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O IPTU progressivo no tempo e sua aplicação na organização do espaço urbano dos municípios.

Uma análise a partir da legislação de Blumenau

O IPTU progressivo no tempo e sua aplicação na organização do espaço urbano dos municípios. Uma análise a partir da legislação de Blumenau

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RESUMO

Este artigo analisa brevemente o Estado Brasileiro, sua organização político-administrativa, seus princípios e objetivos, identificando atividades estatais conexas com o tema proposto. Destacando o ente municipal, lembra sua autonomia política e as competências atribuídas pela Constituição Federal, em especial a legislativa, tributária e de ordenamento territorial. Discorre acerca do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, realçando duas finalidades que lhe são inerentes: fiscal e extrafiscal. Explana de forma breve a problemática que envolve a organização do espaço urbano, com enfoque na retenção especulativa de imóveis e no conseqüente avanço do processo de periferização, responsáveis pelo aumento da demanda e do custo dos serviços urbanos. Destaca as inovações surgidas no ordenamento jurídico nacional quando da regulamentação da Política Urbana pelo Estatuto da Cidade, enfatizando seus princípios, diretrizes e instrumentos, fundamentais para viabilizar o planejamento e ações governamentais. Dos instrumentos, analisa principalmente o IPTU progressivo no tempo, estudando, a partir da legislação de Blumenau - SC, a viabilidade de sua aplicação na organização do espaço urbano dos municípios, com vistas ao cumprimento da função social da cidade e da propriedade.

Palavras-chave: Política Urbana. Estatuto da Cidade. IPTU. Progressividade. Extrafiscalidade.


1. INTRODUÇÃO

A ocupação desordenada das cidades, a retenção especulativa de terrenos urbanos e o processo de periferização, por contribuírem de forma decisiva para o aumento da demanda e principalmente dos custos dos serviços urbanos, são processos que devem ser contidos, merecendo atenção especial do Poder Público.

O Estatuto da Cidade, regulamentando a Política Urbana prescrita na Constituição Federal pelos artigos 182 e 183, estabelece normas que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, instituindo princípios e diretrizes e disponibilizando instrumentos aos gestores públicos para a organização da cidade.

Este artigo tem por objeto o estudo da viabilidade de utilização do IPTU progressivo no tempo, instrumento de aplicação sucessiva ao ordenamento de parcelamento, edificação ou utilização compulsória e pré-requisito para a desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública.

Objetiva delinear a importância da gestão municipal no cumprimento do princípio da função social da cidade e da propriedade, enquanto competente para promover o "adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano" [01].

A análise da questão passeia pelo conceito de Estado e da organização político-administrativa do Brasil, com destaque para a autonomia e o papel dos Municípios, enquanto competentes para a organização da vida na cidade, enfatizando sua competência legislativa e tributária, em especial de instituição e cobrança do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU.

Os dados e conceitos apresentados foram obtidos através de pesquisa bibliográfica e junto a membros da equipe técnica que elaborou o Plano Diretor do Município de Blumenau, bem como pela análise e interpretação da legislação envolvida.

O estudo pretende contribuir como fonte de pesquisa para o planejamento das ações governamentais e aplicação do IPTU progressivo no tempo, de modo a dar cumprimento aos ditames da Constituição Federal, do Estatuto da Cidade e do Plano Diretor municipal.


2. O ESTADO BRASILEIRO

A teoria clássica define o Estado através dos seus três elementos essenciais: Território, Povo e Governo.

Para Sahid Maluf (1980, p. 39), "A condição de Estado perfeito pressupõe a presença concomitante e conjugada desses três elementos, revestidos de características essenciais: população homogênea, território certo e inalienável e governo independente".

Nos termos da nossa Constituição, a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito que tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.

Os objetivos fundamentais da República também são desenhados pela Carta Mãe. Neles são encontrados importantes orientadores para as ações dos gestores públicos: liberdade, desenvolvimento, igualdade social, não discriminação e promoção do bem de todos. Vejamos:

Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Para alcançar seus objetivos, o Estado realiza diversas atividades. Destacamos, dentre tantas, as atividades financeira, pela qual o Estado arrecada suas receitas, aplicando-as para a realização do bem comum, e de planejamento, que inclui a organização da ocupação e uso do solo urbano.

Importante observar ainda preliminarmente que nossa Carta Constitucional, em seu artigo 18, concebe a organização político-administrativa do Estado Brasileiro compreendendo a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos como entes autônomos.

Sobre autonomia, Dalmo de Abreu Dallari (1986, p. 18) ensina que:

Os membros de uma federação gozam de autonomia, que é poder de autogoverno, incluindo a possibilidade de escolher seus governantes e de agir por vontade própria em relação a muitos assuntos. Mas as decisões do poder autônomo devem ser tomadas dentro dos limites fixados na Constituição Federal e ficam sujeitos a controle de constitucionalidade por um órgão da União.

2.1. OS MUNICÍPIOS NO BRASIL

Na história recente, nenhum momento marcou tão profundamente os municípios brasileiros como a promulgação da Constituição Federal em 1988, que os elevou à categoria de entes federados dotados de autonomia.

Celso Vedana (2002, p. 18) assinala:

A Constituição Federal de 1988 traz em si a mais moderna e avançada organização institucional do Município de que se tem conhecimento no Direito ocidental. Esse fato confirma o progresso da visão do constituinte de 1988, na medida em que ele conferiu fundamental importância e destaque ao papel a ser exercido por este ente estatal. Com efeito, o constituinte não só manteve o sistema federativo da Constituição de 1967, mas também o consignou na Carta Magna na condição de ente federado com plena autonomia nos aspectos político-administrativo e tributário.

Junto com o novo status os municípios tiveram suas responsabilidades ampliadas, passando a ser demandados diretamente por diversos serviços públicos antes prestados pelo Estado ou pela União. Ainda Celso Vedana (2002, p. 50 e 51) comenta:

O Município tem por finalidade principal promover o bem estar dos munícipes, bem-estar que significa o crescimento dos indivíduos em todos os sentidos, quer culturais quer econômicos, da sua família e da comunidade onde estiver inserido. Por isso as bases a serem estabelecidas para o cumprimento dessas competências, tanto no sentido da repartição das receitas tributárias, quanto na execução dos encargos (serviços), é o Município, sendo necessário que a ele sejam dadas as condições para cumprir com êxito essas atribuições.

Sobre a autonomia municipal, Valéria Furlan (2004, p. 41), citando Tércio Sampaio Ferraz Jr., anota que:

A autonomia municipal, sede da competência tributária, resulta de atribuições constitucionais (via normas de competência) que outorgam ao Município capacidade de auto-organização (lei orgânica), de autogoverno (eletividade do Executivo e Câmara), de poder heterônomo (elaboração de leis municipais ou capacidade normativa) e de auto-administração (capacidade de instituição de tributos, arrecadação e aplicação: autonomia financeira).

Nossa Carta Constitucional distribui aos entes municipais competências e atribuições a serem por eles exercidas, de forma exclusiva ou não. No artigo 30 encontramos as principais diretrizes neste sentido, merecendo destaque os incisos I, III e VIII, pelo grau de relevância ao presente estudo. Vejamos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

[...]

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

[...]

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.

A competência legislativa é, por óbvio, ponto de partida para a organização da vida na cidade. Sem ela, o município não poderá exercer suas demais competências, considerando que todos os atos da administração pública devem ser norteados pela legalidade.

Além disso, para o exercício das atribuições que lhe são próprias, os entes federados deverão dispor de recursos financeiros, sem os quais igualmente não seriam viáveis quaisquer ações governamentais.

A competência para instituir impostos, dentre os quais, o Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana – IPTU, é conferidos aos municípios pela Constituição Federal, artigo 156. Valéria Furlan (2004, p. 44), agora citando Antônio José da Costa, lembra que: "(...) a competência para tributar é um instrumental da autonomia do Município, pois que, sem autonomia financeira, não há como se falar em autonomia política e administrativa".

Para o exercício da competência tributária e de ordenamento, controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano, é imprescindível a observação das normas gerais ditadas pela União, considerando pertencerem, tanto o direito urbanístico quanto o tributário, ao campo da competência legislativa concorrente, nos termos do artigo 24 da Carta Constitucional.


3. O IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE PREDIAL E TERRITORIAL URBANA

Um dos principais impostos compreendidos na competência tributária dos municípios, o IPTU é um dos tributos previstos no ordenamento jurídico pátrio onde mais de perto convivem a fiscalidade e a extrafiscalidade, dada sua importância como fonte de receita e sua utilização no ordenamento do espaço urbano.

É conhecido como uma espécie de "condomínio da cidade", o que denota a existência de um consenso social que autoriza sua manipulação como instrumento de organização urbana. Em outras palavras, este consenso legitima o Município a arrecadar o imposto, no exercício de sua atividade financeira, aplicando-o em outra atividade que lhe é própria, o planejamento e organização do solo, de forma a assegurar o desenvolvimento da função social da cidade e o bem-estar dos seus habitantes.

Respeitados os princípios constitucionais e as normas gerais tributárias, os municípios tem competência plena para legislar sobre o IPTU, definindo a zona urbana municipal, mensurando a base de cálculo e instituindo as alíquotas incidentes.

Em sintonia com o artigo 146 da Constituição Federal [02], o Código Tributário Nacional - Lei 5.172/1966, lei materialmente complementar instituidora de normas gerais tributárias, define o fato gerador, a base de cálculo e os contribuintes do IPTU, em seus artigos 32 a 34:

Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.

[...]

Art. 33. A base do cálculo do imposto é o valor venal do imóvel.

[...]

Art. 34. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.

Ter-se-á, portanto, fato gerador tributário do IPTU quando se verificar a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física localizado na zona urbana do município.

Para fins de incidência tributária, há que ser observado o conceito de propriedade posto pela legislação civil, mais especificamente pelo artigo 1228 do Código Civil, segundo o qual "o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha".

É cediço que o direito de propriedade pressupõe a junção dos poderes de usar, gozar e dispor da coisa. Estes poderes, no entanto, não são absolutos, devendo ser exercidos de forma a atender a função social da propriedade.

Segundo Melo (2009, p. 284):

Como a propriedade deve atender à sua função social (art. 5º, XXII e XXIII; art. 170, III; arts. 184 e 186, CF), o exercício do seu direito deve estar em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais, preservando a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, evitando a poluição do ar e das águas (§ 1º, art. 1228, Código Civil)

[...]

Os objetivos da função social podem ser alcançados mediante obrigações positivas (proprietário construir em terreno ocioso) e com regras impeditivas de ações (proibição de edificações, visando às funções de urbanismo; ordenamento do crescimento de atividades, segregação de indústrias insalubres, conveniente uso e ocupação do solo, evitando especulação imobiliária).

Além da propriedade, dará causa à tributação pelo IPTU também a detenção do domínio útil e a posse do bem imóvel.

José Eduardo Soares de Melo ensina que o domínio útil contrapõe-se ao domínio direto e "compreende os direitos de utilização e disposição, inclusive o de alienação, conferidos ao foreiro, relativamente a prédio enfitêutico", acrescentando também que mesmo tendo o atual Código Civil "proibido a constituição de enfiteuses e subenfiteuses (art. 2.038), sendo substituídos pelo direito de superfície (art. 1.369 do Código Civil), permanece o direito adquirido às enfiteuses em vigor, aplicando-se os decorrentes efeitos fiscais" (PAULSEN e MELO, 2009, p. 284 e 285).

Em relação ao instituto da posse, importante considerar que para constituir-se em fato gerador tributário, a posse deverá expressar o animus dominis do possuidor. Em outras palavras, o possuidor deve deter a coisa como se sua fosse.

Enquadra-se na condição de contribuinte, portanto, o proprietário, o titular do domínio útil e o possuidor a qualquer título do imóvel situado na zona urbana do município, entendido como bem imóvel "o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente", nos termos do art. 79 do Código Civil.

A base de cálculo do IPTU será o valor venal do imóvel, assim considerado o valor que pode alcançar o bem no mercado imobiliário, numa venda à vista. A mensuração deste valor dar-se-á através das Plantas Genéricas de Valores.

Durante muito tempo discutiu-se sobre a possibilidade de ser o IPTU progressivo em razão do valor dos imóveis por ele alcançados, considerando sua classificação doutrinária como imposto real.

A celeuma está aparentemente resolvida a partir da Emenda Constitucional nº 29/2000, que deu nova redação ao parágrafo primeiro do artigo 156 da Constituição Federal, textualmente:

§ 1º - Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o Art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:

I - ser progressivo em razão do valor do imóvel; e

II - ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.

A redação original deixava dúvidas quanto ao alcance da permissão constitucional, dando a idéia de que somente fosse possível a aplicação de alíquotas progressivas quando tivesse fins ordinatórios ou regulatórios da política urbana. Vejamos:

§ 1º - O imposto previsto no inciso I poderá ser progressivo, nos termos de lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade.

Com a nova redação acalmaram-se os ânimos doutrinários e jurisprudenciais, ficando praticamente pacificada a coexistência da chamada progressividade fiscal do IPTU, de caráter arrecadatório e corolário do princípio da capacidade contributiva [03], sem prejuízo da aplicação de alíquotas diferenciadas em função da localização e uso do imóvel e da progressividade no tempo, de cunho exclusivamente extrafiscal.

É também na Constituição Federal, no capítulo II do Título VII, intitulado Da Política Urbana, mais especificamente no artigo 182 e seu § 4º, que vamos encontrar as diretrizes para a progressividade no tempo, com caráter regulador:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

[...]

§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

Importante destacar aqui que não se trata de tributação de ato ilícito, o que é expressamente vedado pelo artigo 3º do Código Tributário Nacional quando define tributo como "prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada".

Da definição legal extraímos que os tributos não podem servir como meio de punição dos atos que não se harmonizam ou que afrontam a ordem jurídica estabelecida.

A partir desta análise, poder-se-ia contrariar a aplicação da progressividade no tempo, na medida em que esta representa uma espécie de penalidade pela inércia, omissão do contribuinte diante da ordem do poder público municipal de promover o aproveitamento de seu imóvel.

Alguns doutrinadores, a exemplo de Machado (2007, p. 411), defendem que:

[...] se não autorizada por dispositivo constitucional expresso, a progressividade em razão do tempo poderia ser impugnada, ao argumento de que constitui verdadeira sanção de ato ilícito, sendo contrária, portanto, ao conceito de tributo. Assim, tem-se que a norma do art. 182, § 4º, teve a finalidade específica de afastar argumentos contrários àquela forma especial de progressividade.

Entendemos que o fato gerador do IPTU, concretizado pelo ser proprietário, possuidor ou detentor do domínio útil de imóvel localizado na área urbana, não se caracterizará, em hipótese alguma, como um ato ilícito. O imposto incidirá independente da conduta omissiva do contribuinte que deixou de utilizar ou edificar imóvel.

Em outras palavras, a conduta contrária ao ordenamento jurídico ocorre independente e posteriormente ao fato tributável.

Para Batista (2007):

A hipótese de incidência já está realizada, pouco importando que no mundo físico haja a ilicitude de descumprir a função social da propriedade. Neste primeiro momento, a alíquota do IPTU está normal, com sua função fiscal; num momento posterior, seu aumento progressivo no tempo tem caráter sancionatório, mas não o imposto em si.


4. O ESTATUTO DA CIDADE

O Estatuto da Cidade, instituído pela Lei 10.257, de 10 de julho de 2001 veio regulamentar a já citada Política Urbana prescrita em nossa Constituição Federal pelos artigos 182 e 183. De modo geral, "estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental", conforme previsão expressa contida no parágrafo único do seu primeiro artigo.

O artigo 2º do Estatuto define como objetivos da política urbana o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, fixando nos incisos numerados de I a XVI, as diretrizes gerais que deverão guiar sua aplicação.

Comentando as diretrizes gerais listadas pela lei e lembrando as garantias constitucionais do direito de propriedade e da sua função social, contidas nos incisos XXII e XXIII do artigo 5º, Isabel Cristina Eiras de Oliveira (2001, p. 14) conclui que:

As diretrizes gerais estabelecidas no Estatuto da Cidade buscam orientar a ação de todos os agentes responsáveis pelo desenvolvimento na esfera local. Indica que as cidades devem ser tratadas como um todo, rompendo a visão parcelar e setorial do planejamento urbano até agora praticado. Além disso, evidencia que o planejamento deve ser entendido como processo construído a partir da participação permanente dos diferentes grupos sociais para sustentar e se adequar às demandas locais e às ações públicas correspondentes.

Dedica-se o Capítulo II do Estatuto da Cidade à definição dos instrumentos da política urbana, divididos, conforme o artigo 4º em seis categorias principais. As três primeiras referem-se ao planejamento nacional, regional, estadual, regiões metropolitanas, aglomerações urbanas, microrregiões e municipal.

Na quarta categoria encontramos os institutos tributários e financeiros onde está inserido o Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana – IPTU, junto com a contribuição de melhoria e os incentivos e benefícios fiscais e financeiros.

Em seguida, os institutos jurídicos e políticos, donde destacamos o "parcelamento, edificação ou utilização compulsória" e a "desapropriação", que mais de perto interessam ao presente estudo.

Na sexta e última categoria encontramos os estudos prévios de impacto ambiental (EIA) e de impacto de vizinhança (EIV).

Os instrumentos listados pelo Estatuto da Cidade têm por objetivo viabilizar o planejamento e as ações governamentais. Oliveira (2001, p. 24) assinala que:

Os instrumentos previstos no Estatuto da Cidade guardam semelhança com alguns adotados e experimentados, internacionalmente, para controle do uso do solo urbano. A maioria deles é conhecida no país, sua utilização, contudo, tem sido restrita.

Vários motivos explicam sua não adoção. Dentre eles se encontram impedimentos culturais, históricos, jurídicos, ou mesmo, e principalmente, os impedimentos decorrentes dos interesses políticos em jogo.


5. O USO DO SOLO URBANO

A problemática que envolve a ordenação do solo urbano não é novidade e tem sido alvo de preocupação por parte dos gestores públicos.

A especulação imobiliária faz surgir no coração de nossas cidades os chamados vazios urbanos. Os investidores adquirem a propriedade e aguardam a instalação de infra-estrutura básica e equipamentos urbanos, para só então, quando já mais valorizado, darem o devido uso ao imóvel.

Esta ociosidade de terrenos em áreas mais servidas com a estrutura urbana onera os cofres públicos na medida em que aumenta a demanda e o custo dos serviços oferecidos à população, pela inevitável formação de loteamentos e conjuntos habitacionais em áreas não urbanizadas e longe dos locais centrais, onde há maior concentração de oferta de emprego, comércio e serviços. (OLIVEIRA, 2001, p. 26).

Um dos aspectos mais afetados é o transporte urbano, tema que tem sido debatido constantemente nas grandes cidades brasileiras, a exemplo de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre e que começa a preocupar também os gestores das cidades de médio porte. Quanto maiores as distâncias a serem percorridas diariamente no trajeto entre a casa e o trabalho, maior será o esforço necessário do poder público para oferecer melhores condições de transporte à população, seja ampliando a malha viária ou investindo em transporte de massa. Os reflexos da situação são maiores do que parecem num primeiro momento. A poluição provocada pelo número de automóveis nas vias e os congestionamentos constantes têm sido preocupações recorrentes também na área da saúde pública.

A manutenção de imóveis urbanos sem uso, com fins especulativos, mostra-se assim um problema que deve ser contido. Para isso, os Municípios podem, mediante lei, determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsória do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, notificando o proprietário para que cumpra a obrigação em prazo assinalado, tudo conforme art. 5º do Estatuto da Cidade.

De acordo com o artigo 7º do mesmo diploma legal, o descumprimento da obrigação autoriza ao Município a aplicação do IPTU progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos, respeitado o limite de acréscimo anual de duas vezes o valor referente ao ano anterior e o máximo de 15% (quinze por cento).

Desnecessário dizer que para aplicação das alíquotas progressivas é imprescindível a existência de lei municipal fixando-as.

Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar, não seja atendida em cinco anos, o Município deverá manter a cobrança do IPTU pela alíquota máxima estabelecida na lei municipal, até o seu cumprimento, ou poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.

Para Oliveira (2001, p. 26):

O principal objetivo destes três instrumentos, de aplicação sucessiva, é o combate à retenção de terrenos ociosos em setores da cidade que, cada vez mais, se valorizam ao serem dotados, pelo poder público municipal, de infra-estrutura de serviços urbanos, aumentando os custos de urbanização e expandindo, desnecessariamente, as áreas urbanas.


6. APLICAÇÃO DO IPTU PROGRESSIVO NO TEMPO PELOS MUNICÍPIOS: UMA ANÁLISE A PARTIR DA LEGISLAÇÃO DO MUNICÍPIO DE BLUMENAU

Merece registro o pensamento de Machado (2007, p. 81):

O fenômeno da tributação a cada dia cresce de importância, sobretudo porque o Estado já não a utiliza apenas como meio para obter recursos financeiros, mas também para interferir de múltiplas formas na economia privada, estimulando setores, incentivando o desenvolvimento econômico de regiões, promovendo a redistribuição de renda e protegendo a indústria nacional. Daí a complexidade crescente e a rapidez com que se modificam as leis de tributação.

O manejo do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU com finalidade extrafiscal não é novidade para os municípios brasileiros. Na história de Blumenau, exemplo típico do seu uso foi a concessão de "favores fiscais" pela Lei Municipal nº 2.262 de 1977 às edificações em estilo arquitetônico "Enxaimel" e "Casa dos Alpes" [04]. O objetivo era transformar a paisagem urbana e incentivar o setor turístico. É também consolidada na legislação tributária municipal a aplicação de alíquotas diferenciadas em função da localização e uso dos imóveis.

Porém, interessa ao estudo a extrafiscalidade assim como prevista no artigo 182 da Constituição Federal.

Assim como a grande maioria das cidades brasileiras, Blumenau também convive com os problemas gerados pela ocupação desordenada e pela especulação imobiliária, que produzem os já citados vazios urbanos, em forma de terrenos baldios e mesmo prédios abandonados, sem uso ou destinação.

Sem menosprezar o valor da história da legislação municipal, passamos a analisar a viabilidade da aplicação do IPTU progressivo no tempo no Município de Blumenau, apenas a partir da legislação vigente.

O atual Plano Diretor foi aprovado pela Lei Complementar nº 615, de 15 de dezembro de 2006, e é apresentado pela mensagem introdutória como resultado de um processo de revisão que atendeu os ditames constitucionais e as diretrizes e instrumentos do Estatuto da Cidade, expressando textualmente que "sua abrangência deixa de ser apenas urbanística, tornando-se responsável também pelas políticas públicas municipais".

Da mensagem introdutória destacamos ainda a definição do Plano Diretor como: "o conjunto de princípios e regras orientadoras da ação dos agentes que constroem e utilizam o espaço urbano".

Já no corpo da lei, em seus mandamentos iniciais, no artigo 7º, encontramos listados os princípios, desde a garantia da função social da cidade e da propriedade; o desenvolvimento sustentável; a gestão democrática e participativa; a recuperação e preservação ambiental; a inclusão e justiça social; e também a adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira aos objetivos do desenvolvimento urbano.

O cumprimento da função social da propriedade é vinculado, pelo artigo 9º, ao cumprimento de alguns requisitos, dentre eles a utilização adequada, segundo parâmetros mínimos.

No Título III encontramos o Ordenamento Territorial e no Título IV, os Instrumentos da Política Municipal, a saber: instrumentos de planejamento; jurídicos e urbanísticos; de regularização fundiária; tributários e financeiros; jurídico-administrativos; e de democratização da gestão municipal.

De acordo com o Plano Diretor, o parcelamento, a edificação e a utilização compulsória do solo urbano visam, de forma complementar, garantir o cumprimento da função social da cidade e da propriedade, induzindo a ocupação de áreas não edificadas e não utilizadas. O Plano, porém, não exaure a matéria e remete à ‘lei específica’ a definição das áreas prioritárias onde o instrumento terá aplicação. Vejamos a redação do artigo:

Art. 85. O parcelamento, a edificação e a utilização compulsória do solo urbano visam, complementarmente, garantir o cumprimento da função social da cidade e da propriedade, por meio da indução da ocupação de áreas não edificada e não utilizada, onde for considerada prioritária, na forma de Lei específica que disporá sobre a matéria.

A lei específica, no caso, é o Código de Zoneamento e Uso do Solo. Atualmente vige a Lei nº 491, editada em 2004, anteriormente, portanto, ao Plano Diretor.

O artigo 151 da LC 615/2006 prevê que permanecem válidas as leis vigentes, na parte que não colidirem com aquela.

A implementação do parcelamento, edificação e utilização compulsória do solo, assim como dos instrumentos de aplicação sucessiva, a saber, o IPTU progressivo no tempo e a desapropriação com títulos da dívida pública, objetivam: otimizar a ocupação nas regiões da cidade dotadas de infra-estrutura e equipamentos urbanos; inibir a expansão nas áreas não dotadas de infra-estrutura e ambientalmente frágeis; aumentar a oferta de lotes urbanizados nas regiões já consolidadas da malha urbana; combater a retenção especulativa de imóvel e o processo de periferização.

Embora tenha delegado à lei específica a definição das áreas de aplicação, o Plano Diretor tratou de indicar que a aplicação dos instrumentos dar-se-á nas áreas de consolidação, no setor especial e nas áreas indutoras de desenvolvimento, e atingirá: a) o imóvel não edificado com área igual ou superior a 5.000 m2 (cinco mil metros quadrados); b) o conjunto de imóveis urbanos, contíguos ou não, de um único proprietário, não edificado e com área total superior a 5.000 m2 (cinco mil metros quadrados); c) o imóvel urbano subutilizado, caracterizado como aquele cuja área edificada não atingir 10% (dez por cento) do menor coeficiente de aproveitamento previsto; d) a edificação desocupada há mais de 5 (cinco) anos, qualquer que seja a área construída.

As áreas de consolidação, conceituadas pelo Art. 68, I, como aquelas "já urbanizadas, cuja ocupação se dará através da intensificação do aproveitamento do solo de forma equilibrada em relação aos serviços, infra-estrutura, equipamentos e meio ambiente, de modo a evitar sua ociosidade ou sobrecarga e otimizar os investimentos coletivos", já vêm definidas no Mapa de Macrozoneamento que integra o Plano Diretor, e compreendem além do Centro, os bairros Água Verde, Boa Vista, Bom Retiro, Do Salto, Escola Agrícola, Itoupava Seca, Itoupava Norte, Jardim Blumenau, Nova Esperança, Velha, Victor Konder, Vila Formosa, Vila Nova, Garcia, Ribeirão Fresco, Ponta Aguda e Vorstadt.

O setor especial que, de acordo com o Art. 73, é formado "por áreas que por sua característica especial, seja de interesse ambiental, de segurança, social, histórico, cultural, paisagístico ou turístico, tenham critérios especiais de uso e ocupação do solo", já vem definido no Código de Zoneamento e Uso do Solo e, embora possa sofrer alterações quando da elaboração no novo código, o art. 11 da Lei 491/2004 traz definições que, salvo melhor entendimento, estão em consonância com o novo Plano Diretor, a saber:

Art. 11. As Zonas Especiais são aquelas destinadas a assegurar a qualidade de vida urbana do ponto de vista ambiental, de lazer, de preservação das áreas de interesse histórico e cultural, além de proteger áreas consideradas de extrema importância para o desenvolvimento da cidade, classificando-se em:

I – Zona de Localização Especial (ZLE);

II – Zona de Proteção Ambiental (ZPA), Área de Preservação Permanente (APP) e Áreas Não Edificáveis e não Aterráveis (ANEA);

III – Zona Recreacional Urbana (ZRU);

IV – Zona Agrícola (ZAG);

V – Zona de Influência do Aeródromo (ZIA);

VI – Zona Hospitalar Fechada (ZHF);

VII – Zona Educacional Fechada (ZEF);

VIII – Área Rural (ARU).

Assim, apenas o Setor Indutor do Desenvolvimento representa novidade, posto que não previsto anteriormente no ordenamento jurídico municipal. O art. 71 do Plano Diretor assim o define:

Art. 71. O Setor Indutor do Desenvolvimento busca direcionar e fomentar o desenvolvimento das regiões do município, promovendo a integração de usos, com a diversificação e mesclagem de atividades compatíveis de modo a reduzir os deslocamentos da população e equilibrar a distribuição da oferta de emprego e trabalho.

Parágrafo único. Integram os Setores Indutores do Desenvolvimento:

I - os Subcentros: compreendem as áreas polarizadoras de serviços, comércio e equipamentos nos bairros e regiões da cidade, distribuídas estrategicamente na malha urbana e rural, com capacidade de crescimento definida pelo suporte natural e infra-estrutura;

II - os Corredores de Serviços: eixos estruturantes do desenvolvimento com características urbanas e rurais, classificados em pequeno, médio e grande porte, formados por uma malha de vias com suporte para abrigar estabelecimentos comerciais, industriais e de serviços, espalhadas por toda a cidade com densidade compatível com o seu entorno;

III – as Zonas Comerciais: áreas consolidadas de uso misto, com densidade de ocupação de médio a grande porte conforme a capacidade da infra-estrutura local;

IV – as Zonas Industriais: áreas cujo uso e ocupação do solo se caracteriza pela existência ou previsão de instalações destinadas a grandes usos industriais, comerciais e de serviço;

V – As Zonas Agrícolas: áreas cujo objetivo é delimitar a continuidade da expansão urbana, criando uma reserva verde para manter a estrutura da pequena propriedade rural, com adensamento definido pelo suporte natural e infra-estrutura.

Podemos afirmar que de acordo com a legislação atual é possível aplicar o instrumento de parcelamento, edificação e utilização compulsória do solo urbano nas áreas da cidade acima definidas, desde que atendidos os demais requisitos legais.

Por sua vez, o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo será exigido dos proprietários dos imóveis que, devidamente notificados, não cumprirem o parcelamento, edificação ou utilização do imóvel.

O Plano Diretor, fazendo as vezes da lei específica a que se refere o Estatuto da Cidade, define também as alíquotas e veda a concessão de isenções e anistias relacionadas ao IPTU progressivo aos imóveis alcançados pelo instrumento. Vejamos a redação literal:

Art. 91. Em caso de descumprimento do art. 90 desta Lei, deverá o Poder Público Municipal, exigir do proprietário do solo urbano não parcelado, não edificado, subutilizado ou não utilizado, o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana Progressivo no Tempo – IPTU Progressivo.

§ 1º O valor da alíquota a ser aplicada a cada ano será de 1% (um por cento) e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de 15% (quinze por cento).

§ 2º É vedada a concessão de isenções ou de anistias relativas à tributação progressiva de que trata este artigo.

Há que ser considerado que o uso inadequado dos imóveis urbanos pode representar diversos níveis de danos, diferenças estas que podem ser observadas mesmo dentro de um único bairro.

Conforme já mencionamos anteriormente, no modelo proposto pelo Estatuto da Cidade, a fixação do índice quantitativo do IPTU progressivo no tempo é tarefa que cabe à lei específica para cada área. A valoração da alíquota pode então guardar maior consonância com o dano causado à sociedade pelo não uso da propriedade, conforme as características e peculiaridades do espaço urbano considerado.

A quantificação do IPTU progressivo no tempo proporcionalmente ao dano causado está em consonância com o princípio da razoabilidade que deve nortear tanto a lei quanto a sua aplicação e pode evitar injustiças na aplicação do imposto. A previsão de alíquota geral para todos os imóveis sujeitos ao regime dificulta ou mesmo inviabiliza a sua graduação de acordo com a área afetada.

Lembramos que, para os fins a que se destina, a valoração e progressão da alíquota não pode observar a capacidade contributiva dos possíveis contribuintes, mas tão somente a organização do espaço urbano.

Demais, na forma como foi prevista na legislação do Município de Blumenau, a alíquota de 1% mostra-se inócua, porquanto a lei não manda que esta seja somada àquela já incidente sobre o imóvel, mas determina que seja de 1% no primeiro ano, não podendo exceder o dobro a cada ano subseqüente de sua aplicação. Ora, a alíquota de 1%, em vez de representar uma ameaça ao patrimônio, vai sim, beneficiar o proprietário do imóvel não parcelado, não edificado, subutilizado ou não utilizado, pelo menos nos primeiros anos, considerando as alíquotas previstas na legislação tributária.

A Lei Complementar nº 632/2007 (Código Tributário Municipal) prevê alíquotas que variam entre 0,8% (zero vírgula oito por cento) e 4% (quatro por cento), para os terrenos não edificados, conforme a localização.

Já para os imóveis edificados, a alíquota incidente sobre o valor venal do terreno varia entre 0,5% (zero vírgula cinco por cento) e 1,5% (um vírgula cinco por cento), conforme a localização, enquanto que as edificações sofrerão tributação variável entre 0,3% (zero vírgula três por cento) e 3,5% (três vírgula cinco por cento), conforme o seu uso e valor venal.

No caso, o proprietário de um terreno urbano não edificado que é tributado em 4%, será beneficiado com apenas 1% (um por cento) no primeiro ano, 2% (dois por cento) no segundo, 4% (quatro por cento) no terceiro, 8% (oito por cento) no quarto ano e no quinto ano e seguintes em que incorrer em descumprimento de parcelamento, edificação ou utilização compulsória pagará a alíquota máxima. Ou seja, nos dois primeiros anos, o contribuinte, em vez de ser penalizado, receberá um benefício, no terceiro exercício o valor será idêntico e somente no quarto ano de aplicação do IPTU progressivo no tempo, será penalizado.

Contudo, entendemos que o legislador municipal pretendeu, na verdade, fazer incidir a alíquota prevista no Plano Diretor somando esta às alíquotas do Código Tributário, porém, a técnica legislativa utilizada não logrou êxito e merece ser reparada.

A oportunidade para o acerto é, com certeza, o momento da elaboração das novas leis que substituirão os códigos complementares hoje vigentes.


7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estatuto da Cidade, regulamentando a Política Urbana esculpida pelos artigos 182 e 183 da Constituição Federal, instituiu diretrizes e instrumentos a serem observados pelos gestores públicos na organização das cidades brasileiras.

O IPTU progressivo no tempo é uma das ferramentas legais que veio, junto com os demais instrumentos previstos no Estatuto da Cidade, especialmente o parcelamento, a edificação e a utilização compulsória de imóvel urbano, viabilizar o combate à prática da retenção especulativa de terrenos urbanos, na busca do cumprimento da função social da cidade e da propriedade.

O uso da ferramenta está em sintonia com as competências outorgadas diretamente pela Constituição Federal aos Municípios, na qualidade de entes federados autônomos.

No Município de Blumenau identifica-se que o Plano Diretor não atribuiu muito valor à retenção especulativa de terrenos urbanos, tanto que considerou apenas as áreas maiores que cinco mil metros quadrados como passíveis de parcelamento, edificação ou utilização compulsória, com aplicação sucessiva do IPTU progressivo no tempo e do instituto da desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública. Esta conclusão deflui do fato de existirem muito poucos terrenos urbanos com estas dimensões e sem utilização nas áreas já demarcadas, o que limita a utilização dos instrumentos.

De qualquer modo, podemos concluir que o imposto predial e territorial progressivo no tempo, enquanto instrumento que visa forçar o aproveitamento do solo, de forma a melhor aproveitar a estrutura urbana instalada, poderia ser aplicado nas áreas mapeadas, tanto para os terrenos cujas dimensões extrapolam os limites estabelecidos, quanto para os imóveis urbanos subutilizados e edificações abandonadas há mais de cinco anos, desde que houvesse a prévia notificação determinando o parcelamento, edificação ou utilização compulsória.

Porém, a utilização da ferramenta, mesmo onde seria desde já aplicável, esbarra na alíquota prevista pelo Plano Diretor do Município que, salvo melhor interpretação dada à legislação, torna inócuo o procedimento.

Para a garantia da utilização das ferramentas de forma a cumprir o papel que lhes foi destinado pela Política Urbana regulamentada pelo Estatuto da Cidade é preciso, além da edição do novo Código de Zoneamento e Uso do Solo, a revisão da alíquota, de modo a não representar um benefício para o sujeito passivo e ter assim, a necessária força de ordenamento.

Assim, para que seja possível e eficaz a aplicação desse importante instrumento de gestão pública, é preciso que os municípios atentem para a atualização da legislação municipal de modo a efetuar a necessária previsão legislativa, sempre observando as diretrizes ditadas pelo Estatuto da Cidade, os princípios constitucionais tributários, além, é claro, de identificar a realidade vivida em cada município.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

  1. Constituição Federal, Art. 30, VIII.
  2. Art. 146. Cabe à lei complementar: [...] III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; [...].
  3. CF Art. 145. [...] § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
  4. Lei nº 2.262/77 - Art. 1º - Fica o Executivo autorizado a conceder favores fiscais às edificações que forem construídas dentro do perímetro urbano de Blumenau, para fins comerciais, residenciais, isoladas ou conjuntamente, e que apresentarem os estilos arquitetônicos típicos conhecidos como "Enxaimel" e "Casa dos Alpes", nas seguintes bases: a - 50% (cinqüenta por cento) do Imposto Predial Urbano - IPU - para as edificações residenciais; b - 1/3 (um terço) do IPU para as edificações destinadas ao comércio, obedecendo ao critério de lançamento estabelecido pelo "Código Tributário do Município".

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LONGEN, Márcia Zilá. O IPTU progressivo no tempo e sua aplicação na organização do espaço urbano dos municípios. Uma análise a partir da legislação de Blumenau. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2352, 9 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13979. Acesso em: 29 mar. 2024.