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A denúncia espontânea tributária e a exigência da multa de mora

A denúncia espontânea tributária e a exigência da multa de mora

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SUMÁRIO: Introdução. 1. Obrigação tributária..1.Estado. .2.Tributo e obrigação tributária..3.Hipótese de incidência tributária e fato gerador. 4.Obrigação principal e obrigação acessória.5.Crédito tributário. .2. Sanção tributária. 2.1. Ilícito tributário e infração tributária.2.2. Conformação normativa da sanção tributária..3. Multa pecuniária e outros acréscimos legais. 3.1. Juros e correção monetária. .3.2. Multa por infração tributária. . 3.3. Multa de mora. 4. Casos de exclusão da multa. 4.1. Exclusão da multa como incentivo ao pagamento.4.2. Exclusão da multa pela denúncia espontânea. Considerações finais.


INTRODUÇÃO

No presente artigo, formula-se uma crítica metódica da matéria destacada, relacionada aos fundamentos da exigência da multa de mora no contexto da denúncia espontânea tributária.

O Código Tributário Nacional prevê a exclusão da responsabilidade pela infração, na ocorrência da iniciativa, do sujeito passivo, denominada denúncia espontânea, antes de qualquer procedimento fiscal.

Tal procedimento a posteriori, nos termos do artigo 138 daquele código, exige a regularização formal, no caso de infração acessória, e o pagamento do tributo devido, com juros e correção monetária, em se tratando de infração à obrigação de pagar tributo.

Uma pré análise do problema da aplicação da penalidade conduz o pesquisador a considerar inicialmente a hipótese de que, para aplicação da multa tributária, é preciso que preexista uma iniciativa do agente fiscal, visando constatar e autuar uma irregularidade. A aplicação da multa por pagamento de tributo fora do prazo é exceção a esta regra e não exige esta formalidade, por já pressupor a iniciativa do contribuinte para efetivação do pagamento, antes da ação do aparato fiscal. Por este entendimento, todo pagamento fora do prazo legal se sujeita ao acréscimo da multa de mora se, dentro da competência constitucional da respectiva unidade federativa (União, Estado, Distrito Federal ou Município), foi estabelecida legalmente aquela sanção.

Partindo-se das noções elementares sobre o Estado, a obrigação tributária, o tributo, a hipótese de incidência, o fato gerador e o crédito tributário, analisa-se a origem da necessidade social da exigência coercitiva e a finalidade do tributo, o nascimento da obrigação tributária a partir do fato gerador e a constituição do crédito tributário pelo lançamento.

Sequencialmente, a abordagem temática desloca-se para a sanção tributária, que é consequência da prática do ilícito, tendo-se este como gênero da infração tributária.

De interesse a passagem pela conformação normativa da sanção tributária, com o desdobramento para as categorias multa pecuniária, juros de mora e correção monetária, necessárias à sequência analítica do tema.

Ao final, são abordados os casos de exclusão da multa tributária, a anistia, a moratória e, com maior ênfase, a denúncia espontânea e seus efeitos jurídicos, notadamente sobre a multa de mora.


1.OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA

1.1.O ESTADO

Na medida em que os indivíduos, agrupados, organizaram-se espontaneamente, ou submeteram-se a uma vida em comum, surgiu um poder superior necessário à segurança individual e coletiva dos membros do grupamento e garantia da obediência às regras mínimas de convivência, com relevância posteriormente relacionada ao respeito ao direito de propriedade.

Engels, na obra "A origem da família, da propriedade privada e do Estado", afirma não ser o Estado um poder que se impôs de fora para dentro: "É antes um produto da sociedade, quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento..." [01].

A sociedade, formada por classes, houve por bem criar um ente, orientado num sistema de leis, que resguardasse a segurança externa e interna, aquela contra o invasor estrangeiro e esta contra as ameaças à vida e à propriedade privada, advindas do entrechoque entre as classes (dentro da própria sociedade).

No direcionamento proposto ao tema em foco, o direito, posto e tutelado pelo poder estatal, é abordado principalmente sob o ponto de vista normativo, como "ordem normativa da conduta humana, ou seja, um sistema de normas que regulam o comportamento humano" [02], mormente em se tratando regras de interesse público ou social.

Para conseguir realizar seu objetivo de promover o bem comum, o Estado exerce funções a serem custeadas com recursos financeiros de diversas origens, entre as quais, destaca-se aquela advinda da imposição tributária

É o direito tributário que irá tratar da matéria relativa à relação jurídica entre o Estado e as pessoas, com vistas à obtenção coativa dos recursos estabelecida na norma tributária.

1.2.TRIBUTO E OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA

Parte-se do tributo e da obrigação tributária visando, progressivamente, a abordagem da sanção decorrente da norma impositiva.

São questões de suma importância para a aplicação da sanção tributária: o seu regime jurídico, princípios constitucionais legislativos, critérios hermenêuticos, e regras adjetivas presidem sua aplicação, e as relações entre essas sanções e as pretensões jurídicas a que associadas.

Ao prefaciar a obra "Da Sanção Tributária", de autoria de Martins, a propósito da sanção tributária, Ataliba expõe que "bem ou mal – e ainda que sob a instância de responder a casos concretos – a jurisprudência tem desenvolvido excelente esforço para responder a tais questões. Assim também os órgãos fiscais de julgamento e consulta. O material abundante assim produzido padece dos males da visão parcial e episódica, sofre das deficiências próprias de preocupação imediatista" [03]. Uma visão mais sistemática no trato da matéria, tanto de parte do jurista tributário, como de parte do julgador de lides fiscais, é recomendada por Ataliba.

Dentro desta abordagem, faz-se uma polarização entre os dois lados da relação jurídica tributária: fisco e contribuinte.

A obrigação tributária origina-se da norma impositiva. Esta imposição é elemento comum dos tributos, como também o é sua instituição em função do interesse público.

Cumpre ressaltar, pela sua importância na presente análise, o conceito constante do artigo 3º, do Código Tributário Nacional, no aspecto do Tributo como prestação pecuniária compulsória legalmente instituída e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

A existência do tributo estabelece a relação jurídica entre a pessoa política (sujeito ativo) e pessoa do contribuinte (sujeito passivo), denominada obrigação tributária.

A obrigação tributária nasce do elemento dinâmico da regra jurídica, que é o fato gerador real.

O tributo e seu conceito, o fato típico (inapropriadamente chamado de fato gerador), e o texto da norma são elementos estáticos, no momento do surgimento da obrigação tributária.

Para se detectar a atuação dinâmica da regra jurídica, Becker sugere que se imaginem filmados os seus passos, tendo-se, como resultado, uma sequência em que, em suas palavras, acontecem três resultados observados:

a) a realização da hipótese se incidência, isto é, a hipótese deixa de ser hipótese, porque se realizou, porque ocorreu;

b) a incidência da regra jurídica sobre a hipótese de incidência realizada, juridicizando- a pela incidência;

c) a irradiação da eficácia jurídica (os efeitos jurídicos; as consequências da incidência) [04].

Em suma, sendo o tributo elemento estático da norma, a obrigação tributária é uma decorrência dinâmica da incidência da norma sobre o fato. Crédito tributário é o direito que se contrapõe ao dever jurídico contido na obrigação tributária principal.

A seguir, passa-se a analisar a hipótese de incidência, cuja ocorrência no mundo fático é condição sine qua non para o surgimento da obrigação tributária.

1.3. HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA E FATO GERADOR

Gomes de Sousa assinala que a obrigação tributária principal surge juntamente com a ocorrência do fato gerador e, para o tributo ser cobrado, torna-se necessário o lançamento. Na lei estão: o tributo, a hipótese de incidência e o contribuinte, em abstrato. O fato gerador e o lançamento são concretos.

Ataliba, que dedicou uma obra especificamente à categoria hipótese de incidência tributária, impõe, com sua autoridade técnica, uma radical diferenciação entre esta e o fato gerador, a contrário senso da referencia feita no texto do CTN [05].

No direito tributário, a hipótese de incidência é uma descrição legal prévia, abstrata, em que deve se enquadrar o fato, resultando na geração do tributo devido, no sentido de obrigação tributária.

O raciocínio é o mesmo que o aplicado ao direito penal, equivalendo, neste ramo do direito, à hipótese de incidência, o tipo penal e, ao fato gerador, a ocorrência real enquadrada na hipótese legal.

A lei, no intuito de gerar receita para manutenção do Estado, estabelece um universo delineado no tempo e no espaço, dentro do qual certos fatos com determinada conformação, que venham ocorrer na vigência da norma, gerarão, para seus agentes, a obrigação de pagar o tributo.

A hipótese de incidência está ligada estritamente ao princípio da legalidade. Nenhuma pessoa pode ser compelida a pagar um tributo ou a cumprir um dever de natureza instrumental no campo tributário, sem que uma lei tenha previamente criado tal tributo ou obrigação acessória e definido as respectivas hipóteses de incidência.

Dentro do princípio da legalidade tributária, se enquadra não só a criação e exigência do tributo, mas também o seu aumento ou redução, que deve, necessariamente, decorrer de lei editada pela pessoa política tributante.

A obrigação principal é aquela que corresponde ao dever de pagar o valor do tributo. Trata-se do dever de dar uma determinada importância compulsoriamente ao erário, pela pessoa obrigada em função de sua vinculação ao fato gerador.

A obrigação acessória vem a ser a obrigação não correspondente a um dever de dar dinheiro ao Estado, mas de fazer algo determinado em lei, tal como apresentar um formulário informativo de seu movimento econômico no exercício findo, ou de escriturar livros fiscais obrigatórios, ou ainda de prestar informações no formato magnético ao Fisco, sobre a sua atividade econômica.

Se não for cumprida a obrigação acessória, poderá esta converter-se em crédito tributário, pelo lançamento da multa pecuniária decorrente do descumprimento.

A obrigação acessória é acessória em relação à existência do tributo e não da importância a pagar relativa ao tributo. Tanto assim que, pagando-se ou não o tributo, a obrigação acessória persiste. Entretanto ela deixará de existir se for extinto por lei o tributo a que ela se relaciona.

De especial relevância citar-se que a obrigação de pagar penalidade pecuniária não é considerada pelo Código Tributário Nacional como obrigação acessória, tendo aquela como fato gerador a infração à lei, e esta sendo decorrente de exigência legal.

1.4.CRÉDITO TRIBUTÁRIO

Quem institui o tributo é o ente tributante, ou seja, a pessoa política designada na Constituição, que pode ser a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Município, dentro de sua plena competência e autonomia constitucionais, que abrangem também as regras quanto ao pagamento (prazo) e as hipóteses de incidência das sanções (multas).

O crédito tributário tem sentido dimensionalmente diferente do tributo. O tributo é a obrigação jurídica instituída por lei, de dar dinheiro ao Estado.

O crédito tributário é o valor já constituído e quantificado em favor do Estado, sob a forma de dívida tributária da pessoa que promoveu a ocorrência do fato gerador, dentro da hipótese de incidência tributária. Para a constituição do crédito tributário, é necessária a atividade administrativa fiscal do lançamento.

Pelo lançamento, o funcionário autorizado a efetuá-lo, designado como agente fiscal, identifica o sujeito passivo (devedor), quantifica o valor do tributo, dentro dos critérios da lei, e promove a notificação. A própria lei ordinária deve prever um prazo limite para que o devedor do crédito tributário promova o respectivo pagamento.

O lançamento vem a ser, mais que uma atividade, o procedimento resultante desta atividade, o assentamento formal que constitui efetivamente o crédito tributário.


2..SANÇÃO TRIBUTÁRIA

2.1.ILÍCITO TRIBUTÁRIO E INFRAÇÃO TRIBUTÁRIA

Existem autores que chegam a considerar a norma impositiva do tributo como norma de rejeição social. Entretanto, tal norma poderia ser considerada de rejeição social no tempo e espaço em que ela visasse a exclusão da maioria da população de um país do universo dos destinatários dos benefícios da sociedade organizada, e ao mesmo tempo, se o tributo não fosse considerado condição da própria existência da sociedade pacificamente organizada.

Data venia, a rejeição, se existente, em alguns casos tornar-se-ia coletiva, a respeito da norma, se coletiva também fosse a falta de conhecimento dos indivíduos a respeito da finalidade do tributo que, em última análise, é responsável pela garantia e proteção ao próprio direito individual.

Habermas tece oportuna consideração ao afirmar que "em nossos mundos da vida, compartilhados intersubjetivamente e que se sobrepõem uns aos outros, está instalado um amplo pano de fundo consensual, sem o qual a prática cotidiana não poderia funcionar de forma nenhuma" [06].

A rejeição não é de cunho social, mas localiza-se, com se verá, no âmbito da esfera vital primitiva, natural, do indivíduo, que a sente, mas a deixa de lado para poder viver convenientemente e, porque não dizer, confortavelmente, em sociedade.

Em muito esclarece a observação de Villegas, que bem enquadra o posicionamento adotado pelos adeptos da nominada doutrina da rejeição social:

Durante muito tempo, houve resistência ao tributo, por ser ele considerado fruto de desigualdade, privilégio e injustiça. O cumprimento de obrigações tributárias representava um sinal tangível de submissão e servidão do indivíduo diante do Estado.

Modernamente, entretanto, a doutrina variou fundamentalmente quanto à concepção do imposto que – de simples meio para obter recursos – passou a constituir-se em elemento essencial para a existência do Estado e a obtenção de suas finalidades.

O clima de ‘tolerância culpável’ começa a desaparecer e se transforma gradualmente em repúdio aos infratores fiscais, que burlam a sociedade e que incrementam os encargos fiscais dos outros, ao diminuírem ilegitimamente os próprios [07].

Schmolders, citado por Oliveira, assinala que "a resistência ao tributo, em todas as suas manifestações, coloca-se na esfera vital primitiva do homem, em seus instintos e impulsos naturais, cuja força é incomparavelmente maior e diametralmente oposta ao cumprimento dos deveres tributários, conhecidos racionalmente, mas não vividos emocionalmente" [08].

Feitas tais considerações, tem-se que ilícito tributário é qualquer conduta contrária a preceito imperativo da norma tributária. Tal conduta visa excluir, diminuir o valor do tributo, ou postergar o pagamento do montante devido.

A prática do ilícito tributário, sendo uma conduta contrária à lei tributária, sujeita o infrator à sanção jurídica, que abrange tanto os fatos contrários à lei tributária quanto aqueles configurados como crimes pela lei penal.

A abordagem aqui adotada encaminha o assunto para a referência aos princípios basilares que informam o Direito Tributário.

No Brasil, são adotados alguns princípios (citando-se apenas aqueles que guardam maior relação com a matéria destacada) que foram elaborados no âmbito do Direito Tributário e que lhe são próprios.

Menciona-se, por exemplo, o princípio da anterioridade tributária, configurado no artigo 150, inciso III, alínea b, da Constituição vigente, que ressalva não ser permitido cobrar tributos no mesmo exercício da publicação da Lei que os instituiu ou majorou.

Igualmente, são afetos à relação jurídica tributária os princípios constitucionais da capacidade contributiva (Constituição: artigo 145, § 1º); o da proibição de cobrar tributos com efeito de confisco (Constituição: artigo 150, IV) e, por sua relevância, o princípio da legalidade, pelo qual o Tributo só poderá ser criado ou aumentado por Lei (Constituição: art. 150, I); o princípio da irretroatividade, que impõe só se aplicar a Lei tributária aos fatos geradores ocorridos após o início de sua vigência (Constituição: art. 150, III, a); o princípio da isonomia, pelo qual a Lei não poderá dar tratamento desigual aos contribuintes que se encontrem em situação equivalente (Constituição: art.150, II).

A competência tributária diz respeito ao poder de instituir, de cobrar, de fiscalizar tributos e de legislar sobre a matéria.

São competentes tributariamente as pessoas políticas, personificadas na União, Estados, Distrito Federal e Municípios, cujas leis respectivas serão elaboradas por seus poderes legislativos, ressalvada a competência para iniciativa do Poder Executivo, em razão da matéria.

A recepção do Código Tributário Nacional, sob este aspecto, deve ser vista com reservas e adotada até onde não conflite com a Constituição de 1988, mormente no que tange à competência tributária das pessoas políticas.

A menção a estes aspectos legais do Direito Tributário brasileiro é feita no intuito de esclarecer que qualquer ato contrário a tais princípios ou institutos, tanto de parte do sujeito ativo, com do sujeito passivo, podem ser classificados como ilícitos tributários, por ferirem não só a Lei em sentido estrito, mas a Lei em seu sentido mais genérico, em forma de princípios constitucionais.

A infração tributária abrange tão somente as condutas que ferem a lei tributária, não se ingressando no mérito de terem ou não repercussão penal. A infração tributária, geralmente, está tipificada na Lei de competência da pessoa política tributante (que tem a competência tributária).

Tem-se, assim, de um lado, a obrigação tributária e, de outro, a sanção.

2.2.Conformação normativa da sanção tributária

A compreensão da ordem jurídica explica a existência das sanções que, para Kelsen, "...são estabelecidas a fim de ocasionar certa conduta humana que o legislador considera desejável" [09].

A conduta contrária a um dever ser da norma tributária sujeita-se à sanção tributária, enquanto que a conduta que, mesmo já ferindo a norma tributária venha ferir os preceitos da Lei penal, sujeita-se adicionalmente às sanções penais.

A sanção tributária decorre da norma e é uma resposta jurídica prevista na lei tributária, para ser aplicada à pessoa que praticar a infração tributária. Ela poderá ter natureza pecuniária ou não e pode se constituir no não fornecimento de certidão negativa à pessoa que praticou a infração ou pode ser representada por uma multa.

A multa fiscal é uma das espécies do gênero sanção [10].


3.MULTA PECUNIÁRIA E OUTROS ACRÉSCIMOS LEGAIS

Os juros e a correção monetária não têm caráter de sanções tributárias, mas são encargos incidentes sobre o descumprimento da obrigação de pagar tributo. Visam, independentemente das funções indenizatórias, que ocorrem à parte, apenas repor o custo financeiro do dinheiro que o contribuinte deixou de incrementar nos cofres públicos.

Os juros representam um encargo que visa repor o custo remuneratório dos recursos que financiam a atividade pública, proporcionalmente ao valor que foi recolhido a destempo.

Sobre a correção monetária, instituída pela Lei n. 4.357, de 16 de julho de 1964, Carvalho leciona taxativamente ser incorreto incluir entre as sanções que incidem pela falta de pagamento do tributo, em qualquer situação, a conhecida figura da correção monetária do débito. Representa a atualização do valor da dívida, tendo em vista a desvalorização da moeda, em regime econômico onde atua o problema inflacionário [11].

Assim, a finalidade da correção monetária é atualizar o valor do crédito tributário para que, na data do pagamento, represente o mesmo valor, em termos reais, devido no vencimento da obrigação tributária.

3.2.Multa por infração tributária

A multa por infração tributária pode decorrer tanto do descumprimento da obrigação principal, como do descumprimento da obrigação acessória e varia em valor e percentual, conforme os tipos de infração enumerados exaustivamente na lei tributária (numerus clausus).

Entretanto, este descumprimento reveste-se de diversas facetas, sendo numerosos os fatos ou atos a que a lei tributária atribui a característica de geradores da imposição de multa. Estes fatos geradores seriam os comportamentos lesivos aos deveres estipulados na lei tributária.

É importante, desde logo, uma abordagem da multa tributária sob os dois aspectos que interessam ao encaminhamento do tema ora tratado: o aspecto punitivo e o aspecto indenizatório.

As funções indenizatórias e as punitivas, também diferentes entre si, cabem às multas moratórias e multas punitivas, que visam, aquela, a indenizar os prejuízos causados à administração pública, e esta, simplesmente a punir um comportamento socialmente indesejável.

Na corrente que defende o posicionamento de que a multa de mora não possui caráter punitivo, encontram-se também tributaristas de renome como Carvalho, para quem "as multas de mora são também penalidades pecuniárias, mas destituídas de nota punitiva" [12], mencionando-se ainda Denari, para quem:

... a questão não é meramente acadêmica, pois nosso Código Tributário Nacional, no parágrafo único do art. 134, imprime à responsabilidade tributária diversidade de tratamento, quer se trate de multa moratória ou punitiva, além do que, as Súmulas 191 e 192 da Suprema Corte chegaram a distinguir as multas simplesmente moratórias das multas punitivas, com a finalidade de exonerar a massa falida da responsabilidade pelo pagamento destas últimas [13].

3.3.Multa de Mora

A multa de mora é estabelecida na lei ordinária da pessoa política tributante, com caráter de sanção pecuniária acrescida ao valor do tributo não pago no prazo legal.

No entanto, a genuína multa de mora não se confunde com a multa punitiva por falta de pagamento, aplicada pelo agente fiscal contra a pessoa do devedor do tributo, tratando-se esta última de multa pela omissão de uma prestação obrigatória prevista em Lei. A multa por falta de pagamento também é proporcional ao valor do crédito tributário e tempo de atraso e é expressa em moeda corrente do país.

A multa desta espécie é excluída pela denúncia espontânea, porém é substituída pela multa de mora sempre que o pagamento se realizar após o vencimento do prazo limite estipulado em lei. Isto porque o pagamento extemporâneo do tributo é um procedimento irregular, é falta, é omissão sancionada, seguindo o mesmo raciocínio de ilicitude das demais infrações, quando previsto como infração na lei de competência da pessoa política tributante.

Uma vez não pago no prazo, a incidência da multa de mora é automática, não dependendo de autuação do agente fiscal, por pressupor o ato do pagamento extemporâneo.

O pagamento de tributos fora do prazo, sem a multa de mora, mesmo com a denúncia espontânea, como querem aqueles que compreendem a multa de mora como punitiva, retiraria a força coercitiva da norma fixadora de prazo, que cairia na completa ineficácia.

É clássica a assertiva de que "a eficácia é uma condição de validade" [14], decorrendo daí que uma interpretação da norma que não traduz o comportamento prático adotado em função dela, ou está equivocada ou então indica que a norma não é válida.

A postura de dispensa da multa de mora, no caso de denúncia espontânea, pode revelar-se tecnicamente incoerente, na medida em que sugere, de parte do obrigado, que pagar tributo no prazo não seria mais uma obrigação, mas uma faculdade.

Os tributaristas que defendem a exclusão da multa de mora, em regra, consideram (sabendo-se inexistir tal repercussão prática) que o efeito da exclusão da multa de mora pela denúncia espontânea, seria de que os contribuintes em atraso com o pagamento de tributos supostamente viessem em massa acertar suas pendências com o fisco.

A realidade mostra que frequentemente os administradores das empresas, são pressionados tecnicamente a violar normas tributárias sempre que tal seja economicamente proveitoso e se é também verdade que "o direito tem poucas possibilidades de vingar quando entra em conflito direto com motivações de natureza lucrativa" [15], é igualmente provável a possibilidade de outra reação, no sentido de que um maior número de contribuintes deixaria de pagar o tributo no prazo, ao premiar-se tal comportamento irregular com aplicação apenas remota e eventual de uma multa, no caso do agente fiscal conseguir detectar a falta e emitir a respectiva autuação.

Sem a sanção (multa de mora) que obriga o contribuinte faltoso a proceder à reposição do dano causado ao Estado, haveria indevida vantagem prática, de enriquecimento sem causa, em não se observar o prazo para pagamento do tributo.

Ao se aceitar a dispensa da multa de mora na denúncia espontânea, estaria instalada a anarquia tributária, e ninguém mais teria obrigação de pagar Tributo no prazo, vez que o aparato fiscal é diminuto frente ao número de contribuintes, ficando dificultada sobremaneira a própria existência do Estado, frente à facilidade. A orientação referida, que advoga a dispensa da multa de mora no contexto da denúncia espontânea, é insegura do ponto de vista legal.

Até mesmo porque, como assegura Teubner, "o abandono da atual normativização das condutas, no sentido de expectativas de comportamento imperativas, poderia decerto, e por outro lado, produzir graves conseqüências para o funcionamento das normas jurídicas, cuja validade passaria assim a estar dependente do livre-arbítrio de seus próprios destinatários" [16].

Por outro lado, caso da falência, se o Supremo Tribunal Federal revogou o entendimento das Sumulas 191 e 192, através da Súmula 565 [17], não estendeu a interpretação aos casos de denúncia espontânea fora do âmbito falencial.

Para a denúncia espontânea, embora existam precedentes judiciais admitindo a dispensa da multa de mora, não está firmada uma interpretação sumular, com efeito erga omnes. Deduz-se que tal não ocorreu pela previsão, evidente ao mais bisonho dos discernimentos, dos efeitos catastróficos que causaria na arrecadação de todos os tributos.

E por que não se muda a lei (CTN), esclarecendo-se de vez a respeito da dispensa geral de multas no caso de denúncia espontânea?

A explicação, além da realidade prática já exposta, está no fato de que as pessoas políticas tributantes não podem nem devem, em nome do princípio federativo, abrir mão de sua competência constitucional para o estabelecimento do prazo para pagamento do tributo e na fixação de multas aos contribuintes que não observarem tal prazo.

A partir do momento em que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios abrirem mão do rigor no prazo para pagamento de tributos, é provável que passarão a enfrentar dificuldades maiores para arrecadá-los.

Derzi menciona que "... se a denúncia espontânea afasta a responsabilidade por infrações, é inconcebível a exigência do pagamento de multa moratória, como faz a administração fazendária, ao auto denunciante" [18].

Ao tecer tal consideração, a referida autora está contemplando a situação de não aceitação, na prática, pelo fisco, de pagamentos fora do prazo sem a multa de mora e reconhecendo a realidade da ineficácia do entendimento de que a multa de mora não é exigível no caso de denúncia espontânea.

Se o fisco assim age (exigindo a multa de mora no pagamento do tributo fora do prazo legal), não o faz ao arrepio da lei, mas porque a lei ordinária que instituiu o tributo estabelece prazo para satisfação da obrigação tributária que, se inobservado, implica infração e gera a sanção tributária conhecida como multa de mora.

Aliomar Baleeiro, na mesma obra anotada por Derzi, acolhe a possibilidade da exigência da multa de mora, ao fazer menção ao Recurso Extraordinário n° 70.757, de 29.05.1973 (Julgamento 29/05/1973 – 1ª Turma. DJ, 05.10.73), do qual foi o ministro relator, reproduzindo, a propósito da responsabilidade por sucessão (art. 112, CTN) que: "Se o sujeito passivo pagou o tributo espontaneamente, embora fora do prazo, mas antes da ação fiscal, cabe a multa de mora e não a que pune a sonegação" [19].

Destarte, é razoável entender-se que a multa de mora propriamente dita tem como fato gerador o pagamento fora do prazo, já que a mora refere-se ao pagamento em si.

Assim, a condição da existência desta espécie de multa de mora é o pagamento, já que ela é calculada proporcionalmente ao tempo decorrido entre o vencimento (prazo limite estabelecido em lei para pagamento do tributo) e a data do efetivo pagamento.

E, uma vez transcorrido o prazo legal para pagamento do tributo, pelo menos quando a lei expedida pela entidade tributante assim estabelecer, dentro de sua competência constitucional, sempre haverá a incidência da multa de mora. A irregularidade (ilicitude), neste caso, reside no pagamento fora do prazo. A aplicação desta multa independe da atividade administrativa do agente fiscal com vistas à sua cobrança, ela decorre da lei e pressupõe apenas que o pagamento seja efetuado fora do prazo.

É perceptível a natureza indenizatória da multa até pela sua proporcionalidade com o montante do tributo que deixou de ser recolhido aos cofres públicos (erário).


4.CASOS DE EXCLUSÃO DA MULTA

Neste capítulo serão tratados os dois casos mais importantes de exclusão da multa em si, deixando-se de lado os casos de extinção do crédito tributário, como a remissão, a prescrição e a decadência, por serem impertinentes ao destaque abordado.

4.1.Exclusão da multa como incentivo ao pagamento

O incentivo ao pagamento de tributos em atraso pode justificar-se por:

a)urgente necessidade pública, geralmente relacionada à formação de disponibilidade financeira para fazer frente a compromissos inadiáveis assumidos pela administração com obras, programas de governo ou despesas com outros encargos públicos;

b)dificuldade dos contribuintes em saldar seus débitos para com a Fazenda Pública, decorrente de calamidade pública ou situação de emergência que inviabilize o pagamento regular dos tributos a um universo limitado de contribuintes afetados pelo mesmo fenômeno.

A fórmula adotada para fomentar a receita ou diminuir a inadimplência é a edição de lei específica, dentro das condições e da competência constitucionalmente prescritas.

A Constituição de 1988, no artigo 24, em matéria de repartição vertical de competência, produziu inovações ao atribuir poder e legitimidade às pessoas políticas para legislar de modo pleno, mesmo diante da inexistência de normas gerais. Aprimorou, assim, o federalismo clássico, que tende a evoluir para um federalismo de equilíbrio [20].

A lei complementar está adstrita a estabelecer normas de caráter geral, não podendo, por consequência, nem interferir nem inovar dentro da matéria de competência privativa do ente tributante.

Para Fonseca Reis: "Qualquer interpretação que busque a definição do conteúdo e alcance dessas normas gerais deverá preservar a autonomia financeira, isto é, a repartição de competência tributária e o seu exercício de modo pleno" [21].

O constituinte, além da repartição das competências tributárias, estabeleceu princípios garantidores do estatuto do contribuinte, aceitando ser o crédito tributário e penalidades bens indisponíveis, fixando no § 6º do art. 150 que a remissão e a anistia somente podem ser concedidas através de lei específica federal, estadual ou municipal.

Pode-se daí deduzir que tal matéria não poderá ser objeto de norma geral.

É vedado conceder anistia, remissão a não ser através de lei específica. Respeitada a autonomia das entidades políticas, no regime federativo brasileiro, se a penalidade decorre de preceito de lei estadual, se o crédito tributário resulta da incidência de lei ordinária estadual, lei federal não pode conceder anistia, nem remissão. Tal só poderia ocorrer no âmbito da competência para os tributos federais.

Fica evidente, destarte, que as normas constantes do Código Tributário Nacional, especialmente quando tratam de exclusão de responsabilidade, devem limitar-se à punibilidade subjetiva criminal, sobre a qual é competência da União legislar, não se podendo admitir que a recepção de tais normas, como o caso do artigo 138, numa verdadeira anistia em abstrato, venha excluir a responsabilidade objetiva, dispensando o pagamento de todas as multas tributárias aplicáveis por normas que se situam dentro da competência privativa das pessoas políticas tributantes, pelo menos quando estas tenham emitido leis tratando do assunto ou estabelecendo sanções que garantem o cumprimento da obrigação tributária.

A anistia é a simples dispensa do pagamento dos acréscimos legais ao tributo, nos casos estabelecidos em uma Lei específica, como parte da política fiscal do Estado, cujo objetivo, em regra, é promover o ingresso de recursos para incremento da receita tributária em um determinado exercício financeiro.

A anistia não deve ser confundida com a isenção (= dispensa obrigação tributária, mantendo-se a atividade isenta dentro do campo de incidência) e com a remissão (= extinção, perdão da obrigação tributária através de lei específica).

As anistias e remissões, em respeito ao princípio da estrita legalidade (art. 97, VI do CTN), só poderão ser concedidas por meio de lei editada pela pessoa política tributante.

4.2. Exclusão da multa pela Denúncia Espontânea

A denúncia espontânea exclui a responsabilidade pela infração. Esta hipótese de exclusão da multa punitiva está prevista no artigo 138, do Código Tributário Nacional.

A consideração analítica do tema exige uma visão sistemática.

Considera-se, destarte, equivocada a exegese literal do artigo 138, do CTN, sendo imprescindível uma interpretação sistemática com o art. 161 da mesma lei e os artigos 146, 150, § 6º e 155,§ 2º, inciso XII, da Constituição Federal.

Para Amaro, "considera-se denúncia espontânea o procedimento adotado que regularize a obrigação que tenha configurado uma infração, dispensada a comunicação da correção da falta..." [22].

Amaro coloca aqui uma interrogação: "Poder-se-ia, então, concluir que a multa de mora teria sido proscrita pelo Código Tributário Nacional, sendo inexigível em qualquer situação? Parece que não, pois o próprio Código se reporta às multas de mora no parágrafo único do art. 134, para dizer que, nas hipóteses ali referidas, somente são devidas penalidades de caráter moratório" [23].

A fazenda pública vem desposando o entendimento de que a falta de pagamento de tributo não exclui a responsabilidade do devedor em pagá-lo com os acréscimos legais, inclusive o da multa moratória.

A multa de mora tem mais relação com o valor do tributo e o lapso de tempo transcorrido, que com a conduta do contribuinte.

É Carvalho quem ensina: "as multas de mora são também penalidades pecuniárias, mas destituídas de nota punitiva. Nelas predomina o intuito indenizatório, pela contingência de o Poder Público receber a destempo, com as inconveniências que normalmente acarreta, o tributo a que tem direito" [24].

Entre essas sanções, como se verá, está aquela que incide sobre o comportamento, considerado irregular, de pagar-se o tributo fora do prazo, para o qual fixa-se a multa de mora proporcional ao atraso e independente de lavratura do auto de infração ou de notificação pelo agente fiscal.

Esta postura não exclui o benefício, entretanto, assume que existe um prazo, ultrapassado o qual, ocorre a preclusão para seu exercício (preclusão, no sentido de perda da oportunidade para exercício de um direito), fixado na lei ordinária que instituiu o tributo, em relação à multa de mora, até o vencimento do tributo, considerando ser o transcurso de tempo inexorável, retirando a eficácia do arrependimento do sujeito passivo.

É princípio do Direito Penal do arrependimento posterior, segundo o qual o agente responde pelo dano já provocado.

Algumas leis, expedidas pelos entes tributantes, dentro de sua competência constitucional, como por exemplo, o Estado de Santa Catarina, prevêem como infração, ou procedimento irregular, o simples pagamento extemporâneo do tributo, sujeitando-o à multa de mora proporcional ao atraso ocorrido entre o vencimento da obrigação e a data em que for realizado o pagamento.

É o caso da Lei estadual catarinense n 10297, de 26 de dezembro de 1996, que prevê um tipo de multa que coloca o tema em cheque:

Art. 53. Submeter tardiamente operação ou prestação tributável à incidência do imposto ou recolher o imposto apurado, pelo próprio contribuinte, ou devido por estimativa fiscal, após o prazo previsto na legislação, antes de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização.

Multa de 0,3 % (três décimos por cento) ao dia, até o limite de 25% (vinte e cinco por cento) [25].

Em relação aos tributos federais, o Decreto-Lei 1893, de 16 de dezembro de 1981, determina em seu artigo 9º que os créditos da fazenda nacional decorrentes de multas ou penalidades pecuniárias aplicadas, na forma da lei pertinente, até a data da decretação da falência, constituem encargos da massa falida [26].

O Supremo Tribunal Federal expediu as súmulas 191 e 192 que prescreviam a exigibilidade das "multas moratórias" e a exclusão das "multas punitivas", em relação à massa falida. [27]

Na discussão a respeito de ter a multa de mora caráter punitivo ou indenizatório, a partir do Código Tributário Nacional, ninguém melhor que o autor de seu anteprojeto, Gomes de Sousa, para esclarecer: "... a sua natureza é comparável à das indenizações por prejuízos, previstas no direito civil, e por isso se diz que a mora é uma penalidade de caráter civil" [28]. Mais adiante, Gomes de Sousa complementa: "Justamente por ser uma reparação do prejuízo do credor, a multa de mora é fatal, isto é, sempre devida, desde que se verifique o atraso, independentemente dos motivos deste" [29].

Dissertando a respeito dos efeitos do início do procedimento fiscal, Fanucchi, em obra prefaciada por Gomes de Sousa, refere-se aos efeitos normais ao procedimento corretivo espontâneo como sendo: "exclusão de multas punitivas mas não das compensatórias por atraso no recolhimento do tributo" [30].

Rosa Jr., no seu extenso "Manual de direito financeiro & direito tributário", conclui, sobre a denúncia espontânea e seus efeitos (CTN, art. 138): "... ficam excluídas apenas as multas punitivas, continuando o sujeito passivo obrigado ao pagamento do tributo, juros de mora, correção monetária e multas moratórias" [31].

Recentes acórdãos do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, publicados no Diário da Justiça, convergem no mesmo sentido: [32]

AG 1999.01.00.011466-6 /MG ; AGRAVO DE INSTRUMENTO; JUIZ OLINDO MENEZES (280); TERCEIRA TURMA; DJ 24/03/2000 p.69; TRIBUTÁRIO. MULTA DE MORA. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. REGIME LEGAL. 1. A multa de mora não é incompatível com a denúncia espontânea (art. 138 - CTN). 2. Improvimento do agravo de instrumento.

AMS 1997.01.00.051521-0 /BA ; APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA; JUIZA ELIANA CALMON (175 ); QUARTA TURMA; DJ 01 /10 /1999 p.332; TRIBUTÁRIO - MORA - DENÚNCIA ESPONTÂNEA: ART. 138 DO CTN. 1. Cobra-se neste processo multa moratória e não sanção pecuniária. 2. Inaplicabilidade do disposto no art. 138 do CTN - denúncia espontânea . 3. Recurso improvido. nos autos. Agravo de instrumento improvido.

AMS 1998.01.00.035558-0 /MG ; APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA; JUIZ OLINDO MENEZES (126); TERCEIRA TURMA DJ 14/05/1999,p.88. TRIBUTÁRIO.DENÚNCIA ESPONTÂNEA. INCIDÊNCIA DE MULTA DE MORA. 1. A denúncia espontânea, que não exclui os juros de mora (art. 138-CTN), também não é incompatível com a multa de mora, que não tem caráter punitivo. O Código Tributário Nacional faz distinção entre as penalidades punitivas e moratórias (art. 134, parágrafo único). 2. Improvimento da apelação da empresa. Provimento da apelação da União e da Remessa.

É mais evidente a inaplicabilidade da denúncia espontânea ao caso, por exemplo, do ICMS, quando o contribuinte já informou ao fisco através de Guia de Informação Apuração, o valor do tributo devido, não havendo mais o que denunciar.

De outro prisma, a exclusão de multas no âmbito da denúncia espontânea é regra restrita de benefício que não admite interpretação extensiva, pela indisponibilidade dos bens públicos, considerando-se ainda o princípio do fim social da lei.

Na interpretação da norma, é de suma importância, especificamente no campo do Direito Tributário, a assertiva de Maximiliano: "o rigor é maior em se tratando de disposição excepcional, de isenções ou abrandamentos de ônus em proveito de indivíduos ou corporações. Não se presume o intuito de abrir mão de direitos inerentes à autoridade suprema" [33].

Importante de destacar-se é que deve ser adotado um tratamento diferente a quem pagou o tributo fora do prazo, em relação a quem pagou no prazo, valorizando a atitude deste último. Faz-se então um juízo de equidade.

Há uma inversão de valores quando se atribui maior benefício a quem paga, mesmo espontaneamente, fora do prazo legal, em relação a quem pagou dentro do prazo. A atitude do contribuinte, pagando espontaneamente o tributo fora do prazo na lei deve, quando muito, ser considerada como atenuante na aplicação da sanção.

Além do mais, a denúncia espontânea, no direito tributário, é de aplicação restrita a um universo privilegiado de contribuintes, mormente os empresários, não atingindo a grande massa de assalariados que têm seus tributos retidos na fonte, sem nenhuma concessão de prazo e fora de qualquer possibilidade do desvio de conduta que é oportunizada ao contribuinte empresarial. E a prática deste desvio de conduta, que é o pagamento extemporâneo, não pode gerar benefício ao agente, em vista do princípio universal segundo o qual a ninguém é dado beneficiar-se da própria transgressão.

O princípio da equidade sugere sejam tratados de maneira semelhante apenas os casos que sejam realmente semelhantes.

Assim, quando a lei impõe prazos para pagamento de tributos e multa de mora para pagamentos fora deste prazo, a situação de igualdade entre o contribuinte que pagou fora do prazo e aquele que pagou pontualmente só será restabelecida após o pagamento da multa de mora e dos demais acréscimos legais.

O Código Tributário Nacional deve ser desmistificado, e sua recepção na Constituição de 1988 deve ser vista com restrição, pelo menos nos casos em que não trata de normas gerais. No caso denúncia espontânea, o entendimento adotado pelo signatário deste trabalho é o de que o CTN só foi recepcionado até onde não conflite com a lei ordinária que fixa prazo e estabelece sanções para pagamento fora do prazo. Esta lei ordinária é de competência da pessoa política tributante, obedecido o princípio federativo. Fora disso o CTN foi recepcionado como lei federal válida para regular os tributos de competência da União, enquanto a mesma União não fixar normas sobre prazo e sanções para descumprimento destes prazos, aplicáveis aos referidos tributos.

Em se tratando de princípios constitucionais, o apoio da obra de Carrazza é imprescindível:

Reforça o princípio republicano o da capacidade contributiva... O princípio da capacidade contributiva - que informa a tributação por meio de impostos – hospeda-se nas dobras do princípio da igualdade e ajuda a realizar, no campo tributário, os ideais republicanos... Intimamente ligado ao princípio da igualdade, é um dos mecanismos mais eficazes para que se alcance a tão almejada justiça fiscal...

O princípio da igualdade exige que a lei, tanto ao ser editada, quanto ao ser aplicada: a) não discrimine os contribuintes que se encontrem em situação jurídica equivalente; b) discrimine, na medida de suas desigualdades, os contribuintes que não se encontrem em situação jurídica equivalente [34].

Se o devedor deixou de pagar o tributo no prazo da norma e manifesta seu arrependimento, pela denúncia espontânea, a situação assemelha-se à do arrependimento posterior, do Direito Penal, em que o agente deve responder pelos atos já praticados. Se o curso do tempo é inexorável, o prejuízo à sociedade, pela omissão do contribuinte, em termos de realização dos fins do Estado a que se destina o tributo, já ocorreu. O arrependimento não será, portanto, eficaz, enquanto o agente não indenizar o Estado pelos danos causados. Os juros e a correção monetária apenas repõem o custo financeiro do tributo não recolhido. A multa de mora será indenizatória dos danos causados pelo agente.

Ao interpretar o dispositivo, Baleeiro não fala em multas, mas em responsabilidade, ressalvando, pela equiparação à lei penal, a responsabilidade pelos danos provocados pelos atos já praticados pelo agente.

Para Baleeiro, "as multas ora indenizam um prejuízo ao fisco, como as da mora no pagamento de tributos, ora são métodos de repressão (multas pela sonegação de impostos) e de intimidação pelo perigo potencial resultante do procedimento do indivíduo (infração de tráfego, por exemplo)" [35].

Baleeiro, na sua obra "Direito Tributário Brasileiro", ao comentar o artigo 138, do CTN refere-se à exclusão da responsabilidade pela infração, aduzindo que "há, nessa hipótese, confissão e, ao mesmo tempo, desistência do proveito da infração. A disposição, até certo ponto equipara-se ao art. 13 do CP: ‘O agente que, voluntariamente, desiste da consumação do crime ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados’" [36].

Tem-se ainda a lição de Minatel, quando repele a "... interpretação extensiva que se pretende atribuir ao artigo 138 do CTN, quando se intenta condecorá-lo com eficácia suficiente para afastar a multa de mora..." [37].


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a conclusão da análise proposta, denota-se que a responsabilidade referida no artigo 138 do Código Tributário Nacional refere-se ao ato ou omissão praticados com o fim de subtrair à tributação o fato gerador do tributo, não se incluindo nesta hipótese o atraso no pagamento do tributo, em vista do prazo fixado na legislação emitida pela pessoa política tributante, dentro de sua competência constitucional.

A norma geral, sendo uma moldura, não poderá interferir no conteúdo específico da norma individual, embora lhe defina o contorno. As disposições fixando prazo para pagamento de tributos e estabelecendo multa para o atraso são parte do conteúdo e não podem sofrer interferência da norma geral.

Assim, o contribuinte pode ter excluída a responsabilidade pela infração, desde que efetue o pagamento do tributo até o prazo estabelecido na lei ordinária, vale dizer, até a norma geral respeita a competência constitucional da pessoa jurídica tributante para fixar prazo a sancionar a sua inobservância.

É de importância fundamental o respeito à competência constitucional tributária das pessoas políticas, na recepção de normas nacionais anteriores à Constituição de 1988, como é o caso do Código Tributário Nacional.

A regulação de uma conduta juridicamente, para sua efetividade e eficácia, exige coordenadas de tempo e de espaço. No caso de tributos, tais delimitações estão na lei ordinária editada pelas pessoas políticas constitucionalmente designadas.

Por esta interpretação, a multa de mora não passa de um plus indenizatório ao tributo, decorrente de seu não pagamento até o prazo legal.

O prazo, uma vez vencido, é inexorável, não tendo o sujeito passivo como renunciar ao proveito do atraso e eximir-se da multa de mora.

O caráter não punitivo, mas indenizatório, da multa de mora retira validade da premissa básica da tese que sustenta a exclusão desta espécie de multa no caso de denúncia espontânea.

Ressalte-se ainda que as Súmulas 192 e 565 da Suprema Corte aplicam-se restritamente em matéria tributária após o início da vigência do artigo 29, da Lei 6830, de 22/09/1980, que exclui do processo de falência as execuções fiscais.

É de se deduzir que a pretensa exclusão da multa moratória na denúncia espontânea, se adotada em caráter erga omnes, causaria enorme insegurança jurídica, anarquia e caos tributário, pois a partir de tal momento, ninguém mais se sentiria obrigado a pagar tributo no prazo, já que o fraco aparato fiscal da União, dos Estados e dos Municípios não teria capacidade logística para autuar a verdadeira avalanche de inadimplências decorrentes daquela facilidade prática. Isto sem considerar a presumível queda drástica que seria provocada na arrecadação geral de tributos, podendo essa situação comprometer seriamente o funcionamento dos serviços públicos.

Neste caso, as normas de competência da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, que prescrevem prazos para pagamento dos tributos, na prática, teriam apenas repercussão moral subjetiva, considerando que a capacidade prática da fiscalização de tributos, nem de longe poderia acompanhar e autuar a provável inadimplência em massa daí resultante.

Pelo caráter social do tributo, contrariamente à superada ideologia liberal individualista, não é razoável imaginar-se como justa a situação de algum cidadão ser submetido ao risco de vida nas filas de espera dos ambulatórios públicos, por falta de verbas, enquanto se estabelece uma brincadeira de "gato e rato" entre o fisco e o contribuinte beneficiado pela ocultação das infrações até ser eventualmente descoberto pelo aparato de fiscalização, para imposição da multa de mora indenizatória das carências sociais provocadas pelo não ingresso dos recursos do tributo devido e sonegado.

Nova questão se coloca: a que plano ficaria relegado o princípio de que ‘a ninguém é dado auferir proveito de sua própria transgressão’? Se o prazo para pagamento do tributo já venceu, não há como o sujeito passivo pagar o tributo fora do prazo sem auferir enriquecimento sem causa ou, mais precisamente, enriquecimento advindo de transgressão à Lei, com ônus maior para os contribuintes que pagam seus tributos em dia.

Por outro lado, deflui deste princípio que a denúncia espontânea pode caracterizar arrependimento posterior, mas não eficaz, em relação ao atraso no pagamento do tributo.

Evidencia-se que só não haverá dano nem proveito ao devedor se a denúncia espontânea for procedida até o vencimento do prazo para pagamento do tributo.

Não podem coexistir, de um lado, normas que estabelecem prazos para cumprimento da obrigação tributária e, de outro, interpretações doutrinárias que entendem existir uma espécie de moratória de caráter permanente, retirando o efeito coercitivo destas mesmas normas.

Sem o risco de confundir mora com moratória, a permissão do pagamento do tributo fora do prazo, a qualquer tempo, sem o pagamento da multa moratória, pode ser vista como um tipo de suspensão permanente da exigência do recolhimento do crédito tributário no prazo legal.

Sendo a moratória o alargamento dos prazos para o cumprimento da obrigação tributária, justifica-se apenas nos casos de calamidade pública, enchentes e catástrofes que dificultem aos contribuintes o pagamento dos tributos. Mas não aproveita aos casos de dolo, fraude ou simulação do sujeito passivo ou de terceiro em benefício daquele.

A moratória só pode existir através de lei específica que a institua e delimite seus efeitos no tempo e no espaço.

Com efeito, à guisa de fecho, coloca-se a expectativa de que o produto desta modesta incursão de estudo possa refletir-se como contribuição efetiva para o debate e no sentido do alcance da justiça fiscal na interpretação e aplicação da norma tributária.


NOTAS:

  1. ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 14 ed. Trad. Landro Konder. Rio: Bertrand Brasil, 1997. p.191.
  2. Conforme KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6 ed. Trad. João Baptista Machado. S. Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 5.
  3. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Da sanção tributária. S. Paulo: Saraiva, 1980. p.XI.
  4. BECKER , Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3 ed. S. Paulo: Le Jus, 1998. p. 57.
  5. Ver: ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 5 ed. S.Paulo: Malheiros, 1998.
  6. HABERMAS, Jürgen. Passado como futuro. Trad. Flávio Beno Siebeneicher. Rio: Tempo Brasileiro. p. 105.
  7. VILLEGAS, Hector. Direito penal tributário. Trad. Elisabeth Nazar et alii. S. Paulo: Resenha Tributária, 1974. p. 21.
  8. OLIVEIRA, Fábio Leopoldo de. Curso expositivo de direito tributário. S. Paulo: Resenha Tributária, 1976. p. 385.
  9. KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. 2 ed. Trad. Luís Carlos Borges. S. Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 53.
  10. MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário. 1 ed. Rio: Forense, 1987. p. 714.
  11. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 8 ed. S. Paulo: Saraiva, 1996. p. 356.
  12. CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit. p. 354.
  13. DENARI, Zelmo et alii. Infrações tributárias e delitos fiscais. 3 ed. S. Paulo: Saraiva, 1998. p. 22.
  14. KELSEN, Teoria geral do direito e do Estado. Cit. p. 46.
  15. Ver TEUBNER, Gunther. O Direito como sistema autopoiético. Trad. José Engrácia Antunes. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1989. p. 160, 183.
  16. Op. Cit. p. 188.
  17. SÚMULA 191: "Inclui-se no crédito habilitado em falência a multa fiscal simplesmente moratória". SÚMULA 192: "Não se inclui no crédito habilitado em falência a multa fiscal com efeito de pena admnistrativa". SÚMULA 565: "A multa fiscal moratória constitui pena administrativa, não se incluindo no crédito habilitado em falência". Fonte: ASSOCIAÇÃO DOS ADVOGADOS DE SÃO PAULO. Súmulas. 1994. p. 61-164.
  18. Ver nota inserida em: BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11 ed. Rio: Forense, 2000. p. 769.
  19. BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. Cit. p. 769.
  20. REIS, Élcio Fonseca. Federalismo Fiscal - Competência concorrente e normas gerais de Direito tributário. B. Horizonte: Mandamentos , 2000. p. 69.
  21. REIS, Élcio Fonseca. Federalismo fiscal Cit. p. 205.
  22. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro.5 ed. S. Paulo: Saraiva, 2000. p. 431.
  23. AMARO, Luciano. Op. Cit. p. 432.
  24. CARVALHO, Paulo de Barros. Op. Cit. p. 354.
  25. ESTADO DE SANTA CATARINA. Diário Oficial. Ed. 26/12/96.
  26. A respeito, ver REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. 8 ed. S. Paulo: Saraiva, 1983. p. 131 (v.1).
  27. Revogadas pela SÚMULA 565. Vide item 3.3, p. 70.
  28. GOMES DE SOUSA, Rubens. Compêndio de legislação tributária. 4 ed. S. Paulo: Resenha Tributária, 1982. p.139-140.
  29. GOMES DE SOUSA, Rubens. Op. Cit. p. 142.
  30. FANUCCHI, Fábio. Curso de direito tributário brasileiro. 4 ed. S. Paulo: Resenha Tributária, 1986. p. 411 (v. 1).
  31. ROSA JR., Luiz Emygdio F. da. Manual de direito financeiro e direito tributário. 11 ed. Rio: Renovar, 1997. p. 517.
  32. Acórdãos também publicados na página da internet "http://juris.trf1.gov.br".
  33. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 11 ed. Rio: Forense, 1991. p. 333-334.
  34. CARRAZZA, Roque Antonio. Direito constitucional tributário. 11 ed. S. Paulo: Malheiros, 1998. p. 64-66.
  35. BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 14 ed. Rio: Forense, 1984. p. 151.
  36. BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. Cit. p. 764.
  37. MINATEL, José Antonio. Denúncia espontânea e multa de mora nos julgamentos administrativos. In: Revista Dialética de Direito Tributário n. 33, Jun/1998, S. Paulo: Dialética. p. 83-92.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZANONI, Ivo. A denúncia espontânea tributária e a exigência da multa de mora. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2336, 23 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13902. Acesso em: 28 mar. 2024.