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Considerações sobre um desconhecido Direito de Família e as dificuldades do advogado familiarista

Considerações sobre um desconhecido Direito de Família e as dificuldades do advogado familiarista

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O advogado militante, por repetidas vezes, depara-se com o preconceito, o desconhecimento e as injustiças perpetradas contra cidadãos comuns que pretendem tão somente exercer seu direito de constituir e preservar suas famílias.

O presente texto nem de longe tem a pretensão de ser pacificante ou um exauriente artigo científico – ainda mais porque, no campo em que concentro estas linhas, existem inúmeros profissionais de muito maior talento para traçá-las – mas possui o intento de um alerta, de um advogado militante que, por repetidas vezes, depara-se com o preconceito, o desconhecimento e com inúmeras injustiças perpetradas contra cidadãos comuns que pretendem tão somente exercer seu direito natural, constitucional e sagrado de constituir e preservar suas famílias, mas que defrontam-se diariamente com atuações jurisdicionais, intervenções estatais e rejeições sociais que caminham em sentido manifestamente oposto.

Como cediço, contam-nos os advogados contratualistas (que labutam numa área onde vínculos jurídicos ligam contratantes em deveres e direitos primordialmente disponíveis, no intuito principal de efetuar, com segurança jurídica, a circulação de bens e direitos – função social do contrato por excelência – sem qualquer cunho pessoal) que muito foram atormentados quando questões litigiosas envolvendo pessoas ligadas por vínculos essencialmente afetivos vieram a desaguar nas Varas Cíveis comuns ou especializadas em direito obrigacional, tendo tais relações sido tratadas insensivelmente como negócios jurídicos comuns, contratos comuns, desprestigiando por completo a dedicação, o amor, o afeto e a colaboração em grau extremo, tudo muito além do que eles, advogados contratualistas, estavam acostumados a trabalhar. Passaram a encontrar em suas audiências judiciais – nas quais teoricamente se deveria buscar o valor e o alcance de um instrumento ou vínculo contratual – sentimentos verdadeiramente familiares, de um amor mal resolvido, de um laço de confiança absolutamente superior ao vigente no direito contratual e que haviam sido rompidos, bem como a realidade de que terceiros (particularmente os filhos) seriam gravemente afetados e teriam seus futuros altamente influenciados pelas decisões ali realizadas, situações essas que os operadores do direito ali presentes – juízes e advogados contratualistas, não se exigindo sequer a presença do Ministério Público, sendo tudo decidido sem a ajuda preciosa de auxiliares da Justiça como psicólogos ou assistentes sociais – não estavam de fato capacitados para solucionar, sequer podendo aplicar a legislação necessária para resolver adequadamente os casos postos em discussão.

Desprezava-se por completo que o que verdadeiramente uniu aquelas partes não foi o intuito de criar uma sociedade patrimonial, de produção de riquezas e angariação de lucros, mas foi um sentimento maior, puro, ilimitado, de constituição de uma vida a dois, num desejo de amarem-se, respeitarem-se e serem mutuamente fiéis, inclusive com eventual constituição de descendência, onde não se colocavam como credores e devedores de direitos disponíveis, mas sim como legítimos e inconfundíveis partícipes de uma família natural.

A constituição de uma família é a única hipótese matemática em que um mais um é igual a um (1+1=1), onde dois seres humanos se somam para tornarem-se um só corpo familiar, onde voluntariamente se opta por trocar o direito à própria liberdade de vida pelo dever/prazer de dedicá-la à felicidade de um consorte, onde um não fará contra o outro o que não faria contra si próprio, numa visão romântica mas absolutamente verdadeira. Daí a preferência deste escritor pelo termo consorte para designar cada um dos membros de uma família, haja vista seus significados, como indivíduo que tem o mesmo destino de outro; colega; companheiro, e parceiro.

Faz-se necessário ter uma visão pluralista da família, abrigando os mais diversos arranjos familiares, devendo-se buscar a identificação do elemento que permita enlaçar no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos que têm origens em um elo de afetividade, independentemente de sua confirmação. O desafio dos dias de hoje é achar o toque identificador das estruturas interpessoais que permita denominá-las como família. Esse referencial só pode ser identificado na afetividade. É o envolvimento emocional que leva a subtrair um relacionamento do âmbito do direito obrigacional – cujo núcleo é a vontade – para inseri-lo no direito das famílias, que tem como elemento estruturante o sentimento do amor que funde as almas e confunde patrimônios, gera responsabilidades e comprometimentos mútuos. Esse é o divisor entre o direto obrigacional e o familiar: os negócios têm por substrato exclusivamente a vontade, enquanto o traço diferenciador do direito de família é o afeto. A família é um grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade após o desaparecimento da família patriarcal, que desempenhava funções procriativas, econômicas, religiosas e políticas. (DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.009, p. 43).

Pois bem. Assim surgiu, para ser resolvido no campo do direito obrigacional ou no campo do direito trabalhista e, tão grave quanto, nas varas cíveis comuns (mesmo quando existentes varas familiares nas comarcas respectivas) ou nas varas trabalhistas, a dissolução de uma entidade familiar com todos os seus requisitos, objetivos e sonhos frustrados, em manifesta violação à dignidade do ser humano, só porque o liame sentimental outrora existente, embora dotado dos mais dignos predicados que o ser humano conhece, não tinha obtido a chancela do casamento.

As mulheres não casadas, v.g., que eram companheiras diuturnas e que se dedicavam muito mais que seus companheiros à harmoniosa e ordenada vida a dois e criação da prole, encontravam-se na situação humilhante de verem-se obrigadas a declarar-se como empregadas domésticas ou sócias de seus ex-consortes, no intuito exclusivo e inglorioso de não descobrirem-se desamparadas ao final de uma longa vida em comum, onde já se encontravam desalijadas do mercado de trabalho. Situação essa, aliás, que é – numa equiparação de certa forma adequada – muito conhecida do direito obrigacional, no que se convencionou chamar de contratos cativos de longa duração, onde se reconhece que a dependência de uma das partes à outra, advinda de um vínculo contratual de longo prazo, gera uma dependência igualmente mais densa e que continua a se agravar à medida que tal vínculo contratual também continua a existir, de forma tal que ao Judiciário foi outorgado o direito e a obrigação de intervir em favor da parte desfavorecida para, quando da solução do litígio, reconhecer que elas já não mais se encontram no mesmo patamar de igualdade quando do início da relação obrigacional. Esta intervenção Estatal, todavia, no intuito de aplicar tal figura jurídica onde se discutia o rompimento de um verdadeiro vínculo familiar, era absolutamente pobre de resultados e invariavelmente causadora de imensas injustiças, especialmente pelo fato de que o principal resultado pretendido na teoria dos contratos cativos de longa duração é perpetuar o vínculo obrigacional e minimizar as diferenças criadas o quanto possível, o que não pode ser almejado, ao menos por imposição Estatal, no Direito de Família.

Diante de tais injustiças, doutrina e parte da jurisprudência começaram a reagir, situação, todavia, que não foi capaz, por si só, de mudar a regra dominante e extinguir todas as imoralidades então perpetradas.

Com a evolução da sociedade, auxiliada pela facilitação dos meios de comunicação entre pessoas e povos, uma outra forma de família saiu da marginalização ao descobrir e reconhecer que não eram seres doentes e nem pouco numerosos, passando a reconhecerem-se como entidades familiares que tinham o direito e a necessidade de serem protegidas pelo Estado. Vozes começaram a ser ouvidas e aspirações surgiram, sem enganarem-se de que a batalha seria fácil, pois amplamente provida de dor e preconceitos, embora seus fins fossem – como ainda o são – legítimos, nobres e amplamente justos. Cito aqui as famílias homoafetivas, nome talvez complexo para designar uma família como qualquer outra, apenas constituída por duas pessoas do mesmo sexo, merecedora das mesmas garantias e direitos legais e constitucionais.

Assim, a solução para todos esses males – especialmente sob a ótica dos advogados familiaristas e contratualistas – pareceu resolvida na data de 05 de outubro de 1988, ou seja, há mais de vinte anos, com a promulgação da nova Constituição da República Federativa do Brasil, que, preocupando-se precipuamente com a felicidade e preservação da família e seus membros componentes, foi logo chamada de Constituição Cidadã – denominação criada pelo então presidente da Assembleia Constituinte, Dr. Ulysses Guimarães – e merecedora de aplausos aos quatro cantos do planeta. Mas que imenso engano o destes juristas ao acreditarem, como costumeira ocorre aos jovens operários da infinita ciência do Direito, que uma norma e um princípio, por mais magníficos e supremos que sejam, fossem capazes de colocar a verdade, a justiça e a razoabilidade no coração dos homens.

Esse engano restou justificável ao ler-se o preâmbulo de tal Constituição, o qual ainda esperamos todos ver realizado um dia e que dispôs:

Nós, REPRESENTANTES DO POVO BRASILEIRO, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte PARA INSTITUIR UM ESTADO DEMOCRÁTICO, destinado a ASSEGURAR O EXERCÍCIO DOS DIREITOS SOCIAIS E INDIVIDUAIS, A LIBERDADE, A SEGURANÇA, O BEM-ESTAR, O DESENVOLVIMENTO, A IGUALDADE, E A JUSTIÇA como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, FUNDADA NA HARMONIA SOCIAL E COMPROMETIDA, na ordem interna e internacional, e com solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil. (Constituição Federal do Brasil, grifos nossos).

E em seu horizontalmente singelo, porém abismal sentido vertical, o artigo nº 226, assim dispôs:

Art. 226, CF. A família, base da sociedade, tem especial proteção do estado. (Constituição Federal do Brasil, grifos nossos).

No caminho a ser trilhado a partir de 1988, tal dispositivo constitucional, aliado ao seu preâmbulo, inquestionavelmente já deveriam ser capazes de resolver a quase totalidade das demandas envolvendo as famílias. Mas tal entendimento não se mostrou verdadeiro e, não obstante acreditar-se que os litígios familiares deveriam ser rápida e prontamente solucionados – pois o norte já estava cartografado –, a verdade do Judiciário não mudou muito até os dias atuais.

Conforme o povo brasileiro ali sedimentou, por seus legítimos representantes, o Direito de Família (não obstante ilustríssimos e inovadores doutrinadores prefiram denominar como Direito das Famílias) tem como objeto a base da sociedade, composta por seres humanos que resolvem ter um objetivo de vida comum e estão ligados por um vínculo especial de amor, de afeto, pelo simples desejo de permanecerem juntos, ajudando-se mutuamente e procurando a felicidade do consorte. Se são casados, se se encontram vinculadas pela união estável – seja essa fruto ou não de um contrato respectivo –, se são pessoas do mesmo sexo ou não, se se trata de outros modelos tipifcados pela lei (monoparental) ou não (anaparental e a pluriparental), tudo é irrelevante e desprezível, pois a forma diversificada de constituição não altera o tão nobre e especial instituto da família, e pensar-se em outorgar uma proteção Estatal diversa a cada uma delas é textual e principiologicamente inconstitucional.

Como se pode extrair dessa simples exposição, o Código Civil não enclausura um único conceito de família, utilizando-se, em larga medida, diferentes sentidos da expressão para designar as relações familiares.

De qualquer maneira, considerando que o ordenamento jurídico infraconstitucional não define a família (no que, aliás, anda muito bem), é preciso lembrar a superioridade do conceito constitucional, decorrente ao art. 226, que abraçou uma concepção múltipla e aberta de entidade familiar, permitindo a sua formação pelas mais diferentes formas, todas elas merecendo ‘especial proteção do Estado’.

Logo, nenhuma concepção utilizada em sede codificada, e em qualquer norma infraconstitucional, pode colidir com a opção ideológica inclusiva e aberta da Carta Constitucional de 1.988. A família é meio de proteção avançada da pessoa humana e não poderá ser utilizada com função restritiva, de modo a subtrair direitos de seus componentes, pena de afronta à legalidade constitucional. (FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nélson. Direito das famílias, 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2.008, p. 14).

Que os juristas e os cidadãos se dispam de seus preconceitos, que aceitem a – antiga, aliás – realidade, que procurem a igualdade e a justiça, e que sigam o norte preconizado nestes dois itens citados da Constituição da República, e a solução dos litígios aparecerá límpida no horizonte, como restarão claras que as mágoas, que certamente ocuparão momentamente o vazio deixado pelo amor, são o único obstáculo à que a justiça seja feita, evitando-se prejuízos não só aos eventuais filhos, mas também aos ex-consortes do vínculo familiar, que merecem e necessitam de igual proteção do Estado, pois continuam a ser seres humanos.

Todavia, em nosso entendimento, não obstante a Constituição e seus princípios já norteassem claramente os destinos da família, os juízos de Direito e seus operadores não se atentaram da dimensão da mudança, o que lastimavelmente vem ocorrendo até os dias atuais. Mesmo diante das diversas modificações legislativas infraconstitucionais que vieram a ratificar o que já seria possível perceber pelos ditames da Carta Magna, não se trilhou ainda os caminhos que visam uma efetiva pacificação social mediante a clara proteção da família e dos seres humanos nela existentes, situação que não redundará em prejudicar a figura do casamento, o que parece ser a preocupação de muitos, como se fosse correto, admissível ou defensável preservar-se o contrato/instituição do casamento em detrimento das pessoas ali envolvidas.

Por razões que a Psicologia explica melhor do que o Direito, se se quiser atacar verdadeiramente a figura do casamento, basta criar mecanismos para dificultar sua constituição ou para limitar as possibilidades de sua extinção quando não mais desejado pelas partes. É uma rebeldia ínsita do ser humano, uma busca incessante da liberdade, que não se cura com a idade. A felicidade individual é o que se busca inclusive em um relacionamento a dois e as medidas legais que visem perpetuar um vínculo familiar indesejado virão em passos largos a tornarem-se tendências de evitar o nascimento de novas famílias. Aliás, não se questiona que uma das principais razões para a própria existência legal da figura da união estável adveio da proibição ou extrema dificuldade de dissolverem-se os vínculos matrimoniais não mais desejados.

E, assim, sem perceber, o advogado que subscreve tais singelas linhas passou a caminhar juntamente com os juristas que arduamente labutavam nas Varas de Família, passando a se defrontar não com um vazio legislativo ou doutrinário, mas com ideias antigas que ainda abrigam a maior parte dos gabinetes dos juízes e das câmaras dos Tribunais, num embate contínuo na tentativa de se mudar a visão, ajudar a compreensão e conflitar os dogmas que ainda reinam nessa parte do Direito, que vão desde ao preconceito claro contra o consorte masculino até a aceitação de que a sala do Magistrado definitivamente não é o melhor local para se decidir, homologar ou tentar evitar a extinção prematura de uma unidade familiar.

Embora não tenha a pretensão de resolver tais questões, mas no intuito de não ser aquele ser improdutivo que se limita a apontar imprecisões, espero sugerir e fomentar alguns pontos ao debate e que tais considerações sejam apreciadas e reapreciadas com a mente aberta e desprovida de preconceitos, pois esse é o desejo de um estudioso do Direito Civil e que, como tal, espera um dia chegar a um congresso jurídico ou a uma livraria e poder encontrar um número muito maior de livros de direito material do que de direito processual, pois este último (direito processual) é um mero meio, um mero instrumento, um mero apêndice, cujo objetivo é simplesmente abrir as portas para que os reclamos dos jurisdicionados, legítimos ou não, tenham uma resposta, ao passo que o primeiro (direito material) é o objetivo precípuo, a fonte da verdadeira justiça e que deveria merecer a maior atenção possível dos juristas em suas respectivas áreas de atuação, pois é dali que surgem as soluções para o fortalecimento das instituições e para o alcance efetivo da pacificação social, em particular numa seara que se constitui a base de toda a sociedade.


1.O PRECONCEITO CONTRA A FIGURA MASCULINA NAS VARAS DE FAMÍLIA

Quem é advogado sabe o que é representar a figura masculina em uma Vara de Família. Posso citar alguns exemplos preconceituosos, porém cotidianos, dos militantes desta área:

- nas Ações de Alimentos, o pai invariavelmente é visto como um mau pagador, como aquele que pretende outorgar misérias aos seus descendentes com o intuito único de manter os mais diversos interesses egoístas;

- nas Ações Revisionais de Alimentos, o pai, se não é recebido como um pródigo, detentor de uma boa situação financeira mas que dilapida seu patrimônio irresponsavelmente, é recebido como um vagabundo, um ser que não consegue, não quer ou não procura um trabalho melhor, desconsiderando-se por completo a realidade de nosso país, onde oito por cento (8%) da população economicamente ativa está efetivamente desempregada, o que, se por um lado, cria uma imensa concorrência para quem precisa trabalhar, por outro barateia sobremaneira a mão-de-obra;

- nas Ações de Investigação de Paternidade, os pais, que muitas vezes têm plenas condições de desconfiar da paternidade biológica que lhes é imputada e que não dispõem de recursos para custear um exame de DNA em laboratório confiável, são tratados como fugitivos da Justiça, que agora terão a pena de outorgar seu nome ao registro de nascimento de uma criança. Questiono-me muito quanto mais será preciso aguardar até que os operadores do Direito definitivamente percebam que essa condenação, pura e simples, nunca foi, não o é e nunca será um bom primeiro passo para criar-se uma verdadeira vinculação afetiva entre este pai e sua descendência reconhecida por decisão Estatal.

- nas Ações de Separação Judicial, Divórcio ou Dissolução de União Estável, as cônjuges podem até virem a ser consideradas culpadas, mas os maridos sempre o serão! O patrimônio a ser dissolvido, em regra, não deve prejudicar a mulher, e os maridos são sempre instados a outorgar-lhes a casa de morada e a ficarem com o veículo... que lógica há nisso? Pode-se morar, cozinhar ou viver dignamente dentro de um veículo? Por que dividir-se inversamente parece ser tão absurdo? Por que persiste-se na presunção de que a figura masculina terá sempre melhores condições de reerguer um patrimônio mínimo que a lei considera essencial para a vida digna de qualquer ser humano? E a recusa em partilhar de pronto o patrimônio do extinto casal é invariavelmente visto como uma forma de pirraça do ex-consorte.

- Talvez o pior de todos os processos sejam os relativos à guarda de menores. Há uma tendência, senão uma presunção absoluta, de se acreditar que os filhos devem ser criados pelas mães e isso advém do fato de que, durante a maior parte de todo o século passado, vigia a realidade de que as mães eram as defensoras do lar e dos filhos, enquanto os maridos eram os provedores financeiros, de forma tal que acostumou-se ter a criação dos filhos sob o encargo da genitora. Tal aspecto, aliás, foi adotado em lei com a promulgação do Código Civil de 1916, que, contrariando as Ordenações anteriores – pelas quais os filhos pertenciam à família paterna –, destacou que os filhos menores deveriam ficar com a genitora, posteriormente fazendo-se alteração legislativa para que, em casos excepcionalíssimos, fossem outorgados ao genitor, seja ora por culpa daquela na separação do casal, seja ora por condutas desonrosas da citada genitora que tornariam a convivência dos menores mais adequada sob a responsabilidade paterna. Não obstante a completa modificação do modo de vida dos dias atuais, os julgados permanecem os mesmos, e isto ocorre – não podemos esquecer – porque a imensa maioria dos Magistrados não só formou-se nos cursos de Direito sob a ótica do Código Bevilácqua, como, principalmente, foi criada sob a ótica paternalista outrora vigente na sociedade brasileira, onde filho bem criado é aquele que está sob a guarda da mãe, falsidade essa que também não autoriza criar a regra de que filho bem criado seria aquele que estivesse sob a guarda paterna. A decisão preferencial, agora adotada em lei não somente por vanguardismo de legisladores, mas, principalmente, por uma imposição uníssona da interdisciplinaridade – especialmente da Psicologia, onde se tem a convicção inabalável de que filho bem criado é aquele que é mantido, sob todos os aspectos, por ambos os pais, em um ambiente de pacificação, cordialidade, atenção, respeito, dedicação e amor para com a prole, independentemente de alguma relação entre seus ascendentes, imitando, o quanto possível, o lar desfeito –, é a guarda compartilhada, que será objeto de análise no decorrer deste estudo.

O que seria cômico, se não fosse trágico, é que tais verdadeiros preconceitos – inquestionavelmente, são preconceitos – contra a figura paterna estão a persistir mesmo após mais de vinte anos de aplicação de uma Constituição da República que previu a plena igualdade entre homens e mulheres e a especial proteção da família e da prole.

Resta o consolo que este escritor não é voz solitária neste posicionamento e tal aspecto já começa a despontar na doutrina diante da necessidade de enriquecer tal debate e derrubar esse muro que insiste em não tombar em pleno século XXI.

A este respeito, bastante ilustrativo o texto trazido pela mestre em Psicologia, Beatrice Marinho Paulo:

O pai e o exercício da paternidade não têm merecido, na sociedade ocidental, a mesma ênfase que é dada à mãe e à importância de seu papel junto ao filho, nem tanta prodigalidade em termos de homenagens, estudos e publicações literárias. Não foram muitos os que se propuseram a se debruçar sobre o tema, traçando, nos moldes como encontramos de forma bastante fecunda no tema maternidade, uma história da paternidade e do papel do pai na constituição e desenvolvimento do filho, buscando compreender em profundidade a vivência do homem na nossa sociedade e os fatores que determinam que o exercício da paternidade ocorra do modo como se dá.

Mesmo na teoria psicanalítica, que tanta ênfase dá ao papel e à importância materna, a paternidade tem sido um tema relativamente esquecido e pouco aprofundado, deixando ao pai apenas um papel secundário, e só a partir da instauração do Complexo de Édipo, quando vem romper a simbiose existente entre a mãe e o bebê.

Apenas na última década, em verdade, desenvolveram-se estudos sobre a masculinidade e a paternidade. Talvez isso se explique porque, numa perspectiva mais tradicional, a importância do pai na criação do filho é bem menor que a da mãe, ocorrendo sobretudo em uma esfera simbólica. O pai é alguém que vai servir como um modelo para o filho e é, para ele, o portador do poder e da autoridade, da censura e da interdição.

Uma das consequências dessa visão tradicional é o que geralmente ocorre nas varas de família, a cada vez que um casal com filhos resolve se separar ou divorciar. Sistematicamente, a guarda das crianças é confiada à mãe, com aprovação unânime dos pais, do juiz, do membro do Ministério Público e da sociedade. (PAULO, Beatrice Marinho. 2009. "Ser pai nas novas configurações familiares". Revista brasileira de direito das famílias e sucessões, 10, 1:5-6).

Nunca houve tamanho desenvolvimento humano, em todas as áreas do conhecimento, favorecidas imensamente pela evolução da informática, que interliga povos, difunde conhecimentos, torna ínfimas as distâncias físicas; estuda-se profundamente o universo; tenta-se recriar e compreender o início da existência de tudo; dogmas são questionados e derrubados todos os dias; a reprodução humana deixou de ser atributo exclusivo de uma relação sexual; sonhos de maternidade e paternidade biológicas hoje são realidade para muitos casais que não tinham condições para tanto; cirurgias são realizadas para que a mente humana se pacifique com o aspecto corporal alterando o sexo de um ser humano adulto em busca única e exclusivamente de sua felicidade e dignidade; difundem-se inúmeras formas de controle da concepção para garantir aos casais o planejamento familiar e de forma a transformar o sexo em uma fonte de prazer; estimula-se cada vez mais a adoção de filhos em virtude da supremacia do vínculo afetivo sobre o vínculo biológico; reconhece-se o direito de uma criança alterar o seu nome – um de seus direitos da personalidade por excelência – para prestigiar uma pessoa que lhe contagiou com o amor dedicado a si e à sua ascendente (direito de acréscimo do nome de família do padrasto ou madrasta pelo enteado), enfim, diante de tanta evolução nos diversos meios, os advogados, que têm por missão fazer o Direito acompanhar a sociedade, quando atuamos pela figura paterna numa Vara de Família, mesmo quando autores das demandas, somos, com raras exceções, bombardeados por preconceitos desarrazoados que deviam ter sido abandonados há décadas, sendo o homem sempre tratado como culpado ou com a pecha da irresponsabilidade, em que grau for, mesmo quando pleiteia legítimos direitos em benefício exclusivo de uma união familiar.

É lamentável que, diante de tantos e tantos avanços no caminho da humanidade, artigos como esse sejam pertinentes e atuais.


2. A DIFICULDADE DE APLICAÇÃO DA LEI DA GUARDA COMPARTILHADA

Em sequência ao disposto no tópico anterior, o advogado que tenta obter para seu cliente masculino a guarda compartilhada, ciente de que é a regra imposta pela lei – e parece que a maioria dos Magistrados ainda não se atentou para tal importante modificação legislativa –, sabe perfeitamente que é uma luta absolutamente desigual, onde a lei, embora esteja ao lado dos direitos da criança ou do adolescente que se pretende proteger, parece letra morta.

A tal respeito, citar-se-á uma situação que não me é exclusiva, mas sim da maioria dos colegas que também labutam na área do Direito de Família, sendo oportuno antes atentar a alguns dispositivos legais pertinentes.

Primeiramente, a Constituição, de forma límpida, deixa claro que é direito da criança e do adolescente a convivência familiar. E, no aspecto familiar, refere-se à família extensa, a qual inclui avós, tios, primos e todos os demais que o menor tiver vínculos de afetividade e afinidade, além, é claro, da convivência com ambos os pais, conforme textualizou os novos dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente, modificados pela recentíssima Lei de Adoção. Não se acredita que haja interpretação diversa da presente.

Após esse breve relato acerca da evolução legislativa referente à matéria, concluímos que, apesar de o Princípio do Melhor Interesse da Criança estar previsto em nosso ordenamento jurídico desde 1.941, o interesse da criança em si somente passou efetivamente a sobrepor-se aos interesses os pais a partir de 1.977 e, ainda assim, de forma tímida, dentro da separação consensual, pois somente nessa hipótese a Lei faculta ao Juiz não homologar o acordo estabelecido pelos pais, se ficar convencido de que ele poderá trazer sérios prejuízos para a criança ou adolescente.

Observe-se que o legislador civilista não se reportou às demais hipóteses de separação, até porque, em relação a elas, a Lei traçava as diretrizes a serem seguidas, sempre prevalecendo os interesses dos pais sobre os filhos.

Esta situação somente foi modificada a partir de 1.988, com a promulgação da Constituição Federal e do advento da Lei 8.069/90, quando a criança deixou de ser percebida como um ser em que faltam as qualidades dos adultos, para ser encarada como uma pessoa que se encontra num estágio de desenvolvimento pessoal, período em que se vislumbram as melhores qualidades do homem.

Como conseqüência dessa transformação, as crianças passaram a ser consideradas como sujeito de direitos, cabendo à sociedade cercá-las de cuidados especiais, dentre eles o direito de ser sempre priorizada. Assim, num confronto de seus direitos com os direitos de um adulto, prevalecerá sempre o delas. (SANTOS, Ângela Maria Silveira dos. Da proteção da pessoa dos filhos. In: LEITE, Heloísa Maria Daltro [coord.]. O novo direito civil – do direito de família. 1. ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2002, p. 147).

Recentemente, em uma das modificação inseridas no Código Civil pela Lei nº 11.698, de 13.06.2008, prevendo o caso de litígio entre os genitores, assim ficou a nova redação do artigo 1.584 do Código Civil:

Art. 1.584, CC. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:

II – decretada pelo juiz, em atenção às necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.

E os dois primeiros parágrafos do mesmo artigo ainda acrescentam:

Parágrafo 1º. Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, à sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.

Parágrafo 2º. Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada.

Pois bem. A lei mudou. Os códigos comprovam tal modificação. A guarda unilateral foi extirpada do modelo ideal ou preferencial de guarda dos filhos, não cabendo aos pais a escolha pura e simples pela guarda unilateral em desfavor da forma compartilhada, ao contrário do que possa vir a parecer pela leitura isolada do texto do inciso I do artigo 1.584 do Código Civil.

A esse respeito, torna-se oportuno anotar um aspecto especialmente importante nesta exposição. Diz o inciso I do artigo 1.584, CC, que a guarda unilateral poderá ser requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar. Ao mesmo tempo, diz o artigo 1.586, do mesmo Código Civil, que, em havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular de maneira diferente a situação deles para com os pais. Ou seja: o que a lei faculta aos genitores é requerer ao juiz a adoção, àquele caso, da guarda unilateral. Recebido o pedido, como é de lei, o juiz deve determinar a realização de uma audiência com as partes, a qual, em princípio, servirá para ratificarem o intuito de se separarem ou de dissolverem a união estável, de comprovarem o lapso temporal necessário ao divórcio, bem como para confirmarem todos os termos ali expostos por consensualidade sobre os direitos disponíveis. Durante a realização de tal audiência, o juiz deverá – e não poderá – dar efetividade aos preceitos do parágrafo 1º. do artigo 1.584 do Código Civil, ou seja, deverá instruir as partes sobre o que seja a guarda compartilhada e as vantagens de tal modelo. Se ainda assim as partes mantiverem o intuito de manter a guarda unilateral, o Magistrado, atento ao grave risco que a experiência mostra cabalmente (de que a guarda unilateral é uma forma de extinção gradual dos vínculos de afetividade que unem o menor e o genitor não detentor da guarda, transformando-o em mero pagador de pensão, o que resulta em prejuízo manifesto à formação e desenvolvimento das crianças e adolescentes), deverá determinar a realização de estudo psicossocial do caso, nos termos do que preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente, para, somente depois, ter elementos para fundamentar sua decisão, a qual, se for pela guarda unilateral, deverá ser justificada com elementos de prova constantes dos autos, autorizando o recurso do Ministério Público, sob pena de manifesta inconstitucionalidade por ofensa ao seu artigo 227, que determina que o Estado deverá assegurar a convivência familiar à criança e ao adolescente.

É também por este motivo que a Lei n. 11.441/2007, ao possibilitar a separação judicial e o divórcio consensuais em cartório, não os possibilitou quando houvesse filhos menores ou incapazes do casal, haja vista a preocupação constitucional com o bem estar destes e a adequação da guarda pretendida pelo extinto casal.

Alguém alegará que, mesmo imposta a guarda compartilhada, nada obriga o genitor a conviver com o menor após a extinção do casal, o que não deixa de ser uma verdade. Todavia, se tal situação ocorrer, duas verdades restarão: 1. o Estado não abraçou tal abandono, tendo declarado naquela sentença predominantemente homologatória que a presença do pai se fazia necessária no desenvolvimento da criança, o que pode ser um fator de reflexão até para o pai mudar seu posicionamento ao tomar ciência da importância de sua presença na vida de seu descendente, e 2. a figura paterna é, conforme orienta a Psicologia, uma posição, um lugar a ser preenchido; ou seja, caso o pai torne-se de fato relapso, ausente, um outro homem, que venha a se tornar o novo cônjuge de sua genitora, dedicando-lhe o carinho, afeto e atenção não outorgados pelo pai distante, tende a suprir a ausência paterna com maestria, não ocasionando nenhum prejuízo ao desenvolvimento sadio e próspero desta criança, ao contrário do pai biológico que perderá, definitivamente, o afeto de sua descendência.

Decorrência desse novo paradigma da guarda compartilhada, principalmente a manutenção dos vínculos afetivos e cessação da discriminação entre o genitor guardião e o não guardião, é a criação da Lei nº 12.013, de 06 de agosto de 2009, que, alterando a redação do artigo 12 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1.996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –, obriga os estabelecimentos de ensino a informar pai e mãe, conviventes ou não com seus filhos, e, se for o caso, os responsáveis legais, sobre a frequência e rendimento dos alunos, bem como sobre a execução da proposta pedagógica da escola.

Diante de toda essa nova realidade e retornando à experiência profissional a ser citada, tratando da realidade dos advogados do Direito de Família, diante de inúmeras modificações advindas da lei, largamente festejadas pela doutrina especializada e pela interdisciplinaridade, especialmente pela Psicologia – que sempre lutou contra os nefastos efeitos invariavelmente ocasionados pela guarda unilateral, ocasionadora do rompimento do vínculo afetivo entre o menor e o genitor não guardião –, somos sempre tomados de extrema perplexidade ao adentrarmos em uma sala de audiências onde a guarda de filhos é debatida – e onde normalmente estão os ex-consortes a digladiar-se por patrimônio, créditos, débitos e nomes de família, além de acusações recíprocas por desrespeitos cometidos, onde o sentimento de revolta e desejo de vingança costuma abraçar a alma dos contendores – e o Magistrado, sem maiores delongas, limita-se a questionar às partes se aceitam compartilhar a guarda dos filhos livremente, e, em caso negativo, descartar liminarmente este compartilhamento. Entre pessoas que nutrem profundas mágoas, que desejam ver-se vingadas, que momentaneamente desejam o mal do adversário, não seria uma vitória se a uma delas fosse dado o direito de punir a outra com a privação do direito à convivência com o filho que tanto ama? Não seria essa a forma perfeita de causar à parte adversa um sofrimento igual ou superior ao que estaria sentindo? A atitude do Magistrado, de descartar de imediato a guarda compartilhada porque a genitora assim não o quis (e aqui digo genitora porque é o que rotineiramente acontece, advindo da lesiva presunção já descrita de que a maternidade é sempre preferencial), é atitude que resulta em tornar letra morta a alteração legislativa, em desrespeitar o trabalho exaustivamente realizado pela interdisciplinaridade, em desconsiderar os árduos e dolorosos estudos realizados pela Psicologia, em desumanizar o tratamento a ser dado pelo Judiciário às crianças e adolescentes, enfim, é enterrar definitivamente a letra da lei e todos os ditames constitucionais retro citados.

Dessa forma, talvez pelo fato de a Lei nº 11.698/2008 ser absolutamente recente e por outorgar diretriz oposta a um século de comodismo e pouca preocupação de fato com o que seriam os reais interesses dos menores, os advogados militantes na seara do Direito de Família estão a ver tal lei ser ainda ineficaz, mas não devem conformar-se com tal situação – e tenho certeza de que assim não o farão –, lutando contra tal habitualidade e fazendo romper a mentira da superioridade da guarda materna, o que deve ser observado também pelos advogados que labutam em defesa dos direitos da genitora, pois, em caso de guarda, os direitos a serem tutelados são os dos menores e não da cliente que os constituiu, de forma que conscientizem, a si e às suas clientes, de que nos Juízos de Família não devem haver perdedores, pois esses, se existirem, são sempre as crianças e adolescentes.


3. A DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO UMA REALIDADE PRESENTE E O DIREITO AO CASAMENTO

Realidade já constante do corpo da Constituição Federal, mas que ainda resvala em amplo preconceito, e aqui não só dos Magistrados, mas de grande parte da sociedade civil, incluindo-se os operadores do Direito, entre os quais parte da classe dos advogados, trata-se de reconhecer a desnecessidade de um novo corpo legislativo que regulamente a união homoafetiva, pois a proteção legislativa estatal já existe, só não tendo obtido ainda a efetividade necessária.

Não existe um único dispositivo na Constituição Federal que diga que a família deva ser constituída somente entre pessoas de sexos diferentes. Aliás, quando se estuda o casamento entre pessoas de sexo divergentes está se analisando, tão somente, o casamento da Igreja Católica, não sendo possível esquecer que o Estado brasileiro, por imperativo constitucional, embora garanta o direito individual à crença religiosa, é um Estado laico, não podendo impor preferência a qualquer espécie de religião.

Nem a constituição nem o Código Civil impõem a diversidade de sexo dos noivos como condição para a celebração do casamento. Assim, para sustentar a existência de casamento inexistente, invoca-se como exemplo o casamento homossexual. Ora, se esse exemplo, até há algum tempo, poderia servir, hoje se tornou praticamente imprestável para tal fim. A diversidade de sexo do par não é mais um elemento essencial para o casamento, ao menos em alguns países (Holanda, Bélgica, Espanha e Canadá, por enquanto), que autorizam o casamento de duas pessoas sem preocupação com o sexo ou a orientação sexual dos noivos. Se a divergência de sexo não está na lei e o casamento não mais tem a procriação por finalidade, talvez, como alerta Luiz Edson Fachin, haja um equívoco na base da formulação doutrinária e jurisprudencial acerca da diversidade de sexos como pressuposto do casamento. (DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.009, p. 252).

Os que defendem tal teoria – não reconhecimento legal da família homoafetiva –, de forma equivocada ou tendenciosa, tentam fundamentar sua decisão em uma interpretação restritiva do parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição Federal, o qual possui os seguintes dizeres:

Art. 226, CF. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

Parágrafo 3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento.

Assim, os que combatem a existência de proteção estatal às uniões homoafetivas tentam impor que as "espécies" de família são somente aquelas descritas na Constituição Federal, que exige a divergência de sexos para o seu reconhecimento.

Sempre que se fala em família não fundada no casamento, surge a polêmica questão da união de pessoas do mesmo sexo. Como dito no tópico sobre uniões estáveis, a Constituição Federal de 1.988 excluiu a possibilidade de se reconhecer as uniões entre homossexuais como entidades familiares, pois no artigo 226, parágrafo 3º., expressamente se refere à união ‘entre o homem e a mulher’. (VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa de. A impenhorabilidade do bem de família e as novas entidades familiares. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.002, p. 143-144).

Tal entendimento nunca foi defendido por isentos estudiosos das necessidades e desejos do Direito de Família. A realidade homoafetiva nasceu desde que o ser humano se reconheceu como tal, e não é dado ao Direito, em pleno século XXI, ignorar tal situação.

Assim, independentemente das pressões políticas e religiosas que a cercam, mas que não serão tratadas no presente estudo, a consciente Constituição Cidadã de 1988, naquele citado parágrafo 3º do artigo nº 226, não é taxativa e justificou-se tão somente pela preocupação em acabar com outro odioso preconceito, qual seja, reconhecer definitivamente a união extramatrimonial entre homem e mulher como entidade familiar e elevar sua proteção a nível constitucional, e o fato de sugerir que a lei deveria facilitar a conversão da união estável em casamento não foi um favorecimento ou uma predileção pelas entidades familiares constituídas sob a forma do matrimônio, mas, tão somente, para não burocratizar por demasia tal conversão, pois há muitas hipóteses práticas, e tão somente práticas, em que a existência do casamento realmente torna mais cômoda a vida das pessoas.

Mas, e aqui reafirmamos, não há que se falar em uma prevalência entre união estável diante do casamento ou o inverso, porque as duas referem-se a uma só realidade, qual seja, formas de constituição de uma mesma entidade familiar.

Mas voltando a cerne do presente tópico, a dificuldade e o preconceito dos advogados que labutam para gays, lésbicas, transexuais e travestis é manifesta, inclusive chegando ao absurdo de tais profissionais terem sua sexualidade questionada (ou seja, em manifesta violação à intimidade e vida privada) ao exercerem seu ofício em prol de tais grupos sociais.

E quanto constrangimento é ocasionado às partes que desejam ver seus direitos resguardados! Quanta dificuldade é imposta aos casais homossexuais quando querem inclusive fazer o bem a alguém, como adotar uma criança! Quantas ofensas, contrariedades e humilhações lhes são impostas ao pretenderem casar-se, sendo que este é um direito que lhes é constitucionalmente assegurado!

Nossa sociedade precisa repensar a desigualdade com que trata, não apenas no aspecto social, mas também jurídico, aqueles que não correspondem ao "ideal" e que estão presentes para lembrar a diferença que muitas vezes choca justamente por esconder aquilo que alguns mais temem: o encontro com sua própria verdade ou com um preconceito disfarçado. Indivíduos que assumem suas desigualdades não podem ser condenados como se fossem seres desprovidos de qualquer qualidade e estivessem impossibilitados de dar amor e cuidados a uma criança só por não representarem o tradicionalmente aceito. (CHEMIN, Silvana Aparecida. SESARINO, Shirley Valera Rialto. Adoção e homossexualidade: a civilização e seu mal estar. In: CARVALHO, Maria Cristina Neiva de. MIRANDA, Vera Regina [coord.]. Psicologia jurídica – temas de aplicação. 1. ed., Curitiba: Juruá, 2008, p. 132).

Mas parte da doutrina, notadamente a especializada em direitos disponíveis, não tarda a defender o impedimento da união ou casamento homoafetivos, pregando a citada interpretação restritiva ao artigo 226 da Constituição Federal.

O ordenamento jurídico, dessa forma, passou a tutelar as entidades familiares, ressalvando que não poderão ser formadas por pessoas de mesmo sexo. Enquanto a união de pessoas do mesmo sexo não alcança o ‘status’ de família – o que provavelmente ocorrerá quando a questão estiver pacificada em um número mais significativo de países –, não podem ser reconhecidos em seu favor efeitos jurídicos no âmbito do Direito de Família. Os homossexuais, então, não podem se casar ou constituir união estável, e estão biológica e legalmente impedidos de assumir uma prole comum.

No tocante à impossibilidade de constituir família matrimonializada, verifica-se que, a despeito de não haver no Código Civil disposição que expressamente determine a realização de casamento entre homem e mulher, a diversidade de sexo é considerada seu pressuposto essencial. Observa-se, nos dispositivos que regulam o casamento, a constante menção a ‘cônjuges’, ou a ‘homem’ e ‘mulher’, como sujeitos de relação jurídica matrimonial. (VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa de. A impenhorabilidade do bem de família e as novas entidades familiares. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.002, p. 144).

Em boa e firme posição, todavia, encontra-se a doutrina familiarista especializada que, com lucidez e despida de preconceitos, acompanha o entendimento mais humanizado e preponderante no presente artigo, trazendo a lume o amplo alcance do citado artigo 226 da Constituição Brasileira.

Percebe-se, por conseguinte, estar em rota de colisão com a norma constitucional o entendimento que exclui a proteção constitucional familiar de outros modelos de família não previstos exaustivamente no art. 226 da Lex Fundamentallis. Trata-se, em verdade, de problema hermenêutico, uma vez que a interpretação sistemática e teleológica dos preceitos constitucionais conduz, com mão segura, à idéia da inclusão de outros modelos familiares.

Na esteira do que aqui se sustenta, nossos Pretórios têm reconhecido que a presença do caráter afetivo como mola propulsora de algumas relações, a caracteriza como entidade familiar (independente da previsão constitucional), merecendo a proteção do Direito de Família e determinando, por conseguinte, a competência das varas de Família para processar e julgar os conflitos delas decorrentes, como afirmado pela Corte gaúcha em aresto referido alhures. (FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nélson. Direito das famílias, 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2.008, ps. 36-37).

E, como família, os casais homossexuais têm efetivos e idênticos direitos como outra família qualquer, e aqui, em particular, citamos o direito pleno à adoção, embora decisões nesse sentido ainda sejam exceções.

Adoção. Casal formado por duas pessoas de mesmo sexo. Possibilidade. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes. Negaram provimento. Unânime. (SÉTIMA CÂMARA CÍVEL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação cível n. 70013801592. Relator: Luiz Felipe Brasil Santos. Porto Alegre, 05.04.2006).

E a adoção por homossexuais também é apoiada pela interdisciplinaridade:

Fica a questão se o mais importante é uma criança institucionalizada em condições mínimas de recursos materiais, afetivos e psíquicos, ou adotada por um indivíduo, que tem como único empecilho sua questão sexual, mas capaz de propiciar a essa criança o adequado desenvolvimento afetivo e psíquico, tão necessários durante os primeiros anos de vida. A razão deve prevalecer sobre a emoção, pois nem sempre uma família constituída por um casal heterossexual ou por apenas um dos pais, é garantia de uma conduta socialmente regular e estável, capaz de assegurar proteção, educação e transmissão de valores a uma criança. Diariamente somos invadidos por todos os meios de comunicação com notícias de crianças submetidas por seus pais biológicos aos mais diversos tipos de sofrimento físico e emocional. Também não podemos esquecer que uma família tradicional ao adotar uma criança esperando formar uma relação perfeita onde todos supostamente apresentam os requisitos desejados para que isso aconteça, não estará segura que tudo ocorrerá confirme o imaginariamente idealizado. (CHEMIN, Silvana Aparecida. SESARINO, Shirley Valera Rialto. Adoção e homossexualidade: a civilização e seu mal estar. In: CARVALHO, Maria Cristina Neiva de. MIRANDA, Vera Regina [coord.]. Psicologia jurídica – temas de aplicação. 1. ed., Curitiba: Juruá, 2008, p. 131).

Argumentar-se-á, a categoria dos intermediariamente liberais, que eles podem até viver em união estável ou situação análoga, mas em casamento jamais, pois dispõe o artigo 1.514 do Código Civil que o casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados.

O que se pode entender, à primeira vista, com tal comentário é que, no Código Civil Brasileiro, existe a regulamentação do casamento entre pessoas de sexos opostos, de forma que faltaria lei específica autorizando o casamento de pessoas do mesmo sexo.

Mas, será que realmente falta? Será o Código Civil o único dispositivo legal que trata do contrato/instituto do casamento? Ou será que existe uma lei superior ao Código Civil que, após reconhecer que todas as famílias são iguais em direitos e proteção Estatal, sejam constituídas ou não do vínculo do casamento, não exige que uma família só seja considerada como tal em havendo divergência de sexos? Pois é, caros estudiosos do Direito, existe uma Constituição Federal nesse sentido, e essa mesma Constituição, por seu artigo 226, parágrafo 1º, garante que o direito ao casamento é uma das formas de proteção especial outorgada à família em sentido amplo! Pensar diversamente seria cercear direitos fundamentais a uma categoria de pessoas em virtude de sua mera opção sexual, o que é inconcebível!

A possibilidade legal de efetivo casamento entre pessoas do mesmo sexo é uma realidade respaldada na Constituição, ao qual o Código Civil deve adaptar-se. E o primeiro texto legislativo a conceituar a família sem vinculação com os sexos dos consortes é a Lei Maria da Penha, conforme se vê em seu festejado artigo 5º, inciso II, e seu parágrafo único.

Art. 5º. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. (Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2.006).

Por tal motivo, entendo ser totalmente desnecessária – e, de certa forma, preconceituosa – a aprovação do Projeto de Lei nº 1.151, de 26.10.1995, apresentado pela então deputada Marta Suplicy, que encontra-se parado no Congresso Nacional desde a data de 31.05.2001, quando foi retirado da pauta de discussão por mero acordo de líderes, tendo, desde então, somente obtido, em 14.08.2007, um requerimento do Deputado Celso Russomanno pedindo sua inclusão na ordem do dia, requerimento esse que, diante de pressões pseudomoralistas, até os dias atuais sequer foi apreciado.

O que deveria buscar tal projeto de lei, aliás, é tão somente o que qualquer família já tem direito – daí sua real dispensabilidade, bastando apenas abrir os olhos e aceitar a nova realidade constitucional imposta –, como o direito à constituição de um bem de família, partilha do patrimônio familiar (e não societário), de obter benefícios previdenciários, de obter direitos sucessórios, de terem reconhecimento de seu efetivo estado civil de casados ou de conviventes conforme o desejem, e não simplesmente criar o lastimável rótulo de parceiros civis por uma sugestão infeliz do sempre admirado – inclusive por este escritor – Dr. Luiz Edson Fachin.

Esse jurista paranaense, escrevendo sobre a convivência de pessoas do mesmo sexo, em outubro de 1.996, concluiu seu artigo, ponderando que ‘humanismo e solidariedade constituem, quando menos, duas ferramentas para compreender esse desafio que bate às portas do terceiro milênio com mais intensidade. Reaprender o significado de projeto de vida em comum é uma tarefa que incumbe a todos, num processo sacudido pelos fatos e pela velocidade das transformações. Em momento algum pode o Direito fechar-se feito fortaleza para repudiar ou discriminar. O medievo jurídico deve sucumbir à visão mais abrangente da realidade, examinando e debatendo os diversos aspectos jurídicos que emergem das parcerias de convívio e de afeto. Esse é um ponto de partida para desatar alguns nós que ignoram os fatos e desconhecem o sentido de refúgio qualificado prioritariamente pelo compromisso socioafetivo.’" (AZEVEDO, Álvaro Vilaça. Estatuto da Família de Fato. 2. ed. São Paulo: Atlas S/A, 2.002, p. 475).

O tratamento discriminatório de tal projeto de lei se configura especialmente ao descrever as formas de dissolução desta entidade familiar, afirmando, numa ótica patrimonialista e insensível, que a extinção da parceria civil registrada pode ser requerida demonstrando-se a infração contratual em que se fundamenta o pedido.

Artigo 5º. Qualquer das partes poderá requerer a extinção da parceria civil registrada: I – demonstrando a infração contratual em que se fundamenta o pedido; II – alegando o desinteresse na sua continuidade (Projeto de lei nº 1.151/95).

Tal debate é tão forte, tão enraizado de preconceitos e dogmas contraditórios, que se torna oportuno transcrever alguns trechos do voto em separado ao citado projeto de lei, de autoria do deputado federal Severino Cavalcanti e que acompanha os autos legislativos em questão:

(...) o caráter profundamente rejeitável do projeto:

a) Um tríplice atentado contra a lei moral.

Vemos assim que, do ponto de vista moral, este projeto se apresenta como triplamente abominável e nefasto.

– No campo individual, estimula o pecador a manter-se em seu pecado – pecado este muito grave, que clama a Deus por vingança – ao proporcionar-lhe segurança psicológica, social e econômica para a prática do mesmo.

– no campo social, induz a sociedade com naturalidade e simpatia tal pecado, incutindo-lhe um espírito de completa amoralidade e radical relativismo.

– no campo institucional, propõe ao Poder Público o reconhecimento oficial e a legislação dessa forma de vida. Caso o projeto venha a ser aprovado e sancionado, isso será mais uma afronta feita a Deus pelo Estado brasileiro, a ser acrescentada a várias outras, com a agravante de ser ainda pior que as anteriores.

b) atrai a cólera divina sobre o Brasil.

Escrevemos como católicos, que acreditam em Deus e esperam a manifestação de Sua justiça. Se um país ofende muito gravemente a Justiça Divina através da multiplicação de um pecado que é praticado com desfaçatez e arrogância por indivíduos, pela sociedade e pelo Estado, o que esse país deve esperar de Deus? Misericórdia? A misericórdia de Deus é para aqueles que a pedem, e não para aqueles que a desprezam. Este tríplice pecado não é um pedido de misericórdia, mas um desprezo da mesma.

Resta então a justiça. E a história tem mostrado que Deus castiga os povos e as nações que prevaricam, embora algumas vezes tal castigo tarde em chegar, parecendo até que não virá.

Aprovando o projeto de lei comentado acima, o Brasil se coloca entre as nações que nada mais têm a esperar de Deus, senão o desencadear de sua ira. E esta virá sobre todos, e não apenas sobre os governantes e os legisladores que reconhecem e legalizam o pecado. Mas também sobre todos os que o praticam, encaram-no com naturalidade, indiferença ou simpatia. E, muito especialmente, sobre aqueles que, por sua própria condição, têm a obrigação e os meios legais para combatê-lo e, por omissão ou ação, não o combatem e até o favorecem. (CAVALCANTI, Severino. Câmara dos deputados do Brasil. Diário Oficial da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 1.997, 1.834 p.)

Concluindo o raciocínio que havíamos iniciado: se a Constituição permite que a união de duas pessoas do mesmo sexo possa formar uma família, e que é direito de qualquer família ser regulamentada pelo casamento, poderia uma lei hierarquicamente inferior proibir o casamento de pessoas do mesmo sexo? Ou, mais além, poderia uma lei hierarquicamente inferior disciplinar uma espécie de casamento para famílias heteroafetivas e outra espécie para famílias homoafetivas, tratando desigualmente situações absolutamente iguais, em especial diante do artigo 5º, caput, e inciso I, entre outros, da Constituição Federal?

Ora, o casamento entre pessoas do mesmo sexo é uma possibilidade real e presente, já contém todos os dispositivos legais necessários, já é plenamente regulamentado, não precisa de mais nada. Se precisar de algo, é de que os aplicadores do Direito, em especial os Magistrados, reconheçam a realidade, ainda que para um ou outro não lhes pareça simpática, mas que façam valer os ditames constitucionais e legais pertinentes, ou então neguem, por termo escrito e em claras letras, que, ao contrário do que consta da Constituição pátria, a República Federativa do Brasil não tem como objetivo promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, sugerindo uma emenda constitucional – se é que isso seria possível – para suprimir o inciso IV da cláusula 3ª da Carta Magna aqui transcrito.

Todavia, enquanto essa realidade jurídica não se torna uma realidade fática, resta-nos o consolo de perceber que os Tribunais, paulatinamente, já vêm, a passos lentos, encarando a união homoafetiva como uma atualidade, uma verdade inegável, uma luz que não pode ser apagada.

São cada vez mais frequentes decisões judiciais que atribuem consequências jurídicas a essas relações. Como ainda o tema é permeado de preconceitos, predomina a tendência jurisprudencial de visualizar tais vínculos como mera sociedade de fato. Tratados como sócios, aos parceiros somente é assegurada a divisão dos bens amealhados durante o período de convívio e de forma proporcional à efetiva participação na sua aquisição. Felizmente, começa a surgir uma nova postura. Reconhecidas as uniões homoafetivas como entidades familiares, as ações devem tramitar nas varas de família. Assim, nem que seja por analogia, deve ser aplicada a legislação da união estável, assegurando-se partilha de bens, direitos sucessórios e direito real de habitação. (DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.009, p. 47-48).

Dois exemplos são dignos de nota, pois se referem às duas primeiras decisões judiciais que reconheceram, para efeitos diversos (a primeiro, para fins de competência processual; e a segunda, para fins de partilha de patrimônio), a união homoafetiva como entidade familiar e, como era de se esperar, foram fruto do vanguardismo dos sempre rememorados Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

Relações homossexuais. Competência para julgamento de separação de sociedade de fato dos casais formados por pessoas do mesmo sexo. Em se tratando de situações que envolvem relações de afeto, mostra-se competente para o julgamento da causa uma das varas de família, à semelhança das separações ocorridas entre casais heterossexuais. Agravo provido. (Agravo de Instrumento nº 599075496, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator Des. Breno Moreira Mussi, julgado em 17.06.1999)

União homossexual. Reconhecimento. Partilha do patrimônio. Meação paradigma. Não se permite mais o farisaísmo de desconhecer a existência de uniões entre pessoas do mesmo sexo e a produção de efeitos jurídicos derivados dessas relações homoafetivas. Embora permeadas de preconceitos, são realidades que o Judiciário não pode ignorar, mesmo em sua natural atividade retardatária. Nelas remanescem consequências semelhantes às que vigoram nas relações de afeto, buscando-se sempre a aplicação da analogia e dos princípios gerais do direito, relevado sempre os princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade. Desta forma, o patrimônio havido na constância do relacionamento deve ser partilhado como na união estável, paradigma supletivo onde se debruça a maior hermenêutica. Apelação provida, em parte, por maioria, para assegurar a divisão do acervo entre os parceiros. (Apelação Cível nº 70001388982, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator Des. José Carlos Teixeira Giorgis, julgado em 14.03.2001)

Digna de nota, também, o deferimento da antecipação dos efeitos da tutela concedida na Ação Civil Pública nº. 2000.71.00.009347-0, concedida pela Terceira Vara da Justiça Federal do Rio Grande do Sul, em demanda proposta pelo Ministério Público Federal em desfavor do Instituto Nacional de Seguridade Social, a qual importou na edição da Instrução Normativa nº 25, de 07 de junho de 2.000, garantindo aos companheiros de homossexuais falecidos o direito à pensão previdenciária, bem como o auxílio reclusão, haja vista que o trabalhador homossexual contribui para o regime da previdência da mesma forma que o trabalhador heterossexual.

Outra decisão digna de ser aplaudida e referenciada foi a expedida nos autos da Ação Civil Pública nº 2003.61.00.026530-7, proferida pelo meritíssimo Magistrado da Sétima Vara da Justiça Federal de São Paulo, a qual, também em antecipação dos efeitos da tutela pretendida, obrigou a Superintendência de Seguros Privados do Ministério da Fazenda a editar a Circular nº 257, de 21 de junho de 2.004, equiparando os companheiros homossexuais aos heterossexuais, para fins de dependência preferencial da mesma classe, com direito a percepção de indenização referente ao seguro DPVAT.

Posteriormente, novamente provocado pelo Ministério Público Federal, o Judiciário, por intermédio da Nona Vara da Justiça Federal em São Paulo, também mediante antecipação de tutela dos efeitos pretendidos na sentença, nos autos da Ação Civil Pública de nº. 2005.61.00900598-6, determinou que a União, por intermédio das unidades integrantes do Sistema Nacional de Transplantes, requisite autorização do companheiro homossexual sobrevivente para que se proceda à doação de órgãos do consorte falecido, reconhecendo que não havia – como de fato não há – motivos para tratar diferentemente tais entidades familiares, já que igual autorização era exigida das pessoas heterossexuais casadas.

Ou ainda:

Bem por isso, o Tribunal Superior Eleitoral, em fundada decisão, reconheceu as uniões homoafetivas como entidade familiar para fins de inelegibilidade eleitoral (CF, art. 14, parágrafo 7º), observando se tratar de um ‘dado da vida real’, em que, ‘assim como na união estável, no casamento ou no concubinato, presume-se que haja fortes laços afetivos". (TSE, Ac. unân., Rec. Especial Eleitoral 24564/PA, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 01.10.2004). (FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nélson. Direito das famílias, 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2.008, p. 55).

Mas, ratifica-se, que, até que se faça a correta e definitiva leitura dos termos constitucionais, tal questão está muito longe de ser aceita e finalmente pacificada, como vemos em recentíssima, porém injusta e inconstitucional, decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que insiste em negar a figura familiar na união de pessoas do mesmo sexo, determinando a competência das varas cíveis para a partilha de patrimônio adquirido em comum, num constrangedor conservadorismo de considerar o ente familiar homossexual como mera sociedade de fato.

Agravo de instrumento. Constitucional. Civil. Processo civil. Competência para processar e julgar ação de reconhecimento e dissolução de relação homoafetiva. 1 - A definição do juízo a que legalmente compete apreciar tais situações fáticas conflitivas, é exigência do princípio do juiz natural e constitui garantia inafastável do processo constitucional. 2 - Ausente regra jurídica expressa definidora do juízo responsável concretamente para conhecer relação jurídica controvertida decorrente de união entre pessoas do mesmo sexo, resta constatada a existência de lacuna do direito, o que torna premente a necessidade de integração do sistema normativo em vigor. Nos termos do que reza o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, a analogia é primeiro, entre os meios supletivos de lacuna, a que deve recorrer o magistrado. 3 - A analogia encontra fundamento na igualdade jurídica. O processo analógico constitui raciocínio baseado em razões relevantes de similitude. Na verificação do elemento de identidade entre casos semelhantes, deve o julgador destacar aspectos comuns, competindo-lhe também considerar na aplicação analógica o relevo que deve ser dado aos elementos diferenciais. 4 - A semelhança há de ser substancial, verdadeira, real. Não justificam o emprego da analogia meras semelhanças aparentes, afinidades formais ou identidades relativas a pontos secundários. 5 - Os institutos erigidos pelo legislador à condição de entidade familiar têm como elemento estrutural - requisito de existência, portanto - a dualidade de sexos. Assim dispõe a declaração universal dos direitos humanos em seu preâmbulo e no item 1 do artigo 16. No mesmo sentido a constituição brasileira promulgada em 05/outubro/1988 (artigo 226 e seus parágrafos), o Código Civil de 2002 e Lei n.º 9.278, de 10/maio/1996, que regulamenta o parágrafo 3º do artigo 226 da CF. 6 - As entidades familiares, decorram de casamento ou de união estável ou se constituam em famílias monoparentais, têm como requisito de existência a diversidade de sexos. Logo, entre tais institutos, que se baseiam em união heterossexual, e as uniões homossexuais sobreleva profunda e fundamental diferença. A distinção existente quanto a elementos estruturais afasta a possibilidade de integração analógica que possibilite regulamentar a união homossexual com base em normas que integram o direito de família. 7 – As uniões homossexuais, considerando os requisitos de existência que a caracterizam e que permitem identificá- las como parcerias civis, guardam similaridade com as sociedades de fato. Há entre elas elementos de identidade que se destacam e que justificam a aplicação da analogia. 8 - Entre parcerias civis e entidades familiares há fator de diferenciação que, em atenção ao princípio da igualdade substancial, torna constitucional, legal e legítima a definição do juízo cível como competente para processar e julgar demandas relativas a uniões homossexuais, que sujeitas estão ao conjunto das normas que integram o direito das obrigações. 9 - Agravo conhecido e provido para declarar a incompetência da vara de família e competente uma das varas cíveis da circunscrição especial judiciária de Brasília, DF, para processar e julgar ação de reconhecimento e dissolução de relação homoafetiva. 10 - Precedentes judiciais. Em especial, conflitos de competência nºs. 20030020096835, 20050020054577 e 20070020104323, Primeira Câmara Cível deste egrégio tribunal. (TJDF; Rec. 2008.00.2.012928-9; Ac. 357.875; Quinta Turma Cível; Relª Desª Diva Lucy de Faria Pereira Ibiapina; DJDFTE 26/05/2009; Pág. 91) (Publicado no DVD Magister nº 26 - Repositório Autorizado do TST nº 31/2007)

O que gera extrema incongruência é o fato de que foi exatamente o Brasil a primeira nação a propor, perante a Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, a edição de medidas que coíbam a discriminação entre cidadãos com base em sua orientação sexual. Esta posição externa é enfraquecida com a visão interna divergente sobre o mesmo tema, cuja barreira única é o preconceito, vício esse combatido expressamente pela Constituição, conforme aqui já citado repetidas vezes.

Torna-se necessária uma mobilização cada vez maior dos operadores do Direito para fazerem da Constituição Federal uma letra viva, a fim de extirpar, o quanto possível, o preconceito nos julgamentos, de forma a outorgar às famílias, entidades criadas e mantidas pelo afeto mútuo, independentemente da questão menor de sua orientação sexual, o que lhes é de direito, respeitando sua dignidade, intimidade, liberdade e igualdade, fatores esses que caracterizam o Estado Democrático e Social de Direito.


4. A PREFERÊNCIA DOS VÍNCULOS AFETIVOS SOBRE OS VÍNCULOS BIOLÓGICOS

Uma grande mudança que se percebe atualmente nos vínculos familiares se refere à prevalência dada pela atual legislação, bem como pelo atual Direito como um todo, dos vínculos afetivos sobre os vínculos biológicos, certamente pelo fato de que a figura paterna (normalmente o ente ausente) pode ser adequadamente suprida por outra pessoa, do mesmo sexo daquela ausente, na vida de uma criança ou adolescente, conforme ensinamentos da Psicologia moderna.

Ou seja: na formação de uma família entre ascendentes e descentes, a vinculação biológica é um elemento eventual, enquanto a vinculação afetiva torna-se um elemento essencial.

Nessa linha de intelecção, a entidade familiar deve ser entendida, hoje, como grupo social fundado, essencialmente, em laços de afetividade, pois a outra conclusão não se pode chegar à luz do texto constitucional.

Aliás, não apenas sob as vestes jurídicas. Também sob o prisma da Psicologia, o afeto se evidencia como uma verdadeira ‘âncora do sentido’, conferindo-lhe ‘um lastro decisivo de certeza, sustentado pela imagem do corpo’. A partir disso, demonstra-se, pelo afeto, uma verdade, ‘a da paixão que a linguagem impõe ao ser’, conforme o esclarecimento de Marcus André Vieira.

Dessa forma, afirma-se a importância do afeto para a compreensão da própria pessoa humana, integrando o seu ‘eu’, sendo fundamental compreender a possibilidade de que dele (do afeto) decorram efeitos jurídicos, dos mais diversos possíveis. (FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nélson. Direito das famílias, 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2.008, p. 25).

Ao encontro do entendimento da indiferença entre a vinculação biológica e a afetiva, encontra-se assim redigido o artigo 1.593 do Código Civil Brasileiro:

Artigo 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consaguinidade ou outra origem.

Comentando este artigo legal, a Dra. Lúcia Maria Teixeira Ferreira, Promotora de Justiça Titular da 9ª Curadoria de Família da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, teceu comentários preciosos a respeito, relembrando, com muita propriedade, a vinculação advinda da reprodução assistida heteróloga:

É de se ponderar que a expressão ‘outra origem’, em substituição ao termo ‘adoção’, traz uma nova classificação para as relações de parentesco. Além do parentesco natural e da adoção, temos relações de parentesco entre pessoas que não têm essas formas de vínculo, como, por exemplo, o que ocorre quando se lança mão de técnica de reprodução assistida heteróloga.

Como sustentado anteriormente, atualmente se consagram novos valores referentes ao vínculo de filiação, nos quais ganha contorno e conteúdo a idéia de que a paternidade e a maternidade não são apenas relações jurídicas, ou meramente biológicas, sendo fundamental a presença do afeto nas relações paterno-filiais.

Segundo o ilustre Professor Luiz Edson Fachin, ‘a disciplina jurídica das relações de parentesco entre pais e filhos não atende, exclusivamente, quer valores biológicos, quer juízos sociológicos. É uma moldura a ser preenchida, não com meros conceitos jurídicos ou abstrações, mas com vida, na qual pessoas espelham sentimentos’. Fachin nega um conceito unívoco de paternidade, revelando, ‘através do significado plural das relações paterno-filiais, a ampliada dimensão e relevância da nova tendência do direito de família’.

Têm-se, assim, no art. 1.593 do novo Código, elementos para a construção de um conceito jurídico de parentesco em sentido amplo, no qual o consentimento, o afeto e a responsabilidade terão papel relevante, numa perspectiva interdisciplinar. (FERREIRA, Lucia Maria Teixeira. Das relações de parentesco. In: LEITE, Heloísa Maria Daltro [coord.]. O novo direito civil – do direito de família. 1. ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2002, ps. 175-176).

A vinculação sócio-afetiva é hoje uma realidade latente, sendo a adoção o seu exemplo clássico, e, acaso se indague que a adoção não é uma regra absoluta de convivência harmônica entre adotantes e adotado, da mesma forma a vinculação biológica também não o é.

Em tema tão intrincado, em que várias verdades se superpõem, mister é estabelecer – ou ao menos tentar – um critério para a identificação dos vínculos de parentalidade. Até o advento da Constituição Federal, prevalecia o critério da verdade legal, ou seja, alguém era filho porque a lei assim ordenava, mesmo que todos soubessem que não era filho biológico do marido da mãe. A lei concedia o exíguo prazo de dois meses para o marido "contestar a legitimidade do filho de sua mulher" (CC/1916, 178, parágrafo 3º). A mudança foi radical. Agora a lei afirma que a ação é imprescritível (CC 1.601), privilegiando a verdade biológica. Cresce o movimento para emprestar maior importância ao critério socioafetivo, que se sobrepõe à verdade presumida e também à verdade biológica, pois tem por base um valor maior: o vínculo de afetividade que o constituiu. Tem prevalência até sobre a coisa julgada, pois nada deve obstaculizar o estabelecimento de vínculo jurídico para chancelar uma verdade que não existe. Comprovada a posse do estado de filho, não há como destruir o elo consolidado pela convivência, devendo a justiça, na hora de estabelecer a paternidade, sempre respeitar a verdade da vida, constituída ao longo do tempo. (DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.009, p. 351).

Todavia, a diferenciação agora é que, ao contrário da adoção, onde os laços familiares do adotado com sua antiga família são extintos, os modelos atuais de vinculação socioafetiva, em linha de princípio, podem ou não extinguir esse laço anterior, variando conforme seja o tão conhecido melhor interesse da criança ou do adolescente.

Exemplo de um caso onde o reconhecimento do vínculo socioafetivo não altera o vínculo anterior se pode observar na recente Lei nº 11.942, de 17 de abril de 2.009, a qual, modificando o artigo 57 da Lei de Registros Públicos, autoriza o enteado ou a enteada a adotar o nome de família do padrasto ou da madrasta, pois, em tal situação, teve-se a intenção tão somente de declarar a existência do forte vínculo afetivo entre os interessados, eximindo-se naturalmente de adentrar nas questões envolvendo os vínculos biológicos, haja vista ser questão pouco estudada e menos ainda debatida na justiça brasileira, servindo apenas como um fator de estímulo a manter intactos e premiar dois seres vinculados pelo afeto, no caminho trilhado pelo Estado na proteção da família em sentido amplo.

Todavia, em boa hora e com retidão e coragem poucas vezes vista na evolução do direito pátrio, já se tem notícia do indeferimento de ações de investigação de paternidade onde, não obstante tenha sido reconhecida a vinculação biológica, havia uma filiação socioafetiva preexistente, de forma tal que concluiu-se pela impossibilidade de buscar-se o reconhecimento de uma paternidade já reconhecida no mundo de fato e de direito.

Ação de filiação socioafetiva. Improcedência. Se a família afetiva transcende os mares do sangue, se a verdadeira filiação só pode vingar no terreno da afetividade, se a autêntica paternidade/maternidade não se funda na verdade biológica, mas sim, na verdade afetiva, a ponto de o direito atual autorizar que se dê prevalência à filiação socioafetiva, esta só pode ser reconhecida quando baseada no afeto, e não somente no interesse patrimonial. Se o autor, que possui pai e mãe biológicos e registrais, e com a mãe estabeleceu relação parental afetiva (somente não o fazendo com o pai porque já era falecido), não pode pretender o reconhecimento de uma filiação que não é espontânea e não foi voluntariamente assumida pelos alegados "pais de criação", pretensão que vem permeada de interesse exclusivamente econômico. Precedentes. (OITAVA CÂMARA CÍVEL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação cível n. 70023288251. Relator: José S. Trindade. Porto Alegre, 08.05.2008).

Responsabilidade civil. Indenização. Danos Morais. Paternidade afetiva. Consanguinidade. A responsabilidade civil assenta-se em pressupostos (ação ou omissão culposa, dano e nexo de causalidade) que se somam, de modo que, ausente um deles, não há falar em dever de indenizar. A perda da fruição das benesses da vida, a ausência e a carência de afeto que o pai biológico poderia ter proporcionado ao filho, cuja relação consangüínea veio a ser conhecida em juízo, mediante ação investigatória de paternidade e depois da maturidade e idade adulta (mais de 40 anos), não serve como causa de pedir da ação de indenização por danos morais, sobretudo como no caso presente em que a requerente nasceu, cresceu e desenvolveu-se dentro de uma família, com todos os paradigmas de um crescimento psicologicamente sadio e de formação do caráter. O elemento caracterizador do estado de filiação é o vínculo afetivo, privilegiado pela Constituição Federal, resultando ter-se como verdadeira paternidade aquela que se funda no afeto, podendo coincidir, ou não, com a paternidade biológica. Prevalência dos vínculos afetivos desenvolvidos em família sobre as questões de ordem genética e patrimonial. Apelo improvido. (NONA CÂMARA CÍVEL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação cível n. 70011497393. Relatora: Íris Helena Medeiros Nogueira. Porto Alegre, 08.06.2005).

Espera-se, assim, que tal reconhecimento da supremacia dos vínculos afetivos sobre os biológicos seja urgentemente reconhecida por todo o Judiciário, privilegiando a família eleita pelas partes e não aquela imposta por situações naturais e nem sempre desejadas pelos interessados, o que representará inquestionavelmente fonte de prevenção de inúmeros conflitos nas varas de Família.


5. A ARBITRAGEM E A MEDIAÇÃO NO DIREITO DE FAMÍLIA

Pela legislação nacional atual, bem como pelos tratados internacionais ratificados pelo Brasil, a arbitragem, como medida alternativa ao Poder Judiciário para solução de conflitos, ainda não é utilizada em nosso país para solução das lides nascidas do Direito de Família.

Outrora questionada perante o Supremo Tribunal de Justiça, haja vista que uma lei inferior estaria a supostamente impedir que um cidadão recorresse ao Judiciário para proteção de seus direitos – teoricamente em flagrante violação ao disposto no artigo 5º., inciso XXXV, da Constituição (a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito) – este órgão máximo do Judiciário nacional decidiu pela constitucionalidade de todos os dispositivos da lei arbitral nacional, lei essa que, textualmente, somente existe para discutir direitos disponíveis, o que não é o caso da quase totalidade dos debates familiares existentes em nossos tribunais.

Todavia, se a Lei de Arbitragem brasileira – Lei nº 9.307/96 – descreve, em seu artigo 1º, que somente será aplicada a direitos patrimoniais disponíveis, nada impede que se faça outra norma específica para aplicá-la aos litígios nascidos no Direito de Família, ou, mais simplesmente, que simplesmente se faça uma lei para, reformulando o já mencionado artigo 1º da lei já existente, suprimir a restrição a direitos patrimoniais disponíveis, permitindo, assim, a adequação de tal procedimento arbitral aos conflitos familiares.

Não se nega que tal modificação legislativa traria grande contribuição para a celeridade processual, haja vista o notório caos do Poder Judiciário brasileiro. Todavia, a grande vantagem dessa nova modalidade de solução alternativa de conflitos familiares, ou melhor, a grande verdade dessa modificação, seria o reconhecimento de uma realidade já reinante em todos os estudos destinados a explanar a superioridade da solução extrajudicial dos litígios familiares, qual seja, a confirmação de que as salas de audiências, onde o extinto casal se digladia pelos mais variados temas, onde os contendores sentam-se face a face acompanhados de advogados preocupados muito mais em uma vitória judicial – seja lá o que isso venha a significar para cada um – do que em buscar a efetiva pacificação, é um sistema ineficaz, muitas vezes incapaz de proferir uma decisão justa, sendo, acima de tudo, ampliador das disputas existentes.

Quanta vantagem seria possível se obter se, na composição da figura de um árbitro plúrimo, onde a decisão, que poderia ser obtida pelos votos de três membros (permissão outorgada pelo parágrafo 3º. do artigo 13 da Lei da Arbitragem), fosse proferida, v.g., por um jurista especializado, um psicólogo e um assistente social. Seria a mais perfeita aplicação da interdisciplinaridade no campo do Direito de Família. As chances de reconciliação – uma cautela sempre providencial – contra a extinção precoce de uma unidade familiar ou, mantida a intenção de extinção, em favor da conciliação dos contendores para acordarem em exercer amigável e conscientemente os direitos e obrigações de uma guarda compartilhada, por exemplo, nada mais é do que o cumprimento do escopo constitucional de proteção integral à família, e, nas questões envolvendo menores, a decisão do que for melhor ao infante estará em condições muito mais adequadas de ser encontrada e aplicada do que em salas de audiência, ainda que nestas se utilize das superficiais e exíguas avaliações psicossociais.

Nesse delicado ramo do direito, as questões sociais e as condições psicológicas devem ser valoradas para melhor se compreender a realidade das partes. Cada vez mais é indispensável mesclar o direito com outras áreas do conhecimento que têm na família seu objeto de estudo e identificação. Nessa perspectiva, a psicanálise, a psicologia, a sociologia, a assistência social vêm se inserindo no direito das famílias e desenvolvendo um trabalho muito mais integrado. O aporte interdisciplinar, ao ampliar a compreensão do sujeito, traz ferramentas valorosas para a compreensão das relações dos indivíduos, sujeitos e operadores do direito, com a lei. (DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.009, p. 82).

Todavia, ante a ausência de norma expressa a respeito, não se aplica a arbitragem no Direito brasileiro.

Seria muito bom que houvesse uma mudança legislativa assegurando às famílias o direito de, mediante o pacto antenupcial ou no contrato de união estável, inserirem em seus termos a cláusula compromissória para o caso de uma eventual extinção litigiosa da entidade familiar, de forma a ficarem mais asseguradas de que a decisão sobre o fim do relacionamento seja feita de acordo com a lei e com o pleno respeito aos mais legítimos anseios dos ex-consortes.

Não se pode esquecer que a doutrina especializada, trilhando caminhos que a legislação já permite, abraça efusivamente a ideia da intervenção interdisciplinar para auxílio na solução das lides do Direito de Família, sendo exemplar a figura da Mediação, a qual, não obstante não detenha o poder decisório que se mostra como a grande vantagem da Arbitragem, ainda assim traz resultados altamente relevantes.

A mediação apresenta-se, destarte, como mecanismo auxiliar relevante para o julgamento das causas de família, em especial no primeiro grau de jurisdição, aproximando a ciência do Direito da realidade viva da vida.

Outrossim, a variada carga de conflitos humanos (afetivos, sexuais, emocionais...) que marca, particularmente, o Direito de Família e, ao mesmo tempo, a proteção constitucional da vida privada de cada uma das pessoas envolvidas, são argumentos fortes para o uso da mediação familiar.

Em determinados conflitos (como relativos à guarda e visitação dos filhos, v.g.), a mediação familiar se apresenta com resultados amplamente favoráveis às partes e ao Judiciário, uma vez que ao indicar um perito par ter contato com as partes o magistrado sairá da rigidez da ciência jurídica e considerará ‘as partes como seres em conflito, esvaziando a disputa inesgotável do perde/ganha. Trata-se de dever ético do analista e perito impedir os litigantes de se digladiarem e usarem os filhos como mísseis em suas batalhas’, consoante a lúcida observação de Alba Abreu Lima.

De fato, ‘as causas de família requerem sensibilidade e conhecimentos específicos para ajuda às famílias’, evidenciando um caráter interdisciplinar, multirreferencial, que imporá a participação de outros setores do conhecimento para dirimir o conflito de forma mais efetiva e eficaz. (FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nélson. Direito das famílias, 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2.008, ps. 23-24).

A utilização de meios alternativos para solução dos conflitos familiares, assim, mostra-se significativa e amplamente desejável, devendo tornar-se um hábito para os operadores do direito no intuito principal de desarmarem seus clientes/gladiadores para que o fim a pacificação dos ex-componentes de um lar desfeito seja sempre o melhor possível, irradiando bons sinais para a prole eventualmente existente.


6. DA LIMITAÇÃO DA ESCOLHA DE BENS NO CASAMENTO DOS SEXAGENÁRIOS

Uma questão cômica, se não fosse grave, além de inconstitucional e que lamentavelmente ainda é campo de batalha para os juristas que labutam no campo do Direito de Família: a presunção, mantida pelo artigo 1.641, II, do Código Civil Brasileiro (haja vista os termos semelhantes descritos no artigo 258, II, do Código Civil de 1.916), de que os idosos não possuem plena capacidade de exercício para gerir seu próprio patrimônio, numa situação próxima da prodigalidade.

Quando descrevo cômica é porque logo me vem à mente um raciocínio constrangedor. Imaginemos um ministro do Supremo Tribunal Federal – a quem a Constituição outorga a guarda do principal termo legislativo do país, a quem é conferido os poderes de julgar Senadores da República, Presidentes da República, Ministros de Estado, da Marinha, Exército e Aeronáutica, litígios entre Estados estrangeiros e a União, extradições solicitadas por Estado estrangeiro, ações contra o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público, além de, em caso de vacância do cargo de Presidente da República, ser o quarto na ordem de sua sucessão (em caso de ser o presidente desta Casa) – não ter, todavia, capacidade ou discernimento suficiente para decidir sobre o regime de bens de seu pretendido casamento, haja vista o temor legal, criado como presunção absoluta, de que poderia estar sendo enganado por seu consorte.

Ou situação pior: a presunção absoluta de má-fé, de pessoa inescrupulosa, criada sobre a pessoa que pretender tomar como seu consorte uma pessoa sexagenária!

E nem se imagine que isso seria uma situação vivida somente pelas entidades familiares a serem constituídas pelo casamento, atingindo igualmente os que optassem pela união estável, haja vista o princípio da isonomia constitucional. Os que defenderem que tal restrição somente abraça os que pretendem se casar estão tentando criar consequências desiguais para situações que possuem a mesma base fática, também em manifesta inconstitucionalidade.

Lembre-se, ademais, que se há alguma preocupação em proteger o maior de sessenta anos, impunha-se ao legislador proibir o seu casamento – que, por sinal, diz respeito a questão relativa ao seu estado civil, que é direito da personalidade. No entanto, o Código Civil, sem qualquer justificativa lógica, permite as núpcias do sexagenário, mas limita a escolha do regime de bens – que integra o rol de direitos disponíveis da esfera privada.

Sem dúvida, é um absurdo caso de presunção absoluta de incapacidade decorrente da senilidade, afrontando os direitos e garantias fundamentais constitucionais, violando, ainda, a dignidade do titular e razoabilidade entre a finalidade almejada pela norma e os valores por ela comprometidos. (FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nélson. Direito das famílias, 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2.008, p. 219).

Desta forma, não só pela ofensa ao princípio da igualdade previsto no caput do artigo 5º da Constituição da República (já que tal argumento, por si só, já bastaria para explicitar a inconstitucionalidade), mas, sobretudo, pela ofensa maior ao direito da personalidade humana, com inequívoca violação da vida privada e do livre arbítrio do indivíduo, além do desrespeito à dignidade de ambos os consortes, criando-se um preconceito por causa da idade, manifestamente proibido pelos artigos 1º, inciso III, e 3º, inciso IV, da Constituição Federal, tal artigo de lei deve ser extirpado do sistema jurídico brasileiro de forma urgente. Afinal, nada há, em nenhum lugar, em nenhum estudo, em nenhuma ideologia isenta de preconceitos, que justifique esse tratamento desigual, desleal e humilhante a cidadãos que, por suas experiências de vida, encontram-se inclusive em melhores condições para decidir sobre tais questões que muitos nubentes jovens, que pouco ou nenhuma experiência detêm sobre a batalha travada anos a fio para a aquisição de um patrimônio digno, o qual, sem sombra de dúvidas, será adequadamente protegido e compartilhado (se assim o desejarem) pelos idosos.


7. ALGUMAS OUTRAS INCONSTITUCIONALIDADES DO NOVO CÓDIGO CIVIL

Por fim, tendo nos alongado mais do que o desejado, os advogados militantes no Direito de Família lutam ainda contra outras inconstitucionalidades flagrantes e costumes inadequados na labuta diária perante o Judiciário brasileiro, os quais citarei rapidamente no intuito de evitar tornar esta leitura extensa em demasia, e que são a exigência de demonstração de culpa da parte adversa para a obtenção da separação judicial ou do divórcio litigiosos, bem como as questões relativas à perda do nome pelo culpado da separação.

O direito a romper o vínculo jurídico que une uma entidade familiar é assegurado constitucionalmente ao se garantir, em seu corpo legislativo, o divórcio, cujo único fato a comprovar é o lapso temporal, seja o de um ano da separação judicial, seja o de dois anos da separação de fato, e nada mais. Discussões dos motivos ensejadores que levaram à ruptura ocorrida – e suposta culpa – são absolutamente impertinentes e sequer devem ser conhecidos pelo Magistrado.

O que suscita dúvidas e deveria de pronto ser espancado pelo Judiciário – mas não o é – é a necessidade, mantida pelo novo Código Civil, de demonstração de culpa, ou seja, de ato da parte adversa que importe em grave violação dos deveres do casamento, para que seja outorgado ao interessado o direito à separação judicial, conforme descrito no caput do artigo 1.572 do Código Civil.

Ora, se por um lado existe uma lei infraconstitucional exigindo que a parte inocente da entidade familiar demonstre os atos que a parte adversa perpetrou e que ensejaram os motivos de sua pretendida extinção, por outro lado o próprio texto constitucional trouxe, logo em seu início, como cláusula pétrea, o direito à dignidade da pessoa humana, o que inclui a plena tutela de seus direitos da personalidade, como privacidade, intimidade e a vida privada.

A vida em família, mesmo durante a existência da sociedade conjugal, não outorga a qualquer dos companheiros o direito de violar a privacidade ou a intimidade do outro e nem outorga o direito de que a vida privada, do qual o cônjuge é coautor, seja vilipendiada.

Tais deveres de respeito subsistem durante a convivência familiar e devem ser mantidos mesmo após a sua dissolução, como é natural em todo o Direito, v.g., como os atos de boa-fé que unem os contratantes desde a fase pré contratual e que devem persistir mesmo após o seu adimplemento e a consequente extinção do vínculo obrigacional.

O objetivo a chegar é o seguinte: como demonstrar violação dos deveres do casamento em uma audiência judicial, que, não obstante corra em segredo de justiça, envolve juízes, desembargadores, promotores de justiça, assistentes sociais, psicólogos, escrivães, escreventes, advogados, arquivistas e testemunhas, sem violar o direito à privacidade, à intimidade ou à vida privada do outro membro familiar? Isso seria uma ficção jurídica, ou, como preferem alguns autores, uma mentira jurídica. E não se pode, por ficção jurídica infraconstitucional, violar o direito à dignidade humana exposto na Carta Magna.

Outra questão interessante: e se foi a própria pessoa que pretende separar-se quem cometeu uma falta matrimonial grave que a impossibilita, por motivos especialmente de honra subjetiva, de continuar a conviver com seu outro consorte, a quem lesou e que todos os dias, pelo simples ato de revê-lo, se lembre da falta cometida, causando-lhe doloroso constrangimento? Ou seja, se ela reconhece que a vida em comum se tornou insuportável por falta cometida por si mesma? Não teria o direito de, no intuito de querer recomeçar e reconstruir sua autoestima, extinguir este vínculo familiar, extinção essa porventura não desejada pela outra parte? Seria possível puni-la todos os dias, retirando-a o direito de constituir uma nova família mediante o laço do matrimônio?

Ou, em tom semelhante: quais os motivos ainda levam o Judiciário a recusar a ver o desamor como causa suficiente para o rompimento de um vínculo matrimonial?

Supondo-se que se tratasse de uma união estável em quaisquer dos dois casos anteriormente citados, a vontade consciente de qualquer dos nubentes, ainda que do culpado, não seria prontamente respeitada e desfeita a união familiar, sem maiores delongas?

Então somos obrigados a reconhecer que a lei infraconstitucional está a tratar diversamente duas situações faticamente iguais, o que configura, mais uma vez, uma manifesta inconstitucionalidade, só que, agora, agravada pela figura do desrespeito aos direitos da personalidade de um ser humano, no intuito de conservar a figura jurídica do casamento, o que é intolerável.

Por fim, a custosa questão do nome de casada. Utilizando-se dos argumentos já descritos no presente capítulo, o que faltou ao legislador, ao redigir o artigo legal de nº 1.578 do Código Civil Brasileiro, foi a sensibilidade de compreender que, a partir do instante em que um cônjuge adota o nome de família do outro, tal nome de família passa a constituir seu próprio sobrenome de forma irrevogável, não se tratando de um empréstimo de nome ou qualquer situação análoga.

E, como se trata de elemento constitutivo de seu próprio nome, a partir da celebração do ato que criou a nova família, esse nome passou a ser tutelado expressamente pelo artigo 16 do mesmo Código Civil, o qual, por sua vez, por estar tutelando um direito da personalidade, tem seu assento constitucional no mesmo artigo 1º, incisos II e III da Constituição da República.

Daí se demonstrar o quão impertinentes – por inconstitucionais – são as discussões de culpa em seara de família visando a retirada do nome de família pelo ex-consorte culpado, como se ao término de uma relação conjugal fosse possível também identificar, em lados opostos, sempre um inocente e um culpado.


CONCLUSÃO

Após todo o exposto, o objetivo da presente análise foi tão somente tentar levantar algumas discussões complexas que estão a surgir no campo do Direito de Família, bem como tentar reavivar a memória para que antigos preconceitos sejam, de uma vez por todas, extirpados do ordenamento jurídico brasileiro, sem ficarmos nós, operadores do Direito, à espera de novos e desnecessários textos legislativos, os quais, para virarem realidade, demandam um tempo precioso que a vida intranquila dos contendores não parece ser capaz de suportar.

Que se adote, cada vez mais, a interpretação civilista-constitucional e que os casos de família sejam tratados sem preconceitos, com os olhos abertos ao futuro, às necessidades dos seres humanos ali envolvidos e com a devida dedicação e imparcialidade que os casos sempre requerem, a fim de que as sentenças judiciais possam ser efetivamente justas e, sempre que possível, fruto da tão desejada autocomposição das partes, observados os reflexos daí advindos, especialmente quando houver crianças e adolescentes envolvidos.

Fincado o norte de que o Direito de Família deve ser efetivado pelo afeto e despindo-nos dos preconceitos que rondam a sociedade atual, a felicidade humana será inegavelmente alcançada, ainda que seja necessário atravessarem-se imensos mares inquietos.


BIBLIOGRAFIA:

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MARQUES, Roberto Lins. Considerações sobre um desconhecido Direito de Família e as dificuldades do advogado familiarista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2341, 28 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13927. Acesso em: 27 abr. 2024.