na existência de defeitos que a lei estabelece para cada tipo contratual, como no caso dos vícios redibitórios.

O cumprimento inexato qualitativo pode ser equiparado à violação positiva do contrato, expressão cunhada a partir da doutrina de STAUB, construída com base em lacuna do B.G.B. quanto às modalidades obrigacionais. ANELISE BECKER [37] aduzia, à época de vigência do Código Civil de 1916, que os artigos 1056 e 956, quase idênticos, respectivamente, aos artigos 389 e 395 do Código Civil de 2002 [38], faziam crer que o sistema de inadimplemento brasileiro se esgotava na impossibilidade do cumprimento ou na mora, sistema binário aludido no tópico anterior e, também, adotado pelo Código Civil de 2002.

Ocorre que, com a doutrina da violação positiva do contrato, reconheceu-se que os deveres anexos da boa-fé, também, importavam em descumprimento obrigacional praticado através de atos comissivos, em oposição à idéia negativa de descumprimento, intrínseca à mora e à impossibilidade de cumprimento. Por outro lado, poderia, equivocadamente, se inferir que os deveres da boa-fé seriam descumpridos apenas de maneira positiva, apesar de ser evidente que os mesmos podem ser descumpridos de maneira negativa, como acontece com o médico que não informa o paciente de todos os riscos de determinada cirurgia.

Dessa forma, a análise das variadas sub-espécies de cumprimento inexato qualitativo, fundadas na teoria da violação contratual positiva, é um elemento importante para se avaliar a presença do adimplemento substancial, cuja verificação não pode ser feita com base no critério linear da impossibilidade de cumprimento e da mora, adotado pelo Código Civil.

Quanto à quantidade, o cumprimento inexato se traduz na prestação de coisa em quantidade inferior à contratada pelas partes, como, por exemplo, quando um mutuante recebe quantia inferior à devida pelo mutuário, ao final do contrato de mútuo. Outro exemplo é a venda de terra ad mensuram, em que o comprador descobre, posteriormente, que a metragem da terra vendida era inferior à contratada.

3.4.2. Cumprimento retardado

No cumprimento retardado, o devedor pratica um ato de adimplemento com demora no cumprimento da prestação. Tal modalidade não se confunde com o mero retardo no cumprimento, que se dá quando o credor não recebeu nenhuma parte da prestação, havendo, assim, certa insegurança jurídica quanto ao cumprimento futuro.

Após a demora do ato de adimplemento, é importante analisar se o restante da prestação se tornará impossível e se o credor ainda tem interesse em recebê-la após o retardamento, avaliando-se sua utilidade em favor do credor.

O citado artigo 395 do Código Civil, encartado no Capítulo da Mora do Livro I dos Direitos das Obrigações, estabelece que o credor poderá rejeitar a prestação se esta se tornar inútil por retardo no cumprimento, sendo clara a transformação da mora em descumprimento definitivo.

É interessante notar que o mero retardo no cumprimento não pode se prolongar indefinidamente, quando o devedor, intimado para cumprimento da prestação em prazo razoável, não o faz e impossibilita o credor de requerer a resolução do contrato.

Situação interessante se dá quando o devedor, intimado em prazo razoável para cumprimento de obrigação sem termo assinalado, deixa de cumpri-la e é constituído em mora ex persona. Em atenção à boa-fé objetiva, não pode o credor ser obrigado a esperar indefinidamente pelo cumprimento da obrigação, sem direito à resolução contratual.

Além de o devedor, no exemplo acima citado, atentar contra a boa-fé objetiva, a mora é caracterizada pela efemeridade, pois deve ser possível ao devedor purgar a mora, em tempo razoável, sob pena de a prestação se tornar impossível ou inútil ao credor, o que configura a hipótese de inexecução definitiva. OROSIMBO NONATO [39] assim descreve a diferença entre a mora e o inadimplemento absoluto:

"Como escreve CARVALHO DE MENDONÇA (Obrigações, vol. I, n.º 253), seguindo a estreita de Chironi, difere a mora do inadimplemento verdadeiro e completo em que este define, e de vez, e à definitiva, a posição do devedor diante do credor, originando conseqüências extremas, resultas irremediáveis, ao passo que a mora se caracteriza por não tirar ao devedor a possibilidade de cumprir mais tarde a obrigação.

Se o descumprimento da obrigação se mostra definitivo, escreve BORJA SORIANO, citando ALVES MOREIRA, GIORGI, De RUGGIERO, CHIRONI, BAUDRY-LACANTINERIE et BARDE e PLANIOL, não é a teoria da mora que se terá de aplicar, mas a inexecução total da obrigação".

Tais observações, atinentes à mora, são importantes para o estudo do adimplemento substancial, pois se pensarmos em um contrato de execução continuada, em que determinado devedor, reiteradamente, atrase o pagamento das prestações periódicas, é preciso verificar, na hipótese em que seja devida parcela insignificante da obrigação, se a obrigação ainda será útil ao credor.

Em suma: deve-se avaliar se a mora reiterada do devedor, em afronta à boa-fé objetiva, influiu na obrigação, a ponto de torná-la inútil para o credor e de legitimar seu pedido de resolução contratual, mesmo quando a parcela de inadimplemento seja insignificante.

Por certo, a inutilidade da prestação não há de ser aferida, de acordo com o arbítrio do credor, mas, sim, consoante a finalidade negocial, possibilitando ao credor rejeitar a prestação quando esta não lhe apresentar mais nenhuma utilidade, como ensina AGOSTINHO ALVIM [40]:

"Acentua Rossel, que a inutilidade se dá quando a prestação não corresponde ao fim visado pelas partes (cf. Manuel du droit fédéral des obligations, pág. 160).

Sôbre este ponto se pronuncia Chironi: O cumprimento não opera a purgação... se a execução se tornou inteiramente inútil para o credor (cf. Colpa contrattuale, n.º 339).

E remata as suas considerações dizendo que esta hipótese "fica sujeita à apreciação do juiz, que decidirá se a execução tardia apresenta, ainda, para o credor, a utilidade e interesse supostos ao contratarem".

A rejeição só é cabível quando não apresenta mais utilidade alguma para o credor (cf. Code Civ. Allemand publié par le comité de legislation étrangère, com anotações de Bufnoir, Challamel e outros, notas ao § 286).

Os autores lembram, entre outros exemplos, o caso de comestíveis encomendados para um jantar e que não chegaram a tempo.

Evidentemente, a prestação tardia, neste caso, é inútil para o credor.

Se em lugar de comestíveis, exemplificarmos com as roupas encomendadas para certa festa ou solenidade a solução será a mesma?

Não, de um modo geral. Porque a utilidade da prestação não desapareceu. A roupa é sempre útil.

Mas, bem pode acontecer que as circunstâncias especiais do caso aconselhe outra solução.

A eqüidade tem larga aplicação em matéria de mora".

Como se viu, para a noção de cumprimento retardado, importa verificar a finalidade negocial, em última análise, a razão justificadora do nascimento do vínculo obrigacional, cuja ausência revelará a impossibilidade de cumprimento, abaixo estudada.

3.4.3. Incumprimento definitivo

O incumprimento definitivo pode ser definido por exclusão em relação às outras modalidades de inadimplemento, pois quando não for possível ao devedor cumprir a prestação de forma exata ou útil para o credor, não existirá mais o motivo justificador do nascimento da própria relação obrigacional.

O incumprimento definitivo comporta alguns exemplos, como, por exemplo, quando o objeto da obrigação tenha perecido ou se deteriorado substancialmente, a ponto de perder aquelas qualidades essenciais que motivaram a criação do vínculo obrigacional.

Por sua vez, a ocorrência de mora ex re, nas obrigações a termo, pode importar na perda de utilidade da prestação, como, por exemplo, na contratação de um determinado músico para se apresentar em um casamento, o qual não vindo a comparecer a essa festa, tornará inútil a prestação, transformando a mora, quase que instantânea, em incumprimento definitivo.

Tratando-se de obrigações infungíveis, o descumprimento definitivo é facilmente visualizável, quando o devedor não pode prestá-la ou, simplesmente, não quer mais fazê-lo, como no clássico caso do pintor que se recusa a pintar determinado quadro. Nesse caso, mesmo que o devedor sugira a utilização do instituto da novação e o credor concorde, não se estará diante de forma alternativa ou equivalente de cumprimento, mas de outra dívida apta a extinguir a primeira, ex vi do artigo 360, I, do Código Civil [41].

O incumprimento definitivo da prestação se dá quando o inadimplemento é fundamental e atinge a substancialidade da prestação, do que resulta o direito do credor de pedir a resolução contratual. Esta é legítima, pois, caso contrário, seria legitimada a existência de um contrato, com a mácula do desequilíbrio, o que fere a noção de comutatividade ínsita à disciplina dos contratos.

Tendo sido analisados os institutos do adimplemento integral e do incumprimento definitivo, assim como seus respectivos requisitos de configuração, é possível analisar a teoria do adimplemento substancial, que se situa na zona limítrofe entre os citados institutos, motivo pelo qual merece tratamento próprio, como se verá a seguir.


4- A DOUTRINA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL

A teoria do adimplemento substancial é oriunda da doutrina da substancial performance, que surgiu a partir da jurisprudência inglesa do século XVIII, com base na distinção entre as cláusulas condition e warranty, que equivalem, respectivamente, às obrigações principais e acessórias do contrato.

A condition era considerada uma obrigação dependente, na medida em que traduz uma correspectiva obrigação da outra parte, sendo, por isso, entendida como responsável pelo equilíbrio contratual, enquanto que a warranty constituía uma obrigação independente e sem relação de reciprocidade contratual, pelo que se entendia que seu descumprimento não influenciava a comutatividade contratual, a ponto de permitir a resolução do contrato, que é vedada, ao credor, no adimplemento substancial.

Como esclarece ANELISE BECKER [42], os Tribunais ingleses começaram, a partir da doutrina da substancial performance e da consideração da warranty, a questionar se a intensidade da inexecução era suficiente para permitir a resolução ou, pelo contrário, para se reconhecer que a prestação realizada pelo devedor correspondia à substancialidade da obrigação ajustada, apesar de incompleta.

Em termos de Direito Brasileiro, contudo, o tratamento do adimplemento substancial pelo Poder Judiciário e pela doutrina é recente, sendo certo que CLÓVIS COUTO E SILVA [43] já aludia ao instituto em artigo publicado originalmente em 1979, ao enquadrá-lo como exceção ao cumprimento integral da obrigação:

"O princípio da boa-fé atua defensivamente e ativamente; defensivamente, impedindo o exercício das pretensões, o que é a espécie mais antiga; ou ativamente, criando deveres, podendo inclusive restringir o princípio de o cumprimento ser completo ou integral, permitindo outra solução. É a doutrina do adimplemento substancial, estabelecida por Lord Mansfield em 1779, no caso Boone v. Eyre, isto é, em certos casos, se o contrato já foi adimplido substancialmente, não se permite a resolução, com a perda do que foi realizado pelo devedor, mas atribui-se um direito de indenização ao credor".

Talvez pela recente aplicação do adimplemento substancial, a jurisprudência brasileira venha encarando o adimplemento substancial como uma simples comparação entre a insignificância do inadimplemento e o valor total do negócio, como, por exemplo, nas hipóteses de pagamento de 23 das 24 parcelas de empréstimo. É preciso, porém, verificar sua complexa acepção relacionada aos princípios que lhe comandam, assim como estudar a incidência dos requisitos do adimplemento integral sobre sua estrutura.

Ademais, o adimplemento substancial não foi regulado pelo Código Civil de 2002, o que impõe a busca de standards para sua conceituação na doutrina, como fez ANELISE BECKER, em importante artigo, escrito na época de vigência do Código Civil de 1916:

"Examinando-se numerosas decisões, é possível concluir que se fazem necessárias três circunstâncias para que determinado adimplemento possa ser considerado como substancial. A primeira delas é a proximidade entre o efetivamente realizado e aquilo que estava previsto no contrato. A segunda, é que a prestação imperfeita satisfaça os interesses do credor. A terceira (questionável se considerar-se o adimplemento substancial apenas sob uma ótica objetivista) refere-se ao esforço, diligência do devedor em adimplir integralmente".

Quanto ao primeiro critério proposto por ANELISE BECKER, para delimitar o conceito de adimplemento substancial, trata-se de verificar o princípio da correspondência estudado no presente trabalho, devendo-se avaliar a utilidade da prestação e a expectativa do credor, entendidas no âmbito da obrigação orgânica, em que o conjunto das partes deve ser considerado como um todo e não isoladamente.

Dessa forma, não basta analisar apenas uma prestação, pois mesmo o descumprimento de uma parte inteira da obrigação contratada pode não representar uma violação substancial do contrato.

Do mesmo modo, se for apenas analisada a utilidade da prestação abstratamente, sem avaliar outros interesses integrantes da relação obrigacional orgânica, podem ser cometidas injustiças. A prestação pode ser útil para um determinado credor, mas não ser para outro credor, quando pensamos, por exemplo, em deficiente físico que contrata a compra e venda de um automóvel, que lhe é entregue sem as adaptações necessárias à compensação de sua deficiência, embora possamos admitir que o referido bem, ainda assim, seria útil à generalidade dos consumidores.

Da mesma forma, apenas a noção totalizante de obrigação nos permite entender que a prestação pode ser útil para determinado credor, mas não atender suas expectativas, como no caso de contratante que é credora de vestido exclusivo com famoso estilista [44] e, apesar de ter ficado satisfeita ao usar o vestido, vem, posteriormente, descobrir que tal vestido já tinha sido vendido para outra pessoa. Em suma, a prestação imperfeita deve atender aos interesses e expectativas do credor.

O terceiro requisito apontado por ANELISE BECKER, a saber, a diligência e o esforço do devedor no cumprimento dos termos avençados, refere-se à necessidade de as partes pautarem suas condutas de acordo com a boa-fé, o qual incide em todas as fases da obrigação entendida como processo, desde seu nascimento e mesmo após o adimplemento.

Para fins de delimitação da substancialidade do cumprimento, característica do adimplemento substancial, podemos citar, a contrario sensu, RUY ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR [45], que, ao fornecer critérios para os limites da resolução do contrato, explica que esta é legítima quando houver a substancialidade do incumprimento, que será aferida, casuisticamente, de acordo com as circunstâncias do contrato, a natureza da prestação e o interesse da parte:

"Assim, por exemplo, nos contratos com data fixa, depois da qual desaparece o interesse do credor, a mora já é quebra substancial; nos outros, nos quais a data serve apenas para fixar a época da exigibilidade da obrigação ou auxilia na orientação programática das partes, o simples incumprimento é insuficiente para resolver. As circunstâncias do contrato, a natureza da prestação e o interesse da parte revelarão, a cada caso, a substancialidade do incumprimento".

Importante ressaltar que a substancialidade do incumprimento não se confunde com o descumprimento de um dever principal ou de um dever acessório, pois ambos podem resultar, singularmente ou em conjunto, em uma inutilidade da prestação para o credor e, conseqüentemente, representarem uma violação fundamental do contrato, que fundamentará a resolução. Em suma: a substancialidade do incumprimento será verificada de acordo com a análise molecular de um contrato específico, com a consideração concreta dos contratantes e da finalidade negocial.

É preciso, assim, verificar a importância do estudo da teoria da causa dos contratos, como parâmetro de delimitação do adimplemento substancial, na medida em que este é aferido, de acordo com a finalidade de cada modalidade contratual.

4.2. A teoria da causa como parâmetro de configuração do adimplemento substancial

Como vimos ao tratar do princípio da separação de planos, a investigação da causa é importante para a aquisição de propriedade no sistema brasileiro, sendo esse um dos motivos pelos quais é preciso estudar a teoria da causa aliada à figura do adimplemento substancial.

Dessa maneira, convém explicitar as noções de causa do negócio jurídico estabelecidas pela doutrina, a fim de melhor delimitar sua importância como critério de aferição do adimplemento substancial.

Em acepção subjetiva, a causa se traduz nos motivos determinantes que levaram os contratantes a celebrar um negócio jurídico, desempenhando a causa, segundo tal entendimento, papel constitutivo da vontade na formação dos contratos.

Nessa seara, o Código Civil previu, expressamente, a influência da causa subjetiva na formação do negócio jurídico, podendo este ser anulado se existir motivo determinante falso ou ilícito (ex vi dos arts. 140 e 166, III, do Código Civil), pelo que se pode enquadrar a causa subjetiva no plano da validade dos negócios jurídicos, na específica hipótese dela ser determinante na formação do contrato.

A título exemplificativo, citem-se as obrigações assinaladas a termo, em que os contratantes ajustaram que o cumprimento do prazo ajustado é fator essencial na celebração do negócio, como acontece nas costumeiras contratações de buffet de comidas em festas de final de ano, que deve ser entregue ao organizador da festa em horário razoável, sob pena de algumas horas de atraso na referida entrega desnaturar a obrigação.

Passemos, agora, à outra acepção corrente da causa, que é a mais utilizada pela doutrina e tem sentido objetivo, na medida em que significa a função econômico-social inerente aos negócios jurídicos válidos, sendo certo que tal função revela a essência do negócio e o permite, assim, distingui-lo de outros tipos contratuais. MARIA CELINA BODIN DE MORAES [46], em artigo define os importantes papéis da causa objetiva nos contratos:

"Então, embora, a causa seja una, ela cumpre três papéis diferentes, mas interdependentes, daí a confusão em que se vê envolvido o termo:

i) serve a dar juridicidade aos negócios, em especial a contratos atípicos, mistos e coligados; ii) serve a delimitá-los através do exame da função que o negócio irá desempenhar no universo jurídico; iii) serve, enfim, a qualificá-los, distinguindo seus efeitos e, em conseqüência, a disciplina a eles aplicável".

Partindo de tal definição, podemos entender que, embora o Código Civil não tenha expressamente incluído a causa como requisito de validade do negócio jurídico, tal qual são o agente, o objeto lícito – possível - determinável e a forma prescrita ou não defesa em lei (art. 104 do Código Civil), o artigo 421 incluiu a causa contratual dentro da cláusula geral dos contratos, vez que o exercício destes é delimitado pela função social reconhecida pelo Direito.

Diante da consagração da causa no cerne da disciplina contratual no Código Civil de 2002, a causa tornou-se um elemento decisivo na distinção dos tipos contratuais e na indicação dos efeitos essenciais que cada tipo contratual deve produzir, à luz de sua função sócio-econômica. MARIA CELINA BODIN DE MORAES [47] defende tal posicionamento com argumentos calcados no Código Civil de 2002, com muita propriedade:

"O legislador de 2002 manifestou-se de modo tão poderoso no que tange à função social do contrato que retornou ao tema nas disposições transitórias. Ao regular o direito intertemporal em matéria, reafirmou no parágrafo único do art. 2035: "Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e do contratos"

Isto, na verdade, confirma que o ordenamento civil brasileiro não dá qualquer guarida a negócios abstratos, isto é, a negócios que estejam sujeitos, tão-somente, à vontade das partes, exigindo, ao contrário, que os negócios jurídicos sejam causais, cumpridores de uma função social. Nesta linha de raciocínio, teria o legislador exteriorizado, através dos termos da cláusula geral do art. 421, o princípio da "causalidade negocial". Embora nós talvez continuemos a dizer, simplesmente, que determinado negócio "não cumpre a sua função social".

Sendo certo que o ordenamento civil outorgou a função, preponderantemente à causa, de interpretação e distinção dos negócios jurídicos em virtude dela ser conceituada como a "síntese dos efeitos jurídicos essenciais" [48] de cada tipo contratual, seu estudo irá auxiliar o intérprete a analisar se o cumprimento realizado pelo devedor foi substancial, a ponto de se reconhecer que o negócio jurídico cumpriu sua finalidade sócio-econômica.

Nesse particular, ANELISE BECKER [49] esclarece que o adimplemento substancial se relaciona à teoria da causa desenvolvida pela doutrina italiana como função econômico-social do contrato: "Uma vez inserindo-se a problemática do adimplemento substancial na questão da funcionalização dos direitos de crédito, está-se tocando na teoria da causa como a função econômica-social daquele direito. Nesta perspectiva, a compreensão e aplicação da doutrina do adimplemento substancial imbrica-se com o exame da causa para saber se, na relação obrigacional concreta, esta foi, ou não, atingida".

Por outro lado, o desaparecimento da causa revelará que o descumprimento obrigacional foi intenso a ponto de permitir a resolução contratual, pelo que se infere, a partir dessa ótica, que o exame da causa, também, é essencial para se aferir a configuração do adimplemento substancial. Por exemplo, a utilização da teoria da causa poderá determinar se um contrato atípico é, por exemplo, aleatório, através da verificação da "síntese" dos seus "efeitos jurídicos essenciais", que, nesse caso, deve se identificar com a assunção de riscos pelas partes. Tendo em vista que a causa contratual indicou a presença de contrato aleatório, essa teoria auxiliará o intérprete na análise do adimplemento substancial, posto que a ocorrência do risco não se confundirá, nesse exemplo, com alguma espécie de descumprimento. Deve, assim, o intérprete questionar o porquê daquele negócio, ou seja, a sua função.

4.3 - Efeitos do reconhecimento do adimplemento substancial

O adimplemento substancial obsta o credor de requerer a resolução contratual e, também, o impede de argüir a exceção de contrato não-cumprido [50], vez que a prestação descumprida pelo devedor é insignificante a ponto de permitir o descumprimento contratual alheio, sob pena de perda do equilíbrio contratual.

RUY ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR [51], ao descrever os critérios adotados pela Convenção de Viena ao regular os limites do direito de resolução, aduz que o decurso do tempo é fator importante para se avaliar a perda da faculdade de resolução:

"O vendedor perde o direito de resolver:

(1) em caso de execução tardia, se não o exerceu antes de ter sabido que a execução teve lugar; (2) em caso de outra espécie de violação, se não o exercer em prazo razoável contado a partir de quando teve ou deveria ter conhecimento da violação, ou a partir do decurso do prazo por ele concedido ao comprador, na forma do art. 63, I, ou depois de o comprador ter declarado que não o aproveitaria para executar suas obrigações (art. 64,2)".

Assim como a Convenção de Viena limita o direito de resolução no tempo, o instituto da supressio, oriundo do princípio da boa-fé objetiva, pode ser utilizado para impedir o credor de resolver o contrato, se criou fundada expectativa no devedor acerca da conservação do contrato.

Nessa ordem de raciocínio, a proibição da resolução contratual e da exceção de contrato não-cumprido, principais efeitos de reconhecimento do adimplemento substancial, é, também, justificada pelo princípio da conservação dos contratos [52].

5.4. À guisa de conclusão - crítica ao critério matemático e à precária motivação das decisões judiciais, na aplicação do adimplemento substancial:

Muito antes da Constituição Federal de 1988, que consagrou a dignidade da pessoa humana como fundamento da república [53] e princípio norteador da ordem econômica [54], CLÓVIS COUTO E SILVA [55] já advertia que o conceito de pessoa já era decisivo no plano do Direito Civil e que o Direito, em geral, também, se presta à proteção de interesses extra-patrimoniais.

RUY ROSADO [56] defende que o critério econômico é um dos elementos metajurídicos úteis para se avaliar a legitimidade da resolução contratual, na medida em que o contrato desempenha função econômica, embora o fundamento principal de avaliação a ser utilizado deva residir em princípios éticos, em virtude da sua prevalência sobre os aspectos econômicos.

Dessa forma, a doutrina do Direito Civil-Constitucional considera a análise econômica do Direito como apenas um dos critérios interpretativos válidos e que fica, de qualquer forma, sujeita à legalidade constitucional e, conseguintemente, à primazia dos interesses existenciais. PIETRO PERLINGIERI [57], ao analisar a validade da economic analysis, pondera que a complexidade do Direito impede que o critério econômico seja suficiente para a resolução de todas as questões jurídicas: "Com isso não se nega que possa ser útil o emprego de esquemas e critérios microeconômicos para escrutinar o direito e para avaliar a congruidade de seus institutos. É, todavia, necessário ter consciência que se é verdade que a análise custo-benefício contribui para realizar a eficiência, ela sozinha não consegue representar a especificação e a complexidade da ciência jurídica".

Mesmo sem ingressar na polêmica dos limites dos critérios econômicos em decisões judiciais, o que seria impossível neste trabalho, é interessante notar que aspectos patrimoniais podem ter influência sobre direitos existenciais, o que acentua a necessidade de estabelecimento de mecanismos de equilíbrio dos interesses patrimoniais e extra-patrimoniais, os quais prevalecem sobre os direitos patrimoniais, quando houver lesão ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Nesse passo, a adoção de um critério matemático [58] rígido, como quer certa jurisprudência que admite a configuração do adimplemento substancial sempre que for cumprida 80% da prestação em todos os tipos contratuais, acaba por desconsiderar a importância dos deveres anexos da boa-fé e a finalidade específica de cada negócio na aplicação do referido instituto. Apenas a título exemplificativo, cite-se precedente judicial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul [59]:

"Apelação cível. Ação de busca e apreensão. Alienação fiduciária. Adimplemento substancial. Ocorrência.

A teoria do adimplemento substancial atua como instrumento de eqüidade, impondo que, nas hipóteses em que a extinção da obrigação pelo pagamento esteja muito próxima do final, exclua-se a possibilidade de resolução do contrato, permitindo-se tão-somente a propositura da ação de cobrança do saldo em aberto.

O adimplemento de mais de 80% das parcelas avençadas no contrato conduz à ausência de mora, que, por ser pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, enseja a extinção do feito sem resolução de mérito.

Negado seguimento" [60].

A adoção generalizada desse critério matemático, além de desconsiderar os critérios estritamente jurídicos estudados no presente trabalho, também é questionável sob o ponto de vista da eficiência, fundamento básico da análise econômica do Direito, tendo em vista o evidente repasse do percentual médio de inadimplência em desfavor da globalidade de potenciais devedores em contratos de alienação fiduciária, leasing, mútuo em geral, etc.

Avaliando, no exemplo ora sob comento, a totalidade dos interesses envolvidos em cada caso concreto, deve o juiz perquirir o esforço do devedor em adimplir a integralidade das obrigações contratuais, propondo, assim, medidas conciliatórias das partes [61] para, além de resguardar o direito de crédito e a menor onerosidade do sistema, garantir direitos existenciais. Deve o juiz, por exemplo, propor o parcelamento das prestações não cumpridas em condições dignas para o devedor, dialogando com as partes e exercendo seu munus de forma efetiva.

Nessa análise complexa dos interesses em jogo, o juiz deve estabelecer critérios casuísticos para avaliar a boa-fé do devedor em cumprir o restante das prestações, verificando se existe algum justo impedimento que impeça aquele de adimplir a integralidade das prestações, sob pena do instituto do adimplemento substancial, que foi desenvolvido para garantir o equilíbrio contratual e impedir o enriquecimento sem causa, ser utilizado como estímulo ao enriquecimento ilícito.

Se não foi possível ao devedor esclarecer, em ação movida pelo credor para a resolução contratual, um justo e concreto impedimento para efetuar o pagamento das parcelas vencidas de determinado contrato de trato sucessivo, não é provável a obtenção de resultado prático em futura execução ou ação de cobrança contra o devedor, razão pela qual deve o juiz perquirir os reais motivos da inadimplência do devedor, em busca do princípio da efetividade do processo e da verdade real, que é o ideal do Processo Civil contemporâneo [62].

A contrario sensu, se o reconhecimento do adimplemento substancial não pode se fundar em critério exclusivamente matemático, também, não se pode rejeitá-lo sob o fundamento de que só a falta de pagamento da última parcela de contrato de trato sucessivo autorizaria a aplicação do adimplemento substancial. Nesse sentido, cabe transcrever acórdão do Superior Tribunal de Justiça, o qual apesar de assentado em alguns fundamentos, ao tratar do adimplemento substancial, vinculou a aplicação desta teoria à restrita hipótese de falta de pagamento da última parcela do prêmio relativo a contrato de seguro, in verbis:

"Civil. Art. 1450 do Código Civil. Inadimplemento de contrato de seguro. Falta de pagamento de mais da metade do valor do prêmio. Indenização indevida pelo sinistro ocorrido durante o prazo de suspensão do contrato, motivada pela inadimplência do segurado.

- A falta de pagamento de mais da metade do valor do prêmio é justificativa suficiente para a não oneração da companhia seguradora que pode, legitimamente, invocar em sua defesa a exceção de suspensão do contrato pela inadimplência do segurado.

- Apenas a falta de pagamento da última prestação do contrato de seguro pode, eventualmente, ser considerada adimplemento substancial da obrigação contratual, na linha de precedentes do STJ, sob pena de comprometer as atividades empresariais da companhia seguradora". [63]

Por outro lado, podemos encontrar acórdãos representativos de outro modelo de jurisprudência, cuja argumentação se resume na indicação genérica do princípio da boa-fé objetiva ou de outros princípios, tais como o princípio da razoabilidade, sendo certo que a motivação inadequada, em desacordo com o princípio da motivação das decisões judiciais [64], é o traço característico dessa linha de pensamento jurisprudencial.

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu, em hipótese de promessa de compra e venda de imóvel vinculado a mútuo contraído por promitente vendedor junto à Caixa Econômica Federal, que o pagamento de "uma maioria" das prestações contratuais seria suficiente para a configuração do adimplemento substancial, que foi presumido pelos julgadores, os quais não utilizaram nenhum critério jurídico ou mesmo matemático. Confira-se o precedente:

"Apelação cível. Promessa de compra e venda. Cessão e transferência de direitos e obrigações contratuais. Pretensão de rescisão do contrato que não se mostra pertinente ante o montante já pago da avença. Aplicação da teoria do adimplemento substancial.

Recurso desprovido, por maioria.

(...)

Ainda, coube ao apelado assumir o pagamento "das obrigações relacionadas com as 76 (setenta e seis) prestações vincendas de R$ 105,76", cláusula nove do contrato (fl. 15). Consoante o documento acostado pela autora à fl. 17, restam pendentes de pagamento quarenta e quatro prestações. Ocorre que o apelado acostou às fls. 56-66, vários comprovantes de pagamento das prestações do financiamento. Assim, possível concluir que houve a quitação de uma maioria das parcelas. Portanto, constata-se que o contrato foi cumprido em sua substância fundamental, ainda que não integralmente.

Nesse compasso, possível a aplicação da teoria do adimplemento substancial.

Assim, o saldo remanescente, sejam as parcelas do financiamento ou dívidas de IPTU, deve ser buscado pela autora na via adequada.

Na verdade, não se trata de afirmar que há impossibilidade absoluta de cumprimento do contrato, mas constatar que ele já foi substancialmente executado pelas partes, não havendo como rescindi-lo, considerando-se os princípios da probidade e da boa-fé, que devem pautar as relações contratuais" [65].

Nessa linha de exposição, torna-se, cada vez mais necessário, o uso de critérios jurídicos na interpretação do instituto do adimplemento substancial, pelo que deve o juiz considerar, de forma não exaustiva, dada a casuística inerente ao tema, os seguintes critérios: (i) todos os interesses envolvidos no exame do caso concreto; (ii) a preservação da causa do contrato na hipótese de reconhecimento do adimplemento substancial; (iii) a utilidade e expectativas do credor, aferidas segundo critérios objetivos e não por meros caprichos do credor; (iv) o cumprimento dos deveres da boa-fé por ambas as partes, tanto no âmbito do Direito Material, como na esfera processual, valendo-se, dentre outros mecanismos, da supressio; (v) a natureza da obrigação (fungível ou infungível, etc.).

À guisa de conclusão, podemos ressaltar que o instituto do adimplemento substancial padece de critérios científicos em sua aplicação pela jurisprudência brasileira, que deve, assim, procurar interpretá-lo, de forma mais consentânea com os princípios do Direito Civil-Constitucional, notadamente o da boa-fé e o da solidariedade social, em conjunto com as regras da mora, do incumprimento relativo e definitivo, sem prejuízo de outras, cuja aplicação se mostrar relevante, no exame do caso concreto.


Notas

  1. Citando NORBERTO BOBBIO, PAULO BONAVIDES explica que, ultrapassada a fase meramente abstrata (Jusnaturalista) e de mera integração em caso de lacuna da lei (Juspositivista), os princípios constitucionais assumem papel de "traves mestras" que unificam o ordenamento jurídico, havendo, assim, um diálogo entre Direito Público e Privado, através da aplicação desses princípios em todos os ramos do Direito (in BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11. ed. São Paulo: ed. Malheiros, 2001, p. 234).
  2. Todo o instituto de Direito Civil deve ser interpretado conforme a Constituição, em virtude do princípio da supremacia das normas constitucionais, que confere a estas eficácia horizontal sobre todas as normas infra-constitucionais, inclusive as de Direito Privado. Gustavo Tepedino esclarece que "a partir da interferência da Constituição no âmbito antes reservado à autonomia privada, uma nova ordem pública há de ser construída, coerente com os fundamentos e objetivos fundamentais da República. Afinal, o código civil é o que a ordem pública constitucional permite que possa sê-lo. E a solução interpretativa do caso concreto só se afigura legítima se compatível com a legalidade constitucional" (vide artigo "Normas Constitucionais e Direito Civil na Construção Unitária do Ordenamento" in NETO, Cláudio Pereira de Souza Neto e SARMENTO, Daniel. A. Constitucionalização do Direito: Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas, Rio de Janeiro: Lumen Júris, 1ª ed., 2007, p. 309).
  3. O conceito preciso de adimplemento será detalhado em capítulo próprio deste trabalho e exige, para sua compreensão, a noção dos princípios informativos do processo obrigacional.
  4. SILVA, Clóvis V. do Couto E. A obrigação como processo, Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1ª ed., 2007, p. 42.
  5. Segundo o magistério de Judith Martins Costa e Gérson Luiz Carlos Branco: "(...) o princípio da boa-fé objetiva é a via para a concretização, no domínio das relações obrigacionais, notadamente as contratuais, dos deveres que defluem da diretriz constitucional da solidariedade social. A doutrina e jurisprudência italianas têm, neste aspecto,uma lição a ensinar, na medida em que reconduzem os deveres de agir segundo a boa-fé no período contratual e pré-contratual à diretriz constitucional da solidariedade social, reconhecendo que esta, por sua hierarquia constitucional, qualifica o complexo das atividades juridicamente relevantes dos sujeitos, aí compreendidas as pré-negociais, constituindo a boa-fé um aspecto do princípio geral (que) exprime a necessidade de um espírito de colaboração recíproco entre os contraentes e em condições de paridade, em função da realização da pessoa humana e de seu pleno e igual desenvolvimento". (in BRANCO, Gerson Luiz Carlos e COSTA, Judith Martins. "Diretrizes Teóricas do Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: Ed. Saraiva, 1ª ed., 2002, p. 219).
  6. SILVA, CLÓVIS V. DO COUTO E. A obrigação como processo, Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1ª ed., 2007, p. 33.
  7. Apesar de ser tido como o principal precursor da boa-fé obrigacional no Brasil de sua época, Clóvis Couto e Silva não foi o único doutrinador que apontou a necessidade de sistematização do princípio da boa-fé, muito mais utilizado naquela época na esfera dos Direitos Reais do que na dos Direitos Obrigacionais. OROSIMBO NONATO já lecionava, na sua clássica obra de Obrigações, cuja 1ª edição se deu em 1960 e que, portanto, pode ser considerada contemporânea à apresentação de a "A Obrigação como Processo" como tese de livre docência de Couto e Silva na U.F.R.G.S. em 1964, acerca da necessidade de previsão legislativa do princípio da boa-fé, na esteira do B.G.B.: "Por outro lado, pagar é dever e também direito do devedor que, adversado do reus credendi, depara na consignação meio idôneo de liberar-se da dívida.
  8. Ao propósito, ainda, dos efeitos da obrigação limitada no seu cumprimento, vale registrar dever este se efetuar com lealeza e boa-fé, como o exige o trato comum e regular dos negócios.

    Ad instar do Código do Comércio (art. 131) e do § 242 do Código Civil alemão, não constituiria, decerto, demasia traduzisse o legislador esse princípio em texto do Código Civil". (in NONATO, Orosimbo. Curso de Obrigações, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1ª ed., 1960, p. 12).

  9. BRANCO, Gerson Luiz Carlos e COSTA, Judith Martins. "Diretrizes Teóricas do Novo Código Civil Brasileiro", São Paulo: Ed. Saraiva, 1ª ed., 2002, p. 188.
  10. MOTA, Maurício Jorge. "A pós-eficácia das obrigações", publicado em TEPEDINO, Gustavo (org.), Problemas de Direito Civil-Constitucional, Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 1 ed., 2000, p. 194.
  11. op. cit., p. 195.
  12. A doutrina Pós-Positivista, a fim de delimitar o conceito de princípios constitucionais com precisão, estabeleceu distinções entre princípios, regras e valores. Citando Ronald Dworkin, o Prof. Paulo Bonavides explica a distinção dessas normas, estabelecendo que as regras são válidas ou inválidas de acordo com o caso concreto, enquanto que os princípios são sempre válidos, sendo que alguns têm maior valor do que outros em determinadas situações. (in BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11. ed. São Paulo: ed. Malheiros, 2001, p. 234).
  13. Como se verá mais adiante, a boa-fé objetiva é contraposta à autonomia da vontade quando exerce a função de limitar os direitos e obrigações contratados entre as partes e quando funciona como cânone integrativo do contrato. Ocorre que, como esclarece Clóvis Couto e Silva, a autonomia da vontade "continua a ocupar lugar de relevo dentro da ordem jurídica privada, mas, a seu lado, a dogmática moderna admite a jurisdicização de certos interesses, em cujo núcleo não se manifesta o aspecto volitivo. Da vontade e desses interesses juridicamente valorizados dever-se-ão deduzir as regras que formam a dogmática atual" (in SILVA, Clóvis V. do Couto e. A obrigação como processo, Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1ª ed., 2007, p. 31).
  14. BRANCO, Gerson Luiz Carlos e COSTA, Judith Martins. "Diretrizes Teóricas do Novo Código Civil Brasileiro", São Paulo: Ed. Saraiva, 1ª ed., 2002, p. 198.
  15. Nesse sentido, Carlos Édison do Rêgo Monteiro Filho aponta que um dos paradigmas do direito civil contemporâneo é a valorização da situação concreta: "Diante dessa perspectiva contemporânea do direito civil se consolidaram novos paradigmas para a compreensão da matéria, baseados, sobretudo, nas seguintes proposições: (...) valorização da situação concreta e de suas especificidades sob a perspectiva da isonomia substancial, buscando-se tutelar, ao máximo, as diferenças – proteção especial aos idosos, crianças e adolescentes, portadores de necessidades especiais" (RÊGO, Carlos Édison Monteiro do. "Rumos Cruzados do Direito Civil Pós-1988 e do Constitucionalismo de Hoje", publicado em TEPEDINO, Gustavo (org.), Direito Civil Contemporâneo, Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional, São Paulo: Ed. Atlas S.A., 1ª ed., 2008, p. 265.
  16. SILVA, Clóvis V. do Couto e. A obrigação como processo, Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1ª ed., 2007, p. 38.
  17. MARQUES, Cláudia Lima. "Proposta de uma Teoria Geral dos Serviços com base no Código de Defesa do Consumidor", in: Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 33, jan-mar. 2000, pp. 79-122. Apud TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado: conforme a Constituição da República, vol. I. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2007, p. 572.
  18. SILVA, Clóvis V. do Couto e. A obrigação como processo, Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1ª ed., 2007, p. 169, p. 41.
  19. Como a teoria da causa contratual será analisada em tópico próprio, convém, por ora, utilizar-se da nomenclatura finalidade negocial.
  20. Em termos de modelos de aplicação adequada da boa-fé, tornou-se clássica a doutrina de FRANZ WIEACKER acerca da tripartição funcional do princípio da boa-fé objetiva, a qual consiste: "A fim de contornar a excessiva amplitude do princípio, a doutrina procura dar conteúdo mais preciso à boa-fé objetiva por meio da identificação de três funções essenciais: (i) cânon interpretativo-integrativo; (ii) norma de criação de deveres jurídicos; (iii) norma de limitação ao exercício de direitos subjetivos. A referida tripartição funcional, inspirada nas funções do direito pretoriano romano, foi modernamente sugerida por Franz Wieacker (El principio general de la buena fe. p. 50, invocando Boehmer), que se refere à atuação do § 242 do BGB em três funções: iuris civilis adiuvandi, supplendi o corrigendi gratia" (in TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado: conforme a Constituição da República, vol. I. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2007, p. 17).
  21. SILVA, Clóvis V. do Couto e. A obrigação como processo, Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1ª ed., 2007, p. 43/44.
  22. "Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro".
  23. "Art. 1267. A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição".
  24. "Art. 1245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis".
  25. SILVA, Clóvis V. do Couto e. A obrigação como processo, Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1ª ed., 2007, p. 51/52.
  26. SILVA, Clóvis V. do Couto e. A obrigação como processo, cit., p. 130/131.
  27. Silva, Vivien Lys Porto Ferreira da. Adimplemento Substancial. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação stricto sensu da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006, p. 187.
  28. Código Civil de 2002: Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
  29. Expondo a crise da noção de direito subjetivo como poder "ilimitado" da vontade, tendência ideológica que imperou desde a revolução francesa até o início do século XX, PIETRO PERLINGIERI destaca que os interesses individuais devem se adequar ao interesse da coletividade, ou seja, devem ser funcionalizados à solidariedade social, para serem merecedores de tutela: "O perfil mais significativo é constituído pela obrigação, ou dever, do sujeito titular do direito de exercê-lo de modo a não provocar danos excepcionais a outros sujeitos, em harmonia com o princípio de solidariedade política, econômica e social (art. 2 Const.). Isso incide de tal modo sobre o direito subjetivo que, em vez de resultar como expressão de um poder arbitrário, acaba por funcionalizá-lo e por socializá-lo. No ordenamento moderno, o interesse é tutelado se, e enquanto for conforme não apenas ao interesse do titular, mas também àquele da coletividade. Na maior parte das hipóteses, o interesse faz nascer uma situação subjetiva complexa, composta tanto de poderes quanto de deveres, obrigações, ônus. É nesta perspectiva que se coloca a crise do direito subjetivo. Este nasceu para exprimir um interesse individual e egoísta, enquanto que a noção de situação subjetiva complexa configura a função de solidariedade presente ao nível constitucional" (in PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil, Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 3ª ed., 2007, p. 120/121).
  30. BUSSATTA, Eduardo Luiz. Resolução dos Contratos e Teoria do Adimplemento Substancial, São Paulo: Ed. Saraiva, 2ª ed., 2008, p. 26/27.
  31. "Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer".
  32. EDUARDO LUIZ BUSSATA ressalta que "contrariamente a outros ordenamentos jurídicos, como é o caso do português, em que a mora abrange tão-só o aspecto temporal do descumprimento, no Direito Brasileiro, conforme dispõe o art. 394 do Código Civil, a mora abrane todo e qualquer inadimplemento" (in BUSSATTA, Eduardo Luiz. Resolução dos Contratos e Teoria do Adimplemento Substancial, São Paulo: Ed. Saraiva, 2ª ed., 2008, p. 29).
  33. REALE, Miguel. História do Novo Código Civil, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1ª ed., 2005, p. 91.
  34. ALVIM, Agostinho. Da Inexecução das Obrigações e suas Conseqüências, São Paulo: Ed. Saraiva, 2ª ed., 1955, p. 21/22.
  35. Acerda das dificuldades teóricas que encerra o instituto da mora, vide: ALVIM, Agostinho. Da Inexecução das Obrigações e suas Conseqüências, São Paulo: Ed. Saraiva, 2ª ed., 1955, p. 20/21 e NONATO, Orosimbo. Curso de Obrigações, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1ª ed., 1960, p. 288.
  36. BUSSATTA, Eduardo Luiz. Resolução dos Contratos e Teoria do Adimplemento Substancial, São Paulo: Ed. Saraiva, 2ª ed., 2008, p. 28/29.
  37. BUSSATTA, Eduardo Luiz. Resolução dos Contratos e Teoria do Adimplemento Substancial, São Paulo: Ed. Saraiva, 2ª ed., 2008, p. 30/31.
  38. BECKER, Anelise. "lnadimplemento Antecipado do Contrato", in Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, n. 12, out./dez.1994, p. 75/76.
  39. "Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado".
  40. "Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

    Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos".

  41. NONATO, Orosimbo. Curso de Obrigações, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1ª ed., 1960, p. 286/287.
  42. ALVIM, Agostinho. Da Inexecução das Obrigações e suas Conseqüências, São Paulo: Ed. Saraiva, 2ª ed., 1955, p. 68.
  43. "Art. 360. Dá-se a novação: I – quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior;".
  44. BECKER, Anelise. "A doutrina do adimplemento substancial no Direito brasileiro e em perspectiva comparativista", in Revista da Faculdade de Direito da U.F.R.G.S., Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, n. 9, nov. 1993, p. 63.
  45. SILVA, Clóvis V. do Couto e. "O princípio da boa-fé no direito brasileiro e português", in FRADERA, Vera Maria Jacob de (org.). O direito privado brasileiro na visão de Clóvis do Couto e Silva, Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 1997, p. 55.
  46. O exemplo foi extraído da obra de Anelise Becker. Vide BECKER, Anelise. "A doutrina do adimplemento substancial no Direito brasileiro e em perspectiva comparativista", in Revista da Faculdade de Direito da U.F.R.G.S., Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, n. 9, nov. 1993, p. 64.
  47. AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. "A Convenção de Viena (1980) e a resolução do contrato por incumprimento", in Revista da Faculdade de Direito da U.F.R.G.S., Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, jul. 1994, n. 10, p. 10.
  48. MORAES, Maria Celina Bodin de. A causa dos contratos. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro: ed. Padma, 2005, p. 107.
  49. op. cit., p. 119.
  50. PUGLIATTI, Salvatore Apud TEPEDINO, Gustavo. "Questões Controvertidas sobre o Contrato de Corretagem" in Temas de Direito Civil, 3.ª ed, 2002, Ed. Renovar, p. 144
  51. BECKER, Anelise. "A doutrina do adimplemento substancial no Direito brasileiro e em perspectiva comparativista", in Revista da Faculdade de Direito da U.F.R.G.S., Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, n. 9, nov. 1993, p. 60.
  52. Código Civil: "Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro".
  53. AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. "A Convenção de Viena (1980) e a resolução do contrato por incumprimento", in Revista da Faculdade de Direito da U.F.R.G.S., Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, jul. 1994, n. 10, p. 13.
  54. Segundo Anderson Schreiber, o princípio da conservação dos contratos deveria ser efetivamente utilizado, inclusive, como justificativa do óbice da resolução contratual: "A preferência por remédios que não promovam o rompimento do vínculo negocial foi expressamente manifestada pelo legislador brasileiro, que registrou, em diversas passagens do Código Civil de 2002, sua simpatia pela execução específica das obrigações (v.g., arts. 249,251,464). Bem mais que um instrumento a cargo das preferências do credor, como sugere a literalidade do art. 475, a execução específica deve ser vista como medida prioritária, a ser afastada somente naquelas hipóteses em que já reste comprometida a função concretamente desempenhada pela relação contratual. Com isto, o princípio da conservação dos contratos, que vem sendo invocado no Brasil de modo algo aleatório e meramente pontual, poderia adquirir um papel efetivo e abrangente no ordenamento pátrio, a revelar uma atuação global e sistemática em prol da manutenção dos negócios jurídicos" (in SCHREIBER, Anderson. A tríplice transformação do adimplemento: adimplemento substancial, inadimplemento antecipado e outras figuras. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro: Ed. Padma, out/dez. 2007, p. 25).
  55. Art. 1º, C.F.: "A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana";
  56. Ao estabelecer que a ordem econômica tem por finalidade assegurar existência digna a todos, conforme os ditames da justiça social, o Poder Constituinte Originário optou, indiscutivelmente, pela prevalência do princípio da dignidade da pessoa humana sobre os valores patrimoniais. Transcreva-se o caput do artigo 170 da Constituição Federal: "Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:"
  57. SILVA, Clóvis V. do Couto e. A obrigação como processo, Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1ª ed., 2007, p. 130.
  58. AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor (resolução), Rio de Janeiro: Ed. Aide, 1ª ed, 1991, p. 236.
  59. PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil, Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 3ª ed., 2007, p. 64.
  60. Na mesma linha, é o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo, que aplicou a teoria do adimplemento substancial sob a justificativa do cumprimento de 94% do contrato: "Compromisso de compra e venda - Resolução - Inadmissibilidade - Adimplemento substancial da obrigação - Caracterização - Recurso provido. A extinção do contrato somente se justifica quando a mora causa ao credor dano de tal envergadura que não lhe interessa mais o recebimento da prestação devida, pois a economia do contrato está afetada. Assim, considerado o adimplemento substancial da obrigação (94% do valor do bem), dando-se o pagamento, ao que tudo indica, de 169 prestações do total de 180, como admite a autora, ora apela da, não é hipótese de resolução do contrato" (TJ/SP; Apelação 4018634600; Rel: Des. Jesus Lofrano; 3ª Câmara de Direito Privado; Julgamento: 06/10/2009).
  61. Em se tratando de alienação fiduciária, consórcio e leasing, diversos são os acórdãos do TJRS que usaram o critério matemático na aplicação do adimplemento substancial (Apelação Nº 70026326322, julgada em 27.11.08; Apelação Cível 70012730438, julgada em 1.12.2005; Agravo Agravo nº 70005230206, julgado em 21.11.2002). Em hipótese de financiamento de trator garantido por cédula de produto rural, o TJRS também aplicou o critério matemático:  vide Apelação nº 70021434022, julgada em 10.12.2008. Em demandas de reintegração de posse, o citado Tribunal vem decidindo da mesma forma: Apelação Cível 70027384478, julgada em 04.12.2008; Apelação Cível nº 70023513690, julgada em 19.06.2008.
  62. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70027862036, da 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Relatora Desembargadora Katia Elenise Oliveira da Silva, julgado em 22/12/2008.
  63. Dispõe o inciso IV do artigo 125 do C.P.C., que "o juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe: (...) IV – tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes".
  64. Em termos de utilidade da prestação para o credor, se este for uma instituição financeira, que funcione como alienante ou arrendante em casos, respectivamente, de alienação fiduciária e leasing, o pagamento futuro das prestações pecuniárias vencidas pelo devedor sempre será útil, mas poderá ser bastante dificultoso e oneroso.
  65. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 415971/SP, da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Revista do Superior Tribunal de Justiça. v. 158, p. 321
  66. C.R.F.B/88: "Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes;"
  67. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Civel nº 70025502899, da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Relator Desembargador Luiz Renato Alves da Silva, julgado em 08/01/2008.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LINS, Thiago Drummond de Paula. A aplicação da teoria do adimplemento substancial pela jurisprudência brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2336, 23 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13896. Acesso em: 25 abr. 2024.